terça-feira, junho 29, 2010

Paranóia, medo e fragilidade

O filme Crash – no limite, conforme foi traduzido no Brasil, é um trabalho produzido no ano de 2005, pelo diretor de origem canadense Paul Haggis. Ganhou o Oscar de melhor filme, edição e roteiro original do ano de 2006 e mais 6 prêmios internacionais, incluindo o Globo de Ouro (EUA) e o Bafta (Inglaterra). Até aí tudo bem! Afinal de contas até mesmo o filme Titanic (1997) ganhou 11 estatuetas do Oscar. Refiro-me aparentemente com negatividade ao filme de James Cameron, pois o longa é demasiado dramático, cheio de vôos sentimentais. A música da Celine Dion é sofrível (My Heart Will Go On).

Já a película de 2005, é em dimensão, muito mais inteligente do que Titanic. Crash é um filme para pensar, meditar, refletir; já por vez, no filme Titanic, a estratégia é fazer sentir, por isso o enorme sucesso de bilheteria. Fazer sentir é a melhor arma a favor do marketing. Quem quer vender, ser bem sucedido, deve acariciar as emoções do público. O produto pode não ser bom, mas se fala às emoções, as portas da conquista são abertas com maior facilidade.

Os personagens do filme de Paul Haggis são pessoas independentes. Há como que uma formação de astros separados orbitando em torno do mesmo eixo gravitacional. Diria que se trata de um fluxo não-linear de narrativa muito bem montada. Os personagens inicialmente parecem não ter nenhuma ligação uns com os outros. Mas de forma (casual?) cruzam-se num espaço de 36 horas e isso acaba modificando a existência de cada um deles. “U
ma histérica dona de casa (Sandra Bullock) e seu marido promotor público (Brandan Fraser); de um casal de detetives (Don Cheadle e Jennifer Esposito); de um diretor de televisão (Terrance Howard) e sua esposa (Thandie Newton); de um chaveiro mexicano (Michael Pena); de um comerciante persa (Shaun Toub); de dois ladrões negros (Larenz Tate e Chris Bridges); e de um policial novato (Ryan Phillippe) e outro racista (Matt Dillon)”. O filme se passa na cidade de Los Angeles, com direito a foto do prefeito da Califórnia Arnold Schwarzenegger e tudo mais. E mostra o drama do cotidiano numa grande cidade de forma realista. O caos fragmentário dos relacionamentos é explorado e exatifica a vida nos grandes centros.

O termo crash em inglês significa “barulho”, “estrondo”; “impacto”, “colisão”, “queda estrepitosa”; “despedaçar-se”. O filme não pode ser assistido uma única vez. Deve ser visto muitas vezes para que se possa captar as nuances, os detalhes ocultos. Logo no início há uma espécie de monólogo, um insignt, uma reflexão melancólica do detetive Graham:
'Em Los Angeles, ninguém toca um ao outro. Há sempre vidraças que separam as pessoas. Deve ser por isso que elas sempre se esbarram nas ruas. É o sentido do toque''. Ou seja, é nesse aspecto que o filme caminha. Busca retratar o turco, o policial racista, o migrante mexicano, o promotor, a dona de casa, o chinês, os ladrões, o trabalhador honesto e pai de família, o policial novo e cheio de humanismo como figuras de um mosaico complexo. Um quebra-cabeças no qual as peças não desejam se juntar (mas formam o tecido social), pois estão crivados pela intolerância, pela falta de amabilidade. Todos têm medo um do outro. O outro em sua literalidade é o inferno, como dizia Sartre.

O preconceito e a esperteza, a paranóia, o medo, a arrogância, o desrespeito são capas que escondem os aspectos profundos da fragilidade que habita as grandes cidades. Os homens não se tocam. Vêem o outro como potenciais inimigos. A solidariedade se ausentou e a solidão acampou nos corações. É como mostra a personagem de Sandra Bullock que ao caminhar na rua com o seu marido (Brandan Fraser), ao enxergar dois negros, arma no coração um desejo de segurança. Os negros, por sua vez, conscientemente sabem que há um comportamento defensivo da parte dela. Nessa cena percebe-se uma espécie de inamistosidade recíproca. Ela, branca, classe média alta; eles, negros, dos bairros pobres, dos guetos, parecem ter em suas identidades sociais um determinismo que os configura pela cor que possuem. Isso não é fruto apenas da paranóia dos americanos. É resultado de uma programação mental que habita as mentalidades, que julga e sentencia o outro pela cor, nível social, roupa que veste ou carro que possui.


