terça-feira, julho 31, 2012

A propósito de uma leitura sobre Marcelo Gleiser II

 "A ciência moderna revelou as causas desses eventos, mostrando que o que antes era atribuído aso deuses é só uma manifestação de fenômenos naturais segundo leis específicas. Essa mudança de atitude com relação á Natureza é muitas vezes condenada por líderes religiosos mais extremos ou por aqueles que acreditam que "entender" a Natureza tira a sua beleza, que entender a física por trás dos fenômenos celestes exerciza a sua magia. Muitos pelo contrário; eu afirmo que a compreensão da dinâmica celeste apenas aumenta nossa admiração pela beleza do cosmo". 
Marcelo Gleiser, O fim da terra e do céu, p. 146

Aos dois leitores impacientes que chegaram a esse espaço por causa de uma conflagração de um "acidente internético", dirijo as palavras incipientes que se seguem. Atualmente estou lendo Doutor Fausto, de Thomas Mann (que está de lado por enquanto) e O fim da terra e do céu, de Marcelo Gleiser (que estou simplesmente embasbacado). Gleiser é um sujeito de uma mente fina, de pensamento especulativo rico, que nos faz imaginar coisas e afirmar: "Minha nossa! Eu sou uma minhoca cósmica. Alguém que está aqui pelos sucessivos poderes criativos da natureza e não por uma teleologia eminentemente divina". 

Quando leio a respeito da grandiosidade do cosmos e os números que exatificam as proporções infinitas daquilo com a qual não estamos acostumados mensurar, lembro imediatamente da frase de Pascal: "Esses espaços infinitos me apavora". E, de fato, olhar o céu, esse grande pergaminho que serve a tantas interpretações e que no decorrer da história foi alvo de tantas leituras, aturde-nos. Foi com medo ou talvez admirado com aquilo que não podia controlar que os homens forjaram "mundos" para tentar explicar aquilo que não conseguiam entender. Mas ao criar o sobrenatural, a finalidade dessa busca era afirmar a si mesmo.

O que somos? Qual o nosso valor? Hoje, enquanto vinha para casa e me encontrava no metrô, fiquei observando as várias pessoas que estavam no mesmo vagão em que eu estava. Os mais variados tipos: adolescentes com ar despreocupado, o almofadinha da repartição pública, o operário da construção civil, o tipo importante a portar o celular da última geração; mulheres ostentando a aparência de importância. Olhei aquilo como que vendo um desfile de tipos. Não estou julgando aquelas pessoas, apenas argumentando que vivemos como se fossêmos os mais importantes dos seres e não percebemos que somos seres passageiros em um planeta que também é passageiro. Segundo os cientistas, o Sol está na metade da vida. Atualmente ele possui cerca de 10 bilhões de anos. Viverá mais 10 e aí virá o fim. E com o fim dele, virá também o fim de todos os corpos e seres que dependem da energia liberada pela queima de gases.

Num passado bem longíquo não existíamos. Passamos a existir graças aos ciclos naturais, às mudanças perpetradas no decorrer de milhões de anos. Os dinossauros, por exemplo, ficaram sobre a Terra por cerca de 150 milhões de anos. Mas, em dado momento do tempo, deixaram de existir e se assim aconteceu foi por causa das condições naturais: climáticas, atmosféricas etc. Para que existamos e não sucumbamos diante de um cataclismo, não é necessário a priori que tenhamos inteligência, mas que as condições ambientais nos sejam favoráveis. A natureza que fez com que os dinossauros deixassem de existir é a mesma que fez com que o homem surgisse. Todavia, essa mesma natureza que cria, pode também destruir. Na natureza, não existem julgamentos morais do que é bom ou é ruim. O bom e o mal só existem a nível humano.

Afirmamos que existem o bem e o mal, porque criamos um índice de valoração para os eventos que existem a nível de mundo humano. Ou seja, uma alga não sabe o que é o bem nem o que é o mal. A gravidade não conhece o que é bonito nem feio. Um aminoácido não sabe o que é o pecado nem a virtude. Ela apenas é e obedece a comandos determinados por uma lei natural. Foram condições proporcionadas pelo mundo natural que permitiram ao homem chegar a ser o que é. 

