domingo, agosto 04, 2013

Silas Malafaia e o seu discurso carregado de significados

Assisti ao programa Na Moral que foi ao ar na última quinta-feira, dia primeiro de agosto,  pela Rede Globo de televisão. O tema era religião e estado laico. Foram convidados quatro participantes: O líder da ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), um clérigo católico, um babalaô, representando as religiões de matriz africana e o pastor Silas Malafaia, falando em nome dos evangélicos. Quem mais me chamou me chamou a atenção no programa foi o Silas Malafaia - não pela inteligência ou bom senso, mas pela ignorância. Sua fala descontextualziada e não problematizadora da realidade brasileira, diferente, por exemplo, do líder babalaô, criou em mim um misto de asco e riso sardônico. Ele mostrou-se com extrema falta de educação ao dizer que o líder da ATEA estava falando "asneira", quando este trouxe um dado factível. Mas não é apenas sobre isso que gostaria de refletir. 

Primeiramente, deve ser explicado  que o mundo evangélico é bastante complexo. Existem, pelo menos, três divisões dentro desse segmento: (1) os protestantes históricos de linhagem reformada. Nesse caso incluem-se as igrejas batistas, metodistas, luteranas e presbiterianas históricas; (2) as igrejas pentecostais, que surgiram no início do século XX, como resultado de eventos ocorridos nos Estados Unidos. Um desses casos é a Assembleia de Deus; (3) e o terceiro caso são as chamadas igrejas neopentecostais, que são resultado, também, de um fluxo teológico oriundo dos Estados Unidos e que carregam como principal mensagem a teologia da prosperidade, uma espécie de "teologia de shopping center".

Deve ser salientado ainda, que as igrejas pentecostais fixaram sua atuação nos dons espirituais ou "carismas", enquanto as chamadas igrejas neopentecostais se estribaram na filosofia neoliberal do ter. Ou seja, ter posses, "mudar de vida", como é dito pelo seguimento, passou a ser uma persecução para igrejas como a Igreja Universal, Sara Nossa Terra, Igreja Internacional da Graça de Deus, Renascer e tantos outros segmentos sedimentados no poder de convencer do seu líder. 

A teologia da prosperidade pode ser analisada filosoficamente e sociologicamente como um movimento que supre as necessidades criadas pelos postulados neoliberais do capitalismo. O neoliberalismo criou um mundo no qual o individualismo e a particularização da percepção do mundo se tornou uma regra. Ou seja, o valor essencial que emana desse princípio é de que o espaço privado foi alargado. A ética do capitalismo consumista e individualista passou a ser o modo de navegação da teologia da prosperidade. Essa teologia se coaduna com as expectativas criadas pelo modelo neoliberal que surgiu na Inglaterra e nos Estados Unidos no final da década 70 do século XX.

O crescimento extraordinário dos evangélicos é resultado dessa lógica. Não é que o protestantismo tenha uma mensagem espiritual, baseada apenas na ética como dado que labora sobre valores invisíveis. O crescimento dos evangélicos se explica pela mensagem da teologia da prosperidade. As igrejas evangélicas nas últimas três décadas - logo após o bum do neopentecostalismo - foram para o ataque. Compraram canais de TV, emissoras de rádio. Investiram no marketing. E os seus líderes se transformaram em homens de negócio. Enriqueceram. Criaram uma lógica baseada no "ter" para "ser". E se tornaram em seres incensados pelos fieis.

Todavia, o resultado dessa atuação militante do mundo evangélico, quando se transforma numa imperiosa vontade de se colocar acima dos direitos civis e democráticos, torna-se uma violência simbólica. Os evangélicos têm o direito de professarem aquilo que desejam professar desde que não se tornem sujeitos antiquados e que estão em descompasso com as garantias individuais defendidas constitucionalmente.

Assistindo ao programa do Pedro Bial, fiquei imensamente preocupado com a sanidade do Silas Malafaia. Mas, depois compreendi que a intransigência defendida por ele, é resultado do dogmatismo encontrado no próprio seio do protestantismo. Enquanto a Igreja Católica se preocupa com questões estruturais e conjunturais da sua tradição, o Protestantismo, como diz Rubem Alves em "Protestantismo e Repressão", "é o espírito de revolta contra todas as ordens institucionalizadas". Rubem Alves ainda diz que "A Reforma sacralizou a consciência e dessacralizou o mundo". Com isso, "a reverência frente à ordem civilizatória é substituída por uma atitude de orgulhosa rebelião contra a mesma. A grande conquista protestante, de sacralizar a personalidade, tem como o seu reverso a secularização do mundo, que agora não mais pode ser gozado misticamente como o ventre divino". 

Assim, o mundo deixa de ser sagrado e passa a ser resultado de um utilitarismo. Ou seja, essa análise é resultado desse paradoxo. Enquanto defende o sagrado, o protestante solidifica o individual, o personalismo e possibilidade da anomia. Isso pode ser constatado, por exemplo, na militância da bancada evangélica. Ela atua em descompasso com os debates e avanços da sociedade. Nisso, percebe-se um influxo medieval e uma posição de "rebeldia" contra os interesses da sociedade. Segundo informações do IBGE, é possível que, em 2020, os evangélicos se igualem ao número de católicos no Brasil. Com isso, cresce a possibilidade dessa lógica arbitrária.

No programa do Bial, notei que o discurso do Silas Malafaia possuía essa força aludida acima. Silas defendeu em certo momento a democracia, afirmando em linhas garrafais que não era homofóbico e preconceituoso. Todavia, quando convidado para fazer uma marcha com líderes das religiões de origem africana, numa espécie de ecumenismo, desconversou em tom bravateiro. 

O protestantismo é um movimento religioso surgido na Europa e transformado nos Estados Unidos. As seitas que aqui chegaram no início do século XIX vieram missionariamente da América do Norte. Trouxeram de lá muitos dos valores europeus e americanos. Muitas dessas seitas se "adaptaram" ao Brasil. Todavia, nunca aceitaram determinados fenômenos da cultura brasileira como, por exemplo, o nosso sincretismo religioso que sempre foi visto como resultado de um paganismo demonizante. O catolicismo ao contrário, está aqui desde o início da formação do Brasil e muitos dos elementos culturais colocam a própria Igreja de Roma como personagem que não pode ser deslindado. 

O Protestantismo, ao contrário, chegou trezentos anos depois, e é marcado pelo aspecto não relatizável com a cultura brasileira. Tudo aquilo que fuja ao seu dogmatismo, é visto como um elemento estranho que deve ser "catequizado" à sua imagem e semelhança. Surge daí, a dificuldade para entender muitos dos aspectos da cultura brasileira. Um exemplo claro disso é a não "legitimação" das religiões sincretizadas e de matriz africana. 

Silas é apenas uma face do mundo protestante. Seu discurso é repleto de significados e que podem ser entendidos à luz da história.

Programa pode ser visto AQUI.

3 comentários:

Cassionei Petry disse...

Belo comentário sobre o programa. Me surpreendeu bastante o representante das religiões africanas. Só faço uma correção no teu texto. O tema foi o estado laico.

Carlinus disse...

Obrigado pelo comentário, Cassioney. Também me impressionei com o representante das religiões africanas. Era o mais esclarecido. Fiz a correção. Não prestei atenção a esse detalhe. Novamente: obrigado.

Isabela Azenha disse...

Muito bom!