quarta-feira, dezembro 30, 2009

A arquitetura do medo


Há alguns dias fiz alguns comentários sobre a cidade. A paisagem das cidades foi tomada por uma gama complexa de eventos. Os espaços urbanos modernos tornaram-se em abrigos de caoticidade, medo, violência e toda sorte de especulação. Diferente do passado, a maioria da população mundial vive nos grandes centros ou em torno desses mesmos centros. Isso permite o surgimento de fenômenos físicos e psicológicos que podem ser confirmados cada vez que saímos à rua ou ligamos a televisão, lemos um jornal ou acessamos a rede.

O espaço urbano é uma selva hostil. Essa geografia de pedra, cimento e vigas de aço é lugar de fomentação da insegurança. No inconsciente dos homens urbanos mora a paranóia e a sensação de perecimento. Isso explica o alastramento da mania de segurança que tomou tanto pobres como ricos. Segundo, o excelente texto do escritor Marcelo Rezende[1], a indústria da segurança somente no ano de 2007 teve lucro de aproximadamente 15 bilhões de reais. A isso forma-se um exército impressionante de mais de 600 mil seguranças privados (regularmente cadastrados) – sem mencionar os clandestinos. Mas uma pergunta nos surge: O que tem fomentado esse medo crescente? E outra: medo de quem ou do quê?

Analisando estes espaços não se deve deixar de refletir o que habita a alma do homem citadino. Está, por exemplo, num shopping confere segurança. Estes espaços foram feitos para produzirem uma sensação hedonista de bem-estar e sofisticação. Tanto é assim que a classe média possuidora de dinheiro, não deixa seus veículos automotores nos estacionamentos externos desses espaços pós-modernos. Os seguranças, as câmeras, a parafernália eletrônica transmite à burguesia egocêntrica a sensação de proteção, resguardo. O mundo de fora é hostil. Habitado por mendigos, crianças de ruas, pedintes. Todas essas criaturas são nocivas, perigosas. Os vidros dos carros são blindados. A película escura impede a visualização de quem está do lado de dentro. A rua tornou-se um espaço para o medo. A aproximação de alguém que não conhecemos confere medo, desconfiança e taquicardia.

A mídia é responsável pelo agravamento dessa sensação de medo. O poder do imagético na pós-modernidade cria uma confusão nas mentes. Geralmente, somos treinados para acreditar que as imagens virtualmente manipuladas são o real. Os filmes, novelas, seriados, noticiários são conduzidos de tal modo que já não sabe o que é real e não é. No fundo se se perguntasse a alguém que saiu de um cinema se aquilo que ele assistiu é real ou fictício, obviamente que ele responderia com objetividade que se trata de uma idéia criada, que faz parte do faz de que conta, porque real é o mundo onde ele vive. Mas no fundo, analisando com mais profundidade as implicações do estreitamento do real e do irreal, o que a indústria da imagem fez foi criar a idéia de que real e irreal são a mesma coisa. Júlio Arbex e Cláudio J. Tognoli, no livro Mundo Pós-Moderno escreve algo que elucida bem essa relação estreita entre o real e o virtual: “As novas tecnologias de realidade virtual já permitem que as pessoas, literalmente, entrem no computador para interagir com os atores colocados em cena. Assim, usando um capacete criador de realidade virtual, eu entro no filme. Luto com ‘o bandido’, transo com alguém ou visito um museu, percorrendo todos os seus corredores, visitando todas as suas galerias. Se, além do capacete, eu usar luvas táteis que transmitam impulsos ao cérebro através dos terminais nervosos de meus dedos, poderei então tocar e, provavelmente, até sentir o cheiro das coisas que estiver vendo. Fica abolida qualquer distinção entre realidade e fantasia, qualquer separação entre um mundo ficticiamente criado e o mundo empírico que experimento no meu cotidiano”[2]. Assim, as imagens virtualmente produzidas passam a preponderar sobre a realidade. O homem moderno já não identifica involuntariamente esses efeitos. A fronteira que delimita é tênue, quase inexistente.

A imagem seduz. Produz efeitos extraordinários. Direciona os sentidos. Congela sentenças. E forma opiniões. É possível manipular o público pelo modo como se posiciona uma câmera de televisão. Esse episódio se deu recentemente na História da Venezuela. Em A Revolução Não Será Televisionada, os irlandeses Kim Bartley e Donnacha O’Briain filmaram como se manipula por meio da imagem. Já não refletimos sobre o que é transmitido. Na maior parte do tempo assimilamos as “as verdades das imagens” sem julgá-las, exercermos um confrontamento direto. Arbex e Tognoli afirmam que “tudo pode ser transmitido pela televisão. Em princípio qualquer assunto é matéria televisiva. Da Guerra do Golfo ao jovem que matou a família com requintes de crueldade, do jogo de futebol a um programa de auditório que promove encontro entre pessoas interessadas em namorar. Não há assunto proibido, não há restrições que resistam à programação diária. Todos os âmbitos da vida são ‘cobertos’ pela televisão, qualquer espaço tornou-se um espaço de representação diante das câmaras. Todas as chagas são expostas, todos os dramas são explorados, tudo é devorado pela curiosidade voraz dos telespectadores”[3].

Ou seja, um dos principais responsáveis pela propagação da idéia de insegurança á a própria mídia com suas imagens que ocultam, sinalizam uma espécie de “violência ideal”. As informações veiculadas pela mídia com relação ao surto de violência que toma os grandes centros gera consequentemente um sensacionalismo sobre a insegurança. De modo que a presença de uma câmera de segurança produz uma sensação de conforto. O fato de estarmos diante da polícia gera uma impressão de proteção – mesmo que não estejamos em perigo. A mídia institucionalizou uma espécie de propaganda da violência. Hélio Bicudo aborda essa problemática da mídia em torno do tema violência e diz que “na tevê, as encenações usam os sentimentos daqueles que tiveram violados os seus interesses, abusando das lágrimas de crianças oprimidas; ou então, recorrem aos debates ao vivo, sempre oportunisticamente montados. Nada visa esclarecer ou conscientizar. Tudo procura, com sensacionalismo , propagandear a violência e enfatizar a necessidade de soluções duras, como a inserção na legislação penal de novos tipos criminais, reclusões perpétuas ou mesmo a pena de morte”[4]. O que se verifica com isso é que a própria mídia promove uma insegurança na população dos grandes centros e faz aumentar o delírio persecutório.

Essa condição fez aumentar o número de condomínios. Os condomínios são uma versão moderna dos feudos medievais. Cercados por muros altos, com cercas eletrificadas, fossos. Câmeras que filmam diuturnamente; a guarita com o segurança, transporta o espetáculo medieval dos castelos para a modernidade. A violência, o combate físico, era a forma como os enfrentamentos se davam na Idade Média. Espreita-se, assim, um inimigo invisível, que parece que já estamos preparados para ele. Ou seja, inseriu-se na mente moderna a idéia da agressão cotidiana constante. Resguarda-se das inconveniências – dos pedintes, dos menores abandonados, dos vendedores ambulantes, dos propagandistas. Todos eles são elementos inoportunos à burguesia. Tanto os mais ricos como os mais pobres preocupam-se com a violência. “Há muito de tecnologia e organização (as grades nas janelas com um floreio, um enfeite, se parecem com objetos de decoração), mas também a mais assumida gambiarra. Você pode comprar uma câmera de segurança vazia, sem nada dentro, apenas a casca, e instalar em sua casa”, diz Marcelo Rezende.