O filme quer deixar a pergunta para que todos reflitam: até que ponto você se conhece? Até que ponto nos conhecemos? Esta pergunta é séria, pois ninguém está de certa forma imune aos incidentes que são derivados do medo; o medo que remete à paranóia; a paranóia que fragiliza as expectativas que temos sobre o outro. O gesto imprevidente que nos prepara para o contragolpe, invade-nos a cada vez que saímos à rua. Isso fica evidente na carona que o policial novato oferece a um dos dois negros. De certa forma, o policial julga-se indignado com o comportamento racista do policial (Matt Dillon) mais antigo que age movido pelo preconceito e pelo poder que o Estado confere a ele. É a arbitrariedade do homem que representa os interesses coletivos, a segurança pública. Abusa, molesta a esposa do negro parado sem necessidade, numa abordagem estúpida. O policial novo enche sua alma de certeza em favor da benevolência, quando aplaca uma revista, um incidente que possivelmente levaria a uma peça mal sucedida entre o diretor de televisão, antes abordado com injustiça e leviandade.

Ter conseguido aplacar a hostilidade entre outros dois policiais e o negro parece lhe encher de convicções humanitárias. Sua alma é aparentemente habitada por sentimentos nobres. Mas até que ponto o ser humano se conhece? Oferece carona e quando menos percebe mata um negro num gesto quase que autômato. Nisso fica patente dois fatos: (1) que todos os indivíduos vivendo em sociedade estão prontos para a disputa, para o triunfo contra o outro; que o outro não pode prevalecer contra mim. Afinal, numa guerra vence aquele que for mais ágil, mais rápido, mais esperto, mais perspicaz. (2) Mesmo imbuídos de convicções arraigadas ninguém é suficientemente bom. Num momento ou outro ficam claras as animosidades escondidas nos locais mais tenebrosos da alma. Essa abordagem quase que psicanalítica remete a um tipo de entendimento de que os homens por viverem diariamente num espaço habitado por medos e reveses alimentam em seus inconscientes gestos mecânicos de morte, de racismo, de incivilidade. Por mais que o indivíduo se sinta nobre, essa consciência é dispersada num momento inesperado, casos extremos se mostram em sua agudeza.


O preconceito, o individualismo, a hipocrisia e o auto-engano são realidades presentes em qualquer cidade grande. Nesse quesito, podemos afirmar que o filme apesar de retratar o drama de uma cidade americana e abordar apenas o microcosmo da vida daqueles personagens contigentes, em sua essência é universalista. Os homens são cada mais vulneráveis em todos os locais do mundo. O niilismo criado pela própria civilização adoeceu os homens. No fundo, como é mostrado nas cenas finais, todos possuem necessidades – querem ser amados, respeitados, acolhidos. A vida nos grandes centros prepara para a guerra, mas priva do preenchimento das necessidades existenciais. Restam apenas paranóia, medo, intolerância e o quebranto frágil.


Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

Data: sexta-feira, 1 de agosto de 2008, 11:56:14.

quarta-feira, junho 23, 2010

Mais Saramago: "Saramago ou simplesmente José".

A morte não foi intermitente com José Saramago. Ela, a indesejada das gentes, que em um dos romances do escritor decidiu parar de agir, resolveu agora nos levar o gênio. Como ele mesmo escreveu uma vez, “somos uma pequena e trémula chama que a cada instante ameaça apagar-se”. A chama, ou o lança-chamas, apagou-se. Já disseram que o mundo ficou mais burro nesta sexta-feira. A cegueira vai continuar, a lucidez vai diminuir, vamos continuar presos na caverna.

As mentes pequenas, que não aceitavam um contestador como Saramago, hoje se regozijam. Livraram-se do incômodo. Será? Creio que não. Seus livros estão aí, cada vez mais se multiplicando, como a cegueira do seu romance adaptado para o cinema. Continuarão chegando a todos os continentes, tal qual a jangada de pedra que se desprendeu do continente europeu. Ele continuará incomodando por muito tempo ainda.

Saramago, um “ser amargo” para alguns, que não esquecerão O evangelho segundo Jesus Cristo, censurado pela Igreja Católica e pelo governo português, por mexer com um mito inatacável. “Ser amargo” para os acreditam em um deus bondoso, na verdade um deus sanguinário, desmascarado no mais recente livro, Caim. “Ser amargo” para quem não sai de um shopping center, uma caverna platônica dos tempos modernos. “Ser amargo” é dizer um não para a história oficial. “Ser amargo” para os burocratas, “ser amargo” para os políticos, “ser amargo” para a Igreja, religiões, padres, pastores. “Ser amargo” para os capitalistas e para os banqueiros.

