domingo, agosto 25, 2013

Uma reflexão preocupada


Vi essa imagem sendo veiculada no Facebook e fiquei imensamente preocupado. Ela aponta para um aspecto terrível e cínico da sociedade civil brasileira, que é a ausência de consciência crítica. Tal fato, revela apenas o quanto o reacionarismo conservador é um jogo infame que busca fazer chacota com as iniciativas da esquerda. É um tipo melindre tripudiante pouco esclarecido, revelador de ignorância. Não, senhores, a Dilma não vai trazer as ambulâncias de Cuba. Não há necessidade. Tais ambulâncias (se forem de Cuba, pois imagem pode ser a de um carro de algum país da África, que foi arruinada pelo imperialismo e pelo colonialismo branco da América e da Europa) são o resultado da prepotência política dos EUA. A fúria covarde da burguesia consegue fazer com que argumentos fascistas como esse sejam transmitidos e que boa parte de incautos se locupletem canhestramente com a ideia sem saber que este é criminoso. (1) porque nega a história do século XX, pois se existem ambulâncias como estas em Cuba, tal fato se deve unicamente àquilo que os EUA fizeram com o país em mais de 50 anos; (2) porque nega a assistência imediata às populações brasileiras que estão esquecidas em boa parte do nosso vasto país; nega que ainda há mortes e doenças que poderiam ser facilmente tratadas caso existisse um médico; um exemplo disso são as comunidades ribeirinhas da Região Norte do país, fazendo lembrar uma frase do grande Milton Santos: “Nunca houve cidadania no Brasil. Os pobres desse país nunca tiveram os seus direitos respeitos. A classe média brasileira nunca quis direitos, quis, sim, privilégio”. ; (3) porque mostra como vivemos uma espécie de pós-modernismo que não consegue conectar os fatos da história; e acredito que aqui esteja um dos grandes problemas filosóficos que tomou conta do homem comum. Vivemos “tempos gelatinosos” ou um “tempo líquido”, que é a negação de uma forma ou de uma razão hegemônica, inviabilizando a possibilidade de um debate em torno de qualquer ideia. Mas, o que se estabelece hegemônica e paradoxalmente é a lei do capital em sua vertente mais aterradora, que é a neoliberal. Enfim: é preciso que não olhemos para o mundo com os óculos que nos dão para enxergar. É preciso que “descolonizemos o nosso olhar”, aprendendo a olhar com as ferramentas corretas; enxergando as causas e não os resultados mal explicados. Uma opção política é sempre uma opção de classe.

quinta-feira, agosto 22, 2013

"Hannah de Arendt", de Von Trotta

 Ontem, resolvi, a despeito do vendaval de trabalho que ultimamente perenizou-se em minha existência, ir ao cinema - e de lambuja ainda fui à Livraria Cultura e comprei dois livros: A maçã envenenada (Michel Laub) e "A crônica de Wapshot" (John Cheever). Queria assistir ao filme de Von Trota, Hannah Arendt. Por aqui está quase saindo de cartaz. Não é minha intenção fazer uma análise profunda do filme ou realizar um colóquio com a obra da ilustre pensadora alemã. Falar de Hannah Arendt é complexo, é difícil, pois ela não pode se "enquadrada" em uma escola de pensamento. Marxista? Existencialista? Ontologista? Acredito que ela seja tudo isso. Hannah é uma pluralista. Fugia aos epítetos academicistas. Preferia fazer um papel de debatedora lúcida dos problemas políticos contemporâneos e as implicações das políticas totalitárias perpetradas na psicologia do mundo. Diria que Hannah faz o papel de "uma Sócrates moderna", pelos questionamentos e reflexões suscitadas.

O filme de Trotta como todo filme biográfico é problemático. Acaba extirpando determinados aspectos da vida ou da personalidade da pessoa retratada, o que causa um prejuízo crítico. Hannah é maior e mais complexa do que a obra tentou mostrar. Sua perspicácia filosófica era aguda. Um exemplo disso é a visão que ela tem no filme sobre o julgamento do burocrata Adolf Eichmann cuja visão, para Hannah, destoava da crítica majoritária. Para ela, que cunhou o termo "banalidade do mal", o mal é uma força sedutora capaz de solapar o bom senso. A ideia de banalidade do mal surgiu no julgamento de Eichmann. Segundo o filme, ela se candidatou para fazer a cobertura jornalística do julgamento do arrivista alemão do partido de Hitler à revista The New Yorker

