quarta-feira, dezembro 30, 2020

Balanço cinematográfico de 2020

                                                                     Ingmar Bergman

O ano de 2020 não foi dos mais fáceis para ninguém. Foi um ano repleto de incertezas e sobressaltos. Os dramas psicológicos nunca estiveram tão presentes. Mas, tentando enxergar as coisas por um ponto de vista positivo, confesso que houve alguns ganhos. Entre eles está a quantidade de filmes vistos por mim. 

Já faz uma certa data que elegi o cinema como uma das minhas atividades favoritas. Tanto é assim que procuro assistir a, pelo menos, dois filmes por semana. Tentando fazer um exercício de memória, posso confessar que, nos últimos cinco anos, devo ter visto algo em torno de quatrocentos filmes. Procuro privilegiar os clássicos. A lista, conforme pode ser observada em um link do lado direito da página, traz, em sua maioria, títulos com esse perfil. Há filmes recentes. Todavia, eles são vistos quando há uma boa motivação para isso. Geralmente, levo em conta os aspectos da crítica especializada. 

Foi pensando nisso, que procurei estabelecer cinco categorias a partir daquilo que vi ao longo do ano: (1) dez melhores filmes vistos em 2020; (2) dez melhores filmes brasileiros vistos em 2020; (3) cinco melhores documentários vistos em 2020;  (4) cinco filmes que me deixaram com a respiração suspensa; (5) cinco decepções de 2020.


(1) Dez melhores filmes de 2020:

1 - Os sete samurais. dir. Akira Kurosawa  (1954);

2 - Ordet. dir. Carl Theodor Dreyer (1955);

3 - Rashomon. dir. Akira Kurozawa (1950);

4 - Vá e Veja. dir. Elem Klímov. (1985);

5 - Cavalo de Turim. dir. Béla Tarr (2011);

6 - Mississipi em Chamas. dir. Alan Parker (1988);

7 - Apocalipse Now. dir. Francis Ford Copolla (1979);

8 - Lawrence da Arabia. David Lean. (1962);

9 - Ben-Hur. dir. William Wyler. (1959)

10 -  O crepúsculo dos deuses. dir. Billy Wilder. (1950);

11 -  Parasita. dir. Bong Joon-ho. (2019)

P.S. Tive que abrir uma exceção e inserir o filme sul-coreano Parasita.


(2) Cinco melhores filmes brasileiros vistos em 2020

1 - O céu de Suely. dir. Karin Ainouz. (2006);

2 - O som ao redor. dir. Kleber Mendonça. (2012);

3 - Bacurau. dir. Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles (2019)

4 - Eles não usam black-tie. dir. Leon Hirszman.(1981);

5 - Como nossos pais. dir. Laís Bodanzky. (2017);

6 - Central do Brasil.  dir. Walter Salles. (1997);

7 - O beijo da mulher aranha. Hector Babenco (1985);

8 - O caminho das nuvens. dir. Vicente Amorim.(2003);

9 - Iracema - Uma Transa Amazônica. dir. Jorge Bodanzky, Orlando Senna. (1975);

10 -  O homem que virou suco. dir. João Batista de Andrade. (1981);

 

(3) Cinco melhores documentários vistos em 2020

1 - O triunfo da vontade. dir. Leni Riefenstahl. (1935);

2 - A arquitetura da destruição. dri. Peter Cohen. (1989);

3- O holocausto brasileiro. dir. Daniela Arbex, Armando Mendz (2016);

4 - Cora Coralina - Todas as vidas. dir. Renato Barbieri. (2017);

5 - Chico - artista brasileiro. dir. Miguel Faria Jr. (2015);

 

(4) cinco filmes que me deixaram com a respiração suspensa

1 - Os sete samurais. dir. Akira Kurosawa (1954);

2 - Ordet. dir. Carl Theodor Dreyer (1955); 

3 - Vá e Veja. dir. Elem Klímov (1985);

4 - Três homens em conflito. dir. Sérgio Leone (1966);

5 - Mississipi em Chamas. dir. Alan Parker. (1988);

 

(5) cinco decepções de 2020

1 - Rio Babilônia. dir. Neville de Almeida (1982);

2 - Love. dir. Gaspar Noé (2015);

3 - O filme da minha vida. dir. Selton Mello (2017);

4 -  Star Wars: A ascensão de Skywalker. dir. J. J. Abrams. (2019)

5 -  O exterminador do futuro: Gênesis. dir. Alan Taylor. (2015);

domingo, dezembro 27, 2020

Um pequeno balanço livresco


 Acredito que tenha conseguido ler o meu último livro do ano de 2020. Uso a palavra "acredito", pois penso que não terei condições de terminar nenhuma outra leitura, entre aqueles que estou fazendo, ao longo da última semana do ano. Pais e filhos, de Ivan Turgueniev, era um projeto antigo de leitura - como tantos que possuo. Terminei-o ontem.

Não foi um ano fácil. Li menos do que eu queria, todavia, mais do que eu podia. Para leitores com uma compulsão megalomaníaca como eu, que ficam esmorecidos quando não conseguem ler, perceber a existência de obstáculos para a consecução da leitura é sempre uma tragédia. 

O ato de ler é uma atividade curiosa. Esse ano difícil em vários cenários, serviu para mostrar para mim que livros são como montanhas - algumas, quando olhamos debaixo, parecem intransponíveis. Mas elas são e continuam assim até que nos decidamos a subir. 

Há livros que, ao olharmos a sua lombada, a sua espessura extensa, assustamo-nos. Um retraimento covarde nos convence a não enfrentá-los. Isso é uma advertência enganosa. Arrumamos tempo para fazer tantas coisas, por que não organizamos o tempo para realizar algumas necessárias leituras? 2020 permitiu que eu realizasse alguns desejos. Por exemplo, consegui ler A besta humana, do escritor francês Émile Zola. Li ainda o delicioso O lobo do mar, do Jack London. Outro livro lido - e esse ficou entre os grandes que já li - foi O senhor da moscas, do nobelino William Golding. 

Outro livro de fundamental leitura foi o extraordinário Nada de novo no front, do alemão Erich Maria Remarque. O livro é uma aula sobre as transformações ocorridas no interior de um combatente durante a Primeira Guerra Mundial. O brilhantismo da narrativa aproxima-o de Os contos de Kolimá, do russo Varlam Chalámov.

Acredito que o maior desafio do ano tenha sido a leitura da extraordinária biografia sobre o chefe da propaganda nazista - Joseph Goebbels - escrito por Peter Longerich. A leitura aconteceu de forma lenta. Arrastada. Em alguns momentos, pensei realizar uma tarefa que nunca teria fim. O livro aproxima-se das novecentas páginas. Ao terminá-lo, fiquei com um senso de dever cumprido e uma sensação gratificante de que eu era capaz de enfrentar desafios aparentemente assustadores. 

