quarta-feira, janeiro 30, 2008

Sobre o trabalho e o trabalhador

Um desgosto melancólico se apoderou de meu interior. O dia inoculou em mim o veneno do desengano. Ouvi sentenças agravosas. O capitalista é um ente sem escrúpulos. Seja ele cristão, mulçumano ou budista, quando o que está em questão é o lucro, o potencial da mais-valia transforma-lhe o semblante. O valor de um proletário está na sua força de trabalho. A única coisa que possui é esta capacidade para a ação. Seja ela braçal ou intelectual. O capitalista não se preocupa com a dignidade, com a sua saúde ou com a vida do trabalhador, mas o quanto o infeliz lhe pode produzir de riquezas.
O trabalhador não tem importância. Ele é uma mercadoria substituível. O mercado potencializa a especulação, daí a incerteza do trabalhador pelo dia de amanhã. Amanhã será outro dia que trará outros eventos, e com ele, novos humores. Pelas sucessivas crises que o capitalismo atravessa, o mercado pode se resfriar e isso pode transformar conseqüentemente a situação do assalariado. Assim existe um sentido paradoxal. O trabalho exercido pelo trabalhador é importante. Por sua vez, o trabalhador, não.
Para o capitalista “o trabalho morto, isto é, o trabalho já realizado e cristalizado no produto, nas máquinas etc., [é mais importante] do que o trabalho vivo, a pessoa do trabalhador”. Este absoluto é trágico, pois transforma os homens em produtos, objetos, coisas.
Vinha no trem, hora do rush. O réptil de lata se arrastava em cima de trilhos, apinhado desses indigentes, alienados. O semblante cansado, as fisionomias rotas. Entabulados numa furna. Eram animais confinados num espaço limitado. Jazigo de povoamento disputado palmo a palmo. Apinhavam-se à semelhança de bichos num curral. Trata-se de um rebanho marcado, crivado, tatuado pelos sinais do tempo. Criaturas emergentes a alimentar o americam way of life.
Enxerguei no rosto de cada um deles um orgulho individualista. Moços de gravatas. Trabalham nos agentes financeiros (bancos) deste país ou num escritório. Recebem um emolumento ordinário. Os bancos lucram anualmente cifras bilionárias. Pagam um salário magro ao infeliz que se sente um superstar. Moças vestidas com esmero. Ocupam cargos que há 50 anos o mundo machista ocidental não permitia. E eu como eles, alienado. O eco da infâmia a reverberar na minha interioridade. Ouvira e sentira indignidades. A sensação de estupidez na face. Talvez em meio ao surto de consciência eu me assemelhe ao Operário em Construção de Vinicius de Morais. Ao homem que um dia descobriu quem era. A visão que teve de si mesmo foi a de uma engrenagem que alimenta o sistema. Uma peça, um joguete, mero objeto inqualificado, mas que com a sua força alimentava o mundo.
Refleti que a melhor forma de desmobilizar os homens, de frear os ajuntamentos ou inibir qualquer iniciativa coletiva é promover o individualismo em detrimento da ação solidária. Deve ser por isso que a luta por movimentos sociais está tão fragilizada. Talvez seja por isso que os homens já não gritem. Não saiam às ruas lutando por melhorias. Deve ser por isso que as greves viraram seções esquecidas em livros didáticos. O indivíduo (aqui chamo “indíviduo” e não proletário apenas para reforçar a tese do individualismo) por trás da repartição não tirará a sua gravata de seda comprada com cartão de crédito numa loja de repartição para sair à rua, empunhando uma bandeira por uma causa. Afinal, o sistema diz que os que assim procedem são desocupados. O senso comum vulgariza as causas políticas e apregoa: “política é lixo. É sujeira”. Mas recordo aqui de Bertolt Brecht que no auge de sua serenidade proferiu: “Sabe mal o infeliz( o analfabeto político) que o preço do pão, do óleo, do café advém justamente de causas políticas”. Se o sujeito político não está interessado em política, o político está interessado no ser alheio à política. Porque o político sabe que a indiferença do cidadão para com a política alimenta a possibilidade de ação desenfreada, sem regras.
Althusser tinha razão quando afirmou de forma contundente que os aparelhos ideológicos se disseminam a fim de amarrar os indivíduos a uma teia forte onde o modo de produção se reproduz de forma eficaz. A ideologia se materializa por meio de múltiplos canais, que reforçam a tese do grupo dominante. O sistema se espraia por todos os lados. A mídia imprime os conceitos, o direito instila os conceitos, a igreja apregoa os conceitos, o Estado coordena a assessora os conceitos por está a serviço de uma minoria. A tese do marxista francês serve para avaliar com total e plena visibilidade as estruturas de dominação. Para Althusser ‘a ideologia é a relação imaginária que os homens mantém com as suas condições reais de existência, conservando os indivíduos prisioneiros de uma ilusão vital. Contribui também decisivamente para a reprodução da sua força de trabalho e das relações de produção que lhes são próprias’.
O trabalhador nunca foi tão crivado de exigências. O seu depauperamento se configura dia a dia. A sua situação se agrava. Penso que possa retroceder até aos dias da Primeira Revolução Industrial, quando se trabalhava de 14 a 18 horas por dia sem direitos trabalhistas. Um estado de embrutecimento e selvageria se apodera das mentalidades. Um desejo no meu peito de gritar para o mundo inteiro. Marx verbalizou no Manifesto do Partido Comunista de 1848: “Trabalhadores do mundo, uni-vos”. E eu: “Homens de todo mundo, acordai do sono letárgico que vos envolve. Temei por vossas almas. A barbárie se aproxima de vós com um desejo voraz”.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

