segunda-feira, outubro 31, 2011

Drummond, 109 anos!

Hoje, se estivesse vivo, Carlos Drummond de Andrade completaria 109 anos de idade. Sou um fã incondicional da poesia do mineiro. Queria ter mais tempo para lê-lo. Drummond é um cantor solitário, um observador desconfiado numa meio de uma multidão que caminha na treva. Suas poesias são gestos políticos, uma voz que busca entender, interrogar a si e os outros homens. Sua voz "desconfiada" (mineira) possuía um alinho de timidez, que vinha inscrito em seu corpo franzino. Abaixo, seguem quatro das poesias que mais gosto da obra monumental do poeta - Procura da poesia, Confidências de um itabirano, Infância e Poema de Sete Faces - este último, uma espécie de auto-biografia poética, uma confissão do "ser-assim-no-mundo". Parabéns, poeta!

Procura da poesia

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.


Confidência do Itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Infância

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Algumas poesias (AQUI) dos mais de 30 livros escritos pelo poeta.

segunda-feira, outubro 24, 2011

Ele foi tudo o que eu quero ser - menos com as mulheres

O título parece estranho. A enunciação parece misteriosa. Intricada. Uma verdadeira charada. Explico. Penso isso todas as vezes que imagino o filósofo de Dionísio - Friedrich Nietzsche. Nietzsche foi mais que um filósofo. Foi uma águia que voou. Que ignorou as convenções religiosas e dogmáticas. Que se projetou para o céu e disse que o infinito acontece na existência de cada um de nós. Que a vida, apesar da feiúra, deve ser transformada numa obra de arte. Que é necessário inventar uma música que toque e, ao passo que toca, deve transformar nossa existência numa canção.

Nietzsche não tolerava os sentimentos fracos. As anemias do espírito. As fraquezas que aviltam. Segundo ele, era preciso caminhar, mesmo que em meio às trevas, transformando a vida num sol que ilumina. Para ele não existia nem bem nem mal. As dicotomias impedem que interpretemos corretamente a vida. Zaratustra não era criação. Era a própria voz profética (não em acepção religiosa) do filósofo falando. Falou. Criticou. Analisou sob diversos aspectos as sensaborias da sociedade em que viveu e para onde aquilo tudo conduziria. E de repente, - alguns julgam loucura - silenciou. Até mesmo a paralisia que o acometeu parece ser poética. Segundo ele, "quanto mais nos elevamos, mais pequenos pareceremos aos olhos daqueles que não sabem voar". Extraordinário. É preciso ser ousado para se alçar voos. Nem todos estão prontos ou possuem coragem para o ruflar de asas, que alcançam os céus celestiais da dúvida, do julgamento, da transvalorização dos valores. É preciso alcançar o que está "dalém do homem".

Li certa vez um artigo sobre o filósofo em que o autor dizia que a doença de Nietszche foi um castigo por ele ter se metido com Deus. Esse juízo apocalíptico (e citando Manuel Bandeira - "sifilítico", "raquítico"), não se sustenta pelos fatos. A vida do filósofo é trágica. Mas o trágico não o deteve. Como ele mesmo diz: "É preciso fecundar uma estrela bailariana de dentro do caos". E ele o fez. Sua obra atesta isso.

Agora o título "menos com as mulheres". Nieztsche não teve sucesso com as mulheres. Sua vida foi infelicitante nesse aspecto. Também nunca tive sucesso. O meu lance-acerto foi único. Mas colhi uma bela açucena, que brilha, cheira, reluz. Em tudo isso não me lamento. No mais, ignoro fatos adjacentes pelo peso da vida. Todavia, como desejo ser autêntico, ousado, destemido, amante da vida e da arte como ele foi.

Atualmente, estou lendo um livro sobre Nietzsche (SAFRANSKI, Rüdiger. Nietzsche - biografia de uma tragédia: trad. Lya Luft - Geração Editorial: São Paulo. 2001. 364p.) - embora só leia nos intervalos e, na maioria das vezes, no metrô, a caminho do trabalho. Estou impressionado com a competência do Safranki, algo que eu já havia atestado na biografia sobre Heidegger. Pretendo ler ainda outra biografia importante escrita pelo mesmo autor sobre Schopenhauer, que possui uma ligação necessária com Nietzsche. O pensamento de Nietzsche possui ecos, um verbalizar, uma tonalidade, que nos faz distinguir o autor de O Mundo como Vontade e Representação. O que de fato tem me desagradado no livro de Safranki é o forte tom analítico e filosófico. Gostaria que o biográfo dialogasse mais com a vida do bigodudo. Com Nieztsche é assim: se não entedemos a vida, não entedemos a filosofia - em todos os sentidos.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: 24 de outubro de 2011, segunda-feira.

sexta-feira, outubro 21, 2011

Memórias - os itinerários do tempo (I)

A treva se enchia de mistérios, as labaredas fumacentas do fogão viviam, acompanhavam a dança das bruxas. Ali, porém, na claridade forte do sol, os terrores se dissipavam.