Sendo assim, enquanto os dinossauros estiveram sobre a terra por mais de cem milhões de anos e foram extintos há sessenta milhões de anos atrás, os primeiros hominídeos (da qual o homem faz parte) surgiram aproxidamente há dois milhões de anos atrás. Ou seja, um lastro de tempo consideravelmente insignificante. O homem como o conhecemos hoje está por aqui há cerca de cinquenta mil anos. Com isso, notamos que esse ser que é capaz de criar juízos de valores e se impressiona com os artefatos que produz é um ser que não percebe o tamanho do seu desvalor.
Criamos cultura. Altares para nossas divindades. Tronos para os nossos reis. Pedestais para o nossos ídolos. Música para nos alegrar. Poesia para nos embevecer. E em um Planeta pequeno, composto por gases, água e rocha, vive um ser que até hoje não conseguiu se achar. E para que deixemos de existir não é necessário que algo extraordinário aconteça, que uma força sobrenatural nos trague.

Por exemplo, em 1994, eu ainda era um adolescente. Aconteceu algo que poucas pessoas lembram, mas que marcou minha adolescência. Recordo que a TV mostrou os fragmentos do cometa Shoemaker-Levy 9 se chocando com a atmosfera do planeta Júpiter. Dudante seis dias, o planeta gigante do Sistema Solar foi bombardeado por esses corpos. Foi um espetáculo que produziu beleza e terror, pois se o Shoemaker-Levy 9 tivesse se chocado com a Terra não estaríamos aqui agora para contar história. Os fragmentos do cometa estavam soltos pelo Sistema Solar por aproximadamente 5 bilhões de anos e foram atraídos para a atmosfera de Júpiter. Segundo as palavras de Glaiser:

O cometa permaneceu nessa órbita alongada em torno do Sol até o século passado, quando a atração gravitacional de Júpiter acabou por provocar a colisão; cada um dos seus fragmentos chocou-se com a parte superior da atmosfera a velocidades acima de 200 mil quilômetros por hora, liberando mais de 25 megatóns de TNT de energia. O planeta Júpiter é onze vezes maior do que a Terra, e sua massa, trezentas vezes maior do que a do nosso planeta. [...] Cada fragmento foi identificado por uma letra, na mesma ordem de impacto. O fragmento A atingiu a parte superior da atmosfera de Júpiter pouco antes das dezesse horas do dia 16 de julho. Sua explosão devido ao impacto criou uma bola de fogo gigantesca, levantando uam coluna de detritos com mais de 3 mil quilômetros de altitude. Ao retornrar ao planeta, os detritos criaram uma mancha negra com um diâmetro equivalente a um terço do diâmetro da Terra. E essa foi a primeira colisão! O mesmo padrão repetiu-se após o impacto de um dos fragmentos observados (alguns escaparam ao campo de observação): [...]  O fragmento G, um dos maiores, deicou uma mancha de dimensão comparável à dimensão da Terra. (o destaque é meu).

O que é curioso nisso tudo é que isso não nos inclina a refletirmos o quanto somos frágeis em nossa condição. Não somos sustentados por uma vontade divina ou sobrenatural. Somos o resultado da combinação de "acasos naturais" - embora, a natureza em seu curso nunca permita que algo exista sem que leve a uma nova etapa. Ou seja, nada é gratuito na natureza. Tal pensamento não deve nos deve lançar em um fatalismo, mas admirar essa harmonia da dança cósmica. Essa harmonia que como disse certa vez Carl Sagan: "Deve nos fazer admirar esse milagre". O milagre não é algo essencialmente sobrenatural, mas natural. O acontecimento fantástico não reside a nível extra-humano, mas no tempo e na conjuntura em que se encontram os homens. Sigamos com a leitura!

Abaixo, dois vídeos explicitando o evento com o Shoemaker-Levy 9. 


