domingo, setembro 11, 2011

Blade Runner, uma película mórbida, mas intrigante e Nietzsche

Na última semana, assisti ao filme Blade Runner, o caçador de andróides. Trata-se de um filme mórbido. Fazer filmes de ficção é um empreendimento complexo, ainda mais quando se trata de uma obra produzida no início da década de 1980. O filme de Ridley Scott, autor de O Gladiador, 1492 e Cruzada, é maçante. As cenas se passam à noite. A evolução da história é morosa. Na Los Angeles de 2019, nota-se uma fotografia dark, complexa, eivada de caos social. Chove a maior parte do filme. É uma chuva negra, constante, num cenário velho, nauseabundo. A trilha sonora foi realizada por Vangelis. E pode se dizer que a música foi bem pensada. Ela parece ter um gosto plástico, o que causa uma sensação de gastura e mal-estar. Carros voadores dividem o espaço com modelos velhos, ultrapassados. Os comerciantes são orientais - chineses. Talvez, o diretor quisesse apontar o problema, já presente na década de 80, da orientalização da América. Trata-se de um cenário decadentista. A paisagem é opressiva. As mensagens publicitárias garantem vida plena, saúde, prazer, numa atmosfera sufocante, que parece ser o resultado de uma deterioração atômica. E nisso repousa um paradoxo.

Pode-se perceber uma condução distópica na problemática abordada pelo filme. Há uma guerra existencial, de sobrevivência e de descoberta de si mesmo. Deckard (Harrison Ford), o protagonista do filme, trabalha num filão da polícia chamada de blade runners, que tem por finalidade exterminar os “replicantes”, clones ou réplicas “mais que humanas”. Os “replicantes” se revoltam e são tidos como proscritos. A função do policial Deckard é aniquilar estes insurgentes. A questão é que estes “replicantes” vivem, no máximo, 4 anos. Eles envelhecem rapidamente. Mas, querem buscar estender a vida. Buscam resolver essa imperfeição, mas encontram o policial Deckard, que se apaixona por uma “replicante”. De certa forma, ele vive um paradoxo. Busca destruir os “replicantes”, mas está emocionalmente envolvido com alguém de vida breve e que deve morrer.

Penso que o diretor tenha desejado fazer o papel inverso, numa espécie de odisseia, da problemática do humano. Talvez Ridley Scott - e aqui podem falar os entendidos – tenha desejado projetar nos “replicantes” aquilo que é inerente ao humano, ou seja, a busca pelo prolongamento da própria vida. O tempo é um carrasco que aniquila a vida humana. Construímos cenários, tecnologias; buscamos a extensão da vida e nos apegamos com mais força aos recursos que nos são próprios, mas a vida é fugidia. Vivemos numa busca complexa num mundo cada vez mais desfigurado e sufocante. O drama da efemeridade dos “replicantes” é o drama dos próprios humanos. Os “replicantes” são o arquétipo da tragédia humana. Nascemos e vivemos em meio à ruína, ao niilismo e somos conduzidos, mesmo em meio à técnica e às buscas da ciência, ao fatalismo iminente da decadência. Como afirma um dos “replicantes” não basta “pensar para existir”. A vida é mais do que uma lógica retilínea.

Enquanto assistia à obra questionava para qual direção o filme estava sendo conduzido, mas as cenas finais são cheia de significações filosóficas. A cena que mais me pertubou é aquela em que o “replicante” Roy (Rudger Hauer) mata Tyrel, o seu criador. Nessa cena, vemos a própria implosão da metafísica. A criatura matou o criador. Pode-se evocar aquela famosa citação de Nietzsche descrita em “A Gaia Ciência”: “Deus está morto!” Talvez aqui resida uma das principais críticas feitas pelo filme: A falta de sentido do existir humano. A morte da metafísica significa a morte dos valores que sedimentavam a segurança do homem, os valores que estribavam os idealismos.

A película de 1982 é altamente instigante. Para finalizar cito o aforismo # 125 de Nietzsche, que muito bem retrata uma das problemáticas do homem moderno encontradas no filme de Ridley Scott – a criação “matando” o criador:

“Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!”? – E como lá se encontrassem muitos daqueles que não criam em Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada. Então ele está perdido? Perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança? Disse um outro. Está se escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio? Emigrou? – gritavam e riam uns para os outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. “Para onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes direi! Nós os matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, em todas as direções? Existem ainda ‘em cima’ e ‘embaixo’? Não vagamos como que através de um nada infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas de manhã? Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os assassinos? O mais forte e sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob os nossos punhais – quem nos limpará esse sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele? Nunca houve ato maior – e quem vier depois de nós pertencerá , por causa desse ato, a uma história mais elevada que toda a história até então!” Nesse momento silenciou o homem louco, e novamente olhou para seus ouvintes: também eles ficaram em silêncio, olhando espantados para ele.“Eu venho cedo demais”, disse então, “não é ainda meu tempo. Esse acontecimento enorme está a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos dos homens. O corisco e o trovão precisam de tempo, a luz das estrelas precisa de tempo, os atos, mesmo depois de feitos, precisam de tempo para serem vistos e ouvidos. Esse ato ainda lhes é mais distante que a mais longínqua constelação – e no entanto eles cometeram! – Conta-se também no mesmo dia o homem louco irrompeu em várias igrejas , e em cada uma entoou o seu Réquiem aeternaum deo. Levado para fora e interrogado, limitava-se a responder: “O que são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos de Deus?”.”

Por Carlos Antônio M. Albuquerque

Data: Domingo, 11 de setembro de 2011, 23:07:37

Um comentário:

sou eu ! disse...

Carlos, leia isso:
http://bloggar.com/diariodebordo/2002/03/20/confirmado-deckard-era-um-replicante/
e isso:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Philip_K._Dick