quinta-feira, abril 30, 2015

Nota de indignação

Quando vemos um cenário de barbárie, selvageria e truculência como o que aconteceu no Paraná no dia de ontem, numa indicação clara de como a educação é tratada nesse país, fica a indignação, o repúdio, um sentimento profundo de ojeriza. Existem inversões gritantes nesse país fundado sob uma concepção patrimonialista, repressiva e violenta. O estado brasileiro está a serviço de determinados interesses de classe. O tratamento dispendido aos professores apenas indica como o cidadão, o trabalhador, é visto numa sociedade formada por dois estratos: o Brasil real (do trem lotado, das escolas em má qualidade, do presídios apinhados, da saúde capenga, da favela, do espaço público segmentado) e o Brasil virtual, do andar de cima (dos privilégios, das negociatas, das cumplicidades corruptoras, dos acordos espúrios para se locupletar com a coisa pública).

 Ou seja, o estado brasileiro serve a determinados fins; serve a uma elite que há 500 anos se encastelou, fincou raízes no tecido social e extrai dele toda a seiva produzida pela força dos trabalhadores. Quando vejo uma notícia como a mostrada abaixo, apenas fica a certeza de que somente daqui a 300 anos, com um grande debate, uma mobilização social forçada, poderemos pensar em outro país. No presente, por enquanto, ao presenciar a ferocidade fascista do estado brasileiro contra os professores, por exemplo, morre a crença de que vivemos em um país que tem um projeto político de constituição coletiva.

domingo, abril 19, 2015

A arte de escrever para idiotas - por Márcia Tiburi e Rubens Casara

Após ler o texto, senti a necessidade de divulgá-lo aqui no blog. Pelo menos fica guardado à guisa de arquivo. 

