Terminada a leitura de “A
filosofia na era trágica dos gregos”, resta-me a sensação de idílio. Para os
padrões de Nietzsche, trata-se de um texto aparentemente simples. Todavia, o
escrito apresenta grandeza, eloquência e a apaixonada retórica poética tão
costumeira na obra do filósofo alemão.
O texto é resultado de uma série
de ensaios escritos quando ocupava a cátedra de filologia na Universidade da
Basileia. Trabalhar os gregos o empolgou. Observa-se pelo espírito da obra.
Pela força que evoca. Nota-se uma energia vital. Um entusiasmo incontrastável
em cada palavra. Escolher os pré-socráticos para servir de motor ao seu
pensamento, sempre foi um projeto ontológico para o filósofo.
Nietzsche chama a atenção para o
fato de que os pré-socráticos foram os responsáveis por tirar o mundo ocidental
do pensamento mítico. Eles ajudaram os gregos a tirarem os olhos do céu e
colocarem na natureza (“physis”). O homem grego, simplesmente, baixou a cabeça para
terra. As respostas que davam sentido à vida poderiam ser compreendidas a
partir daqui, fundando uma nova perspectiva. Ou seja, na natureza, por seus
elementos e processos regidos por leis, era possível entender o significado da
própria vida.
Esses filósofos foram
responsáveis por criarem sistemas; buscaram respostas para indagações;
procuraram encontrar um elemento capaz de sintetizar o vórtice causador do
mundo, das coisas, da realidade. Fica nítida a predileção de Nietzsche por
Heráclito, a quem chama de “filósofo do vir a ser”. Para ele, o filósofo
Heráclito não consegue enxergar outra coisa a não ser o fluxo do devir. E,
acerca disso, todo aquele que olha para a vida não deve se amedrontar; deve
encontrar o sentido trágico por excelência.
A tragédia é a força que rompe a
mediocridade do mundo. Ela permite que se olhe para a vida como um combustível
para transformar a existência numa obra de arte. Nota-se aqui, que mesmo sendo
um texto de juventude, traz alguns supostos que serão indissociáveis do
pensamento de Nietzsche. “O mel é, segundo Heráclito, a um só tempo doce e
amargo, e o próprio mundo é um caldeirão que precisa ser constantemente mexido”
(p.60). Ou seja, o filósofo grego com isso demonstra que a própria realidade
não deve ser encarada como uma leitura acabada, estática. Aqui se coloca uma
resposta a Parmênides.
Segundo Nietzsche, Parmênides é
um “profeta de verdade”; “uma luz fria e ofuscante”. Ele foi “esculpido em
gelo”. Seu mundo é frio. É como a superfície de um lago congelado. Enquanto em Heráclito a vida salta, dança,
acumula a potência do trágico; brinca, olha para a realidade como se fosse a
primeira vez. É um rio de águas buliçosas que flui. Em Parmênides, há uma necessidade de afirmar que “o ser é”. Ele é
indivisível, pois, se assim não fosse, ele não teria como ser.
O livro apresenta o jovem
Nieztsche. À época, ele tinha pouco mais de 24 anos de idade. Sua mente inquieta
estava sendo agitada por ondas wagnerianas. Nota-se uma interpretação artística
daquilo que que foi pensado pelos primeiros filósofos gregos que vieram antes
de Sócrates. A mensagem que fica é que todo sujeito que se diz filósofo precisa
treinar o olhar. Deve aprender a saborear a própria vida. Afinal, é isso que o
sábio faz quando percebe e aceita a novidade que pulsa no real. E desse
material sempre renovado pela inexorabilidade do devir que vamos melhorando a
própria vida.