sábado, janeiro 23, 2010

Amores Brutos ou Perros

A primeira vez que ouvi falar no filme Amores Brutos (2000) foi na primeira metade do ano de 2007. Nas aulas de sociologia da educação, estudei com um professor cinéfilo. Chama-se Clerton. À medida que expandia as suas explicações, citava numerosos filmes. Todos de altíssimo nível – “Como era Verde o meu vale”, “Machuca”, “Amores Brutos”, “Nós que aqui estamos por vós esperamos”, “A língua das mariposas”, “A maçã”, entre outros. Alguns eu já consegui; com relação aos outros, ainda estou a esperar. O que é mais formidável nisso era a versatilidade do professor Clerton para fazer associações e aplicações contundentes àquilo que ensinava e o conteúdo dos filmes. Em parte devo afirmar que muito do amor pelos filmes que adquiri são resultado daquelas aulas que assisti.

Num dia que não me lembro deste ano (2008), visitei descompromissadamente as Lojas Americanas – como faço em algumas ocasiões. Observava a pilha de filmes amontoados. Visualizava os títulos quando acabei achando o filme do cineasta mexicano Alexandro González Iñarritu. Fiquei excitadíssimo com aquele achado. Não titubeei. Corri para o caixa a fim de pagar R$ 12,99 pelo mesmo. Trouxe-o para casa, mas demorei a vê-lo. Até que esta semana eu consegui assisti-lo e me impressionei com as suas cenas densas e eletrizantes. Por que não dizer ainda, atordoantes e caóticas?

Fiquei por um longo tempo com as cenas na cabeça. O filme não permite qualquer respiração. São duas horas e meia de uma rede fragmentada de cenas. De idas e vindas; de digressões e supressões; de fatos que não são explicados e terminam sem uma resposta óbvia, deixando-nos pensar o que terá sucedido. Ficamos sem fôlego do início ao fim. O filme já inicia com Octávio (Gael Garcia Bernal) e seu amigo fugindo em alta velocidade pelas ruas movimentadas da Cidade do México. O seu cachorro Cofi baleado está no banco traseiro, perde muito sangue. No encalço de Octávio seguem dois indivíduos armados numa camionete. Esse artifício induz àquele que está vendo as cenas a se sentir dentro do automóvel com Octávio em plena fuga. Esta cena trará implicativos sérios para o desenlace da vida de três personagens distintos: Octávio, que fugia por ter esfaqueado um indivíduo numa rinha; Valeria (Goya Toledo), modelo espanhola famosa que tem a sua perna amputada em conseqüência da colisão; e Chivo (Emílio Echevárria), ex-guerrilheiro, que ganha a vida como matador de aluguel e é um espécie de mendigo nauseabundo que vive envolto pelos cachorros.

O filme é rico em temáticas para reflexão – aborda a marginalização nos centros urbanos, o drama dos lapsos familiares, a contraposição entre os proletários das periferias e a nababesca e despreocupada vida da burguesia ambiciosa, a violência contra a mulher, o mercado negro do desmanche de carros e das rinhas, dando a entender que a clandestinidade do crime está ao lado, a juventude transviada que encontra na violência e na extorsão o seu ganho fácil.

Encontrei na internet uma resenha muito boa sobre o filme e resolvi colocá-la logo abaixo.

Por Ricardo Carreiro[1]

Poucos cineastas estreantes têm estofo para lançar, como primeiro trabalho, um filme denso, pesado e profundamente ambicioso. Em Hollywood, sequer imaginar algo do gênero seria surreal. Por sorte, Alejandro Gonzáles Iñárritu nasceu no México. Trabalhando com atores desconhecidos e orçamentos apertados, ele teve a liberdade criativa para levar em frente o projeto de “Amores Brutos” (Amores Perros, México, 2000). O longa-metragem fez e continua a fazer enorme sucesso no meio dos cinéfilos jovens, por conta de alguns ingredientes que compõem a sua receita: violência, narrativa fragmentada, montagem acelerada e personagens jovens fascinantes.