Segundo o mesmo Marcelo, 110 famílias já construíram bunkers que permitem viver por aproximadamente 30 dias sem qualquer contato com o mundo. Já estão preparados para uma possível guerra nuclear ou a terceira guerra mundial. O preço desses locais subterrâneos varia de R$ 100 mil reais a R$ 2 milhões.

O que de fato deve ser considerado em torno dessa problemática urbana é o medo do medo da violência. O medo, a expectativa da violência tornou-se tão séria como a própria violência. Por isso, falei anteriormente em um tipo de violência ideal. Na verdade, esse fenômeno da sensação da violência, denuncia outros medos; fobias no que diz respeito a mudanças econômicas, sociais. É uma blindagem contra o mundo. Contra a possibilidade concreta de mudança. É um processo de estranhamento do outro. Um medo constante do que outro pode fazer, promover, é uma tendência negativa do homem moderno. Vê-se o outro como um potencial perigo. Há uma tentativa de fuga da relação. Nuca se foi tão sozinho como dentro da arquitetura de pedra das cidades. Os homens estão sós e assustados, porque cada um está consigo mesmo numa atomização sem fim.

A arquitetura das cidades revela a doença que mora na alma dos homens. As gaiolas de pedra e de ferro paralisaram o mundo e o vestiu de medo, de imagens feias, assustadoras; promotoras de pânico e pesadelos. Andar pelas cidades pode atiçar suspeições em torno de conspirações invisíveis. É preciso ter cuidado e diligência. Já não somos os mesmos homens.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

Data: Domingo, 20 de julho de 2008, 20:31:48.


[1] Texto Disponível no sítio http://revistatrip.uol.com.br/168/arquitetura/home.htm. Acessado em 19 de jun de 2008.

[2] ARBEX, José; TOGNOLI, Cláudio Júlio. Mundo Pós-Moderno. São Paulo: Scipione, 1996. p. 10.

[3] Idem, p. 12

[4] BICUDO, Hélio. Violência – O Brasil Cruel e Sem Maquiagem. São Paulo: Moderna, 1994. p. 44

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Fragmentos de uma reflexão observativa

O primeiro momento, a saber, a caracterização, consiste numa oportunidade de observação da estrutura e das depêndencias físicas da escola. O discente desenvolve o trabalho de assinalar caracteres, explicitar por meio de sua capacidade identificadora os aspectos mais salientes e fundamentais do local onde se processa o aprendizado. É importante que a escola seja um espaço propício à prática educativa, que ofereça condições plenas para que os aprendentes se adeqüem bem com as relações ali desenvolvidas.
As três outras etapas desenvolvidas têm por escopo a verificação dos procedimentos metodológicos e formais do ensino da língua e da sua literatura. Permite-se assim que se verifique a dinâmica escolar dos alunos e dos educadores e como se dá a desembocadura desse convívio. A relação aluno professor é um dos aspectos mais importantes do processo de aprendizado. Analisar essa vinculação é matéria necessária a fim de que se entenda o eixo de gravitação da vida escolar. Aranha (1989) diz que o ato pedagógico tem a sua gênese numa relação de seres sociais. Ela se expressa assim:


O ato pedagógico pode, então, ser definido como uma atividade sistemática de intereção entre seres sociais, tanto a nível do intrapessoal como a nível da influência do meio, interação essa que se configura numa ação exercida sobre sujeitos ou grupos de sujeitos visando provocar neles mudanças tão eficazes que os tornem elementos ativos desta própria ação exercida. Presume-se, aí, a interligação no ato pedagógico de três componentes: um agente (alguém, um grupo, um meio social etc.), uma mensagem transmitida (conteúdos, métodos, automatismos, habilidades etc) e um educando (aluno, grupos de alunos, uma geração etc). (ARANHA, 1989, p.50).


Esses são os elementos que constituem o ambiente escolar. Com a ausência de um deles a escola perde o seu aspecto mais elementar. O que se busca afirmar aqui é que o agente (educador), a mensagem (o meio ou veículo educativo) e o educando (o aluno) criam a idéia de escola, que pode está abrigada entre quatro paredes ou qualquer outro ambiente com essa intenção. Onde essa relação estiver sendo configurada, ali se terá uma escola. A educação tribal, por exemplo, se dá com treinamento direto de habilidades, que acabam socializando crianças e adolescentes. Não é intenção desse relatório discorrer pelas vielas da História aprofundando o tema nesse sentido, mas é importante ressaltar a título de balizamento daquilo que está sendo explanado, que “a primeira educação que houve em Atenas e Esparta foi praticada entre todos, nos exercícios coletivos da vida, em todos os cantos onde as pessoas conviviam em comunidade”(BRANDÃO, 2001, p. 37).

De acordo com essa tese os significantes mais importantes da educação não está na estrutura, no local, se dentro de uma sala ou a céu aberto; o que conta em matéria de educação é a mensagem da educação. Carlos Rodrigues Brandão define tecnicamente a conceituação da Enciclopédia Brasileira de Moral e Civismo”:


Educação procede do latim educere e significa bascamente ‘extrair’, ‘tirar’, ‘desenvolver’. Consiste basicamente na formação de um homem de caráter. Nestes termos, a educação é um processo vital, para o qual concorrem forças naturais e espirituais, conjugadas pela ação consciente do educador e pela vontade do educando. Não pode, pois, ser confundida com o simples desenvolvimento ou crescimento dos seres vivos, nem com a mera adaptação do indivíduo ao meio. É atividade criadora, que visa a levar o ser humano a realizar as suas potencialidades físicas, morais espirituais e intelectuais. Não se reduz à preparação para fins exclusivamente utilitários, como uma profissão, nem para desenvolvimento de características parciais da personalidade, como um dom artístico, mas abrange o homem integral, em todos os aspectos do seu corpo e de sua alma, ou seja em toda a extensão de sua vida sensível, espiritual, intelectual, moral, individual, doméstica e social, para elevá-la, regulá-la e aperfeiçoá-la. É processo contínuo, que começa nas origens do ser humano e se estende até a morte (Idem, 2001, pp. 63-64).


Tal conceituação não preceitua que a educação deve formar e ser criativa e potencialmente criadora. Que deve está compromissada com a intenção de buscar contínua e repetidamente o saber como prática onto-histórica. O itinerário da educação deve ser de uma mudança libertadora. A criatura humana com suas complexidades deve ser o alvo da educação. O homem como ser inconcluso, como ente inacabado deve ser transformado pelo processo educativo. Os homens que não passaram por um processo de transformação por meio da educação estão condenados a viverem como marginais. Estrangeiros em sua própria terra. Vítimas da cegueira que os enlaça. Robert Kennedy diz no seu livro de ensaios sobre problemas que a sociedade americana deveria enfrentar com ousadia, Luta por um Mundo Melhor, citando o escritor Horace Mann que “um ser humano só é, em qualquer acepção, um ser humano quando é educado” (KENNEDY, 1968, p. 122).

No poema de Brecht Louvor ao Estudo, o poeta, diretor teatral e dramaturgo diz em um dos versos: “O que não sabes por ti, / não o sabes. / Confere a conta / tens de pagá-la. / Aponta com teu dedo a cada coisa / e pergunta: ‘Que é isto? E como é?’ / Estás chamado a ser um dirigente” ( BRECHT, 1983, p. 56). É justamente essa capacidade crítica, questionadora e transformativa a meta da educação. Uma educação alicerçada na reprodução de jargões e sentenças conservadoras não transforma: aprisiona. Reproduz a formulação funcionalista do status quo de um sistema perverso e imoral. Mais que treinar para um fim, a educação deve ser um ato transformador. Deve ser responsável pela criação de um horizonte utópico – de alegria e esperança.