 

sexta-feira, julho 27, 2012

A propósito de uma leitura sobre Marcelo Gleiser I

Após a leitura do capítulo 1 do livro do astrofísico brasileiro Marcelo Gleiser (O fim da terra e do céu - o apocalipse na ciência e na religião - comprado na cidade de Gramado-RS)  fui impregnado por uma sensação de que minhas convicções estão corretas quando penso que o fulcro do fenômeno religioso é algo necessariamente humano. Vale ressaltar que o livro em comento foi ganhador do Prêmio Jabuti no ano de 2002. Gleiser com toda a sua simplicidade e clareza didática expõe como os homens ao longo da história sentiram a necessidade de criar determinadas explicações para darem sentido às suas próprias existências. 

O professor expõe que a maioria das religiões possui uma escatologia do fim dos tempos. E faz uma análise das religiões semíticas e o quanto essas tradições (masdaísmo, religião egípcia e babilônica) formam a base da religão judaico-cristã. A ideia de uma corte celestial que julga os justos (masdaísmo), com promessas de uma vida eterna (egpícia) e com criações simbólicas idênticas que foram adotadas tanto pelos cristãos quanto pelos judeus - o caso do grande dilúvio. 

O autor ainda faz uma extraordinária exposição sobre o simbolismo profético do livro de Daniel. Para Gleiser, o livro de Daniel é resultado da compilação histórica de dois momentos distintos - o primeiro narrado no quinto século antes de Cristo; e, o segundo, escrito no segundo século antes de Cristo. O profetismo, fenômeno comum às religiões, é uma tentativa de apaziguar o medo do caos - ou seja, o império da Natureza com suas leis imparciais. O texto profético e, por consequência apocalíptico, constrói uma segurança. Gleiser ainda trabalha aspectos do apocalipse de João. Algo importante a ressaltar diz respeito à resistência que se mostrou nos primeiros séculos a esse texto repleto de simbolismos para a igreja.

Notável. Assistindo a algumas entrevistas com Marcelo Gleiser, percebemos a simplicidade e o eruditismo do professor Dartmouth College nos Estados Unidos e uma das figuras divulgadoras da ciência mais respeitadas naquele país. Dá orgulho saber que Gleiser é brasileiro.

Continuemos a leitura amanhã e durmamos, pois acordarei às 5 e meia da manhã - já passou da meia-noite!

quarta-feira, julho 25, 2012

O menestrel de Deus - vida e obra de Anton Bruckner, de Lauro Machado Coelho

Comprei no mês de fevereiro deste ano de 2012, o livro O menestrel de Deus - Vida e obra de Anton Bruckner, escrito pelo pródigo livresco Lauro Machado Coelho - publicado em 2009. Ao descobrir tal livro, bateu-me uma profunda sensação de interesse. Curiosamente, tenho outro livro de Lauro Machado Coelho sobre a vida de Dmtri Shostakovich que comprei em 2010 - e ainda não li, infelizmente. Outro dia, numa livraria aqui da cidade, encontrei uma caixa com cinco livros escritos Lauro Machado Coelho sobre Bartok, Sibelius, Bruckner, Liszt e Berlioz. Fiquei interessado em comprar e tentarei fazê-lo daqui a algum tempo - pelo menos Bartok e Sibelius serão conseguidos custe o que custar; e Bruckner eu já comprei.

O livro O mesnetrel de Deus - Vida e obra de Anton Bruckner é um trabalho feito por alguém que fez uma relevankte pesquisa sobre os eventos mais importantes da vida do compositor austríaco. Bruckner é, sem sombras de dúvidas, um dos maiores compositores de todos os tempos e em torno dele existem as mais variadas controvérsias - algumas positivas e outras negativas. As negativas, acredito, digam respeito à propalada informação do senso comum de que Bruckner era um indíviduo tolo, apalermado e cômico; que nunca teve nenhum sucesso com as mulheres; que parecia mais um pateta do que um homem. Lauro Machado Coelho tenta desmistificar esse fato mostrando que o compositor era alguém extremamente inteligente e escrupulosamente organizado. Possuía dois deuses: o Deus dos cristãos e, o outro, Richard Wagner, a quem Bruckner chamava de "mestre dos mestres". Além de dirigir uma admiração mais que especial a Wagner, Bruckner era um amante das sinfonias de Beethoven - principalmente a Nona.