Graciliano Ramos, in
Infância, p.169


Cresci num ambiente profundamente rústico. Meus dias eram cheios. Dormia cedo e acordava com a alvorada. Parecia as aves do quintal. De manhã, cozinhava-se o cuscuz numa tigela de barro feita para esta finalidade. Um fumaceiro cobria a casa. A cozinha era um local negro. As paredes de barro estavam pintadas pelo pretume da fumaça fuliginosa. As panelas eram objetos bojudos feitos de barro completamente envernizados pela fumaça, resultado da combustão da madeira seca. A casa onde morava era uma tapera. Um local acanhado feito de madeira trazida da mata. Paus tortos que resultavam numa casa torta. Com o passar dos anos foram ruídos pelos cupins. Víamos pelos cantos das paredes o farelo da decomposição dos bichos miúdos que eram operários silenciosos. Na frente, uma porta mal dimensionada e uma janela escandalosamente mal projetada. Do lado direito, um oco ridículo. Dentro de casa, três cômodos estreitos e despidos de qualquer conforto. As paredes em alguns locais pareciam adquirir formas arredondadas. Quem teria sido o arquiteto daquela casinhola? Talvez matutos tivessem se ajuntado num final de semana, e, no meio da cachaça, e da conversa capenga, tivessem construído sem muitos cuidados, como era costume na região.

Dormia numa rede. A rede ficava na sala tosca. Durante o dia era enrolada e trepada na parede. Quando a noite chegava, a luz do candeeiro ajudava a nos desembaraçar do negrume. A luz mortiça do candeeiro balançava à brisa da noite. Uma fumaça escura se erguia da queima do pavio embebido no querosene. Tratava-se de uma lata com um bico feito para abrigar o pavio que, mergulhado no combustível contido no seu interior, proporcionava uma chama frouxa que alumiava a noite. Os vizinhos ficavam distantes: Mané Ivo, Zé Pequeno, João Severo, Seu Bastião, eram os mais próximos. Os mais afastados eram o meu avô Jeremias, que logo à frente contarei a importância dele para a minha educação, Bil Jorge, Vevé, Antônio Fragoso. Enxergava ao longe luzes anêmicas produzidas pelos candeeiros. Pequenos olhos acesos duelando contra o cobertor escuro da noite. As bananeiras que cercavam a minha casa produziam vozes na noite escura. Dentro de casa, criaturas – eu, minha mãe, meu pai e meu irmã. Geralmente, dormíamos cedo. Meu pai às vezes delongava-se na taverna do Seu Bastião em conversas e divertimentos com os amigos. À noite a rede era armada. Durante muitos anos dormi em redes. Quando estava na rede achava-me protegido dos entes fantasmagóricos que colhia nas conversas e que à noite trazia à minha imaginação. Cobria-me dos pés à cabeça e entedia que com este gesto estava totalmente isento de qualquer surpresa. Entedia que o pano que me cobria, proteger-me-ia do mundo, dos caiporas, das comadres fulosinhas e de todos os entes mal intencionados que surgissem. Arregalava os olhos tentava enxergar na treva medonha que me cercava.


Não me recordo bem da ocasião, mas certa vez minha mãe adquiriu um calendário com uma fotografia da Nossa Senhora Aparecida. O calendário foi afixado na parede da sala. A imagem da santa perturbava-me profundamente. A fisionomia negra da santa grudava-se na minha mente como matéria pegajosa. As vestes negras causavam-me pânico. O rosto duro, minúsculo, sumido no meio dos trajes quais plumagens de graúna, infundiam medo à noite quando os candeeiros se apagavam. Reclamava para a minha mãe.


- Deixa de se besta, menino! – dizia a minha querida mãe.