Em nossa cultura intelectual e jornalística surge uma nova forma retórica. Trata-se da arte de escrever para idiotas que, entre nós, tem feito muito sucesso. Pensávamos ter atingido o fundo do poço em termos de produção de idiotices para idiotas, mas proliferam subformas, subgêneros e subautores que sugerem a criação de um nova ciência.
Estamos fazendo piada, mas quando se trata de pensar na forma assumida atualmente pela “voz da razão” temos que parar de rir e começar a pensar.
Artigos ruins e reacionários fazem parte de jornais e revistas desde sempre, mas a arte de escrever para idiotas vem se especializando ao longo do tempo e seus artistas passam da posição de retóricos de baixa categoria para príncipes dos meios de comunicação de massa. Atualmente, idiotas de direita tem mais espaço do que idiotas de esquerda na grande mídia. Mas isso não afeta em nada a forma com que se pode escrever para idiotas.
Diga-se, antes de mais nada, que o termo idiota aqui empregado guarda algo de seu velho uso psiquiátrico. Etimologicamente, “idiota” tem relação com aquele que vive fechado em si mesmo. Na psiquiatria, a idiotia era uma patologia gravíssima e que, em termos sociais, podemos dizer que continua sendo.
Uma tipologia psicossocial entra em jogo na história, baseada em dois tipos ideais de idiotas: o idiota de raiz, dentre os quais se destaca a subcategoria do idiota representante do conhecimento paranoico, e o neo-idiota, com destaque para o “idiota” mercenário que lucra com a arte de escrever para idiotas.
Vejamos quem são:
1- Idiota de raiz é fruto de um determinismo: ele não pode deixar de ser idiota. Seja em razão da tradição em que está inserido ou de um déficit cognitivo, trata-se de um idiota autêntico.
O Idiota de raiz divide-se em três subtipos:
1. 1 – Ignorante orgulhoso: não se abre à experiência do conhecimento. Repete clichês introduzidos no cotidiano pelos meios de informação que ele conhece, a televisão e os jornais de grande circulação, em que a informação é controlada. Sua formação é “midiatizada”, mas ele não sabe disso e se orgulha do que lhe permitem conhecer. No limite, o ignorante orgulhoso diz “sou fascista”, sem conhecer a experiência do fascismo clássico da década de 30 e o significado atual da palavra, assim como é capaz de defender sem razoabilidade alguma ideias sobre as quais ele nada sabe. Um exemplo muito atual: apesar da violência não ter diminuído nos países que reduziram a maioridade penal, a ignorância da qual se orgulha o idiota, o faz defender essa medida como solução para os mais variados problemas sociais. Ele se aproxima do “burro mesmo” enquanto imita o representante do conhecimento paranoico, apresentados a seguir.
1.2 – “Burro mesmo”: não há muito o que dizer. Mesmo com informação por todos os lados, ele não consegue juntar os pontinhos. Por exemplo: o “burro mesmo” faz uma manifestação “democrática” para defender a volta da ditadura. Para bom entendedor, meia palavra…
1.3 – Representante do conhecimento paranoico: tendo estudado ou sendo autodidata, o representante do conhecimento paranoico pode ser, sob certo aspecto, genial. Freud comparava, em sua forma, a paranoia a uma espécie de sistema filosófico. O paranoico tem certezas, a falta de dúvida é o que o torna idiota. Se duvidasse, ele poderia ser um filósofo. O conhecimento paranoico cria monstros que ele mesmo acredita combater a partir de suas certezas. O comunismo, o feminismo, a política de cotas ou qualquer política que possa produzir um deslocamento de sentido e colocar em dúvida suas certezas, ocupa o lugar de monstro para alguns paranoicos midiaticamenteimportantes.
Curioso é que o representante do conhecimento paranoico pode parecer alguém inteligente, mas seu afeto paranoico o impede de experimentar outras formas de ver o mundo, abortando a potência de inteligência, que nele é, a todo momento, mortificada. Isso o aproxima do “ignorante orgulhoso” e do “burro mesmo”.
Em termos vulgares e compreensíveis por todos: ele é a brochada da inteligência.
2 – Neo-idiota: o neo-idiota poderia não ser um idiota, mas sua escolha, sua adesão à tendência dominante, o coloca nesse lugar. Não se pode esquecer que, além de cognitiva, a inteligência é uma categoria moral. O neo-idiota não é apenas um idiota, mas também um canalha em potencial.
Há dois subtipos de neo-idiota:
2.1 – O “idiota” mercenário quer ganhar dinheiro. Ele serve aos interesses dominantes, mas é um idiota como outro qualquer, porque não ganha tanto dinheiro assim quando vende a alma.
Nessa categoria, prevalece o mercenário sobre o idiota. Por isso, podemos falar de um idiota entre aspas. Ganha dinheiro falando idiotices para os idiotas que o lerão. Seu leitor padrão divide-se entre o “burro mesmo” e o “idiota cool”. Ele escreve aquilo que faz o “burro mesmo” pensar que é inteligente. O idiota cool, por sua vez, se sente legitimado pelo que lê. O que revela a responsabilidade do idiota mercenário no crescimento do pensamento autoritário na sociedade brasileira. Apresentar Homer Simpson ou qualquer outro exemplo de “burro mesmo” como modelo ideal de telespectador ou leitor é paradigmático nesse contexto.
2.2 – O “idiota cool” lê o que escreve o idiota mercenário. Repete suas ideias na esperança de ser aceito socialmente. De ter um destaque como sujeito de ideias (prontas). Ele gosta de exibir sua leitura do jornal ou do blog e usa as ideias do articulista (do representante do conhecimento paranoico ou do idiota mercenário) para tornar-se cool. Ele segue a tendência dominante. Ao contrário do “burro mesmo”, nele sobressai o esforço para estar na moda. Como, diferentemente dos seus ídolos, ele não escreve em jornais ou blogs famosos, ele transforma o Facebook e outras redes sociais no seu palco.
Diante disso, temos os textos produzidos a partir da altamente falaciosa arte de escrever para idiotas. O sucesso que alcançam tais textos se deve a um conjunto de regras básicas. Identificamos dez, mas a capacidade para escrever idiotices tem se revelado engenhosa e não deve ser menosprezada:
1- Tratar como idiota todo mundo que não concorda com as idiotices defendidas. O texto é construído a partir do narcisismo infantil do articulista. O autor sobressai no texto, em detrimento do argumento. Assim ele reafirma sua própria imagem desqualificando a diferença e a inteligência para vender-se como inteligente.
2- Não deixar jamais que seu leitor se sinta um idiota. Sustentar idiotices com as quais o leitor (o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool) se identifique, o que faz com que o mesmo se sinta inteligente.
3- Abordar de forma sensacionalista qualquer tema. Qualquer assunto, seja socialmente relevante ou não, acaba sendo tratado de maneira espetacularizada.
4- Transformar temas desimportantes em instrumentos de ataque e desqualificação da diferença. Por exemplo, a “depilação feminina” já foi um assunto apresentado de modo enervante, excitante, demonizante e estigmatizante. Nesse caso, o preconceito de gênero escondeu a falta de assunto do articulista.
5- Distorcer fatos históricos adequando-os às hipóteses do escritor. Em uma espécie de perversão inquisitorial, o acontecimento acaba substituído pela versão distorcida que atende à intenção do autor do texto para idiotas.
6- Atacar alguém. Este é um dos aspectos mais importantes da arte de escrever para idiotas. A limitação argumentativa esconde-se em ataques pessoais. Cria-se um inimigo a ser combatido. O inimigo é o mais variado, mas sempre alguém que representa, na fantasia do escritor, o ideal contrário ao dos seus leitores (os idiotas: o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool).
7- Reduzir tudo a uma visão maniqueísta. Toda complexidade desaparece nos textos escritos para idiotas. O mundo é apresentado como uma luta entre o bem e o mal, o certo e o errado, o comunismo e o capitalismo ou Deus e o Diabo.
8- Desconsiderar distinções conceituais. Nos textos escritos para idiotas, conservadores são apresentados como liberais, comunistas são confundidos com anarquistas, etc.
9- Investir em clichês e ideias fixas. Clichês são pensamentos prontos e de fácil acesso. Sem o esforço de reflexão crítica, os clichês dão a sensação imediata de inteligência. Da mesma maneira, o recurso às ideias fixas é uma estratégia para garantir a atenção do leitor idiota (o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool) e reforçar as “certezas” em torno das hipóteses do escritor (nesse particular, Goebbels, o chefe da propaganda de Hitler, foi bem entendido).
10-Escrever mal. A pobreza vernacular e as limitações gramaticais são essências na arte de escrever para idiotas. O leitor idiota não pode ser surpreendido, pois pode se sentir ofendido com algo mais inteligente do que ele. Ele deve ser capaz de entender o texto ao ler algo que ele mesmo pensa ou que pode compreender. Deve ser adulado pela idiotice que já conhece ou que o escritor quer que ele conheça.
(Para além do que foi identificado acima, fica a questão para quem deseja escrever para idiotas: como atingir a pobreza essencial na forma e no conteúdo que concerne a essa arte?)