O escritor faz um minuncioso estudo técnico de cada uma das sinfonias do compositor e a controvérsia histórica que as envolveu. Explica o porquê do espírito revisionista de Bruckner. Acerca disso, Lauro mostra que Bruckner foi um dos compositores mais odiados que já existiram. Muitos foram os seus detratores. Foi somente no final da vida que Bruckner teve reconhecimento. Mais tarde, com a ascensão do estado nazista é que Bruckner tornou-se adorado. Hitler o deificou a compositor oficial do III Reich e a obra de bruckner pagou um preço por caus disso. Explica ainda o porquê das edições Haas e Nowak.

Por ter em Wagner uma figura quase sagrada (Bruckner deu à sua Terceira Sinfonia o nome de "Wagner"), Bruckner foi sempre mal visto por aqueles que gostavam/gostam de música absoluta. Brahms disse certa vez a Bruckner: "Bruckner, eu não entendo as suas sinfonias". Essa opinião não cabia somente a Brahms, um seguidor da tradição clássica e um inveterado anti-social. Enquanto Brahms frequentava os altos cícrculos vienenses com intelectuais e críticos expressivos, Bruckner foi  um homem simples, que frequentava tavernas com os seus alunos. 

A imagem do homem simples talvez tenha sido construído por aqueles que achavam que a imagem pessoal do compositor tem que condizer com o espírito da música que produz. Em Bruckner isso não é possível. Bruckner foi um camponês do interior da Áustria, mas que conseguiu construir catedrais sonoras como ninguém. Mahler era um dos seus denfensores. Enquanto esteve vivo, Mahler sempre colocou em seus programas as sinfonias e missas de Bruckner. Gustav costumava dizer que a sinfonia se cristalizou com a obra de Bruckner. Ou seja, não é à toa que Bruckner e Mahler sejam dois dos maiores sinfonistas de todos os tempos. Lauro também tenta estabelecer uma relação com respeito a esse fato.

Na parte final da obra, Lauro faz um invetário dos compositores que foram influenciados por Anton Bruckner - Hans Rott, Rautavaara, Wellesz, Penderecki, Franz Schmidt etc.

O livro é um dossiê de informações importantes para quem quiser adentrar no mundo complexo e iluminado de Anton Bruckner, que possuía uma alma inclinada para Deus e de uma fé quase infantil.

Abaixo segue o primeiro movimento da toda-poderosa Quarta Sinfonia do compositor austríaco. Achei essa gravação com Baremboim simplesmente espetacular. O equilíbrio, a seriedade e a segurança construídos por Baremboim são dignos de Bruckner:

segunda-feira, julho 16, 2012

Amarelo Manga de Claudio Assis e a tese naturalista

Sábado à tarde eu estava em casa e resolvi assistir a um filme. Selecionei o filme nacional Amarelo Manga (tratava-se de um projeto antigo), de Claudio Assis, de 2002, e me impressionei com o que vi. Hoje, segunda-feira, mesmo estando longe de casa (estou na Serra Gaúcha - Gramado) ainda penso no filme. Amarelo Manga me pareceu um daqueles painéis pintados pelos naturalistas do século XIX; ou um daqueles romances dos quais se convencionou a produzir por escritores brasileiros como Aluísio Azevedo (Casa de Pensão, O cortiço etc) ou Júlio Ribeiro (A carne); ou ainda aquela produção francesa alavancada pro Émile Zola (A besta humana, Naná, Thérese Raquin, Germinal etc). 

Claudio Assis posicionou o seu foco sobre seres anônimos, satélites, escondidos em meio à putrefação. Em meio aos mais escabrosos, grotescos ambientes e antros do Recife, mas que poderiam figurar em qualquer cidade brasileira. Os personagens são suburbanos. Entrelaçam-se na condição vil e isso os torna humanos. Segundo a fala de um padre (padre Jonas, o intelectual do filme) "O ser humano, hem! O ser humano é estômago e sexo. E tem diante de si uma condenação. Terá obrigatoriamente de ser livre. Mas ele mata e se mata com medo de viver". A sua tese é determinista, terrivelmente naturalista e existencialista - uma mistura de Sartre e Schopenhauer. Protistutas, ambulantes, açougueiros, homossexuais, pervertidos, alcóolatras, derrotados mambembes, traficantes, maníacos, funcionário público corrupto, donas de casas são responsáveis pela formatação dos vícios e comportamentos inesperados. O ser humano é uma matéria imprevisível. Desse ser pode advir o absurdo. Mas esse absurdo é uma condição insofismável da própria condição de ser humano.

