segunda-feira, fevereiro 23, 2009

200 anos de Darwin

Escrevi este texto em julho do ano de 2008. Uma exposição bem organizada e com uma estrutura excelente revelou muitos dos aspectos da vida do inglês Charles Darwin. A exposição foi bastante concorrida. Muito material da época e objetos pessoais - livros e outros badulaques; o texto abaixo descreve com mais propiedade - estavam presentes na exposição. Não deixei de sair da exposição animado e com um senso profundo de que havia absorvido muito das impressões do inglês na sua expedição pelo mundo com o barco Beagle. No último dia 12 de fevereiro de 2009, completaram-se 200 anos do nascimento de um dos homens mais polêmicos e suscitadores de controvérsias dos últimos 500 anos. A teoria desenvolvida por ele até hoje provoca discussões calorosas. Os religiosos não aceitam suas teses de que o mundo ( a natureza como um todo) seria objeto de sucessivas evoluções; de que tudo é resultado do acaso. Em homenagem ao nascimento e às ideias do cientista é que o texto abaixo vai ser postado.


Há idéias que nascem para o futuro. Elas não são acatadas, bem compreendidas na época em que surgem. Nascem perigosas por que têm o poder de martelos e bigornas destruidoras. Outras levam os seus progenitores ao ostracismo. Nietzsche disse certa vez que há homens que já nascem póstumos. Ele se propôs a fazer filosofia com um martelo. Tinha por alvo a destruição das crenças e dos valores infundados, irrefletidos. Sua apreciação tinha uma força explosiva. Poderíamos estender essa construção de Nietzsche e dizer também que há ideias que já nascem para anunciar um outro tempo, pois ao nascerem são abafadas. Todavia, as cinzas das ideias permanecem acesas esperando que alguém as alimente. Isso se deu, por exemplo, com as ideias de Giordano Bruno que foi queimado pela Igreja em plena efervescência do Renascimento. O seu pensamento complexo era por demais perigoso para as convicções defendidas pela Igreja. Resultado: Bruno defendeu até à morte as suas ideias.

Outro pensador que teve que reformular suas opiniões, suas teses, suas convicções foi Galileu Galilei. Brecht entendeu isso quando escreveu sua peça teatral Galileu Galilei. O dramaturgo alemão sabia que o pensador italiano, bem como a sua vida era um grande modelo de resistência do homem que têm ideias. Conforme certa perspectiva, o texto de Brecht estuda a responsabilidade do homem para consigo mesmo, para com sua obra e para com a sociedade. Coloca em xeque o herói, seu significado social, a discutível necessidade de sua existência numa sociedade sem liberdade. Defende o conhecimento crítico científico, acredita na razão como instrumento de luta contra a repressão, possui uma estrutura dialética e é fundamentado nos princípios marxistas. Galileu tinha uma arma poderosa: a ideia. As ideias engendram guerras. A Igreja sabia que o pensamento heliocêntrico de Galilei faria desmoronar o geocentrismo. Mais do que isso, tal pressuposto derrubaria um entendimento que havia se tornado em crença religiosa, que estabilizava e dava segurança para as convicções da fé. Era o entendimento da religião contra a construção da ciência. Por mais que se tratasse de algo empiricamente provado pelas observações de Galileu, as formulações a que ele havia chegado eram inadmissíveis para a religião. Tratava-se de uma ideia nova, perigosa, que punha em xeque as crenças fundadas. Abalava o convencionalismo. Imobilizava a segurança psicológica que habitava os costumes e trazia para comento algo novo, caoticamente original e isso suplantaria o modo de ensinar, de pregar, de se reportar à divindade e à explicação do mundo. A terra perderia sua nobreza e passaria a ser apenas mais um astro entre os outros milhões que pervagam pelo Universo. Isso abalou as convicções com certeza. A Igreja mostrou o seu poder. Fez com que Galileu abdicasse de suas ideias, seus pensamentos livres, cientificamente coerentes. Os símbolos da ausência venceram os sentidos pragmáticos e objetivos da razão.