A arte de escrever para idiotas constitui parte importante da retórica atual do poder. Saber é poder, falar/escrever é poder, e o idiota que fala e é ouvido, que escreve e é lido, tem poder. O empobrecimento do debate público se deve a essas “cabeças de papelão”, fato que é identificado tanto por pensadores conservadores quanto por progressistas.
O grande desafio, portanto, maior do que o confronto reducionista entre direita e esquerda, desenvolvimentistas e ecologistas, governistas e oposicionistas, entre machistas e feministas, parece ser o que envolve os que pensam e os que não pensam. Sem pensamento não há diálogo possível, nem emancipação em nível algum.
Se não houver limites para a idiotice, ao contrário da esperança que levou a escrever esse texto, resta isolar-se e estocar alimentos.

sábado, abril 18, 2015

A cultura do capital é anti-vida e anti-felicidade - Por Leonardo Boff

A demolição teórica do capitalismo como modo de produção começou com Karl Marx e foi crescendo ao longo de todo o século XX com o surgimento do socialismo e pela escola de Frankfurt. Para realizar seu propósito maior de acumular riqueza de forma ilimitada, o capitalismo agilizou todas as forças produtivas disponíveis. Mas teve como consequência, desde o início, um alto custo: uma perversa desigualdade social. Em termos ético-políticos, significa injustiça social e produção sistemática de pobreza.

Nos últimos decênios, a sociedade foi se dando conta também de que não vigora apenas uma injustiça social, mas também uma injustiça ecológica: devastação de inteiros ecossitemas, exaustão dos bens naturais, e, no termo, uma crise geral do sistema-vida e do sistema-Terra. As forças produtivas se transformaram em forças destrutivas. Diretamente, o que se busca mesmo é dinheiro. Como advertiu o Papa Francisco em excertos já conhecidos da Exortação Apostólica sobre a Ecologia: ”no capitalismo já não é o homem que comanda, mas o dinheiro e o dinheiro vivo. A ganância é a motivação … Um sistema econômico centrado no deus-dinheiro precisa saquear a natureza para sustentar o ritmo frenético de consumo que lhe é inerente.”