É importante que não se agregue ímpetos mecanicistas na interpretação da História. A História é produzida pelos homens com intersses claros, com perspectivas que se adequam a um determinado interesse de clase. Esses homens se apropriam de “um conjunto insituído de relações sociais de produção, que são o modo como esses mesmos homens assumem o controle das forças produtivas, isto é, as relações de propriedade” (RODRIGUES, 2007, p. 35). Uma análise mecanicista, leva obrigatoriamente a uma leitura determinista, funcionalista dos fatos históricos, ou seja, o futuro passa a ser sabido no hoje, pois é possível diagnosticar por meio de uma sentença regular os acordes que serão tocados no amanhã. Assim, no dizer de Paulo Freire no seu Pedagogia da Autonomia:


A esperança é uma espécie de ímpeto natural possível e necessário (...) A esperença é um condimento indispensável à experiência histórica. Sem ela, não haveria História, mas puro determinismo. Só há História onde há tmpo problematizado e não pré-dado. A inexorabilidade do futuro é a negação da História (FREIRE, 2000, p.81).


“Sem ela [a educação] não existirá a base para um projeto de democracia social e popular e de uma cidadania cotidiana e abrangente” (BOFF, 2000, p. 89). A educação em sentido estrito deve ser um agente a serviço da alegria, da felicidade (ALVES, 1994, p.11).

A educação liberta os homens por meio da reflexão. Paulo Freire declara em sua Pedagogia do Oprimido com bastante beleza e desassombro que os indíviduos expostos à educação passam a ser reconhecer como homens, “na sua vocação ontológica e histórica de ser mais”(FREIRE, 1988, p. 52). Que a reflexão efusivamente processada conduz à prática, transformando seres alheios em criaturas humanas responsáveis e comprometidas com o mundo. O ato de ser mais é belo em Freire, pois abre o caminho par novas possibilidades. Ser mais significa que o indivíduo exposto à educação pode ser mais humano, mais comprometido com as causas políticas; com a pessoa humana; com a natureza; com a comunidade onde está inserido; com o seu país; com a saúde do planeta. Ou seja, a educação tira o homem da inércia, do caos da cegueira e o transforma num cidadão do mundo. Esta posição ante a educação segue de perto os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que buscam com bastante objetividade criar uma postura crítica nos discentes, alvos da educação:


Compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;

Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;

Conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país;

Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais;

Perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente;

Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania;

Conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva;

Utilizar as diferentes linguagens verbal, musical, matemática, gráfica, plástica e corporal . Como meio para produzir, expressar e comunicar suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação;

Saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos;

Questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1998, pp. 7-8).


Dessa forma, o presente relatório vem, de forma objetiva, exarar as observações empíricas do discente, ora estagiário, com o objetivo de cumprir os seus propósitos e determinar de forma positiva a realidade educacional, particularmente, o Ensino da Língua Portuguesa, bem como de suas Literaturas, de acordo com as exigências da Faculdade Fortium.

A Escola que foi objeto de apreciação, alvo da consecução da prática de Estágio Supervisionado foi o Colégio Eficaz, situado na EQNM 5/7 Área Especial “A” Ceilândia Sul – Distrito Federal. O sítio da escola na internet é www.ensinoeficaz.cjb.net. E-mail: escolaensinoeficaz@bol.com.br. Oberseve-se, assim, que é uma insituição que segue todos os elementos tradicionais, formais de uma empresa. A escola fica numa entrequadra. À esquerda, o Centro de Ensino Fundamental 7 de Ceilândia Sul, uma escola pública. Este aspecto é interessante. A diretora do Colégio Eficaz, a senhora Izabel, afirmou que a escola existe há trinta anos. Trata-se como se pode observar de uma insituição consideravelmente antiga. Não consegui identificar nesse sentido, um cotejamento de estratégia. De um lado uma instituição pública, de outro, uma insituição privada. Isso, com certeza, ensejaria motivos para uma discussão para um debate largo e profundo, mas não é o objetivo deste relatório. Sigamos apenas o fluxo objetivo dos fatos. Do lado direito, tem-se um terreno devoluto – um terreno da Administração.

A escola tem à sua frente, a quadra QNN 7 de Ceilância. As “costas” voltadas para a quadra QNN 5 da mesma cidade. A parte frontal da escola possui um estacionamento de proporções médias. Suficiente, talvez, de acordo com uma análise ocular, com a capacidade para abrigar até 30 carros. Janelas bem dispostas. Largas. O prédio é pintado de um verde claro, suave, pouco carregado e possui dois andares. Após passar pelo estacionamento, confronta-se com um portão branco. A leitura que se faz desse portão é de que é uma “arma” que confere segurança à comunidade escolar. É uma blindagem entre o mundo de dentro da escola e o mundo de fora. Logo se depara com a secretaria da escola, lugar pequeno que abriga três funcionários, conforme verificação inicial. Trataram-me com bastante educação e interesse desde o começo das minhas idas à escola. Algo que deve ser salientado. Neste local de espera há um quadro com dizeres bíblicos, o que me fez imaginar que se tratasse de uma escola com uma orientação religiosa latente. Essa impressão foi aniquilada com as minhas idas até lá. Cadeiras e sofás estão dispostos a fim de abrigar os visitantes. Ambiente limpo e acolhedor, com plantas ornamentais a poucos metros, isso gera uma atmosfera positiva. Um portão grande, reforçado impede que se veja o que está acontecendo do lado de dentro da escola. Refleti neste aspecto. Isso me fez pensar e imaginar uma prisão, uma espécie de forte que abriga seres que passam por um processo de tortura. Quando eu era pequeno, nunca me passou pela cabeça esse ardil. Posso usar a mesma razão reflexiva de Paulo numa das suas cartas: “Quando era eu menino, pensava como menino; mas agora que sou homem, deixei as coisas de menino”. O que Paulo está dizendo com esta afirmação é que há entedimentos que são adquiridos com os anos. É parecido com a afirmação afirmação de Nietzsche de que
as intuições mais maravilhosas são tardiamente adquiridas. Que há convicções e compreensões que são assentidas com o tempo.
A metáfora está logo à frente: a escola é uma prensa, uma esteira de produção. É uma espécie de cama de Procusto. Na mitologia grega havia um personagem que fazia com que aqueles que dormissem em sua cama, passassem por um “processo de adequação”. A cama possuía um tamanho exato. Procusto era inclemente, pois àqueles que eram maiores que a cama, ele simplesmente reduzia-os de modo que se adequassem; aos pequenos, espichava. Ele simplesmente ignorava a variedade, a diversidade de tamanhos que cada ser humano possuía. Ou seja, essa é uma metáfora-símbolo que exatifica a relação conturbada escola-aluno. A escola em muitos casos age como Procusto – busca reduzir todos à mesma lógica. Trata-se de um processo cruel onde as individualidades são desrespeitadas, os “cacoetes” suprimidos e toda sorte de celebração à alteridade sufocada. O ser humano que vai ser alvo da educação é encarado como uma muda de repolho, como afirma Rubem Alves:

Como se fosse uma pequena muda de repolho, bem pequena, que não serve nem para salada e nem para ser recheada, mas que, se propriamente cuidada, acabará por se transformar num gordo e suculento repolho e, quem sabe, um saboroso chucrute? (ALVES, 1986, p. 7).

