terça-feira, julho 29, 2014

Perguntas. O negro ontem e hoje.

Hoje cedo, enquanto voltava do trabalho, li no metrô uma reportagem do blog Pragmatismo Político, que muito me deixou pensativo. A reportagem tem no título uma pergunta bastante perturbadora: "Onde estão os políticos negros do Brasil?". Trata-se de pergunta que deve ser ampliada, pois nos quadros que conduzem o Brasil, os negros representam uma minoria insignificante, mostrando claramente que o país ainda está dividido entre a senzala e a casa-grande. 

A colonização deixou marcas terríveis em nosso país. E no que tange à dança das classes, os negros foram aqueles que mais sofreram e continuam a experimentar os infortúnios da abolição, que se deu no nível dos documentos e da história. Todavia, no que  diz respeito à materialidade e a inclusão nos quadros mais importantes da sociedade, o negro ainda está em desmesurada desvantagem. Emília Viotti da Costa em seu excelente "A abolição", diz que "A abolição no Brasil não foi resultado de uma revolução como ocorrera no Haiti, nem de uma guerra civil como nos Estados Unidos. Os proprietários de escravos não tiveram de enfrentar um governo imperial metropolitano como as colônias do Caribe, Jamaica ou Cuba, por exemplo. No Brasil, os fazendeiros puderam controlar a transição, sobretudo depois que a Monarquia foi substituída pela República federativa em 1889 e os estados ganharam maior autonomia". 

Após a abolição, que ocorreu por certo desprestígio do trabalho escravo e uma mudança no modo de produção da Colônia, os escravos se viram em condições terríveis. Eles haviam conquistado a liberdade jurídica, mas não foram reconhecidos pelo estado nem se tornaram cidadãos. Com a proibição do voto dos analfabetos, levas e mais levas de escravos se viram impossibilitados de participar dos pleitos políticos. Muitos tentaram conseguir trabalho nas cidades, mas havia um "laivo" histórico e social que os tornavam seres subalternos. De modo que a maior parte dos escravos continuou a trabalhar nas fazendas nas quais já estavam instalados. A única distinção era que agora não havia mais um cadeado a prendê-los. A mudança jurídica não mudou a materialidade.

Viotti vai dizer ainda que a partir do momento da consecução da abolição, o Estado municiou-se com medidas mais repressivas. Ao invés de trabalhar para inserir o negro no novo contexto social e fazer a Reforma Agrária, como foi proposto por André Rebouças (advogado negro que fazia parte da campanha abolicionista), que com certeza teria mudado o destino do país, as autoridades aumentaram a força policial para exercer um maior controle sobre as camadas mais subalternas da população, entre as quais se inseria o negro. 

Emília diz: "Renovaram-se antigas restrições às festividades características da população negra, como batuques cateretês, congos e outras. Multiplicaram-se as instituições destinadas a confinar loucos, criminosos, menores abandonados e mendigos. Posturas municipais reiteraram medidas visando a cercear os vadios e desocupados, proibindo que vagassem pelas ruas da cidade sem que tivessem uma ocupação e impedindo-os de procurar guarida na casa de parentes e amigos. (...) Outras medidas procuraram cercear o comércio ambulante impondo severas penas a quem desrespeitasse as restrições". 

Segundo o The Guardian, na Copa do Mundo, o número de negros nos estádios não chegou a uma porção insignificante e ínfima, ou seja, um retrato do racismo e da divisão social que existe no Brasil. Analisando a situação do negro hoje no Brasil à luz da história, nota-se claramente que o processo de mudança ainda é bastante incipiente. Em um país que 50,7% da população (dado do IBGE) se classifica como negra, por que menos 10% de negros são parlamentares? Por que segundo o Censo do Poder Judiciário, apenas 1,4% dos magistrados brasileiros se declaram negros? Por que um negro no Brasil tem oito pontos percentuais mais chances de ser assassinado do que alguém auto-proclamado como branco?

Outras perguntas devem ser feitas, além daquela estampada na manchete: se mais da metade da população é constituída por negros, onde estão os negros advogados? Os negros que são professores universitários? Os negros que são empresários? Os negros que são médicos? Os negros que viajam para o exterior?

Se, de fato, metade da população do Brasil é constituída de negros, onde é que está grande parte desse contingente expressivo? Uma resposta surge: nas periferias, nas cadeias, trabalhando na construção civil ou em funções de menor prestígio social; nas levas de desempregados.

Lendo a reportagem, percebi o quanto o Brasil precisa fazer um acerto de contas com a sua história. Os negros continuam até os dias de hoje sendo vítimas de toda sorte de preconceitos e preterições por parte do Estado. Como a frase que ouvi certa vez da boca de um jovem de periferia em uma reportagem na TV: "A única instituição do governo que vem aqui é a polícia". 

DA COSTA, Emília Viotti. A abolição - 8a edição. Editora Unesp. São Paulo. 2008. 

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