sábado, março 29, 2008

Sentidos de uma deformação

O presente texto é um inspiração sentida a partir de O sentimento do mundo de Carlos Drummond de Andrade. Li, senti, escrevi!

Tenho apenas duas mãos
E as dores caladas do mundo.
Um corpo magérrimo
Crivado pela insolvência
Do mundo.
No meu interior, a alma
Transige na confluência
Labiríntica do amor que já não é.

Quando me erguer de minha prostração
O céu não mais estará azul.
Haverá um missal de cantos
Fúnebres seguindo em grande préstito.
Ao me erguer estarei morto,
O meu desejo e o meu sonho, também.

Os meus companheiros não me disseram
Que havia uma grande guerra,
Que era necessário trazer mantimentos,
Matéria, um alforje de precauções.
Em minha alma transita a dispersão,
Anterior às fronteiras.

Perdoeis as minhas prevaricações.
Quando a turba passar eu ficarei
A recordar os corpos, os sorrisos,
E as mãos grossas no trabalho inculto.
Tudo isso crescerá com o amanhecer.
O amanhecer será mais noite
Que todas as noites do sentimento do mundo.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

sábado, março 22, 2008

A mudança que escorre

Somos vítimas de oscilações.
De variações químicas.
Em nosso interior um vulcão de
Magmas substanciais.
À testa de cada dia surge um comportamento
E uma impressão diferente.
Ontem chorava, desesperava-me.
Hoje, a sensação fresca de uma liberdade
Preenchida por ideais sem raízes.
O pensamento de que o caminho
É amplo, distante;
Que minhas pernas não suportarão
A caminhada, mas ao mesmo tempo
Serão céleres, titânicas.
A dor passa.
A saudade passa.
O choro passa.
Nada é tão eterno que não se dilua.
Há um solvente invisível que desconstrói
Situações e imprime realidades novas.
Deixa está!
O mundo é feito por variações.
Aquele mago da percepção
Pré-socrática disse que o rio não
Permite dois banhos iguais.
As suas águas rolam com peso,
Silêncio, mutabilidade.
A natureza muda.
As estações mudam.
Primavera, verão, inverno, outono...
A sucessão silenciosa.
A química silenciosa do tempo muda
As eras, os séculos.
Os homens mudam os seus pensamentos.
A paixão passa. Vai embora
Repentinamente assim como veio.
A agonia é trocada pela esperança
E vice-versa.
Angustio-me pela inconstância da realidade.
Talvez em outro momento eu mude o meu pensamento.
Não há fixidez para idéias plásticas.
Apenas devir.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

segunda-feira, março 17, 2008

Ecos Interiores II

Uma tensão se apoderou de mim.
Andei de um lado para o outro.
Zonzo.
Olhei os passantes.
Cada um com o seu dilema.
Vozes caladas, faladas.
Mirei na direção do horizonte.
Céu e terra se encontravam.
O tumulto ali, os gestuais.
A massiva e instigante conspiração.
Olhei para o chão.
As catedrais dentro de mim
Repicavam ao som de sinos tristes.
A música era intestina.
Pedaços de conchavos.
A memória a se diluir.
Fixava-se num ponto fatídico.
Ali estava o significado de meus prantos,
De meu silêncio singular.
Os dias trouxeram com ele significados
Difíceis, ininteligíveis.
A minha energia a se gastar numa inércia
Sem previsibilidade.
O cansaço de Baudelaire, de Schopenhauer,
Verlaine, Rimbaud, Jim Morrison
E de todos os poetas malditos.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

domingo, março 09, 2008

Ecos interiores I

Uma voz estranha segreda sentenças e impropérios.
Irritado pelas inconveniências do momento.
Estou estranho.
Tudo agora se tornou difuso.
Esperança e desespero se encontram nesse
Princípio de noite.
Preocupado.
Fatos densos se anunciam.
A minha finura moral não suportará a sua investida.
Cansei dos números.
Todos eles me agridem.
São grandes demais para mim.
Riem de mim.
São inamistosos e poderosos.
Nem mesmo a voz do meu bem-querer
Tem significância para mim esta noite.
Já não tenho certezas.
Meu saber é vulgar, mesquinho e pedante.
Não sei de nada e isso me aturde.
Não tenho convicções sobre nada.
Apenas a minha situação desgraçada.
Em minha mente se anunciam faces, fisionomias
Volúveis, que se desgarram como muita facilidade.
Pareço ter uma televisão que apresenta inúmeros programas.
Nenhum deles parece me agradar, por isso passam.
Um ódio da humanidade.
Desse instinto cruel instilado pelo capitalismo em se
Querer ser grande.
Morremos e nunca chegamos a um conhecimento maior
Do que aquele anunciado pelos outros.
Dizem: “Vocês devem ser assim!”
Pronto. Fazemos disso a nossa meta.
Pedaços de lembranças.
Fragmentos distantes.
A ameaça que me consome.
Desejo esquecer de tudo isso.
Mas uma força negativa me abraça.
A sensação de desvalor que parece ser maior
Que o desejo de ser grande.
As palavras nem mesmo apresentam coerência –
O resultado de uma confusão interior que parece
Me dominar.
Uma desconfiança de que não triunfarei.
Isso sim é absoluto.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

quinta-feira, março 06, 2008

Coisas XV

As folhas velhas sucumbem ao tempo.
Os rios frágeis não resistem ao calor.
Uma dor estranha a estrangular o mundo.
Os passos tímidos a vacilarem.
Na estrada, as marcas se prolongam.
Os galhos tortos da história a se vestirem
De rugas gravosas.
O mar caudaloso que se arremessa contra
Os penedos.
Lá, a insignificante existência se prolonga
No cimo das colinas.
O silêncio, o sol, o frio a se substituírem,
Se revezarem no instante abrupto das estações.
Todas se dão silenciosamente.
Aparecem com a timidez de uma donzela.
Soltam-se, fazem-se presente com paciência.
São coisas magníficas.
O instante sucumbe...
A vida sucumbe.
Os momentos se alternam em sucedâneos.
A vida toma formas novas.
O que é parece não ser,
Mas é e não é.
São processos.
Coisas estranhas que movimentam.
Marcham velozmente.
Deixam as eras para trás.
Seguem para frente
Num movimento de mistério incógnito.
No fundo as coisas são o que são.
São, foram, serão.
Coisas.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque