quinta-feira, julho 16, 2015

Registro Crônico II

Livraria El Ateneo
Os argentinos à semelhança de muitos brasileiros nutrem uma relação prazerosa com a leitura. Estando em terras portenhas não deixei de perceber a relação que eles têm com os livros. Em praças públicas, em transportes coletivos, os argentinos lêem. Pude perceber uma quantidade satisfatória de livrarias. Não tive tempo, nos dois dias em que fiquei na cidade, de fazer uma investigação mais satisfatória nesse sentido. Havia outras ocupações. Mas, sempre que podia eu tentava visualizar uma loja de livros. Na verdade, ficava à cata delas. 

Os argentinos são respeitados por serem um povo culto. O número de intelectuais e escritores que colocaram o nome entre os mestres da literatura universal é bastante expressivo: Borges, Cortázar, Sabato, Bioy Casares, Juan José Saer, Manuel Puig; e, outros que ainda estão vivos como, por exemplo, Ricardo Piglia e César Aira. Com uma constelação tão grandiosa de nomes respeitáveis, é importante dizer que antes de ser escritor, era-se um leitor. Onde há bons leitores, existe a possibilidade de bons escritores. 

Caminhando pela Avenida Mayo, que liga o Centro à Casa Rosada, pude perceber alguns sebos. Visitei apenas um deles. Eu e minha esposa estávamos apressaados. Pude perceber sua impaciência. Esse estado de espírito acabou por lançar por terra minha relação promíscua com os livros da loja. Perscrutei apenas a sessão de literatura latino-americana, enquanto estava por lá. Acabei por comprar um exemplar – Anatomía Humana, de Carlos Chernov. 

Se os argentinos estão bem de livrarias, não estão tão bem com os preços. Assustei-me com os valores. Ás vezes, penso que os brasileiros depreciam o seu país em excesso. Se há uma crise ela ainda não é colapsante como querem nos fazer crer. Ainda estamos em uma situação confortável. Um real, hoje, é equivalente a três pesos. É uma relação 1/0,35. Ou seja, se eu tenho um real, compro apenas 35 centavos de peso. O dinheiro argentino está desvalorizado e a inflação tem solapado o poder de compra. Os livros estão numa esteira terrível. Alguns pockets (Leonardo Padura, Piglia, Borges etc) que olhei no Aeroporto de Ezeiza custavam em média 160 pesos – ou mais de cinqüenta reais. Observe: estou a falar de edições de bolso. 

O choque veio quando fui à Livraria El Ateneo, uma das mais famosas e visitadas da Argentina. Não somente por causa de seu tamanho, mas também pelo lugar que ocupa. O prédio onde está a livraria foi um teatro no passado. Aquelas galerias indicando o lugar do público permaneceram. Só que agora as galerias são povoadas por livros. Um verdadeiro deleite para os olhos. Encontrei lá algumas preciosidades. Quis comprar. Fui detido pela monta absurda. Explico: encontrei alguns livros. Peguei um Sabato (como não!), um livro de Mario Vargas Llosa, um estudo sobre a obra de Ghershwin e uma biografia de Mozart. Fui ao caixa. Pedi para efetuarem a soma. O estapafúrdio valor apareceu como uma mureta de contenção – quase novecentos pesos, ou seja, quase trezentos reais por quatro livros, que no Brasil custariam no máximo uns cento e vinte reais. Senti-me besta! Pensei imediatamente: “Se os argentinos lêem tanto assim com a prática de preços absurdos, eles, verdadeiramente, são heróis; amantes incansáveis do saber”. 

Ao final, abortei a intenção. Trouxe apenas dois livros – o Sabato (que deve ser uma sensação lê-lo em sua própria língua) e o estudo sobre a música de Gershwin. Tudo isso pela bagatela de Ar$ 450,00 (quatrocentos e cinqüenta pesos), cerca de R$ 150,00 – claro, sem o IOF da transação bancária. Alguém poderia inquirir: “Mas o livros não seriam grossos?, ao que responda: “Não!” Eram edições de pouco mais de duzentas páginas.

Algumas coisas não possuem respostas imediatas: nós temos livros mais baratos e não lemos tanto; eles têm livros mais caros e leem mais que a gente.

Aeroporto de Ezeiza, Buenos Aires – 13 de julho de 2015.

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