domingo, junho 23, 2019

Reflexões esparsas sobre a leitura de "Deus - uma história humana", de Reza Aslan II

Fiquei quase dois meses lendo o livro "Deus - uma história humana", de Reza Aslan. A demora se deu (1) pelo fato de que li nas brechas de tempo que encontrei em meus dias povoados por muito trabalho; (2) pelo fato de que o livro de Aslan é de uma densidade estonteante. Bebi cada frase como um naufrago que bebe água doce pela primeira vez. Posso afirmar que é um dos livros mais importantes sobre a ideia de deus que já li. À medida que realizava a leitura, fiz alguns comentários sobre as partes que mais me chamaram a atenção, utilizando também algumas compreensões que já possuía sobre o tema. Abaixo, a segunda reflexão. 

A teoria da mente é uma importante ferramenta para explicar a origem da religião. "Minha percepção dos estados internos de outros seres humanos baseia-se no meu próprio estado interno". É o eu-consciente que consegue diferenciar o eu do tu. Esse fenômeno se dá com relação às coisas inanimadas e animadas. Qualquer coisa que medianamente possua qualquer relação com os meus atributos, receberá da minha parte uma afirmação: "Esse ser se parece comigo!" 

Para os primeiros humanos da nossa espécie, quando os recursos eram necessariamente conquistados por meio de estratégias que deveriam resultar em boas caças, havia uma maior suscetibilidade para impressões extraordinárias. Por exemplo, caso um indivíduo, no momento da caça, encontrasse esculpido em uma árvore um rosto, uma feição minimamente parecida com o ser humano, aquilo poderia deflagrar uma relação de admiração. E, caso fosse bem sucedido na caça, é possível que começasse a levar oferendas para aquele suposto ente. As religiões, no geral, são fenômenos neurológicos. São o resultado da nossa capacidade de moldar os nossos desejos e transferi-los a um ser que se parece comigo, todavia, com poderes absolutos, soberanos. No fundo, a religião é um fenômeno em que o ser humano projeta num ser onipotente aquilo que não encontra em si.

As religiões, assim, tornam-se hegemônicas a partir do momento que são adotadas por um número extraordinário de pessoas, ela se torna inquestionável e, portanto, criará uma percepção totalizante. É, por isso, que há tantas pessoas que acreditam no cristianismo, no islamismo, no judaísmo, no hinduísmo etc.

A teoria da mente explica, por exemplo, certas falas: "Deus falou comigo".  A religião lida com fatos que subvertem a ordem lógica do universo. O milagre é uma categoria que não encontra plausibilidade em um universo regido por leis lógicas. Por exemplo, um objeto nunca vai cair para cima. A percepção é sempre individual. Por que deus falaria com uns em detrimento dos outros? Aquilo que adoramos é o que nos controla. Todas as forças, a consciência psíquica, a organização do mundo e as ações mais triviais passam a ter uma relação com o extraordinário. Entenda-se "extraordinário" como uma linguagem capaz de ressignificar o eu em relação àquilo que existe fora do sujeito. Não se escuta deus. Escuta-se o desejo, que é força, energia canalizada da emoção, da confiança, da certeza inquebratável. No mundo do religioso, a emoção precisa se transformar em racionalidade. 

(Continua...)