Não conseguia compreender como é que uma santa poderia provocar medo. A celestialidade dos santos estava coberta de luz, com ornamentos esbranquiçados, com faces angélicas; mas aquela santa era diferente. Era negra, de trajos negros, de fisionomia que me provocava sensações negras. Por causa disso, desde pequeno a cor preta está associada a fatos desagradáveis, a situações cavernosas na minha mente.


Quando ia para a casa do meu avô e tinha que voltar sozinho, uma apreensão grossa, graúda, abraçava-me. Por todos os lados eu estava cercado por canaviais. Mangueiras de troncos grossos, de folhagens enormes como um cogumelo gigante, que se tornavam imperceptíveis na noite escura. Embaixo delas, nos troncos, almas pelintras poderiam confabular como atacariam os humanos. Corria. Faltava-me o fôlego. Eriçava-me todo. Sentia uma mão fria pousar nas minhas costas. Espantava-me. Não tinha ânimo em olhar para trás. Com certeza havia no meu encalço seres de outro mundo. Corpos feitos de fumaça que voejavam na noite escura. Apreensão. Coração aos pulos. Tonto, não distinguia muito bem o caminho. Era guiado pelo instinto. Quando deitava, embrulhava-me embaixo da rede e me punha a pensar o que as criaturas espectrais estariam com suas legiões a fomentar contra a vida dos humanos. Mas por que tais criaturas tinham que ter raiva dos seres humanos? Não conseguia compreender.


Quando sentávamos à roda da fogueira na noite escura – eu meus colegas - , via as nossas sombras se mexerem misteriosamente na ramagem das plantas. Imaginava confabulações sendo feitas ali próximo de nós. Invisibilidade camuflada, mostrada unicamente por meio de nossas próprias figuras deformadas. Ali estavam seres de olhos de brasas, de corporatura indistinta, que se arrastavam à semelhança de vermes gigantes na treva noturna. A agonia me paralisava.


Com isto quero dizer que este cenário fantástico construiu em mim a capacidade para interpretar o mundo de modo fantasioso. De modo que hoje, ainda guardo em mim o poder da contemplação e da fantasia. Aquelas experiências amendrontadoras não incutiram medo em mim, mas a crença involuntária de que existe um outro além deste mundo. Hoje, por exemplo, quando leio uma poesia ou uma história mitológica sou remetido diretamente, sem dificuldades, ao mundo descrito no texto. Imagino realidades fantásticas com muita facilidade. Acredito, assim, que isto seja resultado dos anos mais incríveis da minha infância quando fui iniciado na arte da imaginação.


*Escrito em 2006, para uma pequena biografia que comecei a tecer. Postarei outros capítulos da pequena análise feita por mim.

quinta-feira, outubro 13, 2011

A natureza e a sua voz silenciosa

Hoje pela manhã, enquanto caminhava para o trabalho, observei que uma mudança se perpetrou nos canteiros e jardins de Brasília. Uma mudança suave, branda, quase imperceptível, que aos poucos vai tomando conta de tudo - a revolução persistente da natureza. Há alguns dias atrás, Brasília era uma braseiro no Planalto Central do Brasil. As gramíneas estavam ressecadas. O calor era insurportável, asfixiante. Uma emanação morna e sufocante brotava do asfalto quente. A umidade do ar dava à Capital Federal características de um deserto.

As feições se contraíam. Reclamações engrossavam o caldo de descontentamento dos brasilienses. Tudo seco. A paisagem era feia. A vida havia se escondido. As árvores nuas, muniam-se com a estratégia que a evolução havia dado a elas - perder as folhas, como se estivessem dizendo: "É necessário polpar energia e água". Curioso.

Mas bastou que as primeiras chuvas surgissem para que uma transformação silenciosa acontecesse. De repente, o verde sai da alcova, tímido, sonolento, e se insinua gracioso. Isso me faz lembrar de uma frase de Victor Hugo: "É triste pensar que a natureza fala e que o gênero humano não a escuta". Assim, como Victor Hugo, eu acredito que a natureza possua uma voz delicada. É uma voz murmurante, quase inaudível, mas que pode ser percebida se prestarmos atenção. Os desastres ambientais e catástrofes naturais que têm se dado a nível mundial, são o resultado da incapacidade do homem de ouvir a natureza.