É necessário fazer essa reflexão inicial quando tenho por objetivo falar de Charles Darwin que também pensou à sua frente e estabeleceu um novo modo de entender a história e a natureza. E por que não dizer a religião? Decidi escrever sobre Darwin, pois fui à exposição que passou aqui por Brasília. Uma lona enorme montada em pleno gramado castigado pela secura do cerrado ao lado da Esplanada dos Ministérios. Lá dentro, instrumentos, objetos, imagens, animais, textos e outros badulaques relacionados com o pensador inglês. Analisando aqueles oito espaços ou compartimentos que buscavam explicar a saga desse cientista fantástico, busquei de certa forma entrar no universo da aventura lenta, gradual, da construção das idéias que revolucionariam não somente a biologia, mas também as ciências sociais. A teoria darwinista do surgimento da natureza e dos seres vivos é uma hipótese necessária.

Darwin desde pequeno sempre mostrou uma propensão para o agrupamento. Quando criança colecionava besouros, dissecava borboletas e caminhava pelos bosques em busca de seres que atiçavam a sua curiosidade. Estudou medicina e mais tarde teologia. Entrou em contato com a ciência. Aos 22 anos inicia uma viagem que tinha o projeto para demorar 2 anos, mas que ao fim durou 5 longos anos. É permitido a Darwin conhecer outros países, outros povos; observar a rica variedade geológica do planeta, estabelecer contato com material fóssil. Paisagens diferentes, nichos complexos. Passa inclusive pelo Brasil – Recife, Salvador, Rio de Janeiro. Viajava num navio pequeno (O Beagle), pouco confortável. Levava mais de 200 livros na proa do navio. Dormia numa rede que ficava a 60 centímetros do teto. Nesse local pouco propício ao pensamento, Darwin lia e refletia sobre as descobertas que mais tarde iriam ser redigidas no seu livro de 1.859, A Origem das Espécies. Esses contatos, essas relações cristalizou em Darwin o germe da observação. Escrevia, anotava em cadernos as suas conclusões. E verificava as características dos seres vivos de cada região do planeta.

Ao cabo de sua viagem, sir Charles volta para Londres a fim de reunir numa tese as suas verificações. Demoraria anos. Havia em Darwin o medo do resultado de seu pensamento. As suas conclusões sobre a seleção ou a transmutação dos seres vivos era, no seu [Darwin] entendimento uma blasfêmia, uma heresia. Uma idéia que poderia gerar uma avalanche negativa e enlamear a sua reputação pública. Tudo isso construía em Darwin uma cautela que fez com que ele adiasse ao máximo a divulgação da sua tese. Afirmar em plena Inglaterra vitoriana que os seres evoluem e que o princípio motor da vida não tinha uma relação com o divino era algo por demais “perigoso” e revolucionário. Darwin sabia disso. Quando o seu livro foi lançado saiu com o título “Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural”. O naturalista não quis usar o termo evolução por causa da repercussão e eclosão restritiva que isso provocaria. Mas até que enfim acabou divulgando as suas idéias, pressionado pelas circunstâncias.