Esse senso durkheiminiano de educação é uma espécie de técnica reprodutora. Os adultos transmitem aos mais novos os rituais e os ensinam a serem adultos. Ou seja, “a educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não ainda amadurecidas para a vida social” (DURKHEIM, 1978, p.10). Nesse discurso se percebe a priori (1) que a educação pertence a alguns; (2) que a educação é construída como projeto impositivo; (3) que é uma ação diretiva, coerciva; (4) que há sujeitos passivos e sujeitos ativos; (5) que a educação visa reproduzir a ordem da “vida social” e não transformá-la; (6) que o indivíduo que é alvo da educação deve ser programado à semelhança de uma máquina, reproduzindo mais ou menos a idéia de John Locke da “tábula rasa”, em suma, do estado de indeterminação completa, de vazio total, que caracteriza a mente antes de qualquer experiência. É a mesma lógica da história de conto de fadas Joãozinho e Maria. Eles são alimentados com a finalidade de serem “comidos”. Os dedos eram os responsáveis, os aferidores da situação. A escola com seus poderes coercitivos age também à semelhança da bruxa com intenção pedofágica. A escola educa a criança para que esta possa “engordar” e adquirir as compleições mentais do mundo adulto. Em minha análise não pude deixar de prestar atenção ao slogan da escola em que estagiei: “Educação de Resultados”. A grande pergunta que deve ser feita, é: Qual o resultado que se busca? Os resultados são de cunho pragmático, empírico, mercadológico? “Engordam-se” as crianças para alimentar o mercado capitalista. Somente os mais “robustos” serão capazes de despertar lascividade do capital. Numa luta para ser tornarem cada dia mais robustas, as crianças são despertadas para competirem, para serem treinadas para a guerra do vestibular. Perdem a dimensão do brincar, do lúdico, da experiência saborosa que é o saber. Não é de estranhar que grande parte das crianças não goste da escola. Vêem-na como um trambolho. Rubem Alves diz algo interessante nesse sentido:

Redescobrir a vida como brinquedo. Já pensaram no que isso implicaria? É difícil.
Afinal de contas as escolas são instituições dedicadas à destruição das crianças. Algumas, de forma brutal. Outras, de forma delicada. Mas em todas elas se encontra o moto: ‘A criança que brinca é nada mais que um meio para o adulto que produz’” (ALVES, 1986, p.8).

Rubem ainda diz que o modo como se tem entendido a educação é um constante equívoco, pois essa “educação é um progressivo despedir-se da infância”(ALVES, p.181).

A pedagogia do meu querido amigo Paulo Freire amaldiçoava aquilo que se denomina ensino "bancário" os adultos vão "depositando" saberes na cabeça das crianças da mesma forma como depositamos dinheiro num banco. Mas me parece que é assim mesmo que acontece com os saberes fundamentais: os adultos simplesmente dizem como as coisas são, como as coisas são feitas. Sem razões e explicações. É assim que os adultos ensinam as crianças a andar, a falar, a dar laço no cordão do sapato, a tomar banho, a descascar laranja, a nadar, a assobiar, a andar de bicicleta, a riscar o fósforo. Tentar criar "consciência crítica" para essas coisas é tolice. O adulto mostra como se faz. A criança faz do jeito como o adulto faz. Imita. Repete. Mesmo as pedagogias mais generosas, mais cheias de amor e ternura pelas crianças, trabalham sobre esses pressupostos. Se as crianças precisam ser conduzidas é porque elas não sabem o caminho. Quando tiverem aprendido os caminhos andarão por conta própria. Serão adultos (Idem, pp. 181-182).


É justamente essa dimensão profunda que a escola não exerce em sua realidade de pedra, em sua dureza intestina. Em minha observação não deixei de apreender e relacionar os aspectos mais símplices.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque


sábado, dezembro 05, 2009

A blogueira Yoani e suas contradições

O mundo soube que, a 7 de novembro último, a blogueira cubana Yoani Sánchez teria sido golpeada nas ruas de Havana. Segundo relato dela, "jogaram-me dentro de um carro... arranquei um papel que um deles levava e o levei à boca. Fui golpeada para devolver o documento. Dentro do carro estava Orlando (marido dela), imobilizado por uma chave de karatê... Golpearam-me nos rins e na cabeça para que eu devolvesse o papel... Nos largaram na rua... Uma mulher se aproximou: "O que aconteceu?" "Um sequestro", respondi. (www.desdecuba.com/generaciony)
Três dias depois do ocorrido nas ruas da Havana, Yoani Sánchez recebeu em sua casa a imprensa estrangeira. Fernando Ravsberg, da BBC, notou que, apesar de todas as torturas descritas por ela, "não havia hematomas, marcas ou cicatrizes" (BBC Mundo, 9/11/2009). O que foi confirmado pelas imagens da CNN. A France Press divulgou que ela "não foi ferida." Na entrevista à BBC, Yoani Sánchez declarou que as marcas e hematomas haviam desaparecido (em apenas 48 horas), exceto as das nádegas, "que lamentavelmente não posso mostrar". Ora, por que, no mesmo dia do suposto sequestro, não mostrou por seu blog, repleto de fotos, as que afirmou ter em outras partes do corpo? Havia divulgado que a agressão ocorreu à luz do dia, diante de um ponto de ônibus "cheio de gente." Os correspondentes estrangeiros em Cuba não encontraram até hoje uma única testemunha. E o marido dela se recusou a falar à imprensa. O suposto ataque à blogueira cubana mereceu mais destaque na mídia que uma centena de assassinatos, desaparecimentos e atos de violência da ditadura hondurenha de Roberto Micheletti, desde 27 de junho. Yoani Sánchez nasceu em 1975, formou-se em filologia em 2000 e, dois anos depois, "diante do desencanto e a asfixia econômica em Cuba", como registra no blog, mudou-se para a Suíça em companhia do filho Téo. Ali trabalhou em editoras e deu aulas de espanhol. Em 2004, abandonou o paraíso suíço para retornar a Cuba, que qualifica de "imensa prisão com muros ideológicos". Afirma que o fez por motivos familiares. Quem lê o blog fica estarrecido com o inferno cubano descrito por ela. Apesar disso, voltou. Não poderia ter assegurado um futuro melhor ao filho na Suíça? Por que regressou contra a vontade da mãe? "Minha mãe se recusou a admitir que sua filha já não vivia na Suíça de leite e chocolate" (blog dela, 14/08/2007). Na verdade, o caso de Yoani Sánchez não é isolado. Inúmeros cubanos exilados retornam ao país após se defrontarem com as dificuldades de adaptação ao estrangeiro, os preconceitos contra mulatos e negros, a barreira do idioma, a falta de empregos. Sabem que, apesar das dificuldades pelas quais o país atravessa, em Cuba haverão de ter casa, comida, educação e atenção médica gratuitas, e segurança, pois os índices de criminalidade ali são ínfimos comparados ao resto da América Latina. O que Yoani Sánchez não revela em seu blog é que, na Suíça, implorou aos diplomatas cubanos o direito de retornar, pois não encontrara trabalho estável. E sabe que em Cuba ela pode dedicar tempo integral ao blog, pois é dos raros países do mundo em que desempregado não passa fome nem mora ao relento... O curioso é que ela jamais exibiu em seu blog as crianças de rua que perambulam por Havana, os mendigos jogados nas calçadas, as famílias miseráveis debaixo dos viadutos... Nem ela nem os correspondentes estrangeiros, e nem mesmo os turistas que visitam a Ilha. Porque lá não existem. Se há tanta falta de liberdade em Cuba, como Yoani Sánchez consegue, lá de dentro, emitir tamanhas críticas? Não se diz que em Cuba tudo é controlado, inclusive o acesso à internet? Detalhe: o nicho Generación Y de Sánchez é altamente sofisticado, com entradas para Facebook e Twitter. Recebe 14 milhões de visitas por mês e está disponível em 18 idiomas! Nem o Departamento de Estado do EUA dispõe de tanta variedade linguística. Quem paga os tradutores no exterior? Quem financia o alto custo do fluxo de 14 milhões de acessos? Yoani Sánchez tem todo o direito de criticar Cuba e o governo do seu país. Mas só os ingênuos acreditam que se trata de uma simples blogueira. Nem sequer é vítima da segurança ou da Justiça cubanas. Por isso, inventou a história das agressões. Insiste para que suas mentiras se tornem realidades. A resistência de Cuba ao bloqueio usamericano, à queda da União Soviética, ao boicote de parte da mídia ocidental, incomoda, e muito. Sobretudo quando se sabe que voluntários cubanos estão em mais de 70 países atuando, sobretudo, como médicos e professores. O capitalismo, que exclui 4 bilhões de seres humanos de seus benefícios básicos, não é mesmo capaz de suportar o fato de 11 milhões de habitantes de um país pobre viverem com dignidade e se sentirem espelhados no saudável e alegre Buena Vista Social Club.