É baseado nessa experiência que, no ano de 2021, tenho três grandes montanhas para galgar: (1) Brasil - uma biografia, da Lilia Moritz Schwarcz; (2) Os demônios, de Dostoiévski; (3) Jane Eyre, da Charlotte Brontë (a belíssima edição da Zahar). 

Penso ainda em ler de maneira mais detida (pelo menos uns cinco livros de cada) Clarice Lispector - por causa de seu centenário - e Lygia Fagundes Telles, para quem as apresentações são dispensáveis. Pretendo ainda ler três ou quatro obras de Jorge Amado, projeto que iniciei em 2020.

Claro, em 2020 houve outras leituras. Mas, acredito que o mais significativo tenha sido isso. 

No próximo ano, o horizonte (observando à distância) apresenta as mesmas tinturas melancólicas - filho, dois empregos, acordar cedo, grandes deslocamentos diários; tempo escasso etc. Mas, é importante continuar fazendo menos do que eu queria, todavia, mais do que eu podia.

sábado, dezembro 26, 2020

Resumo cinematográfico III

(1) "Django Livre" - filme de Quentin Tarantino, que teve sua estreia no ano de 2012. Vi-o em 7/9 deste ano. Assisti a ele, após uma cruzada tarantinesca. Por aqueles dias, vi uns três filmes do diretor. "Django Livre", penso, é o ápice da produção de Tarantino. Com exceção de "Pulp Fiction" (já perdi a quantidade de vezes que vi), fico meio sem paciência com toda aqueles volteios  previsíveis dos trabalhos do diretor estadunidense. O que fixa a minha atenção são, sempre, as belas atuações de parcerias de longa data, como é o caso de Samuel L. Jackson; ou, de em tempos mais próximos, Christoph Waltz e Leonardo DiCaprio. "Django" prende, porque possui um excelente enredo; belas atuações; diálogos cáusticos. Mas, no fundo, é uma tentativa de trazer à tona os "faroestes macarrônicos" à Sergio Leone, com efeitos "gore" e misturas típicas da cultura pop, como é o caso de cruzar lendas alemãs, com escravidão; além do modo como o ex-escravo "Django" se veste após a sua transformação. Confesso que fiquei mais entusiasmado quando vi o filme pela primeira vez, em 2017.

(2) "Um tiro na noite" - filme do lendário diretor Brian de Palma. A obra é do ano de 1982. Foi uma grata surpresa tê-lo visto. A tradução do filme para o português brasileiro, não revela a brincadeira em forma de homenagem que o diretor faz: "Blow Out". "Um tiro na noite" é uma confissão de admiração do diretor aos seus mestres. No caso em questão, De Palma rende homenagem ao diretor italiano Michelangelo Antonioni que, em 1966, filmou um dos suspenses mais originais da história do cinema: "Blow Up - Depois daquele beijo". No filme de Antonioni, um fotógrafo realiza o seu trabalho corriqueiramente em um parque. Quando decide revelar as fotografias, desconfia que registrou o cometimento de um crime. Inicia uma caçada que o leva por um labirinto de eventos com direito, inclusive, a entrar em um "pub" onde o "The Yardbirds", a primeira banda do Jimmy Page, guitarrista do Led Zepellin, faz uma apresentação. No caso do filme de De Palma, um diretor de "filmes B" capta sons próximo a uma ponte, numa noite erma e banal. De repente,  grava o estampido de um tiro. Um carro precipita-se da ponte e cai no rio. Esse é o "start" para a condução brilhante do diretor. Antonioni privilegia a imagem; De Palma, o som. Todavia, há ainda a clara presença dos mistérios hitchcockeanos. É um filme para que os detalhes sejam captados. Uma aula sobre o conceito de metalinguagem.

(3)  "Iracema - Uma Transa Amazônica".  Filme de Jorge Bodanzky e Orlando Senna. Trata-se de uma obra ácida em sua ironia. O filme veio à luz ano de 1974, período da Ditadura Militar em que a propaganda oficial alardeava o chamado "Milagre Brasileiro". Era o período das faraônicas construções. Entre elas, a construção da Rodovia Transamazônica, que levaria, conforme assim era apregoado, o progresso ao Norte do país, cumprindo o projeto de integração nacional, doutrina defendida pelos militares. O filme é relevante, pois faz uma denúncia, mostrando o lado averso, ignorado pelo restante do país - queimadas descontroladas, prostituição à margem da rodovia; a força e a violência dos donos da terra; desmatamento;  a fome e a miséria grassante nas comunidades pobres.  A narrativa do filme é fluida. Em alguns momentos, temos a impressão que estamos vendo um documentário. Vale a pena observar, que a índia Iracema do filme é bem diferente daquela de Alencar. No romance do escritor cearense, há a tentativa de criação de um mito (uma espécie de idílio), deixando evidente que o Brasil é fruto do cruzamento entre a civilização europeia e a natureza americana. No caso do filme, Iracema é prostituída às margens da rodovia símbolo do milagre brasileiro, evidenciando um claro contrassenso. O nome de um dos personagens (inclusive que engana Iracema) é Tião Brasil Grande, que viaja pelo interior e gosta de contar loas patrióticas. Mas que, no fundo, é um grande embusteiro, inclusive enganando Iracema. Baita filme!


segunda-feira, novembro 16, 2020

"O país do carnaval", de Jorge Amado. Algumas impressões pós-leitura


Terminei a leitura de "O país do carnaval", de Jorge Amado. Sempre alimentei curiosidade pela grandiosa obra do escritor baiano. Grandiosa, claro, em todos os sentidos. Foram quase cinquenta livros escritos ao longo de quase 70 anos de produção. Jorge é um dos escritores brasileiros mais lidos no mundo. Tudo teve início em 1931, quando foi lançado "O país do carnaval". 

Jorge ao escrever o livro tinha impressionantes dezoito anos de idade. Era um garoto recém saído da adolescência, mas estava atento aos acontecimentos do Brasil e, principalmente, da sua febril Bahia. No plano nacional, o país estava saindo da República dos coronéis. Mas, como no Brasil, o futuro repete o passado, fazendo ecoar aquela frase do Cazuza: "Eu vejo o futuro repetir o passado", outros coronéis tomaram conta do país com novos arranjos. 