Inicialmente não houve muito alarde sobre o conteúdo do livro. Todavia, com o tempo rapidamente as edições de seu livro se esgotaram e os debates se sucederam acalorados. O pensador foi parodiado, criticado, demonizado, caricaturado; tornou-se motivo para piadas e ultrajes. A Igreja foi implacável em tornar sacrílega as suas teses. Construiu uma imagem negativa do pensador. Os religiosos decidiram fazer uma cruzada para restabelecer a ordem e o lugar da religião na explicação do mundo.
Para Darwin, o princípio cristão de que Deus que criou o homem à Sua imagem e semelhança não condizia com a realidade da natureza. A Bíblia diz que Deus criou o homem e o colocou num jardim a fim de que este dominasse sobre todas as coisas. Para o cristianismo, o homem é o ser mais extraordinário da criação, pois seria a coroação do ato criativo de Deus. Darwin concluiu que não existe qualquer privilégio para o homem. O ser humano seria apenas uma entre as milhões de espécies que evoluíram e aprenderam (evolução dos mais aptos) a se adaptar para continuar a existir. Outras espécies deixaram de existir, pois não se adaptaram plenamente a determinados ambientes. Darwin em suas observações verificou que a natureza está num estado constante de beligerância. A harmonia da natureza é apenas aparente. Para o naturalista, a simples visão de uma vespa paralisando uma borboleta para que esta sirva de alimento desdizia os ensinamentos da religião. Charles aos poucos foi perdendo a sua credulidade nas explicações religiosas. A morte de sua filha, fez com que ele perdesse de vez a fé. Aos domingos, enquanto a sua família ia ao culto, Darwin fazia caminhadas para melhor refletir a sua existência.

Enquanto passeava pelo espaço da exposição fui sendo tomado por um sentimento de prazer. A cadência lógica dos espaços permitia que se entendesse como se deu a fomentação e a maturação das idéias do inglês Charles Darwin. Fiquei excitado com as descobertas e como essas se infundiram na mente e no pensamento do naturalista. Senti-me estando no Beagle na América do Sul, nas ilhas Galápagos, na Ásia, na Oceania. A contemplação das diversas paisagens devem ter proporcionado uma sensação inebriadora. As orquídeas, por exemplo, constituíam uma grande paixão para Charles. Certa vez, ele se admirou de como essas plantas tão belas, tão delicadas, possuíam uma estrutura que parecia feita por mãos intencionais. Uma abertura, como um convite, fazia com que os animais que entrassem ali em busca de alimento saíssem cheios de pólen. O cientista colocou um lápis dentro do pavilhão da flor e o lápis foi impregnado pela substância amarela da planta - a matéria reprodutora. Isso não é gratuito. As trocas simbióticas se dão em todo tempo na natureza. Durante milhões de anos a planta desenvolveu a capacidade de produzir um líquido segregado que alimenta pássaros e insetos, mas ao passo que os animais vão até à planta em busca de alimento, saem portadores da semente que fará gerar outras orquídeas. Ou seja, a finalidade da planta não é oferecer alimentos, mas reproduzir-se. O alimento é apenas um chamariz, um convite falso, pois a finalidade é outra. Essa lógica se dá em todos os espaços da natureza de acordo com o ambiente. É a evolução que criou mecanismo de adaptabilidades. Somente os que se adaptam e conseguem desenvolver esses mecanismos têm condições de seguir no decorrer das eras.

Na natureza existe apenas duas palavras que determinam e são o alvo dos seres vivos: sobrevivência e reprodução. Luta-se em todo tempo pela sobrevida e uma vez que isso se efetive, busca-se em seguida gerar indivíduos sadios e férteis para que esse ciclo tenha continuidade. A natureza é simples e complexa; harmônica e beligerante. A viagem de 5 anos fez amadurecer a alma de Darwin. Solidificou os seus pensamentos. Forjou as suas convicções. As suas idéias se tornaram numa respeitada e convincente teoria sobre o surgimento do homem e dos demais seres vivos.

Saí da exposição habitado por algumas conclusões. O ser humano é insignificante. Não há vantagens para o homo sapiens. As convicções são construções. São explicações forjadas para dá sentido ao mundo humano. Se as moscas pensassem como os homens teriam religiões, senso moral e explicações limitadas ao entendimento do mundo das moscas. Se os cavalos tivessem um cérebro desenvolvido pelo processo de transmutação como o homem, certamente que as explicações sobre a existência, a espiritualidade e as outras realidades estariam subjugadas ao senso eqüino dessa explicação. A evolução dos mais aptos, como diz Darwin, fez com que o homem chegasse à condição atual. Isso proporcionou a criação e a explicação de todas coisas como as entendemos. Pensamos e logo fazemos existir tudo isso que entendemos como realidade. Como se trata de um processo constante de mutabilidade, não significa que o homem domine sempre. Algum outro ser pode evoluir e chegar à condição semelhante ou superior à do homem daqui a alguns milhões de anos. Isso afronta as mentes estáticas e conservadoras.