quarta-feira, janeiro 16, 2008

A estrada


A imagem ao lado é extraída do excelente filme "Sonhos" (1990) do cineasta japonês Akira Kurosawa. O filme trata "da natureza e da sua relação com o egoísmo humano, e da destruição imposta a si mesmo e ao planeta". Esta obra serve apenas para atestar que "a vida humana se dá na estrada". A caminhada é longa e tortuosa. Amamos e choramos na estrada. Ler sinopse do filme: ttp://www.webcine.com.br/filmessc/sonhos.htm

A vida acontece na estrada
Curvas inesperadas, abismos
Os dias rolam, passam, caminham;
A vida morre na estrada;
Os pés pisam num tapete florido, mas
o abismo é escuro;
Seguimos por aqui, por ali;
O infinito é tão longe;
Está onde os meus pés
Podem ir, seguir;
A caminhada levanta poeira,
Porque a vida chora na estrada.
A trajetória desencontrada.
Vidas, muitas vidas humanas,
Muitos caminhos, infinitos caminhos
A serem perseguidos.
Distintas opções, distintas razões.
Posso caminhar contigo?
A vida ama na estrada;
Repete-se a curva;
Outra montanha azula naquela direção.
O planalto, ladeira abaixo;
O rio de água escura,
Transparente, cristalina.
A estrada nos forja;
A estrada nos forma;
A vida se transforma na estrada;
Nascemos para caminhar e
Enquanto caminhamos nos formamos.
Os pés se sujam no barro,
Na poeira, no pântano, na lama,
No charco;
As estações se sucedem na estrada;
É importante entender a caminhada,
Embora não saibamos
Onde a estrada vai dar;
O destino é tão longe,
Mas pode acabar ali,
Porque a estrada é mistério;
Ela extrapola a razão das
Causas óbvias.
Porque é caminhando que
A vida acontece na estrada.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

quinta-feira, janeiro 10, 2008

A minha solidão de todas horas

"Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia". (Nietzsche)

