sábado, abril 19, 2014

Miguel Street, de V.S. Naipaul - que livro!


Em meio à torre infinita de livros para serem lidos que se avulta na distância, tornando o seu cimo indivisável ao observador afastado, mês passado comprei dois livros de V.S. Naipaul - Miguel Street e Sementes Mágicas - ganhador do Prêmio Nobel em 2001. Conheci Naipaul no blog do Charlles, como tantas coisas boas em matéria de literatura que aparecem por lá. Os textos do Charlles, sempre com uma pitada de profunda sensibilidade mordente, não perdem em nada para essas revistecas recheadas por esses jornalistas de olhares enviesados. O Charlles já me proporcionou bastante alegria. Tudo que ele cita, eu acabo anotando escrupulosamente para conseguir em seguida. E quando percebo o quanto o sujeito já leu, fico com uma pontada de inveja. Bate-me uma espécie de síndrome faústica. Ou seja, aquele desejo de abarcar o infinito. De me diluir em meio ao caos. De abraçar as galáxias. De correr pelos espaços infinitos da literatura. De ler, ler e ler. Mas, sou limitado e estou circunscrito por responsabilidades e atividades-cacetes que me estrangulam o tempo e me põem num marasmo profundo.

Quando me surge uma oportunidade, lá estou eu a mover o olhos pelas linhas, diligentemente. Foi assim que fiz com Miguel Street, de V.S. Naipaul. Aproveitei o feriado e li o livro em dois dias. O curioso é que não fiz um esforço demasiado para ler a obra. Tudo aconteceu de forma natural. O prazer foi incomensurável. Fazia um certo tempo que um livro não provocava tanto prazer, leveza e boas gargalhadas quanto esse Miguel Street. O último livro que me proporcionou tão boas gargalhadas foi O mestre e Margarida, de Mikhail Bulgákov, que li o ano passado. O livro de Naipaul é um livro de leitura fácil, ágil. Composto por dezessete capítulos, que acabam formando uma unidade, apesar de terem a aparência de contos avulsos. 
V.S. Naipaul
O livro foi escrito em 1955, num período de seis semanas. Àquela ocasião, Naipaul era um jovem de pouco mais de 23 anos de idade. Era sua estreia. Chegara à Inglaterra três anos antes, vindo de um país obscuro do Caribe, Trinidade e Tobago. De origem indiana, os antecedentes do escritor, por conta das relações do país com a Inglaterra, receberam levas enormes de indianos. Isso explica até o hoje o fato de Trinidade e Tobago ter boa parte de sua população formada por hindus. 

Miguel Street era o nome de uma rua da capital do país, Porto Espanha. Lá viviam os tipos mais curiosos que um romancista poderia desejar. Uma verdadeira constelação de personalidades estranhas e engraçadas esperando para ganharem vida em uma boa narrativa. Quando Naipaul escreveu Miguel Street aos 23 anos de idade, ele demonstrou ao mundo justamente essa ótica singular capaz de apreender de forma genial os tipos marginais numa narrativa rápida, curta e de muito bom gosto. É isso que chama a atenção no livro. As personagens foram tiradas, e aí como faz Graciliano Ramos em Infância, não se sabe até que ponto a realidade ganha o terreno da ficção ou esta última ganha o terreno da realidade, do meio vivencial do autor. 

Enquanto os romancistas estavam preocupados com o mundo pós-guerra. As causas intelectuais estavam voltadas para o eixo Europa e Estados Unidos, o que poderia sair de interessante de um país insignificante como Trinidade e Tobago, e que somente conseguiria a sua independência anos mais tarde? Personagens excêntricas como Bogart, um homem que passa o dia inteiro jogando paciência; Homem-homem, que planeja sua própria crucificação e pede para ser apedrejado, mas fica bravo quando as pessoas começam de fato a atirar pedras nele; Laura, que tem oito filhos com sete homens diferentes; Bhakcu, um suposto gênio da mecânica que se torna líder espiritual; Titus-Hoyt, o bacharel em arte e tantos; Hat, o sujeito que gostava de levar as crianças para o jogo de críquete. Ou seja, a narrativa está repleta de tipos pequenos e marginais, como mulheres que batem em maridos, maridos que batem em esposas; tipos que são enganados ou que usam de esperteza para ganhar a vida. Em tudo se nota, a singeleza com que viviam as personagens. Um lugar onde fatos endêmicos grassam com bastante facilidade, numa espécie de tragicomédia. 



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