Agora o capitalismo mostrou sua verdadeira face: temos a ver com um sistema anti-vida humana e anti-vida natural. Ele nos coloca o dilema: ou mudamos ou corremos o risco da nossa própria destruição e parte da biosfera, como alerta a Carta da Terra.

No entanto, ele persiste como o sistema dominante em todo a Terra sob o nome de macro-economia neoliberal de mercado. Em que reside sua permanência e persistência? No meu modo de ver, reside na cultura do capital. Isso é mais que um modo de produção. Enquanto cultura encarna um modo de viver, de pensar, de imaginar, de produzir, de consumir, de se relacionar com a natureza e com os seres humanos, constituindo um sistema que consegue continuamente se reproduzir, pouco importa em que cultura vier a se instalar. Ele criou uma mentalidade, uma forma de exercer o poder e um código ético. Como enfatizou Fábio Konder Comparato num livro quer merece ser estudado A civilização capitalista (Saraiva, 2014):”o capitalismo é a primeira civilização mundial da história”(p.19). O capitalismo orgulhosamente afirma:”não há outra alternativa (TINA= There is no Alternative).”

Vejamos rapidamente algumas se suas características: finalidade da vida: acumular bens materiais; mediante um crescimento ilimitado, produzido pela exploração sem limites de todos os bens naturais; pela mercantilização de todas as coisas e pela especulação financeira; tudo feito com o menor investimento possível, visando a obter pela eficácia o maior lucro possível dentro do tempo mais curto possível; o motor é a concorrência turbinada pela propaganda comercial; o beneficiado final é o indivíduo; a promessa é a felicidade num contexto de materialismo raso.

Para este propósito se apropria de todo tempo de vida do ser humano, não deixando espaço para a gratuidade, a convivência fraternal entre as pessoas e com a natureza, o amor, a solidariedade, a compaixão e o simples viver como alegria de viver. Como tais realidades não importam para a cultura do capital, como reconheceu o insuspeito mega-especulador George Soros (A crise do Capitalismo, Campus 1999), porque, embora tenham valor, não tem preço nem dão lucro. Mas exatamente são elas que produzem a felicidade possível. Ele destrói as condições daquilo que se propunha: a felicidade. Assim ele não é só como anti-vida mas também anti-felicidade.

Como se depreende, esses ideais não são propriamente os mais dignos para efêmera e única passagem de nossa vida neste pequeno planeta. O ser humano não possui apenas fome de pão e afã de riqueza; é portador de outras tantas fomes como de comunicação, de encantamento, de paixão amorosa, de beleza e arte e de transcendência, entre outras tantas.

Mas por que a cultura do capital se mostra assim tão persistente? Sem maiores mediações diria: porque ela realiza uma das dimensões essenciais da existência humana, embora a elabore de forma distorcida: a necessidade de auto-afirmar-se, de reforçar seu eu, caso contrário não subsiste e é absorvido pelos outros ou desaparece.

Biólogos e mesmo cosmólogos (citemos apenas um dos maiores deles Brian Swimme) nos ensinam: em todos os seres do universo, especialmente no ser humano, vigoram duas forças que coexistem e se tencionam: a vontade do indivíduo de ser, de persistir e de continuar dentro do processo da vida; para isso tem que se auto-afirmar e fortalecer sua identidade, seu “eu”. A outra força é da integração num todo maior, na espécie, da qual o indivíduo é um representante, constituindo redes e sistemas de relações fora das quais ninguém subsiste.

A primeira força se constela ao redor do eu e do indivíduo e origina o individualismo. A segunda se articula ao redor da espécie, do nós e dá origem ao comunitário e ao societário. O primeiro está na base do capitalismo, o segundo, do socialismo na sua expressão melhor.
Onde reside o gênio do capitalismo? Na exacerbação do eu até ao máximo possível, do indivíduo e da auto-afirmação, desdenhando o todo maior, a integração na espécie e o nós. Desta forma desequilibrou toda a existência humana, pelo excesso de uma das forças, ignorando a outra.

