quarta-feira, novembro 25, 2009

A cidade

O processo de formação das cidades seguiu uma lógica. À medida que os grupos humanos iam se adensando, sentiu-se a necessidade, meio que involuntariamente, de formar-se ajuntamentos coesos. Fustel de Coulanges em seu extraordinário livro A Cidade Antiga, diz que essa gradação se deu assim: família, fatria, tribo, cidade.

A formação das cidades deixou para trás um tempo onde o nomadismo sugeria um modo de vida. Outrora, os homens tinham que caminhar em busca de possibilidades não fixas de viver – rios, frutos, animais, pesca e etc. Quando certo lugar tinha os seus recursos exauridos, ou quase que no limite da escassez, era hora de procurar uma outra região. Esse modo de vida não possibilitava uma unidade política centralizada. Tratava-se de um modelo de sociedade patriarcal, nas quais as crenças nos ancestrais fomentavam superstições. As preocupações eram com os grupos rivais, com as feras, com os espíritos hostis, com as estações do ano.

Quando não se tornou possível a continuação desse modelo, foi necessária a fixação num determinado local. Aí se constituíram as cidades. O adensamento de vários grupos, permite pensar as cidades como um corpo que se assemelha a unidades orgânicas independentes, porém com o mesmo propósito identificador: o aspecto político, econômico e cultural.

A pólis dos gregos constituiu-se num modelo no qual os seus cidadãos (daí o terno citadino – da cidade), ou seja, aqueles que tinham participação política e opinavam diretamente sobre o destino da cidade, possuíam uma relação estreita com o destino político e organizativo da mesma. A cidade era um lugar para ser pensado coletivamente por meio daqueles que a constituem. Isso acontecia nas praças públicas, nos teatros, na prefeitura e etc. Em suma, a cidade era o centro das preocupações dos seus cidadãos. Ela precisava ser pensada a todo instante para que se tornasse num lugar agradável e comunitariamente propício a um maior número possível.

Redijo tais considerações, pois caminhando pela minha cidade bateu-me um senso investigativo. Penso como as cidades se tornaram em centros complexos. Nas suas veias corre um povo apressado com veículos automotivos. Grandes avenidas pavimentadas – gente a pé, ônibus, caminhões, bicicletas, carros de passeio e, em todos, as exigências pela vida. Godfrey Reggio tratou dessa problemática de forma brilhante no seu filme de 1983, Koyaaniskatsi – uma vida fora de equilíbrio. A teia complexa construída pelo homem reduziu a vida à máquina, num estilo desarmônico, atribulado.

Analisando minha cidade a vejo desguarnecida de conforto, de benfeitorias para a sua população. A disposição arquitetônica segue uma lógica irregular – perto do centro a organização, longe do centro, o desequilíbrio e a necessidade. As condições econômicas de um povo dita a estrutura de sua cidade. Na minha cidade não há bibliotecas públicas abertas para a população. Os programas culturais são mínimos. As cidades se tornaram em centros de agonia e temor. A violência toma as cidades. Meninos de rua. Grupos rivais a se enfrentam em noites trevosas.

Viver num país subdesenvolvido permite que se conclua que há uma batalha psicológica sendo travada em todo tempo. Pode-se afirmar que subdesenvolvimento anda lado a lado com especulação e instabilidade. Saia-se de casa e já não se sabe se volta, pois as cidades se tornaram em centros de perigo espreitador. As favelas se tornaram cinturões encapsuladores dos centros urbanos. Em torno do centro sempre há um aglomerado de desfavorecidos. Acredito que tal arranjo exista desde os tempos em que se formaram as primeiras cidades. Chico Sciense cantou na música A cidade: A cidade não pára/ a cidade só cresce/ o de cima sobe/ e o debaixo desce. Chico Sciense mais do que uma rima simples, fez uma análise sociologicamente profunda sobre a lógica das cidades em qualquer lugar do mundo e da História.

Olhando para as pessoas que caminhavam apressadas percebi como estamos distantes um dos outros. Houve um esquecimento daquela paisagem construída pelos gregos – todos juntos na expectativa de construção do bem comum. Nem parece que habitamos o mesmo chão, que habitamos o mesmo país, falamos a mesma língua, temos o mesmo centro político, pertencemos à mesma cidade.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: domingo, 13 de julho de 2008, 12:09:02.


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