Por Frei Betto

quarta-feira, novembro 25, 2009

A cidade

O processo de formação das cidades seguiu uma lógica. À medida que os grupos humanos iam se adensando, sentiu-se a necessidade, meio que involuntariamente, de formar-se ajuntamentos coesos. Fustel de Coulanges em seu extraordinário livro A Cidade Antiga, diz que essa gradação se deu assim: família, fatria, tribo, cidade.

A formação das cidades deixou para trás um tempo onde o nomadismo sugeria um modo de vida. Outrora, os homens tinham que caminhar em busca de possibilidades não fixas de viver – rios, frutos, animais, pesca e etc. Quando certo lugar tinha os seus recursos exauridos, ou quase que no limite da escassez, era hora de procurar uma outra região. Esse modo de vida não possibilitava uma unidade política centralizada. Tratava-se de um modelo de sociedade patriarcal, nas quais as crenças nos ancestrais fomentavam superstições. As preocupações eram com os grupos rivais, com as feras, com os espíritos hostis, com as estações do ano.

Quando não se tornou possível a continuação desse modelo, foi necessária a fixação num determinado local. Aí se constituíram as cidades. O adensamento de vários grupos, permite pensar as cidades como um corpo que se assemelha a unidades orgânicas independentes, porém com o mesmo propósito identificador: o aspecto político, econômico e cultural.

A pólis dos gregos constituiu-se num modelo no qual os seus cidadãos (daí o terno citadino – da cidade), ou seja, aqueles que tinham participação política e opinavam diretamente sobre o destino da cidade, possuíam uma relação estreita com o destino político e organizativo da mesma. A cidade era um lugar para ser pensado coletivamente por meio daqueles que a constituem. Isso acontecia nas praças públicas, nos teatros, na prefeitura e etc. Em suma, a cidade era o centro das preocupações dos seus cidadãos. Ela precisava ser pensada a todo instante para que se tornasse num lugar agradável e comunitariamente propício a um maior número possível.

Redijo tais considerações, pois caminhando pela minha cidade bateu-me um senso investigativo. Penso como as cidades se tornaram em centros complexos. Nas suas veias corre um povo apressado com veículos automotivos. Grandes avenidas pavimentadas – gente a pé, ônibus, caminhões, bicicletas, carros de passeio e, em todos, as exigências pela vida. Godfrey Reggio tratou dessa problemática de forma brilhante no seu filme de 1983, Koyaaniskatsi – uma vida fora de equilíbrio. A teia complexa construída pelo homem reduziu a vida à máquina, num estilo desarmônico, atribulado.

Analisando minha cidade a vejo desguarnecida de conforto, de benfeitorias para a sua população. A disposição arquitetônica segue uma lógica irregular – perto do centro a organização, longe do centro, o desequilíbrio e a necessidade. As condições econômicas de um povo dita a estrutura de sua cidade. Na minha cidade não há bibliotecas públicas abertas para a população. Os programas culturais são mínimos. As cidades se tornaram em centros de agonia e temor. A violência toma as cidades. Meninos de rua. Grupos rivais a se enfrentam em noites trevosas.

Viver num país subdesenvolvido permite que se conclua que há uma batalha psicológica sendo travada em todo tempo. Pode-se afirmar que subdesenvolvimento anda lado a lado com especulação e instabilidade. Saia-se de casa e já não se sabe se volta, pois as cidades se tornaram em centros de perigo espreitador. As favelas se tornaram cinturões encapsuladores dos centros urbanos. Em torno do centro sempre há um aglomerado de desfavorecidos. Acredito que tal arranjo exista desde os tempos em que se formaram as primeiras cidades. Chico Sciense cantou na música A cidade: A cidade não pára/ a cidade só cresce/ o de cima sobe/ e o debaixo desce. Chico Sciense mais do que uma rima simples, fez uma análise sociologicamente profunda sobre a lógica das cidades em qualquer lugar do mundo e da História.

Olhando para as pessoas que caminhavam apressadas percebi como estamos distantes um dos outros. Houve um esquecimento daquela paisagem construída pelos gregos – todos juntos na expectativa de construção do bem comum. Nem parece que habitamos o mesmo chão, que habitamos o mesmo país, falamos a mesma língua, temos o mesmo centro político, pertencemos à mesma cidade.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: domingo, 13 de julho de 2008, 12:09:02.


quinta-feira, novembro 12, 2009

Sobre um texto de Fernando Henrique Cardoso

“Só são verdadeiramente homens aqueles que arrancam as algemas da mente humana”
Gorki