Existe uma tese de ruína social, já que "a carne" está presente em todos os espaços da obra. Tanto no aspecto real do termo quanto no figurativo. Os homens e mulheres de Amarelo Manga são seres canibais. Entredevoram-se numa teia doentia. Consomem-se. Comem-se socialmente. Existe um desarranjo social em torno de todas as relações. Marxismo, psicanálise e naturalismo se misturam para compô-los. Mesmo dentro dessa suposta anarquia existe um feixe hierárquico que deterimana as relações.

Um exemplo curioso no filme é a personagem Kika, um cristã fervorosa, que busca a virtude. Recata-se. Usa as idumentárias da decência. Busca ser um bom modelo social. Uma esposa fiel. Mas, não tolera a traição. Seu marido Wellington, um machista típico que encarna a imagem do homem nordestino, tem um caso com Daisy, outra personagem suburbana dos arrabaldes. Assim, o personagem deseja Kika para ser a esposa para "a matéria de mesa" e Daisy para "a matéria de cama".

Quando Kika descobre o caso de Wellington com Daisy transforma-se completamente. Assume a sua animalidade oculta pelo tecido da religião e da aparência social. Arranca orelha da desafeta Daisy com uma mordida; sai sem destino, vagabundamente, e entrega-se ao primeiro sujeito que se aproxima dela. Eis aí aquela tese de que do homem pode se esperar qualquer coisa. Que aquilo que vemos esconde outra força que pode vir à tona quando estimulada. Ou seja, o animal que esconde os instintos por trás cortina erguida pela moral. Segundo a obra, "o pudor é a forma mais inteligente de perversão."

Amarelo Manga não é um filme para se ver com a família. É uma obra marginal. Palavrões. O sangue do abatedouro que parece respingar em nosso corpo; o órgão genital ornamentado por pentelhos amarelos, de Lígia (dona do Bar Avenida), sugere a estética do filme. Por que "amarelo manga"? Amarelo, segundo a obra, é a cor da ruína, da podridão; "dos cabos das peixeiras, da enxada e da estrovenga. Do carro de boi, das cangas, dos chapéus envelhecidos, da charque. Amarelo das doenças, das remelas dos olhos dos meninos, das feridas purulentas, dos escarros, das verminoses, das hepatites, das diarréias, dos dentes apodrecidos".

O filme é bastante rico. Cheio de simbolismos e metáforas. Deve ser visto com atenção. Amarelo Manga é daqueles filmes que você ama ou rejeita. É cru. Visceral. Foge daquela estética que visa apenas impressionar o mercado, tendo por finalidade última ser arrematado para um Oscar - nosso eterno sonho.

Em meu simplismo diletante: baita filme!

P.S. tenho outro filme de Claudio Assis. Chama-se Baixio das Bestas (2006) e ganhou vários prêmios nacionais e internarcionais. Pretendo vê-lo o mais rápido possível.

Gramado-RS

sexta-feira, julho 13, 2012

Let there be rock ("Que haja rock")

Algumas pessoas me questionam pelo fato de gostar de música clássica de forma apaixonada (como gosto) e por outro, num paralelismo, gostar, também, de ouvir rock. Rio todas as vezes que escuto isso. Tento explicar que dentro de mim existem vários seres. Aqueles com propensões solares e aqueles com propensões mais eclípticas. Aos solares dou a música clássica; aos eclípticos, o rock n' roll. Somos em magnitude, o real e o aparente. 

Outro explicação é nietzscheana. Penso no apolíneo e no dionísiaco. O apolíneo representa a ordem, a luminosidade, a harmonia. Já o dionísiaco representa o desejo insaciável pela festa, pelo ritmo, pela dança, pela externalização dos instintos mais reprimidos. E talvez a força do rock esteja presente neste último aspecto: as qualidades da música estão na simplicidade e na estrutura pegajosa, que o tornou necessariamente popular. 