Barbara Sukowa no papel de Hannah
As autoridades secretas do estado judaico haviam prendido Eichmann em Buenos Aires e o transportado para Jerusalém. Uma corte foi montada para julgar os atos de Eichmann. O nazi era acusado de ser co-responsável pelo mortícinío de cerca de 6 milhões de judeus e crimes contra a humanidade; e por ser um dos mentores daquilo que ficou conhecido como "a solução final", que poria fim aos judeus. O primeiro impacto causado foi terem colocado Eichmann em uma jaula de vidro, como se este fosse um "animal peçonhento e repulsivo". Aquela imagem impactou Hannah. Após o início do julgamento, ficou claro para a filosófa que o réu não passava de um ventríloquo do partido nazista. Ele havia se desperonalizado. O voto que  havia feito ao partido nazista anulara a sua consciência. Suas ações eram maquinais. Ou seja, com isso Hannah entendeu que Eichmann era um idiota a serviço do mal; um burocrata; um fantasma teleguiado por uma força invisível que o admosteava para ações condenáveis. 

Hannah Arendt
Tal tese foi rechaçada pelos sionistas. A pensadora paga um alto preço por tal tese. Afinal, havia dois problemas estabelecidos: (1) até que ponto o sujeito histórico deve ser responsabilizado pelas suas ações. O entendimento dos judeus e de boa parte do mundo era de que Eichmann deveria ser julgado e penalizado pela participação infame no genocídio. (2) a tese de Hannah era, por sua vez, a de que o alemão era um zeloso e escrupuloso operador, um tecnocrata a serviço do Reich; não havia nele um desejo personalizado para o mal ou para o bem; suas iniciativas brotavam do desejo de ascensão; ele cedera ao mal, à banalidade, à infâmia, à mediocridade e esse era um perigo que qualquer sujeito poderia incorrer. O mal que despersonaliza, que idiotiza, que extrai a solidariedade, é o mal elevado ao grau máximo; e que quando essas pessoas são expostas à possibilidade de cometer qualquer ato contra outros seres humanos, não se atemorizam, nem sentem qualquer remorso. Foi assim que Hannah viu aquele homem de fala mansa, ponderada, certa e equilibrada naquela caixa, quando do outro lado, as autoridades judaicas buscavam jogar sobre ele o peso da culpa. Hannah entendia que até mesmo o tribunal, se não avaliasse as intenções do julgamento, poderia incorrer na prática do mal.

Estou com o livro "Eichmann em Jerusalém", de 1963, e que deu origem ao filme, há uns vinte dias. Infelizmente ainda não pude lê-lo. Consegui-o em uma biblioteca pública. Gostei do filme. Um dos pontos negativos é a visão que se dá à figura de Heidegger. O ilustre filósofo, um dos nomes mais importantes do século XX, que é mostrado como um velho tolo e capacho. Um senhor apaixonado e que não possui remorsos das escolhas que faz. Um grande inescrupuloso. Fazer filmes não é algo fácil. 


terça-feira, agosto 13, 2013

Um comentário sobre (D)(d)eus...

 Comentário escrito no blog do Charlles

"Bonita a sua confissão sobre (D)deus, Charlles. Aproxima-se bastante daquilo que creio, também, sobre espiritualidade. Há muito frequentei uma igreja presbiteriana. Contaram-me a história de um deus institucional, zangado, cheio de caprichos e caricaturado à imagem e semelhança dos judeus. Deixei de lado, ri sardonicamente na cara desse deus. Disse que ele era uma mentira. Uma fraude cosmológica. Alguém recalcado. Disse ainda que a mitologia grega era mais bonita do que tudo aquilo que me falaram sobre ele.

Solidarizo-me com as suas palavras. Existe no ser humano uma voz lancinante que clama por espiritualidade. Uma espécie de necessidade do belo. E aí encontro a ideia de deus. É, por isso, que passei a me relacionar com a ideia de deus melhor quando dessacralizei a bíblia e passei a lê-la como um livro de literatura, evocando um grande teólogo alemão chamado Rudolf Bulltmann de espistemologia kierkegaardiana e heideggeriana. Um personagem como Jesus certamente se assemelha a um Dom Quixote em sua sede pela verdade; ou um príncipe Michkin com sua necessidade de justiça. E aí encontro um apaziguamento necessário às minhas necessidades. Existem hinos mais bonitos que as sonatas de Beethoven ou de Mozart; ou a obra espiritual de Bach?

