domingo, dezembro 21, 2014

Surpreendido mais uma vez

C.S. Lewis (1898-1963)
O tempo é uma entidade curiosa. Parece que hoje eu tenho uma noção de que ele se pulveriza bem mais rapidamente do que em outras épocas. Dormimos. Acordamos. Realizamos meia dúzia de atividades com completa desconexão, apenas seguindo aquela força maquinal do cotidiano e, de repente, temos que dormir novamente para acordar e reiniciar todo evento circular. 

Constato que tenho lido numa velocidade cada vez menor. Fazendo isso, sigo uma via paradoxal em relação à consciência que tenho do tempo. Estou lendo três livros ao mesmo tempo. No passado, eu já cheguei ler cinco ou seis. Era um frenesi constante. Chegava a vencer nove ou dez em um único mês. Atualmente, tenho lido muito pouco. E isso acaba gerando em mim uma indignação silenciosa, dessas que se alastram como fumaça e deixa a gente com os seus efeitos duradouros. A despeito disso, resolvi iniciar a leitura de um livro que há muito eu procurava. 

Enquanto eu era um estudante de teologia, lá pelos idos de 2003, li Surpreendido pela Alegria, de C.S. Lewis. E, a primeira vez que o li, fui como sugerido pelo título, "surpreendido" por uma estilo agradável e por uma narrativa autobiográfica de grande qualidade. Lewis diz no início da obra que não pretendia escrever um tipo de livro que se assemelhasse às Confissões de Santo Agostinho ou às Confissões de Rousseau. Penso que neste ponto resida uma humildade fingida da parte do inglês, posto que o livro possui uma leveza poética e uma qualidade que nos faz desconfiar que por trás daquelas letras do autor, há alguém saturado dos aromas da literatura. 

Já estava procurando o livro há uns seis anos. Entrei em contato com a Livraria Mundo Cristão, responsável pela publicação em 1998, mas eles me informaram que não havia nenhuma previsão de reimpressão da obra nos próximos anos. O exemplar que li pertencia à biblioteca do Seminário Presbiteriano de Brasília. 

Todavia, os ventos venturosos trazidos pelos deuses vieram até mim e eu o achei na rede. O livro inteiro em uma versão em PDF. Sei. Não é a mesma coisa que o objeto físico. Ler no computador não é uma das melhores coisas. Já li livros na tela, seguindo aquele fluxo de letras miúdas e luminosas - O crime do padre Amaro (Eça de Queirós), A peste (Camus), O Anticristo (Nietzsche) entre outros - e a experiência não é a mesma que ter em mãos o livro. Atualmente, ando lendo O homem desenraizado, de Todorov, também na tela do meu notebook. E tenho planos de ler O descobrimento da América do mesmo autor. É cacete ler no computador. Mas vamos lá...

Li, hoje à noite, as primeiras vinte páginas do livro de Lewis (assim que terminar pretendo fazer uma pequena resenha) e me detive nas palavras abaixo. Ao ler essas palavras, embarquei em uma viagem que me levou ao passado. Recordo-me de que quando li cada uma delas pela primeira vez, tomei as palavras como um valor quintessencial que me seguiria pela vida a fora.  Sempre desejei, desde o dia que li isso, tornar em uma verdade inseparável, inarredável. Ou seja, jurei nunca me afastar dos livros. E, hoje, lendo essas palavras, não deixo abrir os lábios em um sorriso de satisfação por algo que vivi, que descobri - e que foi bom. Ah! o tempo...

"[...] Meu pai comprava todos os livros que lia e jamais se livrou de nenhum deles. Havia livros no escritório, livros na sala de estar, livros no guarda-roupa, livros (duas fileiras) na grande estante ao pé da escada, livros num dos quartos, livros empilhados até a altura do meu ombro no sótão da caixa-d'água, livros de todos os tipos, que refletiam cada efêmero estágio dos interesses dos meus pais-legíveis ou não, uns apropriados para crianças e outros absolutamente não. Nada me era proibido. Nas tardes aparentemente intermináveis de chuva, eu tirava das estantes volume atrás de volume. Encontrar um livro novo era para mim tão certo quanto, para um homem que caminha num campo, é certo encontrar uma nova folha na relva.". (C.S. LEWIS, 1998, 20).


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