Mas “ser amargo” não é um defeito. Um ser doce não vê nossas idiossincrasias, não põe o dedo na ferida, aceita que tudo aconteça sem contestar e deixa os poderosos se perpetuarem. Um “ser amargo” nos deixa de olhos bem abertos, rói a cadeira do rei até ela quebrar.

Ser amargo, sal amargo, Saramago. Ou simplesmente José. Que seus livros continuem jogando pimenta nos nossos olhos e nos guiando para sair da escuridão dessa caverna chamada mundo.

Por Cassionei Niches Petry

Extraído DAQUI

segunda-feira, junho 21, 2010

Morre o escritor e comunista português José Saramago

Na manhã deste 18 de junho, faleceu em sua residência, aos 87 anos, o escritor e comunista português José Saramago. Ele vivia, desde 1993, com sua esposa e tradutora Pilar del Río na ilha de Lanzarote, arquipélago das Canárias, Espanha. Saramago lutava há anos contra leucemia crônica e veio a óbito por falência múltipla dos órgãos. Filho e neto de camponeses sem terra, iletrados, José Saramago nasceu na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo, no dia 16 de novembro de 1922. Seus pais emigraram para Lisboa quando ele ainda tinha dois anos de idade. Passou a maior parte de sua vida na capital portuguesa. Fez estudos secundários, mas, por dificuldades econômicas, não pôde concluí-los. Seu primeiro emprego foi como serralheiro mecânico, tendo exercido depois diversas outras profissões: desenhista, funcionário da saúde e da previdência social, tradutor, editor, jornalista.

Publicou o seu primeiro livro, o romance Terra do Pecado, em 1947, ficando até 1966 sem publicar. Em 1969, filia-se ao Partido Comunista Português (PCP) e enfrentou a repressão do regime fascista de Antônio Salazar. Pertenceu à primeira direção da Associação Portuguesa de Escritores e foi, de 1985 a 1994, presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Autores.

Vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 1998 e de um prêmio Camões, a mais importante condecoração da língua portuguesa, o autor é considerado o criador de um dos universos literários mais pessoais e sólidos do século 20.De volta à prosa, seu estilo característico começa a ser definido em Levantado do Chão (1980) e em Memorial do Convento (1982). Em 1991, lança sua obra mais polêmica, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, a qual foi considerada uma afronte pela Igreja Católica de Portugal e o levou a deixar o país pouco tempo depois. Seu último romance editado foi Caim, publicado em 2009.

O escritor e crítico literário Hildeberto Barbosa Filho considera que as literaturas portuguesas perdem sua referência com a morte de Saramago. “Além de um grande escritor no campo da narrativa ficcional, Saramago foi o primeiro de língua portuguesa a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, dando a ela um caráter mais universal e sintetizando-a historicamente”. Entre os romances de Saramago, Hildeberto aponta O Ano da Morte de Ricardo Reis como o melhor. “É nesta obra que ele revela um olhar crítico sobre a ditadura de Salazar e a história do escritor Fernando Pessoa. Também faz uma profunda reflexão sobre o papel da arte e da estética na história”.

Extraído DAQUI

terça-feira, junho 15, 2010

A face oculta do futebol

A TV Brasil e a TV Câmara mostraram alguns aspectos da face do futebol que é ocultada pela TV comercial. Sócrates, o capitão da seleção brasileira de 1982 e o jornalista José Cruz, levantaram algumas pontas do véu que cobre, não apenas o futebol, mas grande parte de toda a estrutura esportiva existente no Brasil.

Está no ar o maior espetáculo de televisão. Em audiência nada bate a Copa do Mundo. Na Alemanha, em 2006, os 64 jogos foram vistos por 26 bilhões de telespectadores, número que neste ano pode alcançar os 30 bilhões.

São 60 bilhões de olhos vendidos pela FIFA para as emissoras de TV comercializarem com os seus anunciantes. As cifras envolvidas em dinheiro são estratosféricas. Ganham a Federação internacional, as empresas de televisão e os anunciantes reforçando marcas e alavancando a venda de produtos e serviços.

Um ciclo perfeito, onde nada pode ser criticado. Normalmente, a TV no Brasil não critica os jogos transmitidos já que, dentro da lógica empresarial, seria um contrasenso mostrar defeitos do próprio produto. E o futebol, para a TV, nada mais é do que um dos seus produtos, assim como as novelas e os programas de auditório.

Dessa forma se todos ganham e não há criticas, o grande espetáculo do futebol, em sua dimensão máxima que é a Copa do Mundo, chegaria as raias da perfeição. Pelo menos é que mostra a TV.