Ser espiritual é encontrar poesia em cada átomo da existência, em cada centelha da vida. Nesse sentido, encontro a espiritualidade da afirmação da vida, sempre - como diria Nietzsche. Julgo o movimento ateísta essencialmente radical. É um fundamentalismo sem deus. Ou seja, uma religião radical que prega a ausência de algo, mas que torna essa mesma ausência em uma entidade que se sobrepõe a tudo.

Abraços cordiais, Charlles!"

domingo, agosto 11, 2013

"Fogo Morto", obra prima de José Lins do Rego. Algumas impressões

José Lins do Rego
A leitura de Fogo Morto, romance de José Lins do Rego, publicado em 1943, deixou-me a impressão de que ali estava um dos livros mais bonitos e reveladores da prosa brasileira do século XX. Fogo Morto é, sem sombras de dúvida, a maior obra do escritor paraibano. Após ter concluído "O ciclo da cana-de-açucar" com "Usina", no ano de 1936, José Lins escreveu romances de valores e expressões variadas: Pedra Bonita (1938) , que deve ser colocado na esteira de suas grandes produções por tratar da religiosidade nordestina; depois vieram Riacho Doce (1939) e Água mãe (1941); e dois anos depois nascia Fogo Morto, que retoma a temática dos cabras eito, dos barões dos engenhos, latifundiários da terra e que estendiam sua influência arbitrariamente. 

Minha paixão por Zé Lins é resultado de um fascínio pela sua prosa. Dentre os escritores regionalistas nordestinos, o mais expressivo - sei - é Graciliano Ramos, que devoto como um dos maiores escritores de todos os tempos. Livros como São Bernardo, Angústia, Vidas Secas ou Infância já são suficientes para colocá-lo ao lado daquilo de mais nobre já foi produzido pela literatura mundial. 

Todavia, a prosa ligeira e expressiva de Zé Lins é viciante. A matéria de trabalho do escritor é descrição, resultado de suas memórias. José Lins do Rego é um "Balzac rural". Alguém capaz de produzir freneticamente, fazendo análises do cenário; narrando o mesmo fato por vários ângulos, alargando o mesmo campo de observação. Talvez isso demonstre certa "deficiência" em sua produção. Ele não é um criador. É um reprodutor de experiências. Um contador escrupuloso de percepções apreendidas. E, assim, reconstitui as estruturas da sociedade patriarcal e erguida sobre a relação de poder do Nordeste. 

Ao terminar Usina, José Lins deu a certeza ao leitor de que terminaria o seu "ciclo da cana-de-açucar". Ora, uma vez que aquilo tenha acontecido, o escritor não poderia retomar a mesma temática, sob o risco de repetir-se. Mas não foi isso que se deu. Como já mencionado acima, em 1943 sai Fogo Morto e ali estava o que de mais  curioso ele havia produzido em sua carreira. Alguns entendem que Bangüe (terceiro livro do ciclo da cana-de-açucar), seja outra de suas obras destacadas. Em Fogo Morto, José Lins fez uma análise mais global da sociedade açucareira, centrando a história em três personagens emblemáticos - Lula de Hollanda Chacon, Capitão Vitorino Papa-Rabo e no mestre Zé Amaro. 

 O livro possui três partes costuradas por um liame, o capitão Vitorino. A personagem é a expressão mais lata do desejo de justiça, de escrúpulo político, de defesa dos mais fracos, da incansável vontade de fazer triunfar a equidade. Vitorino torna-se assim um espécie de Dom Quixote. Um anacrônico que verbaliza contra tudo aquilo que abala a causa do oprimido. Ele aparece em toda parte. É onipresente em sua luta. É a comicidade materializada. E é aqui que conseguimos vislumbrar seu aspecto quixotesco.

O curioso nisso tudo é a mensagem política que a personagem alavanca, posto que a ordem descrita pelo narrador é a ordem oligárquica. Vitorino em sua luta é aquele que defende "o clarear" das relações; que prega a assunção de uma ordem democrática, o fim dos "potentados da terra", dos desmandos, tirando o Brasil da ditadura dos grandes latifúndios, tão comum à Primeira República, já que a história se passa no início do século XX, época em que os engenhos começam a agonizar no Nordeste e que se consolidará durante o Governo Vargas com a onda nacionalista e industrializante.

