domingo, abril 20, 2014

"Educação Sentimental", de Júlio Bressane

Vi na sexta-feira ao perturbador filme de Júlio Bressane Educação Sentimental. Talvez o termo "perturbador" crie uma expectativa negativa em torno do filme, mas é, no mínimo, assim que poderíamos defini-lo. Emprego o termo aqui no bom-sentido. Não quero espicaçar a obra, que é de boa qualidade. Em primeiro lugar é preciso esclarecer que assistir a um filme de Júlio Bressane exige um exercício bastante intenso de disciplina e de relativa maturidade. O telespectador pouco afeito à estética bressaniana pode chegar a conclusões apressadas como esta: "Que porcaria é essa?!"

Ademais, Bressane é um dos diretores mais eruditos do nosso país com seu cinema experimental. Seus roteiros são densos e estão permeados por temas diversos da literatura, filosofia, religião e mitologia. Como, por exemplo, em Dias de Nietzsche em Turim ou São Jerônimo, que de tão bonito e sublime provoca uma náusea estomacal.

Educação Sentimental conta a história de Áurea e Áureo. Até aí tudo bem, já que os nomes parecem revelar uma grande brincadeira. Mas no transfundo disso tudo está o mito grego de Endimião e Selene. Ou seja, a lua que se apaixona pela beleza física de um jovem pastor. No caso do filme, a professora que se apaixona pelo aluno. Ela, uma letratada que conhece os meandros da literatura. Que disserta para o garoto, que em alguns momentos, parece não entender aquilo que ela diz. Seu tom professoral é erguido com afetamento e artificialidade. Sua voz é alambicada; todavia, impecável. Seus modos, completamente livres e telúricos, como na cena em que ela caminha e dança num frenesi primitivo. Ao fundo, ouvimos o sons de animais da fauna brasileira - tucanos e outros pássaros e animais

O filme revela uma poesia muda. As referências ao mito surgem a todo instante. No caso do mito, Zeus provoca um sono profundo em Endimião, que dorme e não pode despertar; e todas as noites a lua vem beijar a beleza de Endmião com sua claridade prateada. A professora, por sua vez, ensina tudo ao jovem Áureo. Beija-lhe a mocidade com sua erudição. Seu saber arqueológico é, na verdade, um grito a serviço da arte. E aqui notamos a genialidade de Bressane ou a sua voz protesto a favor de um cinema que faça emanar a poesia e deixe de lado o anelo comercial. Tal desejo inveterado pelo lucro tem tirado a roupagem artística do cinema. A indústria cinematógrafica sufoca e impede que a poesia de um Bressane, de um Tarkovski, de um Bergman, de um Kubrick seja apreciada.

Filme bom é aquele que nos faz pensar. Que sugere misteriosamente e nos deixa por dias com suas imagens tatuadas em nossa mente.  O filme de Bressane se inscreve nessa categoria. É um filme curto e, ao final, existe uma revelação das cenas dos bastidores (making of), chamado de Circuncena, que mostra a cozinha onde os sonhos do cinema são produzidos. Educação Sentimental não faz referência à obra homônima de Gustave Flaubert.

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