quinta-feira, fevereiro 06, 2014

O anti-esquedismo nosso de cada dia

Li há pouco o artigo de opinião do jornalista  José Antonio Lima, da Carta Capital, sobre o medo do comunismo no Brasil. E gostei bastante do texto. Ele faz cinco apontamentos sobre o medo saliente, que ainda vigora por aqui, sobre uma suposta "invasão comunista" em nosso país tão combalido. Existem alguns elementos que, com certeza, corroboram para a manutenção e sustentação desse estado de coisas. Afinal, somos um país imensamente conservador. Por aqui, historicamente, foi feito um trabalho de desqualificação dos movimentos sociais. Um forte empreendimento da mídia, a serviço dos interesses daqueles que estão no poder, para que os trabalhadores não entendam a sua condição.

Não houve na história do Brasil revoluções sangrentas. Conflitos dramáticos. O nosso Estado sempre esteve a serviço das elites. Como diz Caio Prado Júnior, o nosso país não passou por "rupturas" que trouxeram compensação e liberdade para os pobres. E, atualmente, existe uma estandardização, uma homogeneização forçada por parte do capital. O "homem burguês", nomenclatura sugerida por Leandro Konder em seu excelente livro "Os sofrimentos do homem burguês", fazendo uma referência intertextual explícita ao famoso romance de Goethe, "Os sofrimentos do Jovem Werther", é um sujeito domesticado, docilizado, por uma falsa impressão de que é livre. Sua função é consumir mercadorias, que são produzidas para gerar expectativas e fetiches. 

A onda anti-esquerdizante que ultimamente tem acometido o Brasil é resultado da ausência de um acerto de contas com a nossa história, como sugere o colunista da Carta Capital. Costumo acompanhar os comentários em fóruns, em blogs, em textos de opiniões, em vídeos do Youtube e tenho me impressionando com o reacionarismo raivoso que vigora em nosso país. O anti-esquerdismo se vincula a um antipetismo, que leva a rechaçar qualquer referência às ideias de Marx. Tornam-se cada vez mais famosos conservadores radicais e fascistas como Olavo de Carvalho e Rachel Sheherazade. O olavismo está cada dia mais forte. Seu famigerado livro, "O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota", vende como água. Outro livro, "Esquerda Caviar", de Rodrigo Constantino, tem feito salivar a boca dos empedernidos radicais. Ou ainda "Porque virei à direita", livro cuja propaganda alardeia o porquê de três "intelectuais" (João Pereira Coutinho, Luiz Filipe Pondé e Denis Rosenfield) terem deixado a esquerda. Os argumentos de obras como as citadas não estão pautadas em uma análise dialética dos fatos, criticamente, historicamente. A arma da esquerda é a análise pautada no materialismo histórico dialético; a, da direita, a análise moral e cultural da história. O corte é feito em cima de supostas situações causadoras de constrangimentos para a esquerda como, por exemplo, os milhões de mortos pelo regime stalinista; o regime cubano; o muro de Berlim; o governo da Coreia do Norte, etc. Ou seja, a estandardização é absoluta. Não se quer saber se tais eventos estão ligados à teoria de Marx. Joga-se fora a criança e a água suja da bacia. Não se separam os fatos. 

Protesto dos chamados black blocs, que são os filhotes da pós-modernidade
Cada vez mais vemos nascer um radicalismo perigoso que isola a proteção aos direitos sociais, os códigos internacionais que explanam os direitos humanos e que nos tornam ainda humanos - e próximos um dos outros. A mídia tem feito um trabalho de criação de um espírito de hecatombe. É como se vivêssemos no pior dos mundos. É como se já experimentássemos aquele evento bíblico-mágico: o armagedom. Vivendo em cidades cada vez mais cheias e carregadas de problemas, o homem burguês sofre com a própria sociedade que ele ajuda a criar com o seu sangue. Não percebe que a mudança desse estado só é possível com a transposição ou a superação desse estilo de vida que foi criado. Em nosso país não é diferente. O grande problema é que nos aproximamos cada vez mais de um tipo de radicalismo perigoso: que é o fascista, aquele que não é capaz de reconhecer o outro como um igual. Aproximamo-nos cada vez mais da barbárie.

O ano passado vi esse trio em frente ao Palácio do Planalto com um cartaz que rezava: "Intervenção Militar já!! O Brasil exige ordem e progresso". Nada mais perigoso: unir militarismo e positivismo.
Somos uma democracia frágil. A burguesia brasileira sente-se atingida com os governos de Lula e Dilma, pois sempre idolatrizou o modelo dos países centrais - não quero fazer defesa ao governo do PT, pois entendo que o Partido dos Trabalhadores se afastou em muito de sua agenda histórica. Por sua vez, a classe média brasileira é admiradora daqueles que ditam as regras do jogo. É aquilo que Paulo Freire costumava dizer: "O sonho de todo oprimido é tornar-se opressor". A ditadura militar fez um trabalho de domesticação muito eficaz em nosso país, criando um espírito anti-esquerdista. Desmobilizou a nossa resistência à opressão. Criou um medo falso de que comunista é aquele que comia criancinhas; eram sujeitos feios e barbudos; e que trariam a desordem ao mundo. Em seu delírio cego para rechaçar as intenções políticas de João Gourlart, que era um suposto comunista para eles, acabou por criar um espírito de desconfiança ante tudo aquilo que se diga de esquerda. Hoje ainda temos essa imagem. O PT sempre foi associado a isso, apesar de não ser um partido comunista. O PT é, no máximo, aquilo que poderíamos chamar de partido social-democrata. Suas intenções iniciais talvez tenham sido "vermelhas", pois foi um partido que surgiu do seio dos movimentos sociais. E uma das "broncas" da classe média é, justamente, a associação do PT com comunismo. Ela não consegue aceitar esse fato, sem atentar para a lavagem cerebral histórica da qual é vítima.

Somos ainda uma sociedade confusa. A mídia e as redes sociais ajudam construir essa atmosfera de desordem. Não sabemos nos reconhecer. Existem muitas opiniões que saltam do lugar comum. E todas elas servem para alimentar aquilo que mais nos destrói: a nossa ignorância histórica. A nossa falta de visão para enxergar de onde vem o problema - a saber, do próprio capitalismo. Socialismo, conforme pensado por Marx, não é ditadura, é humanismo, bom senso e equidade. E como precisamos disso em nosso país!

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