Não se trata de um pessimismo, mas penso que o erro fatal do homem será continuar com sua gana predadora, desconsiderando todos os gritos, gestos e avisos da natureza. Mas, enquanto ainda posso caminhar, vejo um parto natural sendo gestado e isso enche os meus olhos de alegria.


terça-feira, outubro 11, 2011

Religião – por quê? (parte I)

Percebo que os religiosos de nosso tempo enfrentam um dilema: como conciliar os valores antigos numa sociedade que prima pela pluralidade? Pela exigência da igualdade, seja ela ideológica, no nível das satisfações materiais ou sexuais? Essencialmente, a religião é monocromática. Possui um tom, um cacoete, um modo de dialogar, uma visão a qual o religioso julga o mundo. A partir desses óculos, as cores do mundo se adaptam.

O ser humano ao assumir uma religião, recusa-se a ser de fato aquilo que ele é. A religiosidade é um desvio. Um direcionar dos olhos para os silêncios, trevas e mistérios escondidos na bruma da eternidade. Camus disse certa vez que "o homem é a única criatura que se recusa a ser aquilo que de fato ele é". Ou seja, criar uma religião é desvencilhar-se de um medo. As religiões foram criadas por causa de temores ideais. Talvez medo dos elementos naturais – sol, chuva, ventos fortes, fogo; medo de lidar com a morte, com aquilo que surge (?) depois da vida, medo de supostos espíritos malignos. Ou quem sabe, como a expressão de um desejo – a religião lida necessariamente com um desejo. O crente é um depositário de desejos no “colo de sua divindade”. A divindade é uma espécie de banco, que guarda créditos e investimentos.

A afirmação de Camus trata de uma questão fundamental. Diviso dois entendimentos: (1) Ao não levar em conta
a questão crucial acerca da existência humana, poucas foram as pessoas que lidaram essencialmente consigo mesmas. Se a religião nos afasta daquilo que somos em essência, escusado é afirmar que poucas foram as pessoas que aceitaram ser aquilo que são – e viveram bem com isso. (2) Ao não aceitar ser aquilo que é o homem vive a tentar atingir o horizonte. A religião é uma espécie de caminhada rumo ao horizonte. É sempre um amanhã que nos afasta do hoje, do fundamental, do sólido, do histórico. A religião lida com símbolos ausentes. Com promessas que emulam comportamentos, que potencializam gestos autômatos.

A religião é uma espécie de teia invisível. Nela prendemos nossas aspirações. Vestimo-nos de uma linguagem excessivamente simbólica. O objeto a qual é a matéria abstrata é intangível. Domina-nos com mais eficácia aquilo que não vemos. Esse fato me faz lembrar Nietzsche: “O homem é o único ser capaz de criar e se tornar escravo de sua criação”. Assim, homem é o único ser que se deixa dominar passivamente por aquilo que ele mesmo cria.

A religião se instala na alma humana e atende a uma necessidade de segurança. Se o homem tivesse consciência de sua liberdade, de sua solidão em um universo inamistoso, resultado do acaso natural, possivelmente esse fato o levasse ao desespero. Mas a criação das religiões como um elemento cultural - somente os homens criam culturas e, portanto, religiões – aponta para uma necessidade d
e estabilidade. Cria-se o imaginário para estabilizar o real. A realidade está sedimentada no conflito e no trágico. A imaginação cria atmosferas ideais. É por isso, que a maioria das religiões promete um paraíso, que é a ausência do real, da realidade cortada por eventos contingentes. A religião não aceita aquela propositura de Nietzsche – o dionisíaco e apolíneo, como elementos essenciais da existência. Somos parte de um mundo no qual essas duas possibilidades existem como devir – e isso é o único absoluto.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: segunda-feira, 10 de outubro de 2011, 22:02:46.

sexta-feira, outubro 07, 2011

A genialidade de Fernando Gonsales

Aprendi a admirar o cartunista Fernando Gonsales por causa da criatividade desse artista de nossa terra. Suas tiras são sempre de muito bom gosto e graça. Seus trabalhos têm sido lançados em vários jornais nacionais e em alguns países como, por exemplo, Portugal e a Inglaterra. Dos vários personagens criados por Gonsales, Níquel e Náusea são os mais divertidos. Suas tiras são de um humor nonsense - e, por isso, maravilhosos. Mas é, justamente, em decorrência dessa habilidade, que repousa o valor do trabalho de Fernando Gonsales. Separei, a seguir, algumas tiras interessantes do cartunista.

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