Nesse dado natural reside a força de perpetuação da cultura do capital, pois se funda em algo verdadeiro mas concretizado de forma exacerbadamente unilateral e patológica.

Como superar esta situação secular? Fundamentalmente no regate do equilíbrio destas duas forças naturais que compõem a nossa realidade. Talvez seja a democracia sem fim, aquela instituição que faz jus, simultaneamente, ao indivíduo (eu) mas inserido dentro de um todo maior (nós, a sociedade) do qual é parte. Voltaremos ao tema porque não é suficiente fazer a crítica a esta cultura malvada, como a chamava Paulo Freire;   importa contrapor-lhe outro tipo de cultura que cultiva a vida e cria espaços para o amor, a cooperação, a criatividade e a transcendência.

Daqui

quarta-feira, abril 15, 2015

Brasil: um país de discursos e crises... I

O atual momento enfrentado pelo Brasil é bastante complexo. Um país que historicamente foi governado por uma elite pouco preocupada com a construção de um projeto identitário de nação, atravessa uma das suas piores crises institucionais e representativas. Quem seria o responsável por essa crise? Como ela surgiu? Não tenho competência teórica para responder essas duas perguntas. Todavia, possuo algumas intuições. 

Primeiro: é preciso entender a conjuntura mundial e qual o papel do Brasil à luz do todo. O mundo, também, atravessa uma crise. Isso é inegável. Em 2008, Lula, diante do caos econômico que envolveu as principais economias globais, disse que o Brasil sentiu "uma marolinha". À época, o mercado interno brasileiro estava aquecido pela prodigalidade do crédito. Com "dinheiro fácil", os brasileiros saíram às compras. Em meu simplismo, sei que a lógica que fundamenta uma sociedade capitalista é o lucro. Três protagonistas devem estar presentes para que isso exista: a mercadoria, o crédito (dinheiro) e o consumidor. Dos três, aquele que se mostra mais frágil é o consumidor, pois para adquirir a mercadoria, ele precisa de crédito. Mas uma vez que consiga o crédito como resultado do seu trabalho, compulsoriamente, ele se ver dentro de uma obrigação jurídica, pois deve pagar à instituição credora. Comprometido financeiramente, o consumidor não pode adquirir novas mercadorias. Existe um problema: para que o capitalista continue a ter lucro, novas mercadorias mercadorias são produzidas para serem consumidas. Contudo, o que acontece quando há mercadoria, mas não existe consumidor pelo fato de o dinheiro se tornar "curto" e caro? Instala-se a crise e excedente de mercadoria. Ao meu modo de ver, a crise de 2008, está chegando por aqui em decorrência de uma lógica que não muda dentro de uma sociedade capitalista. As crises seguem uma lógica de gangorra. Ora estamos nela, ora saímos dela. Ela está sempre no horizonte. 

A pequena burguesia foi a principal privilegiada desse bum do crédito, tendo a possibilidade de viajar mais, consumindo objetos variados, parecendo ter encontrado o momento definitivo de sua ascensão; trocando de carro etc está endividada neste momento e, com a instabilidade econômica, enxerga no horizonte presságios nebulosos. 

Segundo: é preciso perceber o quanto o Partido dos Trabalhadores contribuiu para o presente momento. Aqui deve se enxergar a realidade de forma dialética. Uma leitura sensata nos permite entender que convivem interesses antagônicos no seio da sociedade brasileira: de um lado estão as elites que não se veem representadas pelo PT e buscam recuperar o palco perdido desde 2002; e do outro lado, estão aqueles que, convulsamente, ainda resistem às investidas do golpismo midiático a favor das elites, mas, que, por causa do PT, foram enfraquecidos e esvaziados de qualquer tática, sem saber como devem reagir. 

Sempre houve na história do Brasil um jogo de cooptação da burguesia. A classe média conservadora compra para si o discurso das elites. Se ver representada institucionalmente por um discurso de estabilidade. O modo como as informações são trabalhadas ajudam a criar determinadas intencionalidades discursivas. É só assistir ao noticiário de qualquer canal aberto para perceber o estratagema discursivo dos detentores do monopólio da informação.  A mídia brasileira é um o principal partido político perante a sociedade. Ela consegue inverter tendências, suplantar interpretações, ocultar pedaços relevantes de acontecimentos. 