O romance lida com a decadência de uma ordem antiga, representado por Lula de Hollanda, o coronel "Lula". Lula casa com Amélia, filha do Capitão Tomás, e sua inabilidade administrativa leva-o ao longo dos anos a perder o império erguido pelo sogro. De modo que o visível declínio do engenho Santa Fé e a visão enfermiça, religiosa e delirante do coronel Lula é o próprio aspecto agônico que representa metaforicamente a morte de toda uma ordem. É notório dentro da história, a decadência política dos coronéis, na pessoa de Lula de Hollanda, e a expectativa utópica da igualdade, representado pelo capitão Vitorino.

Cena do filme Fogo Morto (1976), de Marcos Farias
O romance ainda nos apresenta a figura do cangaço e das forças legitimadoras da ordem, representada pelo tenente Maurício. Nota-se aqui um ligação do romance com os conflitos políticos surgidos na República Velha. Antônio Silvino e o tenente Maurício são forças oponentes. Silvino é a ordem anárquica que brota fora, mas que ameaça a ordem com sua liberdade que faz tremer os poderosos da terra. Já o tenente Maurício é o outro braço do poder tentando segurar a ordem arbitrariamente. É energia fria que faz dobrar a todos. Eric Hobsbawn em seu livro Bandidos, cuja leitura estou na iminência de realizar, em sua tese sobre a origem do banditismo, diz que: "o bandistismo desafia simultaneamente a ordem econômica, a social e a política, ao desafiar os que têm ou aspiram ter o poder, a lei e o controle dos recursos". José Lins do Rego vai explorar essa temática em Cangaceiros, livro que escreveria em 1953.

O que é mais saliente em Fogo Morto é a explícita descrição da agonia política por que passava o Nordeste e as posições ideológicas do autor sendo reveladas. Enquanto nos outros livros Zé Lins se portava como um contador de histórias estático, em Fogo Morto ele deixa bem claro em sua prosa regionalista o realismo histórico da dialética dos tempos. Nesse sentido, como diz Nelson Werneck Sodré em História da Literatura Brasileira, o regionalismo surgido no século XX, difere do regionalismo de José de Alencar ou de Bernardo Guimarães (escritores românticos do século XIX), pelo alto grau de veracidade da forma. E nisso Fogo Morto acentua sua importância.

Próximas leituras do mestre Zé Lins: Cangaceiros e Pedra Bonita.

O filme Fogo Morto pode ser visto no Youtube. Vi  e gostei da adaptação.

sexta-feira, agosto 09, 2013

"Solto o meu bárbaro YAWP sobre os telhados do mundo". Um grande presente de aniversário


O que faz as coisas pararem no tempo é a saudade
Mario Quintana

O cimento que alicerça o mundo humano é a palavra. A palavra é um dos elementos identificadores da minha humanidade. Se eu não verbalizasse, estaria privado dessa dimensão tão intrinsecamente necessária à minha humanização. Paulo Freire diz que o sujeito humanizado é aquele capaz de praticar a "emersão", que é a existencialização de sua subjetividade, o externar de seu próprio mundo humano. Sujeitos humanizados exprimem o que sentem num gesto de liberdade plena. Quem não aprendeu "a dizer" o que sente, ainda não está plenamente emancipado. 

Proibir a fala é proibir a própria capacidade de ser do outro, pois o outro está naquilo que a sua fala diz. A fala é uma dimensão existencial da vivência social. Com ela, eu aprendi a dizer "mãe", "não", "obrigado", "vou", "não vou", "gosto" e "não gosto". O sujeito que verbaliza a palavra projeta o seu próprio ser. O indivíduo proibido de dizer a palavra está proibido, na verdade, de ser. Falar é colorir o mundo com as cores que acumulamos na história. É colocar minhas impressões sobre determinado assunto, sobre determinado aspecto da realidade. É não sentir em sua privacidade, mas compartilhar com o outro um pouco daquilo que somos. 

É, por isso, que que a raposa vai dizer para o Pequeno Príncipe: "A gente só conhece bem as coisas que cativou (...) Os homens não têm mais tempo de conhecer alguma coisa. Compram tudo prontinho nas lojas". Os homens são cativados pelo poder da palavra. E mesmo que haja silêncio no intervalo das falas, isso se constitui em "um dizer". Há silêncios que estão povoados de palavras. 