Para encerrar, penso na frase poderosa de Victor Hugo: “Aquilo que guia e arrasta o mundo não são as máquinas, mas as idéias”. Essa é uma condição transmitida e maturada pelo processo de transmutação e nada é mais verdadeiro que essa idéia tão revolucionária. Os pensamentos revelam a força dos mais aptos e isso doma a natureza a favor do homem – por enquanto.


Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: quinta-feira, 17 de julho de 2008, 22:24:09.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

À memória do grande Mendelssohn

Tenho andando sem muito tempo de atualizar o meu blogger. Mas a ocasião exige que eu escreva algo. Mesmo que atrasado, devo postar algo em memória do grande compositor alemão Felix Mendelssohn Bartolt, um dos meus compositores favoritos. No último dia 03 de fevereiro, completaram-se 200 anos do sue nascimento. Em matéria de beleza musical, o compositor é um dos maiores da história da música. A sua precocidade pode ser comparada à de Mozart. As Sinfonias Mendelssohn são inigualáveis. Compôs ao todo 5 sinfonias. Todas eminentemente românticas. A primeira é belíssima; a segunda chama-se "minha prece". O compositor era luterano. Compilou uma série de passagens dos salmos e colocou numa de suas grandes peças - todavia, não muita conhecida; a terceira chama-se "Escocesa"; a quarta se chama "Italiana"; e a quinta, "A Reforma". Mendelssohn colocou na quinta sinfonia o tema do hino de Lutero "Castelo Forte". Das sinfonias de Mendelssohn, a que mais gosto é "A Italiana". É uma peça alegre, bucólica, cheia de evocações de temas da natureza. O compositor a escreveu em 1830, possivelmente motivado por uma viagem que fez à Itália. Mendelssohn maravilhou-se com os ares da península. O sol do Mediterrâneo o inspirou. Ele levou esse mesmo espiríto para a peça. A Sinfonia Italiana é énsolarada. Cheia de evocações do campo, de um dia feliz. Não tem como ouvi-la e não ser inpactado pela música alegre e encantadora de Mendelssohn. As outras peças do compositor também devem ser ouvidas por se tratarem de grandes monumentos. Destacaria os que mais me aprazem: Os Quartetos de Corda, O Concerto para violino e orquestra, Op. 64, "As Hébridas", "Sonho de uma Noite de verão" e os seus oratórios. Para os meus possivéis leitores, é possível ouvir uma fragmento da Sinfonia Italiana. Coloquei o primeiro e o terceiro movimentos para você. É só clicar e ouvir. Boa audição!!

O texto abaixo foi tirado da wikipedia. Não é um dos melhores, mas serve para explicitar um pouco de conhecimento sobre esse gênio do romantismo. Encontrei ainda um pequeno video do Jornal Folha de São Paulo. Está AQUI.


Jakob Ludwig Felix Mendelssohn Bartholdy conhecido como Felix Mendelssohn (3 de fevereiro de 1809 – 4 de novembro de 1847) foi um compositor, pianista e maestro alemão do início do período romântico. Algumas das suas mais conhecidas obras são a suíte Sonho de uma Noite de Verão (que inclui a famosa marcha nupcial), dois concertos para piano, o concerto para violino, cerca de 100 Lieder, e os oratórios São Paulo e Elijah entre outros.