Todavia, vale mencionar que mesmo em face dos arranjos políticos para conservar os "status quo" das mesmas lideranças, há a gestação de indignações. A Coluna Prestes deixou a sua marca. O Partido Comunista já tinha oito anos desde a sua fundação. O mundo enfrentava uma crise econômica sem precedentes. O coração do capitalismo foi atingido com a quebra da Bolsa de Nova York. O Brasil é um pequeno país periférico. O efeito do movimento dessas ondas demoram a chegar, mas acabam chegando. 

Todas esses eventos geram incertezas. O Brasil parece parado no tempo com seus costumes. Com sua religiosidade repleta de superstições. O provincianismo é uma constante de Norte ao Sul do país. A sensualidade das mulatas. As festas carregadas de lubricidade, expõem o caráter primitivista dos costumes. Por outro lado, existem papéis definidos. Uma estrutura social construída para beneficiar certos imbecis que se aproveitam do aspecto letárgico do povo. 

Quando se lê "O país do carnaval" todos esses sinais aparecem como pano de fundo. O livro é de leitura rápida. Não há agudas análises psicológicas. Pouca preocupação em trabalhar aspectos mais densos dos personagens. Há inúmeros diálogos. Nesse sentido, a obra possui aspectos teatrais. Parece que foi feita para ser encenada. Os capítulos são curtos e aparecem como "flashes". 

O narrador não fala da política, do momento histórico por que passava o Brasil. O livro procura problematizar a natureza, o elemento constitutivo dos costumes do povo brasileiro. Paulo Rigger, a personagem central do livro, filho de ricaços da terra, volta da França, para onde fora estudar. Ao chegar à Bahia, sente o mormaço tropical ainda no navio. Ou seja, o calor dos trópicos seria um elemento responsável pelo atraso, pela sensualidade? Paulo volta repleto de convicções filosóficas. É um cético; um entusiasta da dialética. Nos círculos parisienses, tornara-se um polemista. 

Aos poucos abandona suas convicções iniciais ao regressar. É recepcionado por uma festa de carnaval. É o seu batismo lúbrico. Uma marchinha de Ary Barroso causa-lhe espanto: "Esta mulher / Há muito tempo me provoca / Dá nela! Dá nela".  Mete-se com outros sujeitos: um é um intelectual frustrado, que não consegue levar à frente os próprios projetos; outro, um cínico, que nega tudo; outro ainda decide casar e morar no interior, mas logo depois se encontra cercado por um mar de frustração e infelicidade. Paulo Rigger irrita-se com o país; perde a crença na ausência de ímpetos por uma energia criadora. O Brasil alegra-se com o corpo, apenas. Decide, pois, voltar para a Europa.

Enxerga-se no livro um laboratório para muitos dos temas que seriam, mais tarde, trabalhados em inúmeras obras escritas pelo grande intelectual baiano. Vamos ao segundo livro do autor: "Cacau".

segunda-feira, outubro 26, 2020

Resumo cinematográfico II




Três dos últimos filmes que vi:
 

(1) "O homem que virou suco" (1981) - é uma produção brasileira, dirigida por João Batista de Andrade. O filme recebeu uma importante premiação no Festival de Moscou, no mesmo ano em que estreou, como melhor produção daquele festival. A produção é importante por alguns motivos - um dos principais pontos do filme é a excelente atuação do ator paraibano José Dumont. A história possui uma forte ressonância social. Aborda questões importantes como a migração de nordestinos para o Centro-Sul; a subcidadania, característica de grupos marginalizados; a violência perpetrada pelo estado contra os mais vulneráveis; a relação esnobe dos ricos em relação às massas de oprimidos; e o quanto se paga pela insurgência contra os opressores. 

(2) "Colette" - Com direção de Wash Westmoreland, teve a sua estreia em 2018. Ele retrata parte da vida da escritora e vanguardista francesa Gabrielle Colette. A obra narra os anos iniciais da relação com o boêmio Willy, um escritor e aproveitador de ocasião da sociedade francesa do final do século XIX e início do século XX. Colette, cujo início obra literária é retratada no filme, escreveu livros de grande sucesso à época. Vale mencionar a criação da personagem "Claudine", que virou uma sensação na sociedade francesa. Mas, diante disso tudo, Colette não podia ostentar o nome nos livros que escrevia. Os direitos autorais eram administrados pelo marido. O marido dirigia-lhe os passos. Aproveitava-se do talento da esposa. Chegou a trancá-la durante 16 horas para que ela escrevesse; e vendeu os direitos autorais da obra da esposa sem consultá-la. Na sociedade francesa da época, uma escritora feminina não seria benquista. Colette, tendo como pano de fundo uma sociedade que definia o papel da mulher, não aceitou essa imposição. Subverteu as regras do conservadorismo, sendo uma das primeiras mulheres da época a lutar pela emancipação e pelo reconhecimento do papel feminino. Um excelente filme, com uma fotografia muito bonita.

 

(3) "Gauguin - Viagem ao Taiti" - É uma produção francesa, dirigida por Edouard Deluc, do ano de 2017. O filme busca focar um pequeno período da vida do pintor pós-impressionista francês, Paul Gauguin. Após passar por uma crise criativa na França, deixa a mulher e os cinco filhos e parte em busca de novas possibilidades criativas, no ano de 1881. Viaja ao Taiti para experimentar o lado selvagem da criação artística. Lá, casa-se com a jovem Tehura, que passa a ser a sua musa inspiradora. Vivendo em um vilarejo de agricultores e pescadores, Gauguin produz febrilmente. O filme busca romantizar esse momento da vida do problemático pintor. Segundo conta a história (o que não é retratado no filme), quando casou com Tehura, ela tinha treze anos de idade; e, ele, quarenta e três. Gauguin tinha sífilis e, possivelmente, transmitiu para a jovem Tehura e para outras mulheres da ilha. Todavia, é um filme bonito, que procura explorar o lado mais primitivo do veio criativo do grande artista francês e os momentos de inspiração que ele experimentou naquela imensidão paradisíaca da Polinésia.

quinta-feira, outubro 15, 2020

Um mosaico de lembranças nesse dia dos professores

 

Dou aula há dez anos. Há quem fique dez, vinte, trinta ou mais anos nessa profissão. Não pretendo ficar por tanto tempo. A profissão docente é repleta de sabores múltiplos. Há aqueles doces, de uma pureza sofisticada; mas, há aqueles que divergem da doçura por serem azedos ao extremo. Pretendo falar um pouquinho da minha relação com alguns professores inesquecíveis.