Divago com as palavras, porque a boca se enche de sorrisos quando o coração é cativado. Hoje é o dia de meu aniversário. Fui trabalhar pela manhã e recebi durante o dia vários gestos de afeto. Dois em especial me tocaram bastante. (1) primeiro do 9° ano A. Deram a mim um livro do Mário Quintana. Presente excelente. Quintana é um gênio. Um burilador de palavras. O pastor de palavras, como o Alberto Caieiro. (2) segundo foi um gesto de carinho do 8° C. Fizeram uma festinha. Todavia, o que mais me comoveu foram as palavras escritas pela turma e lidas pela Lorena Weil. Demonstra um alto nível de perspicácia ao dizer a palavra. Transcrevo-as abaixo:

"Quando me pediram para escrever esta carta, fiquei pensando em como começá-la, em como desenvolvê-la e em como terminar. Pois é. Não tinha ideia de como escrever algo para o cara que corrige nossas provas, mesmo com todas as caligrafias borradas e estranhas, mesmo com os erros ortográficos, ele consegue entender. Nossa caminhada vai se tornando cada vez mais longa, se olharmos para trás, e cada vez mais curta, se olharmos para frente. É estranho - eu sei. Mas pare para pensar nas crianças que éramos no 6° ano e olhe para nós agora, mesmo ainda não sabendo quase nada da vida. Estamos crescendo e evoluindo. 

Toda aula uma palavra carlina entra no nosso dicionário, aquelas aulas que te deixam com os cabelos, mesmo poucos, brancos. O sexto horário da segunda-feira em que já estamos exaustos, mas você está ali, de pé, passando o seu conhecimento para frente. Como não lembrar dos seus pulos de alegria quando acertamos alguma questão ou quando não sabemos a matéria? Aquele seu jeito desengonçado de andar, como você mesmo disse: "como boneco de Olinda". Esse jeito Carlos de ser nos deixa curiosos, afinal como alguém pode falar tão bonito de coisas tão bonitas? Ter sabedoria que você tem, não é para qualquer um. Pode não parecer, mas a admiração que temos por você é muito grande. E quem diria, ainda com essa vida agitada ainda sobre espaço para ler um livro? Um não: uns 10, 20, 30 quem sabe... É. Meu professor de Português também é uma biblioteca ambulante. E também uma discoteca dos mais variados rocks, dos mais diferentes clássicos. 

Como ele consegue é um grande mistério. Daqui a pouco tempo essa turma vai embora. Vamos enfrentar o temido Ensino Médio e cada um aqui vai lembrar daquela professor de Português do Santa Rosa. "Lembro-me de quando ele falou desse escritor". "Acho que li esse livro". Tudo isso vai deixar saudades. Parabéns, Carlos. Continue sendo esse homem de grande coração que você é. Obrigado por cada aula. Esperamos que você realize seus sonhos e conquiste seus objetivos".

Obrigado!

domingo, agosto 04, 2013

Silas Malafaia e o seu discurso carregado de significados

Assisti ao programa Na Moral que foi ao ar na última quinta-feira, dia primeiro de agosto,  pela Rede Globo de televisão. O tema era religião e estado laico. Foram convidados quatro participantes: O líder da ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), um clérigo católico, um babalaô, representando as religiões de matriz africana e o pastor Silas Malafaia, falando em nome dos evangélicos. Quem mais me chamou me chamou a atenção no programa foi o Silas Malafaia - não pela inteligência ou bom senso, mas pela ignorância. Sua fala descontextualziada e não problematizadora da realidade brasileira, diferente, por exemplo, do líder babalaô, criou em mim um misto de asco e riso sardônico. Ele mostrou-se com extrema falta de educação ao dizer que o líder da ATEA estava falando "asneira", quando este trouxe um dado factível. Mas não é apenas sobre isso que gostaria de refletir. 