Há afirmações que nos enchem de um asco enojante. Que fulminam completamente o bom senso. Que são resultado de destempero – e por que, não, de desespero? Que são o truncamento da desinteligência com uma verborragia de araque para gerar confusão. É a lógica mambembe de uma tendência perniciosa que parasita as consciências e se sente ameaçada pela graça e pela aceitação visível da prudência. Por fim: há afirmações que são o beijo da teoria sociológica nefasta com o veneno da intransigência aristocrática.
Ora, porque escrevo estas palavras? Simples! São sentimentos que me domina após ler o texto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, também conhecido como FHC, escrito no dia primeiro de novembro no jornal Correio Brazilienze. Terrível. Melhor que saísse na edição do dia 2 (“Dia de Finados”), representando a morte da inteligência e a consagração efetiva da voz das oligarquias. “Para onde vamos?” é o nome do artigo. Melhor seria: “Para onde iríamos se a trupe FHC, PSDB e DEM estivessem no poder?” Com certeza, para o inferno do neoliberalismo, do esmagamento da classe trabalhadora, do Estado mínimo, reduzido, quase inexistente. Palco para a manifestação sem limites do Capital.
Fernando Henrique, intelectual patético, deve ter esquecido seus conhecimentos mais elementares no período em que deu aula na França, tenta descaracterizar o Governo Lula. Segundo ele, a gestão lulista é marcada por “frases presidenciais aparentemente sem sentido”, autoritarismo estatal e subperonismo – pois, o presente governo tenta se perpetuar na pessoa de uma “candidata claudicante”, Dilma Rousseff. Talvez o aristocrata fajuto, voz das elites, se esqueça do período em que foi presidente. “Quem se aposenta cedo é vagabundo”. Ou quando era Ministro da Fazenda na gestão Itamar. Naquela ocasião tentou “harmonizar-se” com os trabalhadores, tomando cafezinho com pão numa padaria num bairro proletário. Acostumado com os banquetes “nababescos”, FHC deve ter experimentado essa combinação pela primeira vez na vida. A classe trabalhadora, pelo contrário, têm quando muito, pão e café na alimentação da manhã. O sociólogo de ideias bambas nunca conheceu a miséria, como foi dito certa vez. A não ser quando leu “Vidas Secas” de Graciliano Ramos.
Em certa altura do texto, FHC afirma: “Mas tudo o que o cerca [Lula] possui um DNA que, mesmo sem conspiração alguma pode levar o país, devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm a ver com nossos ideais democráticos”. “Nossos ideais democráticos”? Essa afirmação tenta transmitir com gratuidade a ideia de que a democracia é um direito de todos. Pergunta-se: “Democracia de quem e para quem?” Democracia é um nome inventado nas sociedades burguesas para maquiar as relações de classe. Afirma-se que essa mesma democracia é participativa e popular. Observa-se que o povo legitima o poder daqueles que estão no poder representando a burguesia quando votam nesses mesmos representantes.
Portanto, a frase “nossos ideais democráticos” é ambígua. No fundo, conseguimos perceber-lhe as intenções. O “nosso” não diz respeito ao povo, àqueles que fazem o país com o seu suor, mas à classe a que pertence o senhor FHC. “Nosso” diz respeito a um vício aristocrático, a uma possessividade que entende que o Brasil tem dono. É o sentimento de quem possuiu, usurpou, parasitou, assenhoreou-se das riquezas e dos bens do país nos últimos quinhentos anos; e acha que isso deve continuar pelos próximos milênios. Constituindo-se, assim, numa herança inamovível, numa sociedade de leis estamentais.
O liberal conservador, acusa o governo lulista de autor de “pequenos assassinatos”. Entre esses “pequenos assassinatos”, cita: “Por que, na política externa, esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmedinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?”. Esquece-se da complexidade que vige na sociedade iraniana. Que aqueles que se opõem ao presidente iraniano são apoiados pela Casa Branca. Apelar para os direitos humanos é apelar para uma sensibilização romântica. É um tipo de “filantropia das consciências” como diz Marx no Manifesto. Como se o sistema neoliberal a que ele defende não atacasse os direitos humanos de forma rude e agressiva, quando aumenta os hiatos sociais; tirando o direito à saúde, à educação, à alimentação, à segurança; quando privatiza os serviços essenciais oferecidos pelo Estado aos mais pobres. Ele não deveria falar de direitos humanos, quando o seu partido, munido de uma ideologia letal, reduz a capacidade do Estado de auxiliar os menos favorecidos. Quando isso ocorre aí, sim, comete-se um assassinato. Devemos chamar não apenas de “pequeno assassinato”, mas de “grande extermínio”. O que a classe a quem ele defende mais fez na História foi cometer atrocidades contra os trabalhadores. Isso é genocídio. Mudar o perfil das instituições para promover justiça social não é crime. É um imperativo necessário.
Acusa o Governo de impor um “autoritarismo popular” ou ir “contra a letra expressa da Constituição”. A Constituição não é uma entidade em si. Ela não é absoluta. As constituições são feitas por aqueles que estão no poder. Em seu bojo essencial encontramos argumentos político-ideológicos que pulverizam direitos e garantias. Todavia, tais benesses silenciam os dominados por impregnar uma consciência de liberdade. Não se é livre quando dizem que posso beber suco, mas somente me dizem para eu desfrutar do sabor limão. E os outros sabores? Dizem que posso caminhar, mas delimitam o caminho por onde devo caminhar. A liberdade na qual está expresso esse conceito de democracia é uma falácia pelos elementos reais que apresenta. Sendo assim, não há liberdade. É aquilo que Marx afirma no Manifesto do Partido Comunista: “Vossas próprias ideias são um produto das relações burguesas de produção e de propriedade, assim como vosso direito é apenas a vontade da vossa classe erigida em em lei, vontade cujo conteúdo é determinado pelas condições de existência da sociedade”.
O que fica patente no texto de FHC é ideia contrária ao fortalecimento do Estado. Sabe-se que ele é contrário a tudo aquilo que diga respeito à pujança estatal. Durante o seu Governo, as empresas nacionais foram vendidas a preço de banana. Como se fosse uma grande feira. Se essas empresas não valessem nada, os estrangeiros não teriam vindo aqui comprá-las. Hoje, dão lucros absurdos, sendo que as riqueza produzidas por elas vão embora. O que fica aqui é o mínimo e irrisório com relação àquilo que vai embora. Um exemplo disso é Vale. FHC não vendeu mais, ou seja, não entregou de graça aquilo que é do povo brasileiro, porque não deu tempo. O seu Governo acabou em 2002. Acredito que se tivesse continuado, teria vendido outras grandes empresas como a Caixa, o Branco do Brasil ou Petrobras, sob a alegação de que era preciso “desinchar” o “Estado-Mastodonte”, a desculpe neoliberal dos anos noventa para implementar a privataria.
Para esse tipo de gente o Estado só é interessante quando pode conferir lucros. Quando ele cresce e tem suas políticas voltadas para o progressismo – investimento em políticas sociais, em infra-estrutura e etc deixa de ser interessante. Começam a falar em “máquina pesada”; em ineficiência, em anacronismo, em “andar na contramão do tempo”. Pois o que se deseja é um Estado ineficiente. Apenas com o Judiciário funcionando a fim de julgar litígios sociais de pouca monta. Assim, o poder político do Estado deve se tornar um comitê para administrar os negócios comuns da burguesia, como afirma Marx.
FHC termina seu texto infame com as seguintes palavras: “Termino dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo antes que seja tarde”. Penso que tais palavras deveriam ser direcionadas a ele e à sua trupe. Cansa ouvir o discurso de um liberal em desespero. Eles se tornam perigosos e maquiavélicos. São capazes de cometer loucuras para terem seus objetivos conquistados. Por isso, o que percebi no texto foi unicamente desespero e ameaça. Desespero por deixar claro que as ações do presente Governo têm sido positivas. Enquanto, a gestão do Governo FHC foi marcada pela irregularidade constante e a patifaria privatizante. E ameaça por perceber que há grandes possibilidades de no próximo ano, as eleições mostrarem mais uma vez que os trabalhadores brasileiros estão cansados de um tipo de política monofocal. Vade retro, FHC!

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: quinta-feira, 12 de novembro de 2009, 20:23:26.

sábado, outubro 31, 2009

Eu, a tarde e o caderno de notas de Anna Magdalena Bach.

A beleza deve nos fazer mais tristes.
Lidar com os poderes imarcescíveis da pureza
etérea nos faz primeiramente reconhecer
nossas limitações.
O profeta Isaías ao entrar certa vez
no Templo em Jerusalém teve uma
visão do Infinito.
A experiência o fulminou.
Disse: “Ai de mim que moro no meio
de um povo de impuros lábios e os meus
olhos viram o Santo”.
A visão Inefável nos recolhe à nossa
insignificância.
Após a reflexão, vem-nos a dignidade,
o desejo de celebrar, de ser humano,
de se tornar digno daquilo que ver.
Foi assim que o mesmo profeta proferiu à Visão:
“Purificai-me e ficarei mais limpo que a neve”.
A beleza, a visão daquilo que é santo, deve
nos melhorar.
É por isso que surge em mim a serenidade.
Estou ouvindo a beleza da música de Bach.
As anotações de Anna Magdalena Bach – o minueto.
E essas reflexões me surgem.
A alegria me invadiu por completo.
Não tenho palavras para mencionar.
O cravo de Bach despeja árias, minuetos...
Uma voz melíflua voa, ganha o infinito.
Sinto-me estúpido.
Essa ambigüidade de sentimentos é necessário.
A beleza e o torpor.
Por trás desse muro de realismo há o sentimento,
o anelo de ser grande.
De paralisar-me, de congelar-me no tempo.
Abandonar a civilização, morar num mosteiro
à semelhança de um eremita.
Imagine!
A música possui poderes paralisantes.
Reduz-nos e agiganta-nos.
Bach sabia manusear a beleza.
Não era como Rimbaud que um dia
sentou a beleza no colo e espancou-a.
O compositor alemão acarinha a beleza,
trata-a delicadamente.
A tarde está nublada.
O mundo mostra-se como num
preparativo para um funeral.
Logo mais as nuvens destilarão os
seus poderes – choverá.
Aqui onde estou há uma alameda de flamboyants
Com suas cabeleiras em chama.
E a música de Bach.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: segunda-feira, 03 de novembro de 2008.