Ao longo de minha jornada como estudante, eu tive a oportunidade de encontrar com professores e professoras para as quais eu pagaria um valor altíssimo para ter a oportunidade de ficar mais próximo; de passar uma tarde a conversar com eles. Admirava-os (e os admiro ainda hoje, embora o tempo insista em criar camadas de afastamentos). Tenho o costume de reverenciar, de nutrir grande respeito por pessoas admiráveis. E muitos professores com os quais eu cruzei ao longo de minha jornada como estudante, inseriram-se nessa categoria.

                 Nos anos iniciais, recordo-me da Marli, da Geovanete, da Suely, da Soraia - por quem me apaixonei na 2ª série). As paixões fazem parte dessa fase. Ela era professora de artes. Encontrava-me com ela uma vez por semana, às terças-feiras. Era pouco. Durante as aulas, ficava embevecido. Seus longos cabelos pretos. Sua voz melodiosa. Seus trejeitos tão singulares. Os ademanes da caminhada. Ainda posso vê-la. Ia para casa de ônibus. Um certo dia, resolvi verificar onde ela morava. Peguei o mesmo ônibus em que ela estava. Passei por baixo da catraca. Aboletei-me na última cadeira da condução. Ela ficou à frente, próxima ao cobrador. Certamente, ela me viu. Ignorou-me. Não disse nada.

                O ônibus seguiu a sua viagem. Ao chegar ao Centro de Taguatinga (Região Administrativa do DF), vi que ela se levantou. Passou por mim; nem olhou. Desceu do ônibus. Misturou-se à aglomeração de transeuntes. Sumiu no rio de pessoas como uma flor delicada que é empurrada pela correnteza. Fiquei distante a olhar. Voltei para casa após esse episódio arqueológico e nem consigo divisar o que pensava. Ao encontrá-la na escola em um dia qualquer, ela disse: “Oi! Carlos!”. Fiquei sem palavras, inexpressivo, como é comum à minha pessoa em inteirações sociais.

                Ao chegar à antiga quinta série, encontrei uma fauna docente bastante diversa. Havia professores que ensinavam bem; outros, nem tanto. Recordo-me de um professor de ciências cujo tom histriônico ficou impresso em minha memória. Suas aulas eram divertidíssimas. Ele se vestia sempre com roupas sociais – camisa social, calça social, sapato social. Parecia um corretor de imóveis com a sua valise escura. Fisicamente era magro e baixo; usava óculos. Fazia lembrar o político Éneas pela calvície.  Sua letra era milimetricamente desenhada. Seus esquemas coloridos feitos no quadro, beiravam à perfeição. Da minha cadeira, eu prestava atenção. Ele começava a falar de moléculas; de processos químicos; de transformações gasosas. De repente, fazia uma careta. Simulava gestos teatrais. Saía da sala. Ficávamos rindo. Algum tempo depois, voltava como se nada tivesse acontecido e nos empurrava para frente em sua jocosa viagem científica.

                Nessa mesma escola, havia uma professora cuja fama era das mais atrozes. Os alunos tinham medo dela. Ouvia a fama dela; punha a imaginação para funcionar. Ela parecia se alimentar dessa horrenda ressonância social. Na sexta série, tive o infortúnio de cruzar com ela. Era professora de ensino religioso. Quando a vi pela primeira vez, observei-a. Sua fama consolidou-se numa determinada aula. A sala não parecia um espaço de aprendizagem sobre as coisas divinas. Estava mais para um tribunal da inquisição. Não havia liberdade para falar. Todos alunos ficavam tensos. Perfilados marcialmente, reduzíamo-nos.  Apequenávamo-nos.  Transformávamo-nos em coisinhas insignificantes. Um olhar dela, congelava a alma. Parecia possuir um chicote de fogo nas mãos. Era magra. Um cocó no alto da cabeça. Usava uma dentadura amarelecida pelo tempo. Não sei se era tabagista. Quando falava, tinha a impressão de que a prótese dentária dançava em sua boca magra e babosa.

                Um colega olhou para o lado. Ela saiu do seu lugar, movimentou-se célere. Disse, olhando para o infeliz, que se comprimia na cadeira: “Por que você não põe uma melancia na cabeça!” “Está querendo aparecer?” Essas frases foram proferidas de uma maneira torrencial. Havia tempestades em seus olhos. Uma camada metálica em sua voz. Reduzi-me em minha cadeira. Sua pedagogia era a do pavor, do medo. Ela ficou como exemplo negativo daquilo que um professor não deve ser. Não sei aonde ela está. Aposentou-se?

                Seu filho estudava na mesma escola em que eu estudava. Vestia roupas compridas em pleno calor. Usava óculos. Ficava pelos cantos a ler a Constituição de 88. Olhava para ele. Tentava decifrá-lo. Ele era um para-raios; certamente, as borrascas inflamadas de sua mãe caíam sobre o seu corpo pequeno e mofino. Sua mãe era professora de religião. Mas era uma religião draconiana. Não a de Cristo.

                No ensino médio, encontrei outras figuras exóticas, singulares. Havia um professor de literatura que me fazia pensar nos textos de Nelson Rodrigues. Um toque de sátiro pulava de suas falas em certos momentos. Tratava-se de figura bastante cômica. Agradável. Era poeta. Tinha livro lançado. Membro da Academia Taguatinguense de Letras, fato que insistentemente surgia em conversas. Às segundas-feiras, nos dois primeiros horários, com certa recorrência, chegava atrasado. Quando estava do lado de fora da sala, via sua imagem aportar no corredor; deslocar-se com passos ligeiros, mas solenes. Uma parte do corpo franzino meio pensa. Cabelos penteados de lado. Óculos de grau. Uma mão no bolso e outra a segurar a valise. Caminhava de cabeça baixa. Parecia pedir desculpas com aquele gesto.

                Observava os seus olhos ainda inchados, da noite mal dormida, de quem saíra de casa atrasado. Quando se aproximava, notava o seu bafo etílico. Imaginava a pândega em que se metera ao longo do final de semana. Dizia possuir uma grande biblioteca. Ficava a imaginar. Vi nele a primeira figura de um grande erudito. Se isso não se confirmou ao longo das aulas, pelo menos a impressão não esmorecia.

                Poderia citar outras personalidades. Outros nomes dessas magnânimas figuras. Houve inúmeras com as quais cruzei. Todas dignas. Todas justas. Todas humanas. Como dizia a poetisa goiana Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. Acredito que tenha recebido um pouco de cada um deles, porque a prática os ajudou a aprender aquilo que ensinavam. Sendo professor, acredito que tenha me assenhoreado de um pouquinho de cada um deles, enquanto vou aprendendo a aprender aquilo que ensino.

sexta-feira, agosto 14, 2020

Paradoxos angulosos


Nas atualizações de notícias que recebo todas as manhãs, alguns jornais veiculam a mais recente pesquisa realizada pelo Datafolha. 