Primeiramente, deve ser explicado  que o mundo evangélico é bastante complexo. Existem, pelo menos, três divisões dentro desse segmento: (1) os protestantes históricos de linhagem reformada. Nesse caso incluem-se as igrejas batistas, metodistas, luteranas e presbiterianas históricas; (2) as igrejas pentecostais, que surgiram no início do século XX, como resultado de eventos ocorridos nos Estados Unidos. Um desses casos é a Assembleia de Deus; (3) e o terceiro caso são as chamadas igrejas neopentecostais, que são resultado, também, de um fluxo teológico oriundo dos Estados Unidos e que carregam como principal mensagem a teologia da prosperidade, uma espécie de "teologia de shopping center".

Deve ser salientado ainda, que as igrejas pentecostais fixaram sua atuação nos dons espirituais ou "carismas", enquanto as chamadas igrejas neopentecostais se estribaram na filosofia neoliberal do ter. Ou seja, ter posses, "mudar de vida", como é dito pelo seguimento, passou a ser uma persecução para igrejas como a Igreja Universal, Sara Nossa Terra, Igreja Internacional da Graça de Deus, Renascer e tantos outros segmentos sedimentados no poder de convencer do seu líder. 

A teologia da prosperidade pode ser analisada filosoficamente e sociologicamente como um movimento que supre as necessidades criadas pelos postulados neoliberais do capitalismo. O neoliberalismo criou um mundo no qual o individualismo e a particularização da percepção do mundo se tornou uma regra. Ou seja, o valor essencial que emana desse princípio é de que o espaço privado foi alargado. A ética do capitalismo consumista e individualista passou a ser o modo de navegação da teologia da prosperidade. Essa teologia se coaduna com as expectativas criadas pelo modelo neoliberal que surgiu na Inglaterra e nos Estados Unidos no final da década 70 do século XX.

O crescimento extraordinário dos evangélicos é resultado dessa lógica. Não é que o protestantismo tenha uma mensagem espiritual, baseada apenas na ética como dado que labora sobre valores invisíveis. O crescimento dos evangélicos se explica pela mensagem da teologia da prosperidade. As igrejas evangélicas nas últimas três décadas - logo após o bum do neopentecostalismo - foram para o ataque. Compraram canais de TV, emissoras de rádio. Investiram no marketing. E os seus líderes se transformaram em homens de negócio. Enriqueceram. Criaram uma lógica baseada no "ter" para "ser". E se tornaram em seres incensados pelos fieis.

Todavia, o resultado dessa atuação militante do mundo evangélico, quando se transforma numa imperiosa vontade de se colocar acima dos direitos civis e democráticos, torna-se uma violência simbólica. Os evangélicos têm o direito de professarem aquilo que desejam professar desde que não se tornem sujeitos antiquados e que estão em descompasso com as garantias individuais defendidas constitucionalmente.

Assistindo ao programa do Pedro Bial, fiquei imensamente preocupado com a sanidade do Silas Malafaia. Mas, depois compreendi que a intransigência defendida por ele, é resultado do dogmatismo encontrado no próprio seio do protestantismo. Enquanto a Igreja Católica se preocupa com questões estruturais e conjunturais da sua tradição, o Protestantismo, como diz Rubem Alves em "Protestantismo e Repressão", "é o espírito de revolta contra todas as ordens institucionalizadas". Rubem Alves ainda diz que "A Reforma sacralizou a consciência e dessacralizou o mundo". Com isso, "a reverência frente à ordem civilizatória é substituída por uma atitude de orgulhosa rebelião contra a mesma. A grande conquista protestante, de sacralizar a personalidade, tem como o seu reverso a secularização do mundo, que agora não mais pode ser gozado misticamente como o ventre divino". 

Assim, o mundo deixa de ser sagrado e passa a ser resultado de um utilitarismo. Ou seja, essa análise é resultado desse paradoxo. Enquanto defende o sagrado, o protestante solidifica o individual, o personalismo e possibilidade da anomia. Isso pode ser constatado, por exemplo, na militância da bancada evangélica. Ela atua em descompasso com os debates e avanços da sociedade. Nisso, percebe-se um influxo medieval e uma posição de "rebeldia" contra os interesses da sociedade. Segundo informações do IBGE, é possível que, em 2020, os evangélicos se igualem ao número de católicos no Brasil. Com isso, cresce a possibilidade dessa lógica arbitrária.

No programa do Bial, notei que o discurso do Silas Malafaia possuía essa força aludida acima. Silas defendeu em certo momento a democracia, afirmando em linhas garrafais que não era homofóbico e preconceituoso. Todavia, quando convidado para fazer uma marcha com líderes das religiões de origem africana, numa espécie de ecumenismo, desconversou em tom bravateiro. 

