sábado, março 28, 2015

O cinema em fevereiro

Othon Bastos, no papel de Paulo Honório
O mês de fevereiro não me proporcionou a diligência necessária para ver filmes. Foi o mês em que tive de voltar ao trabalho. E o excesso de reuniões noturnas, a adaptação forçada à sala de aula após mais de um mês de férias, fez minguar "a audiência" desejável. 

Ao todo foram apenas cinco filmes. Posso classificar como um período excessivamente mirrado. Desde o mês de junho do ano passado, quando assisti a apenas um filme (Os últimos passos de um homem - 1995), que eu não via uma quantidade tão ínfima. Dos cinco filmes, o destaque fica com São Bernardo, baseado no livro homônimo de Graciliano, filme de 1972; e Nove Rainhas, mais um filme argentino com o onipresente Roberto Darín, que tem sido bastante comentado por aqui nos últimos meses. Os outros três são colocados num subgrupo. São eles: Santo Agostinho - o declínio do Império Romano (2010), Coração Valente (1995) e Oblivion (2013).

São Bernardo é daquelas obras que exigem mais de uma leitura - pelo menos uma a cada ano. É um trabalho cujo nível de análise de uma personagem chega a alturas adstringentes, de laceralidade psicológica, de secura de exame que nos coloca diante de um dilema: Paulo Honório é um herói ou um homem mal, rústico, bárbaro, desumanizado? Graciliano Ramos narra a história de um sujeito amargo, de vontade indômita, que subjuga os seus semelhantes como subjuga a terra. Paulo Honório conta a a história. Já nas primeiras páginas do livro, notamos a querela em torno da redação de um romance. Mas é depois que sua esposa Madalena se mata, que Paulo Honório inicia o seu calvário existencial. É um sujeito que busca se compreender, se medir. Afinal, como diz Eduardo Coutinho: "...a ambição de poder acaba por consumi-lo: ser e ter, define-lhe a visão de mundo".

Acima, ative-me de forma sucinta e superficial aos aspectos mais gerais dessa obra, uma das maiores da nossa literatura. O que é fantástico é que o ícone do Cinema Novo Leon Hirszman, que mais tarde faria aquele que é um dos grandes filmes do cinema brasileiro - Eles não usam black-tie (1981), conseguiu fazer uma das adaptações mais felizes que conheço. Othon Bastos conseguiu fazer viver esse que é um dos mais complexos personagens da literatura brasileira.

O outro filme que destaco é Nove Rainhas, que tem como diretor Fabían Bielinsky e é protagonizado pelo incansável Ricardo Darín e Gaston Pauls. Trata-se da história de dois picaretas que vivem a tirar vantagens de situações pequenas, até que surge a oportunidade de se darem bem. Eles conseguem uma série de selos ingleses raros conhecidos como Nove Rainhas e, a partir daí, terão que negociar com um empresário. Mas o que é surpreende no filme é o desfecho inesperado que deixa o telespectador boquiaberto, com ar embasbacado e a dizer: "Meu Deus, o que aconteceu?!" A partir desse evento, um sorriso bobo espraia-se no canto da boca, enquanto percebemos a ficha técnica do filme subindo. Foi assim que me senti ao ver essa produção argentina bem urdida.

Os três filmes que restaram ficam em um degrau abaixo, como enunciei acima. Coração Valente, uma obra cuja duração tem quase três horas, vi quando ainda era adolescente. Isso lá pelos idos de 1996 ou 1997. Voltei a ver a obra movido por uma curiosidade analítica, que busca reviver antigos otimismos que se fecundaram em tempos passados. O filme é plasticamente bem elaborado. Mel Gibson, que é diretor e protagonista (vive o papel do caudilho libertador William Wallace), conseguiu jungir drama épico, belezas naturais, fortes emoções e um mote invencível, a busca pela liberdade. Se não estou equivocado, Coração Valente ganhou o Oscar de melhor filme do ano de 1995. É uma drama épico grandioso. Podemos notar nesse tipo de filme dois aspectos: (1) quando o herói consegue cumprir a sua missão, realizando aquilo que é esperado dele, essa previsibilidade nos leva a um desenlace daqueles: "e eles viveram felizes para sempre", o que é tão típico em filmes hollywoodianos; (2) mas quando o herói morre, como é caso de Coração Valente, resta fazer desse evento algo grandioso, capaz de gerar emoções ou inocular no telespectador uma impressão de que ele era grande, enorme; que o herói mesmo morrendo é imortal. Mel Gibson conseguiu isso com a obra.

Já em Santo Agostinho - o declínio do império romano, o otimismo foi baldado pela qualidade ruim do filme. Agostinho foi o filósofo relevante para a história da Igreja e para ampliar o debate sobre temas metafísicos. Sua conversão à fé cristã mudou a sua forma de compreender o homem, a história e o tempo universal. O filme buscou retratar a sua vida pública como exímio orador a serviço do estado romano e a sua conversão como esforço incontido de sua mãe, Mônica, e a influência do bispo Ambrósio. Agostinho foi um sujeito importante para a minha caminhada. Li As confissões, o relato apaixonado de sua vida até a conversão, em 2005. Fiquei com uma impressão profunda do livro. Agostinho fala do seu Deus como alguém que está apaixonado, que vive a desmedida necessidade de respirar, sorver cada porção de ar como se fosse o último de sua existência. Recentemente, ouvi o filósofo Clóvis de Barros Filho, da USP, falar que As confissões é um livro suspeito. Para ele, trata-se de uma propaganda de Agostinho, uma forma de alcançar notoriedade. Agostinho era um sujeito que manejava bem as palavras, que sabia imprimir efeitos no interlocutor e o seu livro buscava essa finalidade.

Já o quinto filme, Oblivion, estrelado por Tom Cruise, não exige muita reflexão. Vi-o numa sexta-feira à noite, momento em que estamos desguarnecidos de qualquer coragem; e acabamos por sucumbir ante o programa fácil, kitsch; ante à estética de Hollywood. O ponto alto do filme é a canção Ramble On, do Led Zepellin - do Zep II - que há muito eu não escutara e, a partir dali - passou a ser o tema do alarme do celular, que me acorda durante a semana às cinco e meia da manhã a fim de que eu esteja na sala de aula às sete e meia da manhã.

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