Leio com um pasmo de perplexidade e desânimo. Segundo a Folha de São Paulo: "Aprovação de Bolsonaro sobe e é a melhor desde o início do mandato". A notícia escancara um desses paradoxos angulosos que tornam o Brasil uma estranha mistura de Caverna do Dragão (em que as personagens estão sempre lutando contra seres sobrenaturais e nunca encontram um caminho para sair do labirinto) com um daqueles desenhos japoneses de efeitos especiais sofríveis da década de 1980. Mas, quem dera fosse isso. Haveria pelo menos uma graça nonsense. 

O Brasil não é isso. Dizem os especialistas que analisaram a pesquisa, que o crescimento dos índices de popularidade está relacionado com o apoio das camadas populares. Ou seja, o auxílio emergencial foi responsável pelo soerguimento do apoio ao miliciano. Acredito que seja mais que isso. 

Como negar a gravidade das mais de cem mil pessoas mortas por causa da pandemia e uma ausência de preocupação do governo federal? Até hoje não há um ministro da saúde. Não há uma política de contenção da crise de saúde que assola estados e municípios. São dez mil mortes por semana. Em um mês, os números passam dos quarenta mil. Significa que, daqui a dois meses, o país se aproximará das duzentos mil mortes. Atualmente, são mais de 3 milhões de infectados, levando-se em conta apenas os casos diagnosticados. 

Nota-se a brutalização do discurso negacionista a cada vez que o dito presidente abre a boca. Um exemplo é a defesa peremptória da Cloroquina, como fez ontem, 13/08/2020, numa visita feita ao estado Pará. 

O bolsonarismo é um fenômeno do atraso brasileiro. É o triunfo dos desejos violentos íntimos do nosso atraso. É materialização da estupidez. É a consagração da ignorância. Da bestialização. É o desvelo incontido à indiferença. É a obstinada insistência de amasiamento com a nossa pobreza existencial. É o escancaramento de nossa nossa solidão.

A pergunta surge mais uma vez: como um governo estúpido, com tantas figuras bizarras (Guedes, Damares, Salles, Mendonça etc); um governo anti-ciência, anti-humanismo, anti-civilização, anti-povo, pode viver o seu melhor momento? Em um outro lugar do universo, talvez, isso não acontecesse. Mas, o Brasil, vive na dimensão do inominável e, aqui, tudo pode. 

domingo, agosto 09, 2020

Resumo cinematográfico

Três dos últimos filmes que vi.

(1) "A vida de Brian" (1979) - Penso que tenha sido a terceira vez que vi esse filme. É uma das produções mais irônicas, engraçadas e inteligentes da história do cinema. Em 2006, os britânicos a elegeram como a melhor comédia de todos tempos. Há uma habilidosa crítica implícita à religião, mas que não ofende. Desando em risadas todas as vezes que o vejo. A turma do Monty Python conseguia, como ninguém, construir situações e personagens inclassificáveis. Pilatos com dislalia é impagável. Na conhecida cena em que o governador romano pergunta à multidão, quem deveria ser libertado, a turma do Monty Python faz uma brincadeira. Pilatos pergunta para a multidão à semelhança do que acontece nos textos evangélicos: "Quem eu devo libertar?". A multidão faz silêncio. Até que um gaiato diz em tom de mofa, sendo que Pilatos com dislalia não conseguiria falar sem se comprometer. "Governador, liberte o Roger". Pilatos inquire: "Loger, quem é Loger?" A multidão cai em retumbante gargalhada. Até mesmo os soldados romanos não resistem. Genial.
 
 
(2) "Cidade Baixa" (2005) - filme de Sérgio Machado. Cinema nacional de ótima qualidade. "Cidade Baixa" é uma produção que impressiona do início ao fim. O excelente trio de atores - Wagner Moura, Alice Braga e Lázaro Ramos - vive uma ciranda amorosa fermentada pelo ciúme, pela desconfiança; conturbada em sua essência. O baiano Sérgio Machado foca a sua atenção na Salvador das contradições; da gente comum; do povo com sua sintaxe, com o seu dialeto característico; na luta diária pela sobrevivência. O roteiro da obra é assinado pelo talentoso Karim Ainouz (de "Madame Satã" e "O céu de Suely". Ao final da obra, há um belíssimo mosaico com imagens reais do povo da capital baiana.
 
(3) "Mary Shelley (2017) - dirigido por Haifaa Al-Mansour. Trata-se de uma obra cuja fotografia é impecável. A retratação do século XVIII é de alto nível. Traz a bella Ella Fanning no papel de Mary Shelley. O filme busca revelar as condições que levaram a jovem Mary Wollstonecraft Goldwin, filha de dois intelectuais, conhecida posteriormente como Mary Shelley, a escrever "Frankenstein: ou o Moderno Prometeu". Mary nasceu em 1797 (mesmo ano em que nasceu Franz Schubert) em Londres. Sua mãe, uma feminista de vanguarda para a época, morreu quando Mary tinha apenas dez dias de nascimento. Seu pai, o filósofo, jornalista e dono de livraria William Goldwin, deu-lhe uma educação heterodoxa, baseada em princípios liberais. A jovem Mary era uma grande leitora. Mais tarde, conheceu o poeta e boêmio Percy Bysshe Shelley. Após imensas contradições e angústias no relacionamento dos dois, Mary vai passar uma temporada na Suíça com Shelley, tendo Lord Byron como cicerone. Estando o grupo preso na casa por causa do mau tempo, Byron propõe que cada um dos convivas escreva uma obra. É, a partir desse episódio, que ela amadurece a ideia de colocar o livro no papel. O filme de Haifaa Al-Mansour é importante, pois desenha esse cenário contingente que leva a escrever a famosa obra. Resolvi pegar a minha versão de "Frankenstein" e antecipá-la em minhas intenções.

terça-feira, agosto 04, 2020

Um breve comentário...


Li metade do artigo. A análise do Piketty é certeira. Apesar de todos os erros, ainda penso do alto de minha miopia idealista, que o PT seja o que de mais "sólido", os trabalhadores, intelectuais e todos aqueles que querem um país mais justo, fraterno e democrático, conseguiram construir em 500 anos de violência, mandonismos, saques e mesquinharias das nossas elites. Você pode ser crítico ao partido, mas não pode deixar de ser honesto. 