De modo que de tanto ouvir notícias negativas com personagens ligados ao governo, o brasileiro médio passou a odiar tudo aquilo que diga respeito à política e ao Governo Federal. O sujeito que trabalha muito, que busca viver a sua vida de forma digna, ao perceber um estado de coisas em que aqueles que foram escolhidos para gerir os negócios do Estado, são tidos por responsáveis por um suposto esquema corruptivo, passa a ser guiado para determinado sentimento. 

A onda fascista por que passa o Brasil atualmente foi construída por certo tipo de discurso. É por conta disso, que enxergamos determinadas incoerências que acabam sendo defendidas pela sociedade civil. A construção de dicotomias é comum no Brasil. Nosso modo de interpretação está baseado no maniqueísmo. Utilizamos sempre categorias duais para julgar o mundo concreto - bom e mal; feio e bonito; branco e preto. Assim, aquilo que diz respeito a mim é bom; mas aquilo que é do outro só pode ser o mal. A minha fé é boa, todavia, a do outro é ruim. Esse fenômeno faz do Brasil uma sociedade altamente violenta. Segundo pesquisas, nos últimos 60 anos, mais de 1 milhão de pessoas participaram de linchamentos públicos. 

O homem médio enfrenta uma espécie de esquizofrenia. Ao mesmo tempo que é contra o aborto, é favorável à redução da maioridade penal e à pena de morte. No tocante a isso, pesquisa feita pelo Datafolha no dia de hoje,  afirma que 87% é favorável à redução da maioridade penal. Ao mesmo tempo em que diz que é um povo pacífico é favorável à suspensão do Estatuto do Desarmamento, como o projeto que tramita no Congresso. Diz que aceita as diferenças, mas é machista e homofóbico. 

Essa dualidade sempre existiu em nossa sociedade. O que acontece é que ela estava adormecida. Os últimos acontecimentos políticos serviram para aquentá-la ou destampar o caldeirão de boçalidades. Como externei acima, essa tendência ao dualismo é algo tão certo que a sociedade não consegue visibilizar os políticos brasileiros, como uma extensão da própria sociedade. Os quadros que fazem as leis ou desmobilizam direitos são uma consequência direta do espectro social. Como foi dito determinado vez: "Cada povo tem o governo que merece". Pretendo continuar essa conversa. 

sábado, abril 11, 2015

O suicído do co-piloto: expressão do niilismo da cultura pós-moderna? - Por Leonardo Boff

O suicídio premeditado do co-piloto Andreas Lubitz daGermanwings levando consigo 149 pessoas, suscita várias interpretações. Havia seguramente um componente psicológico de depressão, associado ao medo de perder o posto de trabalho. Mas para chegar a esta solução desesperada de, ao voluntariamente pôr fim a sua vida, levando consigo outros 149, implica em algo muito profundo e misterioso que precisamos de alguma forma tentar decifrar.

Atualmente este medo de perder o emprego e viver sob uma grave frustração por não poder nunca mais realizar o seu sonho, leva a não poucas pessoas à angústia, da angústia, à perda do sentido de vida, e esta perda, à vontade de morrer. A crise da geosociedade está fazendo surgir uma espécie de “mal-estar na globalização” replicando o “Mal-estar na cultura de Freud.

Por causa da crise, as empresas e seus gestores levam a competitividade até a um limite extremo, estipulam metas quase inalcançáveis, infundindo nos trabalhadores, angústias, medo e, não raro, síndrome de pânico. Cobra-se tudo deles: entrega incondicional e plena disponibilidade, dilacerando sua subjetividade e destruindo as relações familiares. Estima-se que no Brasil cerca de 15 milhões de pessoas sofram este tipo de depressão, ligada às sobrecargas do trabalho.

A pesquisadora Margarida Barreto, médica especialista em saúde do trabalho, observou que no ano de 2010 numa pesquisa ouvindo 400 pessoas, cerca de um quarto delas teve ideias suicidas por causa da excessiva cobrança no trabalho. Continua ela: “é preciso ver a tentativa de tirar a própria vida como uma grande denúncia às condições de trabalho impostas pelo neoliberalismo nas últimas décadas”. Especialmente são afetados os bancários do setor financeiro, altamente especulativo e orientado para a maximalização dos lucros.

