segunda-feira, novembro 21, 2022

Algumas palavras sobre "A filosofia na era trágica dos gregos".

 



                Terminada a leitura de “A filosofia na era trágica dos gregos”, resta-me a sensação de idílio. Para os padrões de Nietzsche, trata-se de um texto aparentemente simples. Todavia, o escrito apresenta grandeza, eloquência e a apaixonada retórica poética tão costumeira na obra do filósofo alemão.

                O texto é resultado de uma série de ensaios escritos quando ocupava a cátedra de filologia na Universidade da Basileia. Trabalhar os gregos o empolgou. Observa-se pelo espírito da obra. Pela força que evoca. Nota-se uma energia vital. Um entusiasmo incontrastável em cada palavra. Escolher os pré-socráticos para servir de motor ao seu pensamento, sempre foi um projeto ontológico para o filósofo.

                Nietzsche chama a atenção para o fato de que os pré-socráticos foram os responsáveis por tirar o mundo ocidental do pensamento mítico. Eles ajudaram os gregos a tirarem os olhos do céu e colocarem na natureza (“physis”). O homem grego, simplesmente, baixou a cabeça para terra. As respostas que davam sentido à vida poderiam ser compreendidas a partir daqui, fundando uma nova perspectiva. Ou seja, na natureza, por seus elementos e processos regidos por leis, era possível entender o significado da própria vida.

                Esses filósofos foram responsáveis por criarem sistemas; buscaram respostas para indagações; procuraram encontrar um elemento capaz de sintetizar o vórtice causador do mundo, das coisas, da realidade. Fica nítida a predileção de Nietzsche por Heráclito, a quem chama de “filósofo do vir a ser”. Para ele, o filósofo Heráclito não consegue enxergar outra coisa a não ser o fluxo do devir. E, acerca disso, todo aquele que olha para a vida não deve se amedrontar; deve encontrar o sentido trágico por excelência.

                A tragédia é a força que rompe a mediocridade do mundo. Ela permite que se olhe para a vida como um combustível para transformar a existência numa obra de arte. Nota-se aqui, que mesmo sendo um texto de juventude, traz alguns supostos que serão indissociáveis do pensamento de Nietzsche. “O mel é, segundo Heráclito, a um só tempo doce e amargo, e o próprio mundo é um caldeirão que precisa ser constantemente mexido” (p.60). Ou seja, o filósofo grego com isso demonstra que a própria realidade não deve ser encarada como uma leitura acabada, estática. Aqui se coloca uma resposta a Parmênides.

                Segundo Nietzsche, Parmênides é um “profeta de verdade”; “uma luz fria e ofuscante”. Ele foi “esculpido em gelo”. Seu mundo é frio. É como a superfície de um lago congelado. Enquanto em Heráclito a vida salta, dança, acumula a potência do trágico; brinca, olha para a realidade como se fosse a primeira vez. É um rio de águas buliçosas que flui. Em Parmênides, há uma necessidade de afirmar que “o ser é”. Ele é indivisível, pois, se assim não fosse, ele não teria como ser.

                O livro apresenta o jovem Nieztsche. À época, ele tinha pouco mais de 24 anos de idade. Sua mente inquieta estava sendo agitada por ondas wagnerianas. Nota-se uma interpretação artística daquilo que que foi pensado pelos primeiros filósofos gregos que vieram antes de Sócrates. A mensagem que fica é que todo sujeito que se diz filósofo precisa treinar o olhar. Deve aprender a saborear a própria vida. Afinal, é isso que o sábio faz quando percebe e aceita a novidade que pulsa no real. E desse material sempre renovado pela inexorabilidade do devir que vamos melhorando a própria vida.