O que acontece é que, construiu-se uma narrativa perversa, uma espécie de macartismo tropical contra o Partido, neste país em que a classe média não se reconhece como tal. É, por isso, que não tenho nenhuma paciência, quando vejo alguns tipinhos grávidos da mais enfunada ignorância atribuir todas as mazelas do país ao PT. O presente estado de coisas é resultado do movimento dialético da história, que do lado de cá, deixou um rastro de absurdos - violência, desmandos, escravagismo. Imagine uma sociedade em que, há duzentos anos atrás, um negro era considerado como "semovente"; contado entre os animais, tido como bicho, sem nenhuma dignidade. 

E, após a alegada abolição, não houve um acerto de contas com esse fato. Isso, certamente, cria uma sociedade em que não se respeita o ser humano - principalmente, os mais pobres, os mais vulneráveis. Ou que, no massacre de Canudos, 30 mil vidas foram ceifadas sem que o estado brasileiro fizesse qualquer "mea culpa". Um morticínio realizado pelo Exército Brasileiro, que do lado de cá, não existe para proteger a alegada soberania nacional, mas que ataca a própria população. Observe que ao longa da história do Brasil, as Forças Armadas sempre atuaram contra civis. Existem para proteger os interesses de certos grupos. São reacionários por excelência. Ou, como descreve a Daniela Arbex em "O holocausto brasileiro", 60 mil vidas são jogadas, empilhadas numa casa de correção, numa espécie de campo de concentração em Barbacena-MG sob a conivência do estado. 

E, hoje, vivemos como se nada tivesse acontecido. Acredito que 99% do país não sabe o que aconteceu lá entre 1930 e 1980. O problema do Brasil é histórico e a própria sociedade brasileira precisa acertar contas com o seu passado. Ao afirmar isso, é importante salientar que isso passa, principalmente, pelo combate à desigualdade; pelo entendimento de uma sociedade, para dar certo, precisa de justiça social, mas sem o mero assistencialismo, pois isso não subsiste. Os problemas do Brasil são profundos. Estão na sua fundação. Partido ou líder nenhum dará conta do problema sem um pacto para acertar as contas com o atraso - e o nosso atraso não é obra de dias. É um trabalho de séculos de nossas elites ignorantes e mesquinhas. O "impeachment" de Dilma passa por isso; a criminalização dos movimentos sociais e desconstrução do nosso mirrado estado de bem-estar-social passa por isso; e a eleição de um sujeito desprezível como o Bolsonaro é fruto desse histórico melancólico, cinzento e que permanece intocado.

sábado, julho 04, 2020

Uma crônica do atraso no bairro do Leblon em tempos pandêmicos

Aglomeração de pessoas no bairro do Leblon
O atraso brasileiro não é obra de dias. Possui um longo curso. É obra de séculos. A elite branca brasileira é uma das mais atrasadas, boçais e ignorantes do mundo. E orgulha-se disso. Às vezes, questionamos numa incrédula reflexão sobre como foi possível Bolsonaro chegar ao poder. Todavia, uma sociedade liderada por uma elite que é filha da escravidão, do autoritarismo e da violência, necessariamente, teria que eleger alguém "à sua imagem e semelhança".

As imagens do vídeo aconteceram, no dia 2 de julho, na Rua Dias Ferreira. Fui olhar onde ficava o endereço e descobri que fica no bairro do Leblon, um dos locais mais caros do país. É procurado pela elite cultural e econômica do Rio de Janeiro. Possui um dos metros quadrados mais caros do país, podendo chegar a 20 mil reais. Segundo o IBGE, 87% dos moradores do Leblon são brancos. Majoritariamente, o Leblon é constituído por pessoas ricas.

E, certamente, aqueles que estão nesse vídeo também o são. Observam-se pessoas bonitas, despreocupadas, risonhas. Nota-se que ninguém usa máscara. O estabelecimento que, de acordo com a legislação da prefeitura, deveria funcionar até às 23 horas, varou a madrugada. Segundo alguns relatos, muitos zombavam da pandemia. Se assim o faziam, é por que têm a certeza de que, caso fiquem doentes, possuem bons serviços de saúde à disposição. Bem diferente dos pobres e marginalizados, que moram na periferia.

Segundo o historiador Eduardo Bueno, quando a imperatriz Leopoldina chegou ao Brasil, em 1817, vinda da Áustria, para ser esposa de D. Pedro I, ela trouxe um carregamento de livros. Leopoldina convivera com Goethe e fora colega de classe de Schubert nas aulas de música. As pessoas da corte e muitos outros que conviveram com ela achavam estranho aquele comportamento. Muitos riam, pelo fato de ela ficar por muitas horas lendo; e ser uma entusiasmada estudante das ciências naturais. Ela gostava de ir à floresta da Tijuca para fazer suas explorações. Olhavam para aquela mulher culta e altiva e zombeteiramente ridicularizavam a vontade de conhecimento da imperatriz. O atraso brasileiro não nasceu hoje.


sábado, junho 27, 2020

"Três homens em conflito", de Sérgio Leone


 Terminei de assistir, ontem à noite, ao espetacular "Três homens em conflito" (1966), de Sérgio Leone, também conhecido como "O Bom, o Mal e o Feio". É daqueles filmes que, mesmo terminando, ficam você. Uma hora ou outra, "flashes" vêm e vão. Sentimos uma espécie de saudade dos personagens. Um desejo enorme de que tudo se alongue e nunca tenha fim. É a impressão que me vem à cabeça. Certamente, um dos mais sensacionais filmes já feitos na história do cinema. 


Sérgio Leone é genial. Impressiona como ele eleva a categoria "western". Com ele, o gênero deixa de ser uma produção com sujeitos sujos que atiram um nos outros; e com cara de poucos amigos. Nota-se, ainda, o quanto existe de Sérgio Leone nos filmes de Quentin Tarantino. Um exemplo, é "Bastardos Inglórios" (2010) ou "Django Livre" (2013). Tarantino persegue a mestria de Leone. Não existe nada de original no autor de "Era uma vez em... Hollywood". 

Outra questão apontada é a maravilhosa trilha sonora, escrita por Ennio Morricone, que funciona como um personagem na obra. A última cena do filme é emblemática. A grande paisagem desértica surge. A personagem vai se amiudando nela, mas a música cresce. É ela que fica. Até agora estou com a trilha sonora na cabeça (já tive a oportunidade de escutá-la no Spotify). Há aquele tema inicial famoso: "The Good, The Bad and The Ugly". Há ainda belíssimas canções como "Padre Ramirez", "The Story of a soldier" e "The Desert".

A fotografia do filme é outro milagre do cinema. Leone, certamente, demonstra nesse sentido a sua genialidade. É um filme, plasticamente, belo. As paisagens são maravilhosas. O figurino das personagens bem como a retratação dos cenários demonstram a percepção elevada de Leone em reproduzir a Guerra Civil Americana, já que o filme se passa nesse período.

