quarta-feira, dezembro 05, 2012

Angústia, de Graciliano Ramos, algumas observações após a leitura

Após ter lido a biografia (acredito que seja a melhor já escrita) sobre Graciliano Ramos, de Dênis de Moraes, veio-me o desejo de revisitar algumas obras do escritor alagoano. Escolhi três dessas obras (Angústia, Infância e Viagem). Dos três livros, ainda não li Viagem. Hoje, terminei pela terceira vez a leitura de Angústia. Recordo-me, fazendo uma digressão, que a primeira vez que li Angústia - isso lá pelos idos de 1999 - fui invadido por um pasmo que somente um bom texto pode proporcionar. As leituras que fizera até ali, mostravam-se tolas, inexpressivas e até previsíveis. Eu, um leitor de lorotas literárias; eu, um leitor de placebos literários; eu, um leitor de sensaborias; de letras pouco "edificantes". Quando li Angústia houve um toque de transformação.

O personagem Luís da Silva se tornou um ente pegajoso. A prosa arrastada, asfixiante, perseguiu-me por semanas. Naquela ocasião eu frequentava uma igreja evangélica (de teologia calvinista). Fui falar sobre o livro e sobre a perspectiva literária de Graciliano Ramos com o reverendo da igreja, saí de lá com uma sensura agasalhada no entendimento e um conselho explícito para abandonar os textos do velho Graça. Não assenti. O julgamento tacanho do reverendo me fez perder a confiança na inteligência da maioria dos religiosos. Afinal, Graciliano se consumou como uma grande paixão.

Em 2004, li pela segunda vez a obra. Naquela ocasião, eu estava na casa do meu avô, no estado de Pernambuco. Foi um momento prazeroso. Muita chuva. Silêncios enormes. Uma casa de farinha de arquitetura mambembe. A chuva caindo como farinha fina, ocultando os prados afastados, as matas distantes; nuvens sisudas à semelhança de cobertores escuros no céu; intervalos regados com muita conversa com o meu avô, na ocasião, bastante sorridente. A experiência foi gostosa e reveladora. Foi o último contato que tive com meu avô.

E, agora, voltei a lê a obra de Graciliano. Fiquei com uma dúvida após ter realizado a leitura. Não sei se elegerei Angústia como o livro que mais gosto do escritor. Tenho uma predileção por São Bernardo, que possui uma escrita enxuta, um tema grandioso e uma análise psicológica sobre o mundo humano raro de se ler em literatura. Mas é curioso como Angústia é um tipo de literatura de estética esfumaçada, cinzenta, úmida, pegajosa.

O que Graciliano queria transmitir com esta obra? Os romances dos escritor possuem dinstinções singulares: Caetés se mete pela análise de uma pequena burguesia interiorana; com esta obra, o velho Graça se transforma em um Eça Queirós rural; com São Bernardo, Graça se transforma num Balzac do sertão; a narrativa sobre as vicissitudes de Paulo Honório e sua sina de bicho indomesticado transforma o romance em um dos livros mais importantes escritos na literatura brasileira do século XX. Em Angústia, seu terceiro romance, Graciliano sai do meio rural e se fixa na análise no meio urbano; Luís da Silva, um pequeno-burguês decadente, morador de subúrbio, pequeno em seus anseios; frustrado em sua paixão.

A obra está repleta de um pessimismo trascendente. Trata-se de uma naturalismo fundado no psicológico. Enquanto os realistas e naturalistas fixavam-se nos apsectos físicos como resultado das determinações psicológicas da natureza humana, Graciliano amplifica o psicológico e cria uma espécie de realidade fantasmal; um abismo escuro, onde bichos se escondem e são coloridos pela disposição mórbida de descrever do narrador. 

É curioso notar como a vida social em Angústia é construída por tipos tacanhos, pequenos, mesquinhos. Nenhuma das personagens parece estar fincado numa ideia de progresso da ordem social. Julião Tavares é burguês da história, mas é um conquistador, uma aventureiro e aproveitador. Utiliza posição para enganar as moças pobres. É um grande fanfarrão. Marina é alguém que busca o progresso por meio da sorte em um casamento que malogra. Moisés é o caudilho que sonha com a revolução e que escreve "Proleletários uni-vos" com piche em um muro velho, num subúrbio sujo. A grafia é torta e, a sintaxe, emperrada pela ignorância. Cabe a Luís da Silva proferir em outra parte do romance, demonstrando as suas crenças: "História! Esta porcaria não endireita. Revolução no Brasil! Conversa! Quem vai fazer a revolução? Os operários? Espere por isso. Estão encolhidos, homem. Os camponeses votam no governo, gostam do vigário". 

Como não existe perpectiva positiva no plano objetivo, cabe à personagem viver a angústia da imobilidade. A ideia patológica da alienação e do conformismo inoperante. O ódio de Luís da Silva por Julião Tavares, é o ódio do pequeno burguês sem possibilidade de ascensão, contra o privilegiado, ou seja, tudo aquilo que o primeiro quer ser. O intelectual emergente, que reflete a sua mísera e tacanha condição, que possui projetos pequenos e é abafado pela via material. Luís da Silva nesse sentido é um Raskolnikov, personagem de Crime de Castigo, do russo Dostoiévsky.

O mundo do romance está repleto de sombras oleosas e cinzas, de ratos que roem os papéis de Luís da Silva e de ratos, que no plano social, roem a utopia; de taras e de inapetência; de supercialidade no plano das relações físicas e de visceralidade no escrutínio dos dilemas das personagens; de mulambos, de decadência. Não sei, mas penso que Angústia tenha se tornado, no meu ponto de vista, o romance mais complexo de Graciliano Ramos. A linguagem é diversa daquela de São Bernardo ou de Vidas Secas.

Leiamos Infância. Mas antes terminemos As notas do subsolo, de Dostoiévsky.

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