Uma pesquisa de 2009 feita pelo professor Marcelo Augusto Finazzi Santos, da Universidade de Brasília, apurou que entre 1996 a 2005, a cada 20 dias, um bancário se suicidava, por causa das pressões por metas, excesso de tarefas e pavor do desemprego.

A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de três mil pessoas se suicidam diariamente, muitas delas por causa da abusiva pressão do trabalho. O Le Monde Diplomatique de novembro de 2011 denunciou que entre os motivos das greves de outubro na França, se achava também o protesto contra o acelerado ritmo de trabalho imposto pelas fábricas causando nervosismo, irritabilidade e ansiedade. Relançou-se a frase de 1968 que rezava: “metrô, trabalho, cama”, atualizando-a agora como “metrô, trabalho, túmulo”. Quer dizer, doenças letais ou o suicídio como efeito da superexploração do processo produtivo no estilo ultra acelerado norte-americano, introduzido na França.

Estimo que, no fundo de tudo, estamos face à aterradoras dimensões niilistas de nossa cultura pós-moderna. O termo, niilismo, surgiu em 1793 durante a Revolução Francesa por Anacharsis Cloots, um alemão-francês e foi divulgado pelos anarquistas russos a partir de 1830 que diziam: “tudo está errado, por isso tudo tem que ser destruído e temos que recomeçar do zero”. Depois Nietzsche retoma o tema do niilismo, aplicando-o ao cristianismo que, segundo ele, se opõe ao mundo da vida. No após guerra, em seu seminário sobre Nietzsche, Heidegger vai mais longe ao afirmar, creio que de forma exagerada, que todo o Ocidente é niilista porque esqueceu o Ser em favor do ente. O ente, sempre finito, não pode preencher a busca de sentido do ser humano. Alexandre Marques Cabral dedicou dois volumes ao tema:”Niilismo e Hirofania: Nietzsche e Heidegger’(2015) e Clodovis Boff três volumes sobre a questão do Sentido e do Niilismo.

Em setores da pós-modernidade, o niilismo se transformou na doença difusa de nosso tempo, quer dizer, tudo é relativo e, no fundo, na vale a pena; a vida é absurda, as grandes narrativas de sentido perderam seu valor, as relações sociais se liquidificaram e vigora um assustador vazio existencial.

Neste contexto, se retomam tradições niilistas da filosofia ocidental como o mito, citado por Aristóteles no seu Eudemo, do fauno Sileno que diz:”não nascer é melhor que nascer e uma vez nascido, é melhor morrer o mais cedo possível”. Na própria Bíblia ressoam expressões niilitas que nascem da percepção das tragédias da vida. Assim diz o Eclesiastes:”mais feliz é quem nem chegou a existir e não viu a iniquidade que se comete sob o sol”(4,3-4). O nosso Antero de Quental (+1860) num poema afirma:”Que sempre o mai pior é ter nascido”.

Suspeito que esse mal-estar generalizado na nossa cultura, contaminou a alma do co-piloto Lubitz. Também pessoas que entram nas escolas e matam dezenas de estudantes em vários países e até entre nós em 2011 no Rio na escola Tasso da Silveira quando um jovem matou mais de umaz dezena de alunos, revelam o mesmo espírito niilista. Medo difuso, decepções e frustrações destruíram em Lubitz o horizonte de sentido da vida. Quis encontrar na morte o sentido que lhe foi negado na vida. Escolheu tragicamente o caminho do suicídio.

O suicído pertence à tragédia humana que sempre nos acompanha. Por isso, cabe respeitar o caráter misterioso do suicídio. Talvez seja a busca desesperada de uma saída num mundo sem saída pessoal. Diante do mistério calamos, pasmados e reverentes, por mais desastrosas que possam ser as consequências.


domingo, abril 05, 2015

Abc do preguiçoso - Xangai

Um dos maiores artistas populares do nosso país. Abc do preguiçoso é uma das canções mais sensacionais do seu repertório. No vídeo, Xangai consegue representar de forma genial. É uma "ópera popular". Não há palavras para descrever.