As três personagens são impecáveis. Clint Eastwood ("O Bom") rouba a cena com a sua fisionomia imortal de poucos amigos. Ele quase não fala. Eli Wallach ("O Feio") também impressiona pela sensacional atuação. Ele é o mais cômico, o mais bonachão. Pareço ainda ouvir a sua voz: "Lourinho..", "Lourinho". Das três personagens, ele é a que mais aparece. E Lee Van Cleef ("O Mal) parece ter nascido para fazer o papel de vilão em filme de "western". 

"Três homens em conflito" é daqueles filmes que se imortalizam em sua memória. Você se sente obrigado a vê-lo mais de uma vez. É o que sinto. 

domingo, junho 21, 2020

Lista com os 200 romances ocidentais necessários, segundo Idelber Avelar

Serviço de utilidade pública para quem deseja mergulhar nos profundos e inefáveis mundos da literatura. O professor Idelber Avelar, grande especialista no assunto, fez uma lista com 200 romances que ele, simplesmente, nominou como "os 200 maiores romances ocidentais". Sabemos que as listas são controversas. São resultado de experiências individuais, por isso, são idiossincráticas. Todavia, como se trata de alguém que conhece o assunto sobre o qual está falando, devemos, minimamente, prestar atenção. 

Trata-se de tarefa difícil. Certamente, muita coisa boa fica de fora. Mas, estão ali Cervantes, Dostoiévski, Machado de Assis, Flaubert, James, Graciliano, James, Musil, Saer, Virginia Woolf, Tolstói, Auster, Clarice Lispector e até mesmo meu querido José Lins do Rego com o espetacular Fogo Morto

Segundo o próprio Idelber, os critério utilizados foram:  "qualidade (realização estética), influência (legado no cânone) e importância (que pode não ser redutível nem à qualidade nem à influência), combinados, claro, com minhas próprias idiossincrasias pessoais". 

E, ainda, eclarece: "Em geral, nessas listas, o romance europeu, especialmente de línguas inglesa e francesa, costuma estar sobrerrepresentado. Esta lista concede o protagonismo que julgo merecido à América Latina. Dez dos romances listados aqui são brasileiros. Doze são argentinos. Sete são mexicanos, e Colômbia, Peru e Uruguai estão representados por dois títulos cada. Há três romances cubanos".

Uma das facetas mais interessantes do trabalho do professor Idelber foi ter procurado os links espalhados pela internet e disponibilizá-los na sequência. Isso é que trabalho de humanização.  

Segue a lista: 


1 — Ulysses, James Joyce.

2 — Don Quijote de la Mancha, Miguel de Cervantes.

3 — Grande sertão: veredas, João Guimarães Rosa.

4 — Os irmãos Karamazov, Fiódor Dostoiévski.

5 — Moby Dick, Herman Melville.

6 —Madame Bovary, Gustave Flaubert.

7 — The ambassadors, Henry James.

8 — Der Prozess, Frank Kafka.

9 — Light in August, William Faulkner.

10 — Paradiso, José Lezama Lima.

11 — Anna Kariênina, León Tolstói.

12 —Der Zauberberg, Thomas Mann.

13 —To the lighthouse, Virginia Woolf.

14 —Museo de la novela de la eterna, Macedonio Fernández.

15 —Die Wahlverwandtschaften, Goethe.

16 — Voyage au bout de la nuit, Louis-Ferdinand Céline.

17 —A tale of a tub, Jonathan Swift.

18 — Der Mann ohne Eigenschaften, Robert Musil.

19 — El entenado, Juan José Saer.


21 — La vida breve, Juan Carlos Onetti.

22 —The golden bowl, Henry James.

23 — Illusions perdues, Honoré de Balzac.

24 — Pedro Páramo, Juan Rulfo.

25 —Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis.


27 — The sound and the fury, William Faulkner.

28 — The wings of the dove, Henry James.

29 — A book of memories, Péter Nádas.

30 — Guerra e paz, León Tolstói.

31 —Emma, Jane Austen.

32 — The U.S.A. trilogy, John dos Passos.

33 — Le rouge et le noir, Stendhal.

34 —Darconville’s cat, Alexander Theroux.

35 — Frankenstein, Mary Shelley.

36 — Les misérables, Victor Hugo.

37 — Recuerdos del porvenir, Elena Garro.


39 —Crime e castigo, Fiódor Dostoiévski.

40 — Die Angst des Tormanns beim Elfmeter, Peter Handke.

41 — Gulliver’s travels, Jonathan Swift.

42 — The New York Trilogy, Paul Auster.

43 —As I lay dying, William Faulkner.

44 — Orlando, Virginia Woolf.

45 — The picture of Dorian Gray, Oscar Wilde.

46 — La traición de Rita Hayworth, Manuel Puig.

47 — Austerlitz, W.G. Sebald

48 — À la recherche du temps perdu, Marcel Proust.

49 — Conversación en la catedral, Mario Vargas Llosa.

50 — The man in the high castle, Philip K. Dick.

51 — Yo, el supremo, Augusto Roa Bastos.

52 — Das Schloss, Franz Kafka.

53 — El luto humano, José Revueltas.


55 — A relíquia, Eça de Queiroz.

56 — Glosa, Juan José Saer.

57 — Tom Jones, Henry Fielding.

58 — The lord of the rings, J.R.R. Tolkien.

59 — Gravity’s Rainbow, Thomas Pynchon.

60 — The narrative of Arthur Gordon Pym, Edgar Allan Poe.

61 — Sabbath’s Theater, Philip Roth.

62 — Adán Buenosayres, Leopoldo Marechal.

63 — The map of love, Ahdaf Soueif.


65 — Pais e filhos, Ivan Turguêniev.

66 — Lady Chatterley’s lover, D. H. Lawrence.

67 —Respiración artificial, Ricardo Piglia.

68 — Die Verwandlung, Franz Kafka.

69 — Il nome della rosa, Umberto Eco.


71 — Moll Flanders, Daniel Defoe.

72 —2666, Roberto Bolaño.

73 — Porque parece mentira la verdad nunca se sabe, Daniel Sada.

74 — Bartleby, Herman Melville.

75 — Perto do coração selvagem, Clarice Lispector.

76 — The female Quixote, Charlotte Lennox.


78 — It, Stephen King.


80 — Cien años de soledad, Gabriel García Márquez.

81 — Mansfield Park, Jane Austen.

82 — Lord of the flies, William Golding.

83 — Vineland, Thomas Pynchon.