O protestantismo é um movimento religioso surgido na Europa e transformado nos Estados Unidos. As seitas que aqui chegaram no início do século XIX vieram missionariamente da América do Norte. Trouxeram de lá muitos dos valores europeus e americanos. Muitas dessas seitas se "adaptaram" ao Brasil. Todavia, nunca aceitaram determinados fenômenos da cultura brasileira como, por exemplo, o nosso sincretismo religioso que sempre foi visto como resultado de um paganismo demonizante. O catolicismo ao contrário, está aqui desde o início da formação do Brasil e muitos dos elementos culturais colocam a própria Igreja de Roma como personagem que não pode ser deslindado. 

O Protestantismo, ao contrário, chegou trezentos anos depois, e é marcado pelo aspecto não relatizável com a cultura brasileira. Tudo aquilo que fuja ao seu dogmatismo, é visto como um elemento estranho que deve ser "catequizado" à sua imagem e semelhança. Surge daí, a dificuldade para entender muitos dos aspectos da cultura brasileira. Um exemplo claro disso é a não "legitimação" das religiões sincretizadas e de matriz africana. 

Silas é apenas uma face do mundo protestante. Seu discurso é repleto de significados e que podem ser entendidos à luz da história.

Programa pode ser visto AQUI.

Uma pensata a partir de um post da ATEA

Kierkegaard já dizia isso. É que a fé não lida com categorias materializáveis, mas com o invisível, com o intangível. Lembrando aquele velho princípio agostiniano: "Creio para depois pensar". Além do que o dogmatismo da fé é uma categoria não relatizável. O crente sente sua "existência" abalada quando essa suposta "verdade" é colocada em xeque. Daí, ou se aceita a fé como verdade incondicional ou se põe abaixo toda aquela epistemologia capaz de explicar todos os fenômenos universais. Se ele relativiza, aquilo que ele crer deixa de ser "verdade" e passa a ser apenas mais uma narrativa como as tantas que já existem. Para o crente, deixar de dialogar com essa "verdade" é "perder a fé" e correr um sério risco. Admirável a fala de Carl Sagan.

sábado, agosto 03, 2013

Brasil, um país que precisa ser amado por todos nós

O Brasil é um país múltiplo - de cultura, de identidade e de sentidos próprios. Darcy Ribeiro em seu fabuloso livro O Povo Brasileiro, que deveria ser de leitura obrigatória em toda escola do nosso país, sabendo dessa complexidade, dividiu a obra em "brasis": "o Brasil Caipira", "o Brasil Crioulo", "o Brasil Caboclo" etc. Claro, deve ser levando em conta que o livro analisa, também, a gestação histórica do Brasil e o processo de formação sociocultural da terra brasileira antes de se deter nessas especificidades.

Mas, o nosso país é identitariamente variado. Sua história é trágica. Dolorosa. De opressão. Exploração. Espertezas prevaleceram. Em suma: seu processo de formação se deu por meio de reveses. Quando escuto determinadas afirmações que são resultado de nossa "síndrome de vira-latas" (a capacidade que temos de não nos levarmos a sério), entendo o quanto fomos vitimados pela violência colonizadora de Portugal. Quando viajo pelo Brasil vejo o quanto o país é lindo e negligenciado, entendo o quanto precisamos mudar nossa consciência sobre nós mesmos. Um exemplo disso foi a viagem que fiz no início do mês passado à Santa Catarina. Lá tive a oportunidade de visitar a cidade de Pomerode, de matriz alemã. As casas, a culinária, as vestimentas, a cor dos olhos, dos cabelos, as marcas linguísticas são bem singulares. Uma semana depois, após ter voltado de Santa Catarina, fui ao interior do Goiás e ouvi uma pergunta feita a mim por um adolescente.

Eu estava sobre a mesa assistindo a documentário na casa da avó da minha esposa em meu computador. O rapaz, que é morador de uma sítio próximo à cidade de Pontalina, perguntou-me: "Seu Windows é 8?". Eu disse: "Não! É 7" Mas a pergunta do jovem saiu com uma musicalidade muita peculiar, muito própria. O "r" retroflexo criou uma canção agradável. Naquela fala estava a ontologia da minha terra. Aquilo era um pedaço da história, aquilo era um pedaço do meu país. Ou seja, uma semana antes eu ouvira a fala marcadamente singular dos sulistas. E uma semana depois eu ouvi um jovem goiano falando "um português" completamente diferente daquele que eu ouvira. Dei uma boa gargalhada interna. Não de mofa do rapaz. A risada estava cheia de felicidade. Pensei comigo: "Esse é o meu país!"