sexta-feira, outubro 16, 2009

Um pequeno comentário sobre Saber Cuidar – de Leonardo Boff

Uma certa curiosidade me levou a ler o livro Saber Cuidar – Ética do humano – compaixão pela terra do teólogo e pensador Leonardo Boff. O escritor de origem católica tem produzido uma vasta literatura na área de espiritualidade, buscando enfatizar um encontro com o outro como uma atividade imprescindível à humanização do homem moderno.
O autor centra a sua tese na necessidade de “cuidado” para com a casa comum dos homens – O Planeta Terra, Gaia. Todos devem estar envolvidos nessa busca pela construção de uma outra consciência que priorize e essencialize o cuidado como ethos para uma nova condição humana. Saber Cuidar é uma obra prazerosa de ser lida, porque emprega várias ferramentas filosóficas, da teologia, da psicologia e da literatura como possibilidade reflexiva.
Boff se utiliza de uma fábula sobre o cuidado escrita pelo erudito romano Gaius Julius Hyginus. Nesta fábula o Cuidado cria o homem a partir de um pedaço de barro. Enquanto Cuidado contemplava o que havia criado, aparece Júpiter, a entidade suprema do Olimpo. Cuidado pediu para que Júpiter soprasse o espírito de vida na obra que criara. Júpiter o fez de bom grado. Todavia, quando Cuidado queria dar um nome àquela nova criatura, Júpiter proibiu e indicou que o nome deveria ser imposto. Cuidado discordou. Enquanto os dois discutiam sobre o destino da criatura, surgiu a Terra e disse que era dela o direito de posse. Os três ficaram por muito tempo discutindo o destino daquele que fora criado. Por fim, chamaram a Saturno para ser árbitro da causa. Este assim decide: (1) Júpiter por ter dado o espírito à criatura, receberia de volta o presente que fora dado; (2) a Terra por ter fornecido o barro que teceu ao homem, receberia de volta o corpo quando este morresse. (3) e, finalmente, Cuidado por ter moldado a criatura, cuidaria dela enquanto vivesse. É a partir dessa história mítica que Leonardo estrutura a sua reflexão sobre a esssencialidade do cuidado.
Segundo o próprio autor, os mitos são difusores de grandes possibilidades. Eles são capazes de irradiar perspectivas extraordionárias que o pensamento técnico não desenvolve por causa da objetividade com que trata a realidade. Assim, os mitos “ajudam a entender a universalidade de certas experiências e apontam para as várias travessias que caracterizam a aventura humana”. Seguindo esta linha de desenvolvimento, Júpiter representa a dimensão celeste, solar da existência. Ou seja, todas aquelas experiências que apontam para a beleza, para a alegria. Júpiter é a figura do pai, daquele que cuida. Daquele que indica o caminho certo. A Terra representa a vida, a natureza; o feminino, o útero que abriga e que recebe o sêmen gerador da fertilidade, que faz fecundar todas as possibilidades de vida. É o elemento que acolhe. Saturno representa a utopia, o sonho, o progresso. É o deus das sementeiras, da agricultura, da fertilidade. Este aspecto aponta para a liberdade, pois nos dias em que se festejava esta divindade, todas as diferenças eram abolidas.
Boff busca por meio dessa análise reflexiva, apontar para um dos maiores problemas que tem acometido o homem da pós-modernidade: o esquecimento das questões espirituais e a aproximação de um estilo de vida materialista. Tal modelo desvincula o homem de qualquer projeto identitário com o outro, com os animais, com as plantas, com o planeta. O que guia o homem é uma força espoliativa. A filosofia que impulsiona o homem atual é a vontade de lucrar e por conta desse desejo irreprimível, aquelas realidades essenciais são menosprezadas. Por está voltado para esse modelo, o homem teria se desvinculado do Todo essencial que deve mover e impulsionar a humanidade para construir um projeto holístico capaz de frear esses impulsos destrutivos. O que a Terra demorou para construir em bilhões de anos, a falta de cuidado do homem tem feito perecer em pouco mais de alguns séculos.
Um aspecto interessante que a obra aborda é a ditadura do modo-de-ser-trabalho, que tem como fundamento a tirania sobre o outro. Este é o modelo do mundo capitalista que pensa unicamente no crescimento, no lucro, na exploração. Boff afirma que esta perspectiva abriu “o caminho para a vontade de poder e de dominação sobre a natureza”. Pois, “este tipo de razão exige ‘objetividade’, impõe um certo distanciamento da realidade a fim de estudá-la como um objeto para acumular experiências e dela assenhorear-se”. O autor, pelo contrário, sugere que o modelo a ser perseguido pelo homem é o modo-de-ser-cuidado, abrindo-se ao cuidado essencial como suporte da criatividade, da inteligência e da liberdade. Esta perspectiva volta-se para a essência do humano, para a dimensão do cuidado. “O cuidado é uma atitude fundamental, de um modo de ser mediante o qual a pessoa sai de si e centra-se no outro com desvelo e solicitude”. “Foi com cuidado que “Cuidado” moldou o ser humano. Empenhou aí dedicação, ternura, devoção, sentimento e coração. E com isso criou responsabilidades e fez surgir a preocupação com o ser que ele plasmou. Estas dimensões, verdadeiros princípios constituintes, entraram na composição do ser humano. Viraram carne e sangue. Sem tais dimensões, o ser humano jamais seria humano”. Em suma: o que distingue o homem de qualquer outra espécie é a sua capacidade de cuidar, de desvelar-se afetuosamente. Tal dimensão precisa ser resgatada de forma poderosa para que a vida seja preenchida por significados essenciais.
Ao final de sua reflexão, Boff insere figuras “exemplares” de cuidado. De pessoas como as mães e avós que morrem de desvelo pelos seus. As figuras históricas de Jesus, de Gandhi, de Francisco Francisco de Assis ou madre Teresa de Calcutá, também aparecem como modelos essenciais de cuidado.
A obra e empolgante, de leitura imensamente deliciosa e reflexiva. Possui um veio utópico básico. Boff entende que a única via capaz de “salvar” o homem é por intermédio de uma espiritualidade que faça surgir uma nova ética do cuidado. É preciso re-ligar-se ao Todo Imanente que preenche todas as coisas. Sem propor modelos religiosos, o que o autor busca é a criação de uma “religião” que desperte o homem para uma nova ética, que inclua a natureza, o outro, e toda a criação. E o elemento que deve conduzir o homem é o cuidado. E finalmente: “O cuidado faz surgir o ser humano complexo, sensível, solidário, cordial e conectado com tudo e com todos no universo”. Embora não concorde em muitos aspectos com a reflexão de Boff, por entender que sem uma ruptura com o capital não há possibilidade de construir este projeto, a obra é uma "doce reflexão utópica". Vale a pena ser lida.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: 21 de setembro de 2009, segunda-feira, 21:33:00

quarta-feira, setembro 30, 2009

Liberdade e justiça social

Na década de 1980 visitei, com frequência, países socialistas: União Soviética, China, Alemanha Oriental, Polônia, Tchecoslováquia e Cuba. Estive também na Nicarágua sandinista. As viagens decorreram de convites dos governos daqueles países, interessados no diálogo entre Estado e Igreja.