Meus sentidos soluçam,
Sussurram, gemem.
Um astro abandonado numa galáxia
Fria, obumbrada, distante.
As desarmonias, a inconstante leveza.
Os meus silêncios como companhia.
Pirilampos tímidos a iluminar os
Meus pensamentos.
Os meus vales secretos,
Escolas estéticas.
Metáforas coloridas, representações
A me dominar por completo.
Música, acalanto, poesia.
A solidão transforma os homens em
Monges veneráveis.
A sisudez, a reflexão, o olhar
Projetado para dentro de si.
Não penso sobre desarmonias.
Eu sou a desarmonia, o encontro e desencontro.
O espelho projeta mais perguntas
Do que respostas.
A solidão nos ensina a ouvir
Mais do que responder.
Fala muito quem não houve muito.
Acusado de louco, demente, doente,
Vivo só, mas como se andasse em
Bandos.
Há aqueles que andam em bandos,
Mas estão sozinhos.
Para mim tanto faz.
O mundo é uma estrada solitária.
As presenças que se insinuam,
São efêmeras – um sol de inverno.
Ah! Solidão, companheira, amiga,
Filósofa, ensinas-me mais do que
Todas as bibliotecas.
Tu me ensinas e me habitas.
Contigo vivo existencialmente
Entre montanhas geladas, silenciosas.
Os seus cimos brancos, tempestuosos.
Habitada por fiapos brancos da neblina
Metafísica do mistério.
Não falo por conceitos, mas por metáforas.
Porque a metáfora é o cimento que estrutura
E dá sustentação ao texto do poeta.
Os homens lá foram caminham distantes, errantes,
Em suas rotas transviadas.
Escutam, mas não ouvem;
Vêem, mas não enxergam.
A arte é uma senhora que gosta das paisagens
Calmas, tranqüilas, solitárias.
Ela habita as coxilhas indivisas do infinito.
A minha solidão é um portal
Dimensional para esse mundo
De delícias.
A vida possui fenômenos trágicos.
Todos eles são belos porque nos
Mostram quem somos.
A paisagem ao lado se extingue
Na memória,
Mas revive na existência.
A solidão é emplasto que cura
Minhas oncoses relacionais.
Os contágios, os contatos insuficientes,
Os encontros vazios.
Não me chames para fora,
Quando aqui dentro eu sou
Habitado por todas as paisagens
E prazeres do universo.
Aristóteles, aquele citadino disse
Certa vez que o homem é um
Ser social;
E: que somente um deus ou um
Estúpido tinha prazer na solidão.
Nietzsche acrescentaria:
“Este homem seria um poeta ou filósofo”.
Aquele ente de Estagira era um homem
Da pólis com os seus sonhos
De cidadania.
Por isso escreveu “A Política”.
Aquilo era um tratado de como
Os homens deveriam ser portar
E serem bons cidadãos para que a
Democracia ateniense funcionasse.
Os gregos apolíneos gostavam da ordem,
Da harmonia, da virtude, das certezas balofas,
Dos pensamentos retos e planos, cultuavam
As aparências e esqueciam o trágico da
Existência.
Rechaçavam toda forma de embriaguez,
A lucidez deles estava a serviço do nada.
A solidão me envolve e me lança em
Lagos de reflexão.
Águas profundas, turbadas pelo mistério.
Por infinitas possibilidades.
Pelas estradas que se perdem no horizonte
E pedem para que eu caminhe por elas.
Mas eu tenho somente dois pés
E a certeza infinita das minhas limitações.
Tenho uma companhia perene:
A minha solidão de todas as horas.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque

segunda-feira, janeiro 07, 2008

Sobre um assalto em Goiânia – dia 24/07/2005, 22:45hs


Esses dias fui à cidade de Goiânia e me lembrei de um episódio ruim. Aconteceu em 2005. Fui à igreja. Ao sair da reunião, quando dobrava a esquina, fui surpreendidos por um elemento que veio em nossa direção - eu estava acompanhado - empunhando uma arma. Ameaçou-nos. Levou os nossos pertences. Ficou a lembrança enxovalhadora. A indignação. A sensação de que estamos desprotegidos. Escrevi naquela ocasião algumas linhas externalizando as minhas sensações mais profundas. Transcrevi-as abaixo. Ao lado coloquei o quadro O grito de Edvard Munch para retratar esse momento de agonia trêmula.

