segunda-feira, novembro 16, 2020

"O país do carnaval", de Jorge Amado. Algumas impressões pós-leitura


Terminei a leitura de "O país do carnaval", de Jorge Amado. Sempre alimentei curiosidade pela grandiosa obra do escritor baiano. Grandiosa, claro, em todos os sentidos. Foram quase cinquenta livros escritos ao longo de quase 70 anos de produção. Jorge é um dos escritores brasileiros mais lidos no mundo. Tudo teve início em 1931, quando foi lançado "O país do carnaval". 

Jorge ao escrever o livro tinha impressionantes dezoito anos de idade. Era um garoto recém saído da adolescência, mas estava atento aos acontecimentos do Brasil e, principalmente, da sua febril Bahia. No plano nacional, o país estava saindo da República dos coronéis. Mas, como no Brasil, o futuro repete o passado, fazendo ecoar aquela frase do Cazuza: "Eu vejo o futuro repetir o passado", outros coronéis tomaram conta do país com novos arranjos. 

Todavia, vale mencionar que mesmo em face dos arranjos políticos para conservar os "status quo" das mesmas lideranças, há a gestação de indignações. A Coluna Prestes deixou a sua marca. O Partido Comunista já tinha oito anos desde a sua fundação. O mundo enfrentava uma crise econômica sem precedentes. O coração do capitalismo foi atingido com a quebra da Bolsa de Nova York. O Brasil é um pequeno país periférico. O efeito do movimento dessas ondas demoram a chegar, mas acabam chegando. 

Todas esses eventos geram incertezas. O Brasil parece parado no tempo com seus costumes. Com sua religiosidade repleta de superstições. O provincianismo é uma constante de Norte ao Sul do país. A sensualidade das mulatas. As festas carregadas de lubricidade, expõem o caráter primitivista dos costumes. Por outro lado, existem papéis definidos. Uma estrutura social construída para beneficiar certos imbecis que se aproveitam do aspecto letárgico do povo. 

Quando se lê "O país do carnaval" todos esses sinais aparecem como pano de fundo. O livro é de leitura rápida. Não há agudas análises psicológicas. Pouca preocupação em trabalhar aspectos mais densos dos personagens. Há inúmeros diálogos. Nesse sentido, a obra possui aspectos teatrais. Parece que foi feita para ser encenada. Os capítulos são curtos e aparecem como "flashes". 

O narrador não fala da política, do momento histórico por que passava o Brasil. O livro procura problematizar a natureza, o elemento constitutivo dos costumes do povo brasileiro. Paulo Rigger, a personagem central do livro, filho de ricaços da terra, volta da França, para onde fora estudar. Ao chegar à Bahia, sente o mormaço tropical ainda no navio. Ou seja, o calor dos trópicos seria um elemento responsável pelo atraso, pela sensualidade? Paulo volta repleto de convicções filosóficas. É um cético; um entusiasta da dialética. Nos círculos parisienses, tornara-se um polemista. 

Aos poucos abandona suas convicções iniciais ao regressar. É recepcionado por uma festa de carnaval. É o seu batismo lúbrico. Uma marchinha de Ary Barroso causa-lhe espanto: "Esta mulher / Há muito tempo me provoca / Dá nela! Dá nela".  Mete-se com outros sujeitos: um é um intelectual frustrado, que não consegue levar à frente os próprios projetos; outro, um cínico, que nega tudo; outro ainda decide casar e morar no interior, mas logo depois se encontra cercado por um mar de frustração e infelicidade. Paulo Rigger irrita-se com o país; perde a crença na ausência de ímpetos por uma energia criadora. O Brasil alegra-se com o corpo, apenas. Decide, pois, voltar para a Europa.

Enxerga-se no livro um laboratório para muitos dos temas que seriam, mais tarde, trabalhados em inúmeras obras escritas pelo grande intelectual baiano. Vamos ao segundo livro do autor: "Cacau".