Vida

Mendelssohn nasceu em Hamburgo, Alemanha, filho de um banqueiro, Abraham Mendelssohn, e de Lea Salomon , neto do filósofo Judaico-alemão Moses Mendelssohn, nasceu de uma família judia notável, mais tarde convertida ao cristianismo. Começou a compôr aos nove anos. (mais tarde mudou seu sobrenome para Mendelssohn Bartholdy).
Felix cresceu num ambiente de intensa efervescência intelectual. As maiores mentes da Alemanha foram visitas frequentes da sua família na casa em Berlim, incluindo a Wilhelm von Humboldt e Alexander von Humboldt. Sua irmã Rebecca casou com o grande matemático belga Lejeune Dirichlet.
Abraão renunciou a religião judaica, A família mudou-se para Berlim em 1811. Abraão e Lea tentam dar a Felix Mendelssohn, a seu irmão Paul, e as suas irmãs Fanny e Rebeca, a melhor educação possível. Sua irmã Fanny Mendelssohn (mais tarde, Fanny Hensel), se tornou conhecida pianista e compositora.[3]
Mendelssohn era considerado uma criança prodígio. Começou lições de piano com a sua mãe aos seis anos, acompanhados por Marie Bigot. A partir de 1817, estudou composição com Carl Friedrich Zelter em Berlim. Escreveu e publicou o seu primeiro trabalho, um quarteto com piano, aos treze anos. Mais tarde teve aulas de piano do compositor e virtuoso Ignaz Moscheles, confessou em seu diário que ele tinha muito a ensinar-lhe. Moscheles foi grande colega e amigo ao longo da vida.[4].
Charles Rosen, em seu livro A Geração Romântica deprecia Mendelssohn como "kitsch religioso", essa opinião reflecte um contínuo desprezo pela estética musical por parte de Richard Wagner e seu seguidores.
Na Inglaterra, a reputação de Mendelssohn manteve-se elevada durante muito tempo. A Rainha Victoria demonstrou o seu entusiasmo, quando no Crystal Palace foi construída em 1854, uma estátua de Mendelssohn.

Morte

Uma paixão não correspondida pela soprano sueca Jenny Lind pode ter contribuído para a morte do compositor alemão Félix Mendelssohn. Essa é a tese levantada por uma jornalista do The Independent, Jessica Duchen. A tese tem por base um documento depositado nos arquivos da Royal Academy of Music, em Londres: uma declaração do marido de Jenny Lind, Otto Goldschmidt, confessando ter destruído uma carta de Mendelssohn para Jenny, que teria o poder de macular profundamente as reputações de sua mulher e de Mendelssohn. Na carta o compositor teria declarado amor ardente por ela, implorando que ela fugisse com ele para os Estados Unidos e ameaçando suicídio caso ela recusasse. Supõe-se que Jenny, de fato, recusou. Meses depois, Mendelssohn estava morto.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque



terça-feira, fevereiro 10, 2009

Raízes e superação da crise

Esse texto saiu na edição da última sexta-feira no Jornal Correio Braziliense. Vale a pena ser lido. Foi escrito por Frei Betto, um dos grandes pensadores brasileiros da atualidade. Betto é um intelectual privilegiadissímo. O texto faz uma importante reflexão sobre a atual crise do sistema capitalista e merece ser lido. Boa leitura!