84 —A confederacy of dunces, John Kennedy Toole.

85 — Los pasos perdidos, Alejo Carpentier.

86 — Berlin Alexanderplatz, Alfred Döblin.

87 — Gargantua et Pantagruel, François Rabelais.

88 — L'amica geniale, Elena Ferrante.

89 —The talented Mr. Ripley, Patricia Highsmith.

90 — Blood Meridien, Cormac McCarthy.

91 — Les mystères de Paris, Eugène Sue.

92 — Le Père Goriot, Honoré de Balzac.

93 — The man who was Thursday, G. K. Chesterton.

94 — Les trois mousquetaires, Alexandre Dumas.

95 — The awakening, Kate Chopin.

96 — Venus im Pelz, Sacher-Masoch.

97 — El pasado, Alan Pauls.

98 — L’étranger, Albert Camus.

99 — How the dead live, Will Self.

100 — Midnight’s children, Salman Rushdie.

101 — Jude the Obscure, Thomas Hardy.

102 — Murder on the Orient Express, Agatha Christie.

103 — Song of Solomon, Toni Morrison.

104 —Los trabajos de Persiles y Segismunda, Miguel de Cervantes.

105 — Die Blechtrommel, Günter Grass

106 — La modification, Michel Butor.

107 — Fogo morto, José Lins do Rego.

108 — Les Mandarins, Simone de Beauvoir.

109 — The big sleep, Raymond Chandler.

110 — El zorro de arriba y el zorro de abajo, José María Arguedas.

111 — Germinal, Émile Zola.

112 — The war of the worlds, H. G. Wells.

113 —Os cus de Judas, António Lobo Antunes.

114 — Brave new world, Aldous Huxley.

115 — La coscienza di Zeno, Italo Svevo.

116 — Breakfast at Tiffany’s, Truman Capote.

117 — The last September, Elizabeth Bowen.

118 —Farabeuf, o la crónica de un instante, Salvador Elizondo.

119 — Jane Eyre, Charlotte Brontë

120 —Main street, Sinclair Lewis.

121 — Terra Nostra, Carlos Fuentes.

122 — Avalovara, Osman Lins.

123 —Santa Evita, Tomás Eloy Martínez.

124 — The scarlet letter, Nathaniel Hawthorne.

125 — Candide, Voltaire.

126 — The red badge of courage, Stephen Crane.

127 — Bouvard et Pécuchet, Gustave Flaubert.

128 — Go tell it on the mountain, James Baldwin.
 
129 — Wilhelm Meister, Goethe.

130 —Atonement, Ian McEwan.

131 — Les faux-monnayeurs, André Gide.

132 — Catch-22, Joseph Heller.

133 — La vie: mode d’emploi, Georges Perec.

134 — The handmaid’s tale, Margaret Atwood.

135 — Memoires d’Hadrien, Marguerite Yourcenar.

136 — Doña Bárbara, Rómulo Gallegos.

137 — Lolita, Vladimir Nabokov.

138 — The waves, Virginia Woolf.

139 — Slaughterhouse five, Kurt Vonnegut.

140 — Winnesburg, Ohio, Sherwood Anderson.

141 — Heart of darkness, Joseph Conrad.

142 — Infinite jest, David Foster Wallace.

143 — La invención de Morel, Adolfo Bioy Casares.

144 — American pastoral, Philip Roth.

145 — Kindred, Octavia E. Butler.

146 — Dom Casmurro, Machado de Assis.

147 — A clockwork orange, Anthony Burgess.

148 — Juntacadáveres, Juan Carlos Onetti.

149 — Crônica da Casa Assassinada, Lúcio Cardoso.

150 — Os demônios, Fiodor Dostoiévski.

151 — A farewell to arms, Ernest Hemingway.

152 — Oppiano Licario, José Lezama Lima.

153 — Great expectations, Charles Dickens.

154 — Histoire de l’ oeil, Georges Bataille.

155 —Rebecca, Daphne du Mourier.

156 — American Psycho, Bret Easton Ellis.

157 — Their eyes were watching god, Zora Neale Hurston

158 — Ragtime, E. L. Doctorow.

159 — Um defeito de cor, Ana Maria Gonçalves.

160 — The grapes of wrath, John Steinbeck.

161 — Clarissa, Samuel Richardson.

162 — Los siete locos, Roberto Arlt.

163 — The hound of the Bakersville, Arthur Conan Doyle.

164 — The Maltese falcon, Dashiel Hammet.

165 —Oficio de tinieblas, Rosario Castellanos.

166 — Underworld, Don DeLillo.

167 — Le paysan de Paris, Louis Aragon.

168 — Doktor Faustus: Das Leben des deutschen Tonsetzers Adrian Leverkühn, erzählt von einem Freunde, Thomas Mann.

169 — The violent bear it away, Flannery O’Connor.

170 — The great Gatsby, Scott Fitzgerald.

171 — L’éducation sentimentale, Gustave Flaubert

172 — The gods themselves, Isaac Asimov.

173 — Invisible man, Ralph Ellison.

174 — O mestre e a margarita, Mikhail Bulgakov

175 — Les liaisons dangereuses, Choderlos de Laclos.

176 — I promessi sposi, Alessandro Manzoni.

175 — La pelle, Curzio Malaparte.

176 — Doktor Zhivago, Bóris Pasternak.

177 — Eugene Oneguin, Alexander Pushkin.

178 — Pale fire, Vladimir Nabokov.

179 — Cicatrices, Juan José Saer.

180 — Native son, Richard Wright.

181 — The bell jar, Sylvia Plath.

182 — The last of the mohicans, James Fenimore Cooper.

183 —El beso de la mujer araña, Manuel Puig.

182 — To kill a mocking-bird, Harper Lee.

183 — Dracula, Bram Stoker.

184 —Fahrenheit 451, Ray Bradbury.

185 — Wuthering Heights, Emily Brontë.

186 — Under the volcano, Malcolm Lowry.

187 — Hasta no verte, Jesús mío, Elena Poniatowska.

188 — The color purple, Alice Walker.

189 — Murphy, Samuel Beckett.

190 —Changó, el gran putas, Manuel Zapata Olivella.

191 — Justine ou les malheurs de la vertu, Marquês de Sade.


193 — Sister Carrie, Theodore Dreiser.

194 — Brideshead revisited, Evelyn Waugh.

195 — São Bernardo, Graciliano Ramos.

196 — Voyage au centre de la Terre, Jules Verne.

197 — Almas mortas, Nikolai Gógol.

198 — Indiana, George Sand.

199 — Middlemarch, George Eliot.

200 —Dois irmãos, Milton Hatoum.

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