Hoje, dia 13 de julho (sexta-feira 13, que ajuda a incrementar o folclore da mística do rock), é convencionado como o "Dia Mundial do Rock!". Abaixo seguem duas músicas de que gosto e servem para incrementar essa força. São músicas que afirmam essa expressão mais aguda do rock: o movimento, o jogo jocoso, a melodia pegajosa e dançante. Considero que essas duas músicas sejam elementos metalinguísticos daquilo que é o rock. Johnny B. Goode é um clássico imortal de Chuck Berry e Let there be rock ("Que haja rock"), do AC/DC, carrega ainda mais essa ideia de o rock é uma música dada pelos deuses.  

Chuck Berry, Jhonny B. Goode
 

AC/DC, Let there be rock

terça-feira, julho 10, 2012

O Moloque Ricardo (uma obra política) - pequenas observações


Li neste último final de semana O moleque Ricardo, de José Lins do Rego. A intenção era ler Usina, mas verifiquei que O moleque Ricardo é o quarto livro de "o ciclo da cana-de-açucar" e decidi postergar a leitura de Usina, livro lançado no ano de 1936, já que temos uma questão cronológica envolvida. Usina é o último livro do "ciclo" criado pelo escritor paraibano. Coisa curiosa é ler os livros de José Lins do Rego. Já pude ler três das suas obras neste ano de 2012. Pretendo ler ainda outros dois - Fogo Morto e Usina - e, quiça, Cangaceiros. Quando tiver lido Usina, concluirei todo "o ciclo da cana-de-açucar".

Escusado é dizer que José Lins do Rego é um dos maiores escritores que já surgiram em terra brasileira. Ele é uma espécie de Marcel Proust nordestino. Um Balzac paraibano. Sabia contar uma história como ninguém; observar as idiossincrasias mais profundas do seu povo. À medida que avançava em seu texto, percebia como existe uma fluência em sua escrita. O texto corre célere como as águas de um richo. Vai embora exatificando por meio de uma transparência incomum os fatos mais caracteríticos da vida do homem nordestino. 

No caso de O Moleque Ricardo, José Lins desejou dar vida a um personagem que atuou como coadjuvante nos outros três romances iniciais do "ciclo" - O menino de Engenho, Doidinho e Bangue. Ricardo atua nas três obras iniciais como aquele que brincava com o "senhozinho rico" da casa-grande - no caso, Carlos de Melo, neto de Zé Paulino, o dono do Santa Rosa. Carlos de Melo após a morte do avó não consegue manter o engenho. A bancarrota acontece de maneira certa. A morte do coronel Zé Paulino simboliza a própria morte do engenho, como se dá em Bangue

Em O Moleque Ricardo, Zé Lins situa os holofotes sobre 'o negro que tinha caráter como o diabo', como o próprio romancista depõe acerca da personagem. Ricardo é antítese da própria vida citadina. É como se José Lins quisesse contrapor os valores da vida rural aos da vida urbana. Ricardo deixa o Engenho Santa Rosa e vai para o Recife tentar a sorte na cidade grande. Lá ele percebe o quanto "os homens pequenos" são pisoteados por uma desigualdade avassaldora. O romance narrado em terceira pessoa, demonstra fortemente o engajamento do romancista refletindo os problemas sociais. Fala-se em Marx, em Lênin, na Rúsia; no operariado; nas associações dos trabalhadores; em greve, em passeata; em comícios. Há em O moleque Ricardo um forte socialismo social, distendendo as forças entre os pequenos e a ganância do Estado na pessoa dos governantes. 

