sexta-feira, abril 18, 2014

A Sexta-Feira Santa e uma pequena reflexão sobre a fé

Rogier van der Weyden, Sepultamento, 1450.
Após ler um belo texto de Leonardo Boff, bateu-me uma sensação de frescor espiritual. Além disso, estou ouvindo o Stabat Mater, do compositor italiano Antonio Caldara, que nasceu no século XVII e morreu no século XVIII. Hoje se comemora a dita Sexta-Feira Santa, momento de imensa significação para a cristandade. É o dia que, segundo a tradição cristã, Jesus morreu por amor aos homens a fim de remi-los dos pecados e injustiças. 

Passados dois mil anos dessa possível morte, fico a pensar na atual situação do mundo, cujo nível de violência, dessacralização, vilanias, cinismos e irreverências se tornaram insuportáveis - não que isso não tenha existido em outras épocas. E a consequência disso tudo é o medo, a bestialização, a perca da capacidade do afeto.  E a mensagem de amor e esperança parece ter se diluído no horizonte aziago da história. Parece que caminhamos para a barbárie. Para a selvageria absoluta. Nesse sentido, penso que aí se faz importante a mensagem cristã de amor. Não somente a cristã, mas todas aquelas que enchem o coração dos homens de luz e pacificação. 

A cristã, especialmente, ergueu um monumento de esperança. Serenou angelicamente um gesto de beleza com o objetivo de tornar os homens mais homens; mais justos; mais cheios de dignidade e capazes de reconhecerem o outro como sendo alguém vestido pela imagem santificada do absoluto. Entendo que a mensagem do Evangelho seja um das mais bonitas que já foram semeadas na história da humanidade. Ela por si só, sem o fungo fermentador dos radicalismos da fé, sem a dogmática castrante que existe em torno da religião institucionalizada, é capaz de promover revoluções interiores. É capaz de fazer nascer a vida. É como o próprio Cristo diz em uma das passagens dos evangelhos, afirmando de forma belíssima que o amor, a descoberta de si, o caminhar religado com esse espírito de sensibilidade e transformador, faz com que esse mesmo sujeito se torne uma espécie de "chafariz ambulante", do qual do seu interior brotam as águas que transformam a própria vida (Jo 7.38)

Quando olho para a história da arte, não deixando de pensar no poder e pompa ostentada pela Igreja durante vários séculos, cujo resultado foi perseguição, morte, abusos, vilanias, negociações extravagantes, numa afronta deliberada àquilo que ensinou Cristo, não posso me desvencilhar das emoções geradas a partir da contemplação da fé. Como, por exemplo, a bela Missa  Dolorosa do Antonio Caldara, que escuto agora; ou ainda uma missa ou cantata de Bach; ou uma obra de Palestrina, Lassus, Gesualdo ou Victoria. Ou ainda a contemplação de uma obra de Rogier van de Weyden, Caravaggio ou Giotto.

Allain de Boton escreveu em seu livro Religião para ateus que "o cristianismo nunca nos deixa qualquer dúvida sobre para que serve a arte: é um meio para nos lembrar daquilo que importa. Existe com o intuito de nos guiar para o que deveríamos cultuar e condenar, se desejamos ser pessoas boas e sãs em posse de almas bem-ordenadas. É um mecanismo por meio do qual nosssas memórias são exercitadas à força a respeito do que devemos amar e ser gratos, assim como do que devemos nos afastar e temer". Agostinho nos aponta para isso quando diz que um sacramento é um símbolo capaz de representar uma ausência; é um sinal da presença da graça. O cristianismo como um todo é um apontar para a possibilidade de que os há esperança, de que a bondade e o amor, essa capacidade tão humana, podem ser experimentados.

Assim, passo a ser simpático para com a fé a partir do momento em que ela me torna uma pessoa mais singela, mais humana e, a partir disso, abre uma porta dimensional capaz de me fazer pensar em minha finitude e como Pascal posso dizer: "Sou o nada diante do tudo; e o tudo diante do nada". A sentido da religião repousa justamente nessa compreensão belíssima que nos leva a cultivar paisagens interiores. E uma vez que as paisagens interiores estejam cultivadas, do lado de fora verão a cachoeira, a cascata interior aludida por Jesus. E aí tudo ganha o sentido daquela afirmação de São Francisco: "Prega o Evangelho em todo tempo; se necessário, usa as palavras".

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