Ao priorizar a acumulação do capital em detrimento dos direitos humanos e do equilíbrio ecológico, o capitalismo instaura no planeta uma brutal desigualdade social, além de promover a devastação ambiental. Hoje, 80% da produção industrial do mundo são absorvidos por apenas 20% da população que vive nos países ricos do hemisfério Norte. Os EUA, que abrigam apenas 5% da população mundial, consomem 30% dos recursos do planeta!
O padrão de consumo da sociedade capitalista é insustentável e tem um papel decisivo no processo de mudança climática. Boa parte desse consumo é reservada às práticas ostentatórias de uma reduzida oligarquia. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a soma da renda das 500 pessoas mais ricas do mundo supera a de 416 milhões mais pobres. Um multimilionário ganha mais do que 1 milhão de pessoas!
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Segundo a revista Forbes, que se dedica a radiografar os donos do mundo, essa gente costuma pagar US$ 160 mil por um casaco de pele; US$ 3.480 por 12 camisas da loja londrina Turnbull & Asser; ou US$ 241 mil numa única noite num cabaré de strip-tease, como fez Robert McCormick, presidente da Savvis, empresa que monitora os computadores da bolsa de Nova York. Pode também comprar o carro mais caro do mundo, o Bentley 728, que custa US$ 1,2 milhão.
Os muros dos campos de concentração da renda são altos demais para permitir a entrada da multidão de excluídos. Mas são demasiadamente frágeis para impedir o risco de implosão. Há que buscar uma alternativa ao atual modelo de civilização. E essa alternativa passa, necessariamente, por mudança de valores, e não apenas de mecanismos econômicos.
Se o mundo roda em torno da economia e a economia gira em torno do mercado, isso significa que este, revestido de caráter idolátrico, paira acima dos direitos das pessoas e dos recursos da Terra. Apresenta-se como um bem absoluto. Decide a vida e a morte da natureza e da humanidade. Assim, os fins - a defesa da vida no nosso planeta e a promoção da felicidade humana - ficam subordinados à acumulação privada das riquezas. Não importa que a riqueza de uns poucos signifique a pobreza de muitos. Os cifrões de contas bancárias são o paradigma do mercado e não a dignidade das pessoas.
O princípio supremo da cidadania mundial é o direito de todos à vida e, como enfatiza Jesus, "vida em plenitude" (João 10, 10). Como tornar isso viável? Qualquer alternativa deverá fugir dos extremos que penalizaram parcela significativa da humanidade no século XX: o livre mercado e a planificação burocrática centralizada. Nem um nem outro subordina a economia aos direitos do cidadão. O mercado afunila oportunidades, concentrando a riqueza em mãos de poucos, e agrava o estado de injustiça. A planificação burocrática, embora exercida em nome do povo, de fato o exclui das decisões e muitas vezes restringe o exercício da liberdade. Ambos são incompatíveis com o meio ambiente e conduzem ao dramático processo atual de aquecimento global.
Para superar esses impasses, urge que a lógica econômica abandone o paradigma da acumulação privada, para recuperar o do bem comum e do respeito à natureza, de modo que a cidadania se sobreponha ao consumismo e os direitos sociais da maioria aos privilégios ostentatórios da minoria.
O Fórum Social Mundial é uma luz que se acende no fim do túnel, resgatando a esperança de tantos militantes da utopia que lutam contra um sistema que imprime ao pão valor de troca, como mercadoria, e não valor de uso, como bem indispensável à nossa sobrevivência.
Repensar o socialismo supõe não identificá-lo com o regime derrubado pelo Muro de Berlim, assim como a história da Igreja não se resume à Inquisição. Se somos cristãos, é porque o Evangelho de Jesus encerra determinados valores, como a natureza sagrada de toda pessoa, que servem inclusive de juízo condenatório ao que representou a Inquisição.
Uma proposta alternativa de sociedade deve partir de práticas concretas, nas quais economia política e ecologia se coadunam. Uma das razões da brutal desigualdade social imperante no Brasil (75,4% da riqueza nacional em mãos de apenas 10% da população, segundo dado do Ipea, maio de 2008) é a esquizofrenia neoliberal que divorciou a economia da política, e a política do social e do ecológico.
A consolidação da democracia e a defesa dos ecossistemas no nosso país e no mundo dependem, agora, da capacidade de se enfrentar a questão prioritária: erradicar as desigualdades sociais. Preservação ambiental e superação da miséria são inseparáveis.


