segunda-feira, julho 16, 2012

Amarelo Manga de Claudio Assis e a tese naturalista

Sábado à tarde eu estava em casa e resolvi assistir a um filme. Selecionei o filme nacional Amarelo Manga (tratava-se de um projeto antigo), de Claudio Assis, de 2002, e me impressionei com o que vi. Hoje, segunda-feira, mesmo estando longe de casa (estou na Serra Gaúcha - Gramado) ainda penso no filme. Amarelo Manga me pareceu um daqueles painéis pintados pelos naturalistas do século XIX; ou um daqueles romances dos quais se convencionou a produzir por escritores brasileiros como Aluísio Azevedo (Casa de Pensão, O cortiço etc) ou Júlio Ribeiro (A carne); ou ainda aquela produção francesa alavancada pro Émile Zola (A besta humana, Naná, Thérese Raquin, Germinal etc). 

Claudio Assis posicionou o seu foco sobre seres anônimos, satélites, escondidos em meio à putrefação. Em meio aos mais escabrosos, grotescos ambientes e antros do Recife, mas que poderiam figurar em qualquer cidade brasileira. Os personagens são suburbanos. Entrelaçam-se na condição vil e isso os torna humanos. Segundo a fala de um padre (padre Jonas, o intelectual do filme) "O ser humano, hem! O ser humano é estômago e sexo. E tem diante de si uma condenação. Terá obrigatoriamente de ser livre. Mas ele mata e se mata com medo de viver". A sua tese é determinista, terrivelmente naturalista e existencialista - uma mistura de Sartre e Schopenhauer. Protistutas, ambulantes, açougueiros, homossexuais, pervertidos, alcóolatras, derrotados mambembes, traficantes, maníacos, funcionário público corrupto, donas de casas são responsáveis pela formatação dos vícios e comportamentos inesperados. O ser humano é uma matéria imprevisível. Desse ser pode advir o absurdo. Mas esse absurdo é uma condição insofismável da própria condição de ser humano.

Existe uma tese de ruína social, já que "a carne" está presente em todos os espaços da obra. Tanto no aspecto real do termo quanto no figurativo. Os homens e mulheres de Amarelo Manga são seres canibais. Entredevoram-se numa teia doentia. Consomem-se. Comem-se socialmente. Existe um desarranjo social em torno de todas as relações. Marxismo, psicanálise e naturalismo se misturam para compô-los. Mesmo dentro dessa suposta anarquia existe um feixe hierárquico que deterimana as relações.

Um exemplo curioso no filme é a personagem Kika, um cristã fervorosa, que busca a virtude. Recata-se. Usa as idumentárias da decência. Busca ser um bom modelo social. Uma esposa fiel. Mas, não tolera a traição. Seu marido Wellington, um machista típico que encarna a imagem do homem nordestino, tem um caso com Daisy, outra personagem suburbana dos arrabaldes. Assim, o personagem deseja Kika para ser a esposa para "a matéria de mesa" e Daisy para "a matéria de cama".

Quando Kika descobre o caso de Wellington com Daisy transforma-se completamente. Assume a sua animalidade oculta pelo tecido da religião e da aparência social. Arranca orelha da desafeta Daisy com uma mordida; sai sem destino, vagabundamente, e entrega-se ao primeiro sujeito que se aproxima dela. Eis aí aquela tese de que do homem pode se esperar qualquer coisa. Que aquilo que vemos esconde outra força que pode vir à tona quando estimulada. Ou seja, o animal que esconde os instintos por trás cortina erguida pela moral. Segundo a obra, "o pudor é a forma mais inteligente de perversão."

Amarelo Manga não é um filme para se ver com a família. É uma obra marginal. Palavrões. O sangue do abatedouro que parece respingar em nosso corpo; o órgão genital ornamentado por pentelhos amarelos, de Lígia (dona do Bar Avenida), sugere a estética do filme. Por que "amarelo manga"? Amarelo, segundo a obra, é a cor da ruína, da podridão; "dos cabos das peixeiras, da enxada e da estrovenga. Do carro de boi, das cangas, dos chapéus envelhecidos, da charque. Amarelo das doenças, das remelas dos olhos dos meninos, das feridas purulentas, dos escarros, das verminoses, das hepatites, das diarréias, dos dentes apodrecidos".

O filme é bastante rico. Cheio de simbolismos e metáforas. Deve ser visto com atenção. Amarelo Manga é daqueles filmes que você ama ou rejeita. É cru. Visceral. Foge daquela estética que visa apenas impressionar o mercado, tendo por finalidade última ser arrematado para um Oscar - nosso eterno sonho.

Em meu simplismo diletante: baita filme!

P.S. tenho outro filme de Claudio Assis. Chama-se Baixio das Bestas (2006) e ganhou vários prêmios nacionais e internarcionais. Pretendo vê-lo o mais rápido possível.

Gramado-RS

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