Do que observei, concluí que socialismo e capitalismo não lograram vencer a dicotomia entre justiça e liberdade. Ao socializar o acesso aos bens materiais básicos e aos direitos elementares (alimentação, saúde, educação, trabalho, moradia e lazer), o socialismo implantara, contudo, um sistema mais justo à maioria da população que o capitalismo.

Ainda que incapaz de evitar a desigualdade social e, portanto, estruturas injustas, o capitalismo instaurou, aparentemente, uma liberdade - de expressão, reunião, locomoção, crença etc. - que não se via em todos os países socialistas governados por um partido único (o comunista), cujos filiados estavam sujeitos ao "centralismo democrático".

Residiria o ideal num sistema capaz de reunir a justiça social, predominante no socialismo, com a liberdade individual vigente no capitalismo? Essa questão me foi colocada por amigos durante anos. Opinei que a dicotomia é inerente ao capitalismo. A prática de liberdade que nele predomina não condiz com os princípios de justiça. Basta lembrar que seus pressupostos paradigmáticos - competitividade, apropriação privada da riqueza e soberania do mercado - são antagônicos aos princípios socialistas (e evangélicos) de solidariedade, partilha, defesa dos direitos dos pobres e da soberania da vida sobre os bens materiais.

No capitalismo, a apropriação individual e ilimitada da riqueza é direito protegido por lei. E a aritmética e o bom-senso ensinam que quando um se apropria muitos são desapropriados. A opulência de uns poucos decorre da carência de muitos.

A história da riqueza no capitalismo é uma sequência de guerras, opressão colonialista, saques, roubos, invasões, anexações, especulações etc. Basta verificar o que sucedeu na América Latina, na África e na Ásia entre os séculos XVI e a primeira metade do século XX.

Hoje, a riqueza da maioria das nações desenvolvidas decorre da pobreza dos países ditos emergentes. Ainda agora os parâmetros que regem a OMC são claramente favoráveis às nações metropolitanas e desfavoráveis aos países exportadores de matérias-primas e mão de obra barata.

Um país capitalista que agisse segundo os princípios da justiça cometeria um suicídio sistêmico; deixaria de ser capitalista. Nos anos 80, ao integrar a Comissão Sueca de Direitos Humanos, fui questionado, em Uppsala, por que o Brasil, com tanta fartura, não conseguia erradicar a miséria, como fizera a pequena Suécia. Perguntei-lhes: "Quantas empresas brasileiras estão instaladas na Suécia?" Fez-se prolongado silêncio.

Naquela época, nenhuma empresa brasileira operava na Suécia. Em seguida, indaguei: "Quantas empresas suecas estão presentes no Brasil?" Todos sabiam que havia marcas suecas em quase toda a América Latina, como Volvo, Scania, Ericsson e a SKF, mas não precisamente quantas no Brasil. "Vinte e seis", esclareci. (Hoje são 180). Como falar em justiça quando um dos pratos da balança comercial é obviamente favorável ao país exportador em detrimento do importador?

Sim, a injustiça social é inerente ao capitalismo, poderia alguém admitir. E logo objetar: mas não é verdade que, no capitalismo, o que falta em justiça sobra em liberdade? Nos países capitalistas não predominam o pluripartidarismo, a democracia, o sufrágio universal, e cidadãos e cidadãs não manifestam com liberdade suas críticas, crenças e opiniões? Não podem viajar livremente e até mesmo escolher viver em outro país, sem precisar imitar os "balseros" cubanos?

De fato, nos países capitalistas a liberdade existe apenas para uma minoria, a casta dos que têm riqueza e poder. Para os demais, vigora o regime de liberdade consentida e virtual. Como falar de liberdade de expressão da faxineira, do pequeno agricultor, do operário? É uma liberdade virtual, pois não dispõem de meios para exercitá-la. E se criticam o governo, isso soa como um pingo de água submergido pela onda avassaladora dos meios de comunicação - TV, rádio, internet, jornais, revistas - em mãos da elite, que trata de infundir na opinião pública sua visão de mundo e seu critério de valores. Inclusive a ideia de que miseráveis e pobres são livres...

Por que os votos dessa gente jamais produzem mudanças estruturais? No capitalismo, devido à abundância de ofertas no mercado e à indução publicitária ao consumo supérfluo, qualquer pessoa que disponha de um mínimo de renda é livre para escolher, nas gôndolas dos supermercados, entre diferentes marcas de sabonetes ou cervejas. Tente-se, porém, escolher um governo voltado aos direitos dos mais pobres! Tente-se alterar o sacrossanto "direito" de propriedade (baseado na sonegação desse direito à maioria). E por que Europa e EUA fecham suas fronteiras aos imigrantes dos países pobres? Onde a liberdade de locomoção?

Sem os pressupostos da justiça social, não se pode assegurar liberdade para todos.

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Por Frei Betto.

segunda-feira, setembro 21, 2009

Primeiro Domingo

Este primeiro domingo de 2009 está

Cheio de silêncio e mistério.

A luz fina, morna, é filtrada das nuvens.

A manhã está tépida.

Pedaços de luminosidade esparramam-se pela parede.

As roupas vadias balançam no varal.

O vento traz desejos e eu rio.

Árias, andantes e adágios mozartianos entram

Pelos meus ouvidos que convidam os barulhos de

Fora a virem morar dentro de mim.

Simbiótico, desejo as canções.

Já estou a bastante tempo ouvindo esse som

Com propriedades etéreas.

Sozinho, sinto que os astros do universo moram

Comigo.

O sol é meu irmão e a lua é minha companheira.

Os desejos estão adormecidos.

Sinto a calma mongética.

Como dizia Nietzsche: “eu sou um brâmane”.

Penso nas coisas grandiosas e espirituais.

A beleza necessariamente anda com pés delicados.

Ela é uma moça cândida, cheia de recatos.

Consigo ouvir barulhos longínquos.

Perto de minha casa há bares abarrotados.

Lá vive a loucura com lábios molhados, pronta

Para beijar seres incautos.

A loucura é a musa dos homens doentes.

Os sãos gostam de valores frágeis, delicados.

As árias, andantes moltos e adágios se sucedem

Como águas turbulentas e sábias de uma cachoeira.

O meu domingo de solidão e silêncio musical

É uma efeméride para os meus sentidos.


Por Carlos Antônio M. Albuquerque

Data: domingo, 4 de janeiro de 2009, 11:56:07.

sábado, setembro 12, 2009

Outras Impressões

Parece sempre nova a visão que

Tenho deste ponto.

Já estive aqui por diversas vezes.

Presencie essa mesma paisagem.

Extasio-me de forma completa.

Não deixei de me sentir integrado

Ao mundo.

O calor acentuado.

O dia que se vai.

O astro que se esconde por

Trás dos morros distantes.

Uma bola incandescente.

As nuvens que ainda fazem perceber

As reverberações de mais

Um espetáculo ocasual.

É sempre belo.

Ternos versos poéticos.

Misterioso como uma religião,

Cheio de fragrâncias distintas

Como se fosse um bosque.

Triste como uma despedida.

Habitado por sensações variegadas

Como uma viagem.

Um momento de velocidade parada.

A escuridade tênue, leitosa,

Engole o dia.

Alimenta-se da pressa.

Muda-se a cor do cenário.

Cobre-se o mundo com

Um manto trevoso.


Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

Data: 12 de setembro de 2008, sexta-feira.