terça-feira, outubro 11, 2011

Religião – por quê? (parte I)

Percebo que os religiosos de nosso tempo enfrentam um dilema: como conciliar os valores antigos numa sociedade que prima pela pluralidade? Pela exigência da igualdade, seja ela ideológica, no nível das satisfações materiais ou sexuais? Essencialmente, a religião é monocromática. Possui um tom, um cacoete, um modo de dialogar, uma visão a qual o religioso julga o mundo. A partir desses óculos, as cores do mundo se adaptam.

O ser humano ao assumir uma religião, recusa-se a ser de fato aquilo que ele é. A religiosidade é um desvio. Um direcionar dos olhos para os silêncios, trevas e mistérios escondidos na bruma da eternidade. Camus disse certa vez que "o homem é a única criatura que se recusa a ser aquilo que de fato ele é". Ou seja, criar uma religião é desvencilhar-se de um medo. As religiões foram criadas por causa de temores ideais. Talvez medo dos elementos naturais – sol, chuva, ventos fortes, fogo; medo de lidar com a morte, com aquilo que surge (?) depois da vida, medo de supostos espíritos malignos. Ou quem sabe, como a expressão de um desejo – a religião lida necessariamente com um desejo. O crente é um depositário de desejos no “colo de sua divindade”. A divindade é uma espécie de banco, que guarda créditos e investimentos.

A afirmação de Camus trata de uma questão fundamental. Diviso dois entendimentos: (1) Ao não levar em conta
a questão crucial acerca da existência humana, poucas foram as pessoas que lidaram essencialmente consigo mesmas. Se a religião nos afasta daquilo que somos em essência, escusado é afirmar que poucas foram as pessoas que aceitaram ser aquilo que são – e viveram bem com isso. (2) Ao não aceitar ser aquilo que é o homem vive a tentar atingir o horizonte. A religião é uma espécie de caminhada rumo ao horizonte. É sempre um amanhã que nos afasta do hoje, do fundamental, do sólido, do histórico. A religião lida com símbolos ausentes. Com promessas que emulam comportamentos, que potencializam gestos autômatos.

A religião é uma espécie de teia invisível. Nela prendemos nossas aspirações. Vestimo-nos de uma linguagem excessivamente simbólica. O objeto a qual é a matéria abstrata é intangível. Domina-nos com mais eficácia aquilo que não vemos. Esse fato me faz lembrar Nietzsche: “O homem é o único ser capaz de criar e se tornar escravo de sua criação”. Assim, homem é o único ser que se deixa dominar passivamente por aquilo que ele mesmo cria.

A religião se instala na alma humana e atende a uma necessidade de segurança. Se o homem tivesse consciência de sua liberdade, de sua solidão em um universo inamistoso, resultado do acaso natural, possivelmente esse fato o levasse ao desespero. Mas a criação das religiões como um elemento cultural - somente os homens criam culturas e, portanto, religiões – aponta para uma necessidade d
e estabilidade. Cria-se o imaginário para estabilizar o real. A realidade está sedimentada no conflito e no trágico. A imaginação cria atmosferas ideais. É por isso, que a maioria das religiões promete um paraíso, que é a ausência do real, da realidade cortada por eventos contingentes. A religião não aceita aquela propositura de Nietzsche – o dionisíaco e apolíneo, como elementos essenciais da existência. Somos parte de um mundo no qual essas duas possibilidades existem como devir – e isso é o único absoluto.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: segunda-feira, 10 de outubro de 2011, 22:02:46.

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