De repente estamos vulnerabilizados
Nos esmagam com a ameaça ordinária.
Pertubam-nos, arremessam contra nós
O peso da condenação.
Vemos tudo meio cinzento.
É um fato inesperado, com certeza.
Na mira estão o amor e a amizade.
Nervosismo.
Tensão.
Guturação instantânea a se derramar
Sem precisão.
O tempo é mínimo em que o
Indesejado nos acomete.
A tensão contínua instala-se.
A desconfiança nos assalta.
As imagens parecem ecos.
Um “esquisóide” a brandir uma
Arma entupida de munições.
A arma nos ameaça.
O “esquisóide” nos ameaça.
A vida pode ser tragada por
Um espasmo involuntário.
Somos pequenos.
Os olhos, a mente, as idéias
se embaralham, se turvam.
O estado de anomia psicológica
Se apodera de cada um de nós.
Andamos depois do acontecimento
Medonho de um lado para o outro
Como formigas agitadas.
A dignidade ferida.
Jogam lama na face da nossa paz
E ficamos manchados, vilipendiados.
A matéria foi roubada e recuperada em parte,
Mas perdemos a tranqüilidade.
Nervos esquentados.
Cantáramos aos céus, proferíamos louvores,
Bendisséramos a graça que nos abraça.
Numa esquina somos acometidos pelo destino.
Seria erro esmurrar ou violentar
Aquele que agrediu a nossa paz?
Se tivesse tido oportunidade,
Agarrar-me-ia com aquele bicho
Vestido com uma carcaça de homem.
Não existe vida ou solidariedade
Dentro daquele platelminto.
Se o encontrasse, se não fosse a arma
Que tinha apontada contra cada um de nós,
Tê-lo-ia esmagado.
Sacrilégio de minha parte, meu Deus?!
A injúria nos transforma em bichos.
Somos seres andrógenos.
Inconveniência descabida.
Prejuízo financeiro e material.
Dano moral, acidente que nos achata
A capacidade de confiar no outro.
Por todos os lados, temos a impressão
Que estamos cercados por criaturas prontas
Para nos acanalhar, para nos maltratar
A serenidade.
Já não podemos, simplesmente, ser
Homens de paz.
Estamos felizes, sorridentes, saltitantes,
Como cervos em campinas silvestres
E sem que esperemos assassinam a nossa
Liberdade.
Não podemos ter o que queremos ter.
Corremos um sério risco de sermos subtraídos.
O risco de atropelarem, de manietarem, de chafurdarem
A nossa estabilidade.
Passamos a estar em terra firme.
Todavia, percebemos um pântano social a
Nos cercar.
É preciso ser diligente e saber
Onde vai pisar.
A qualquer momento um pedaço
Do charco estrutural pode
Nos engulir.
Já não sabemos o que fazer.
Esconder-nos será apenas um paliativo.
Porque ‘o maior o esconderijo,
A maior escuridão, já não servirão de abrigo,
Já não darão proteção’.
O medo ainda andará conosco.
Mostrará seus traços terríveis.
Roerá famintamente a nossa confiança.
A neurose nos fuminará.
Seremos em breve bichos esquivos,
Assustadiços.
Nos embruteceremos.
Seremos criações sinistras.
Retrocederemos aos piores dias
Da história.
Somos piores que nossos ancestrais.
Não comemos carnes dos outros
Em rituais canibalísticos.
“Evoluímos” agora.
Come-se aquilo que não se ver.
Jantam a nossa aparelhagem psíquica.
Ameaçam-nos e vulnerabilizam
A nossa psique.
Após pensar a respeito daquele episódio
Fatídico, bate-me a desconfiança.
Ser homem não significa, prontamente,
Ser humano.
Existe dois tipos de homens distintos: aqueles
Que evoluíram e os que permaneceram boçais.
Àqueles, humanos;
Estes, unicamente homens.
É homem aquele que permaneceu
Animal, predatoriamente.
É humano o solidário, o que ama
Altruistamente a liberdade do próximo.
Aquele bicho biltre era apenas um homem.
Que pena!

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

terça-feira, janeiro 01, 2008

O colapso

O colapso temporal se aproxima;
Como um mecanismo indiferente
Caminha para realizar novos nascimentos;
Comemorações, promessas, expectativas
Surgirão esta noite em lábios plurais;
A cordialidade seguirá a dança.
Um novo tempo vai brotar;
Outros homens já experimentaram estas
Sensações, este otimismo do momento;
Hoje, já não são;
Ficou a lembrança remota que se exntigue
No tempo.
Nossas memórias são erigidas por uma
Substância poeirenta;
Novos dias surgirão.
Trará as mesmas marcas do ontem
E nos fará pensar que somos melhores do que hoje;
Apaixonamo-nos pelo momento que é apenas
Representação sem ser a coisa em si.
Brincamos com o que desconhecemos.
O tempo que nem existe.
A consciência invisível que nos domina.
Esta noite, nesta cidade, um novo tempo
Vai surgir e ser apenas tempo.
Amanhã os homens acordarão sendo
Apenas o que sempre foram;
A vida se estabelece apenas como fenômeno.
Nada mais do que isso.
Uma melancolia inominável, inextricável
É o que tenho como matéria mais sólida.
Amanhã será como hoje;
Os fatos do hoje nos fazem pensar que somos
Melhores do que ontem;
Apenas a impressão gestada, lapidada pela
Consciência do ser que busca ser sem ser.
Já que o mundo não é em si, pois a criação
Da idéia cria o em si que não é, mas se torna
A medida que o elegemos com esta propriedade.
No fundo o mundo é apenas a criação
De um fenômeno que se dá no aqui e agora.
A paixão nos consome.
Amamos a nossa criação.
No fundo somos os mais iludidos dos
Homens;
Os mais infelizes.
E o tempo que não é caminha, gira,
Avança no meu relógio e na
Consciência dos homens lá fora!

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: segunda-feira, 31 de dezembro de 2007, 19:38:04.