”Amores Brutos” entrelaça as trajetórias de três pessoas a partir de um acidente automobilístico. Na primeira história, o protagonista é o jovem Octávio (Gael Garcia Bernal, antes da fama). Ele tem uma queda pela esposa do irmão mais velho, Susana (Vanessa Bauche). Octávio dá a ela o carinho que o primogênito da família lhe nega – o cara, um delinqüente envolvido com drogas, é bastante agressivo com a menina – e decide fugir de casa com Susana. Para levantar a grana necessária, ele usa o cachorro Cofi em brigas ilegais.

A segunda história narra a história de uma modelo famosa, Valeria (Goya Toledo). Ela vive um momento especial: acaba de assinar contrato com uma marca de perfumes, está de mudança para um flat luxuoso e o amante, Daniel (Álvaro Guerrero), finalmente decidiu largar a esposa e as duas filhas para ir viver com ela. A vida parece um paraíso, bem ao contrário do que é para Chivo (Emilio Echevarría), um ex-guerrilheiro que foi criado longe da filha, agora adulta, e sobrevive praticando assassinatos de aluguel.

O acidente de carro realiza a conexão entre esses três personagens, provocando mudanças radicais (e muitas vezes imprevisíveis) nas três vidas. Iñárritu dispara, a partir dessa narrativa fragmentada, reflexões sobre uma grande quantidade de temas. O principal deles é a vida na cidade grande. O cineasta contrapõe a vida dura e sem perspectivas no subúrbio de uma supermetrópole, como a Cidade do México, e o dia-a-dia dos burgueses do mesmo lugar. Os problemas de Octávio e Valeria não poderiam ser mais diferentes. Mesmo assim, a certa altura do filme, ambos se encontram sufocados pelas respectivas enrascadas em que se meteram, involuntariamente. Descontando a perspectiva, os dois sofrem da mesma maneira.

Talvez seja essa a principal mensagem do filme vigoroso de Alejandro Iñárritu. Mas o diretor novato não pára aqui. Sua ambição é muito maior. Cada um dos protagonistas vive uma complexa gama de emoções: paixão, arrependimento, desespero, saudade, ciúmes. O roteiro de Guillermo Arriaga é brilhante em dois extremos, tanto na criação de personagens multifacetados e profundamente ancorados na realidade (Octávio, Valeria e Chivo poderiam ser pessoas de carne e osso) quanto no desenvolvimento correto da ação dramática. Os diálogos ágeis, que equilibram humor e dor em proporções iguais, completam o cardápio. A fotografia nervosa, de câmera na mão e cores saturadas, ajuda a dar o clima de urgência que o enredo pede.

A rigor, “Amores Brutos” não tem falhas aparentes. Por isso, se mantém desde o lançamento na lista dos 150 melhores filmes de todos os tempos, segundo a prestigiosa lista do maior banco de dados de cinema da Internet, o Imdb. O único senão do filme de Iñárritu é, talvez, o excesso de pessimismo que sua visão juvenil ainda possui. As histórias que ele conta estão, todas, embebidas em um alto grau de desesperança diante da vida que se descortina para o futuro. Até mesmo na conclusão da terceira trama, que ensaia uma tentativa de redenção, Chivo recorre à violência e ao cinismo para conseguir a sua redenção. Não existe um personagem positivo, e a perspectiva do filme é inteiramente sombria. Mas isso não tira o brilho de uma estréia promissora e talentosa.

Em DVD, “Amores Brutos” está disponível em um pacote básico, que inclui apenas o filme (com imagens em formato widescreen original e trilha de áudio Dolby Digital 5.1), sem material extra.

-Amores Brutos (Amores Perros, México, 2000).

Direção: Alejandro Gonzáles Iñárritu.

Elenco: Gael Garcia Bernal, Emilio Echevarría, Goya Toledo, Álvaro Guerrero
Duração: 153 minutos


Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

Data: sexta-feira, 26 de dezembro de 2008, 10:28:37.