Frei Betto. Raízes e superação da crise. Correio Braziliense. Sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009.

terça-feira, fevereiro 03, 2009

A língua das mariposas

Vi há poucos dias o filme espanhol “A Língua das Mariposas”. É por isso que escrevo estas palavras. O filme não sai da minha cabeça. É um dos melhores filmes que vi ultimamente. Se fosse contabilizar os filmes que vi nesse princípio de ano, a memória talvez falhasse (“Os deuses devem estar loucos I e II”, “Amores Brutos”, “O Declínio do Império Americano”, “Os 27 beijos roubados” e., agora, o filme do diretor José Luis Cuerda).
Para quem gosta de filmes belos, poéticos e com finais que não conformam o público, não deve ver a obra. A película é forte em sensibilidade. O diretor soube unir fotografia historicamente convincente com enredo poético. A Guerra Civil Espanhola está às portas e aquele acontecimento será marcante na vida da pequena cidade onde o menino Moncho mora. Aos sete anos de idade, ele vai para a escola. Tem medo. Segundo as histórias que ouvira, os mestres eram pessoas malvadas, algozes que fulminavam o corpo e a alma. Essa suposição logo se desvanece quando o pequeno conhece Don Gregório, o mestre paciente, mágico em simplicidade.
A mais bela das relações se dá entre o menino e o professor. A admiração de Moncho cresce à medida que escuta a sabedoria e conhecimento do professor. Don Gregório é querido na pequena comunidade. Sua paciência e sua intelectualidade são virtudes admiradas por todos.
Don Gregório ensina a Moncho que a língua das mariposas é um canal que o animal enrola em forma de espiral e somente o desenrola quando sorve o néctar das plantas. Mas ao fazer isso, a mariposa leva o pólen da planta. Estabelece-se uma relação de mutualismo entre a mariposa e a planta. Os dois organismos lucram com aquilo. A língua das mariposas é uma metáfora. Outro aprendizado muito importante diz respeito a um pássaro australiano chamado perlintorrinco. Segundo o mestre, aquele pássaro é o mais generoso e romântico dos conquistadores da natureza. Don Gregório diz que para requestar a fêmea ele apanha a mais bela flor que acha e leva para ela. É o pássaro da generosidade e da beleza.
A repressão política começa a se alastrar. Os republicanos são acossados pelas forças fascistas que tomam a Espanha e são, necessariamente, presos como criminosos políticos. E e aí que reside um dos momentos mais belos, brilhantes e tristes do filme. O professor, o líder, o mestre generoso e paciente é preso por conta de suas posições ideológicas, juntamente com outros homens comuns da cidade. A comunidade se reúne para ver os presos serem levados pelo exército. Enquanto são encaminhados para o caminhão, a população com o escopo claro de não se comprometer com as forças repressoras do governo, inicia um linchamento verbal. “Comunistas”. “Ateus”. “Traidores”. “Filhos de uma puta”. E outros palavrões depreciativos. De repente, entre os presos, aparece Don Gregório. O seu caminhar lento, o seu olhar de dignidade e compaixão encara a multidão. Moncho ver o mestre, pois estava ali com a família. A mãe o incita a protestar contra os homens, contra o professor. Aquela atitude da mãe de Moncho é com o fim de livrar a família da perseguição política. O pequeno atira pedras nos homens, vocifera contra o mestre: “Comunista”. “Ateu”. “Língua de Mariposa”. “Perlintorrinco”. O filme acaba justamente aí.
Fica-nos a inquietação. O menino de fato expressa os aprendizados, tornando aquilo uma metáfora poética ou solta as palavras que lhe vem à ideia? Essa cena inquieta. Deixa-nos atônitos, pensativos. Faz pensar na barbárie dos regimes ditatoriais e fascistas como foi o do general Franco; na beleza da educação; na relação que estabelecemos com escola; com as impressões mágicas que colhemos dos nossos primeiros mestres.
Afirmo que é necessário que você assista a esta película de José Luis Cuerda. Indescritível mente, poética e bela.

P.S. Quem quiser ler mais sobre o filme numa perspectiva educacional, eu achei um bom texto AQUI!!!

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: terça-feira, 03 de fevereiro de 2009, 22:43:16