Essas variações ocorrerão, por exemplo, se eu for para o Nordeste ou para a região Norte; ou para o interior de Minas Gerais ou do Mato Grosso. Muitos bons escritores brasileiros entenderam isso. Guimarães Rosa com sua prosa de marca essencialmente popular, universalizou determinado sentido de nossa cultura. A ideia de que "o sertão está em toda parte, o sertão está dentro da gente". Na semana que se passou estive em Pirenopólis, município goiano situado a 150 quilômetros de Brasília, e fiquei impressionado com a cidade. Fiquei refletindo como somos tão propensos a cultuarmos tudo aquilo que diga respeito ao que é dos outros - novamente a síndrome de vira-latas. Nós brasileiros não aprendemos a valorizar o nosso país. Não damos importância às nossas belezas naturais; à nossa música que é riquíssima; à nossa literatura popular; à nossa religiosidade, marca tão característica de nossa identidade; à nossa história que é tão marcante. Quando vamos fazer comparações sempre as fazemos com os países desenvolvidos do Norte. Todavia, esses países tiveram processos de formação completamente diferentes. Em sua maioria, foram países que colonizaram outros países e extraíram a riqueza de outras nações, sejam elas latino-americanas, africanas ou asiáticas. O imperialismo opressivo europeu e americano criou o atual sistema de coisas. Essas comparações estão fundadas em falácias, posto que nossa história é outra. Nunca dominamos ou oprimimos nenhuma outra nação como se deu historicamente com os países europeus ou com os Estados Unidos. Em nossas escolas a história sempre contada na perspectiva do dominador.Nunca chamaram os índios, por exemplo, para contar a sua história.

Um exemplo disso é a cultura nordestina e aquilo que nos acostumamos a chamar de cultura sertaneja. Quando falamos em Nordeste, já existe em nossa mente uma percepção da miséria e do atraso. O homem nordestino é resultado de uma complexa miscelânea cultural. Vive em um dos espaços mais hostis do território brasileiro. O tom agreste da paisagem, as dificuldades naturais, ligada a um forte instilamento sincretista moldaram o homem nordestino. É possível encontrar no Nordeste elementos medievais em meio da cultura popular. O cordel é um desses casos; a visão religiosa e que se amalgama com as mais variadas crenças, produziu um sujeito amedrontado. O medo é forjado em sociedades nas quais existe um imaginário carregado do senso da morte. Jean Delumeau em "História do Medo no Ocidente", vai dizer que a insegurança acerca da vida leva ao medo. Ou seja, o medo é resultado de uma ambiguidade. Enquanto os homens acham que são fortes, o medo torna-se um elemento desconhecido. O contrário não é possível. É, por isso, que em momentos de guerra ou de grandes catástrofes, o medo se torna palpável em sua ação.

Assim, o que existe em mim é um desejo enorme de conhecer o Brasil em sua inteireza. De ouvir os sons da nossa fauna e as belezas coloridas da nossa flora; a voz que emana dos subúrbios e dos interiores. A cultura produzida pelo homem simples. As construções importantes que resgatam a nossa história. As palavras que surgiram de situações particulares e que revelam em seu sentido mais primitivo o processo de dominação a que fomos submetidos. Amo as paisagens do Brasil. Gosto de viajar de ônibus para poder observar nossas florestas, nossas campinas; nossos rios, nossas chapadas; as flores das nossas matas. O "jeito" alegre e festeiro do povo brasileiro. 

Afinal tudo aquilo que gosto está no trecho daquela música "Estrada de Canindé", de Luiz Gonzaga, que pode ser lida abaixo: 

(...) "Artomove lá nem sabe se é home ou se é muié
Quem é rico anda em burrico
Quem é pobre anda a pé
Mas o pobre vê nas estrada
O orvaio beijando as flô
Vê de perto o galo campina
Que quando canta muda de cor
Vai moiando os pés no riacho
Que água fresca, nosso Senhor
Vai oiando coisa a grané
Coisas qui, pra mode vê
O cristão tem que andá a pé""