Ricardo representa o bucolismo da cena rural. A bondade do selvagem, uma tese quase rousseauniana, contra a ganância das elites; daqueles que aviltam com a finalidade de obtenção de lucro; que alienam; que vituperam o trabalhador. Um exemplo disso se dá quando um dos empregados de seu Alexandre, dono da padaria onde Ricardo trabalha, é despedido. O patrão após perceber que o empregado havia participado de uma passeata dá as contas do sujeito. Este após ficar sem emprego, vê-se numa situação de penúria e acaba cometendo assaltos para sustentar a família. Ricardo fica sabendo da história e comenta com os amigos. A conclusão a que chegam é que o responsável por aquilo era o patrão, pois deixou o empregado numa situação vulnerável. A ganância da sociedade corrempe e sujeita o trabalhador (o bom homem) à condenação.

Apesar de ser uma obra eminentemente política, O moleque Ricardo é uma obra lírica. Graciliano Ramos disse certa vez que se tratava de uma das maiores obras de ficção de nossa literatura. Há passagens belíssimas. Por exemplo, quando Ricardo e seus companheiros estão sendo enviados para Fernando Noronha, como resultado da punição por causa da greve. Zé Lins utiliza-se do recurso da repetição e imprime um forte toque minimalista e trágico à fala de uma das personagens - Pai Lucas. "Que fizeram eles?" Ao que se responde: "Não se sabe não.". 

É como se Zé Lins inocentasse o negro Ricardo e seus companheiros da sina medonha. Foram presos e seriam deportados para um lugar distante pelo simples fato de desejarem uma vida melhor, mais digna e o resultado foi catastrófico. E o repicar dessa sentença ("Que fizeram eles?" "Não se sabe não.") vai sendo repetido como algo que se perde na distância. Uma representação do navio que transporta a leva de degredados. As metáforas são lindas. As metonímias são exatas. As aliterações mexem com a compreensão. 

Baita livro!


quinta-feira, julho 05, 2012

Livros e uma sensação de pequenez

Às vezes fico pensando no fato de que quem gosta de livros possui uma síndrome fáustica. Mas também chego à conclusão que todo sujeito apaixonado por algo tende a fazer qualquer coisa para se aproximar do objeto do seu desejo. É vício. Inevitável. Vamos juntando e acabamos nos acercando do absurdo. Baixamos a cabeça quando percebemos que o caminho é vasto, quase infinito e que nossos esforços resvalam na totalidade, no contingente, achamo-nos pequenos, bestas, por causa disso. Segundo o Google, há mais de 3 trilhões de livros no mundo inteiro. Número surreal. Inimaginável. Seria a "Biblioteca de Babel" de Borges? Salomão disse certa vez que "não há limites para se fazer livros". 

Está aí! Simples. A vida é limitada e as possibilidades de produção são impensáveis. Nossa vida agitada não nos deixa muito espaço para as leituras queridas. Esprememo-nos no bonde. Fixamos o olhar na folha parda enquanto caminhamos. No intervalo do almoço, tentamos nos concentrar, mas o esforço ainda é insuficiente. Segundo informações, o bibliófilo José Mindlin que chegou perto dos cem anos (viveu 95 anos), leu pouco mais de 8 mil livros em sua vida. Parece um número absurdo para um sujeito médio. Diante dessas limitações fico impaciente.

Escrevo isso apenas, pois há alguns instantes atrás comprei 3 livros pela internet. Esse é um exercício para apaziguar a consciência. Que a minha esposa não saiba. Ela faz oposição a essas minhas aquisições. Ela parece personificar o lado mais conservador da minha psiquê. Sobre a minha mesa estão três livros (e tantos outros na estante) - dois que estou lendo (A beleza Salvará o Mundo - Todorov - e O Moleque Ricardo - José Lins do Rego) e um outro (Doutor Fausto - Thomas Mann) que iniciarei neste final de semana próximo.

Acabei comprando três livros que há muito procurava - Middlemarch - Um estudo da vida provincina - George Eliot; A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristam Shandy - Laurence Sterne (esse eu relutei bastante; preço pouco agradável); e O Som e a Fúria - de William Faulkner. Todo sujeito consciencioso fica com a cabeça povoada pelo cheiro de seu crime. Todavia, esse pecado me torna feliz. Metade de mim é uma baile e, a outra metade, uma noite escura.

Esperemos os livros! A noite é graciosa. A trilha de fundo (Come on Feel - do Lemonheads) é vaga e escandalizante como a luz rala do sol sob o Ártico.