Mas, e ainda bem que há um mas nessa história, a TV Brasil e a TV Câmara mostraram no programa VerTV alguns aspectos da face do futebol que é ocultada pela TV comercial. Sócrates, o capitão da seleção brasileira de 1982 e o jornalista José Cruz, levantaram algumas pontas do véu que cobre, não apenas o futebol, mas grande parte de toda a estrutura esportiva existente no Brasil.

Para começar não é verdade que todos ganham. Há quem perca, e são muitos. Por exemplo, os jovens que por força da TV associam desde cedo o sucesso esportivo com o consumo de cerveja. Ou desprezam o estudo, uma vez que seus ídolos não precisaram dele para alcançar a glória e a fama.

No programa, Sócrates foi enfático: “A TV vende o sonho do consumo. Vende atitude, aparência, comportamento, moda. Mas, é incapaz de vender educação. E vender esporte sem educação é um crime. Mostram ídolos do futebol que não estudam e são um péssimo exemplo para a sociedade. E não por culpa deles apenas. O sistema estimula que saiam da escola”.

Afirmação que desperta uma curiosidade. A mídia revela diariamente minúcias da vida dos jogadores. Onde vivem, que carros possuem, como são suas casas e suas famílias. Só não dizem até que ano estudaram, em quais escolas, como eram enquanto alunos. Por que será? Sócrates responde: “a ignorância dos jogadores é estimulada pelo sistema. A ele não interessam profissionais com possibilidade de critica”.

O jornalista José Cruz mostra outras perdas. De toda a sociedade. Por exemplo, com a irresponsabilidade dos dirigentes esportivos nos clubes, federações e confederações. Embora privadas, essas entidades recebem dinheiro público e, por isso, deveriam prestar contas publicamente. “As loterias esportivas repassam dinheiro para o futebol. A Timemania está hoje tapando o buraco das dívidas fiscais dos clubes produzidas por dirigentes irresponsáveis”.

E mostra outras perdas sociais. A do dinheiro público desperdiçado, por exemplo, nos Jogos Panamericanos do Rio, em 2007. Dá dois exemplos retirados do relatório do Tribunal de Contas da União: “a compra de 5 mil tochas para serem acesas no evento, das quais só chegaram 500 e, ainda assim apenas 380 foram aproveitadas e a descoberta, depois dos Jogos, pelos auditores do TCU, de 880 caixas contendo aparelhos de ar condicionado que sequer foram abertas. E tudo isso segue impune”.

Tanto Sócrates, como José Cruz, alertam para o fato da seleção nacional e dos seus jogos serem eventos públicos que, no entanto, estão totalmente privatizados. “A seleção brasileira – que usa as cores, o hino e a bandeira do nosso pais – deveria ter parte de suas receitas revertidas para o futebol brasileiro, muito pobre em várias regiões do Brasil”, diz o jornalista.

Sócrates lamenta o volume de recursos jogados fora pela falta de uma política esportiva de Estado. Para ele “o esporte deveria ser um braço da saúde e da educação. Se não ele fica solto” e aponta a deficiência dos cursos de Educação Física: “não há um que trate o esporte com viés comunitário. É tudo individualista”.

E há mais. Quem quiser saber basta entrar no site da TV Câmara, clicar em “conhecer os programas” e depois no VerTV. Lá revela-se um pouco do que a TV comercial teima em ocultar.

Carta Maior - terça-Feira, 15 de Junho de 2010

Por Laurindo Lalo Leal Filho

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

Extraído DAQUI

sexta-feira, junho 11, 2010

Qual África a televisão mostrará

Hoje pela manhã ao assistir ao noticiário, ouvi uma frase de uma apresentadora global que me chamou atenção pela carga ideológica. Referindo-se aos eventos festivos dos sul-africanos para a abertura da Copa do Mundo, que tem início no dia de hoje, ela afirmou: “É uma celebração semelhante ao nosso carnaval”. Essa verbalização da jornalista, fez-me lembrar de uma sentença de Roberto DaMata escrita no seu livro Carnavais, Malandros e Heróis – para uma sociologia do dilema brasileiro[1]: “O carnaval está, portanto, junto daquelas instituições perpétuas que nos permitem sentir (mais do que abstratamente conceber) nossa própria continuidade como grupo. Tal como ocorre com um jogo da seleção brasileira, em que vemos, sentimos, gritamos e falamos com o Brasil no imenso ardil reificador que é jogo de futebol” [grifo do autor]. Segundo DaMata esse fato se constitui num “ritual”, sendo que os rituais nos “permite tomar consciência de certas cristalizações sociais mais profundas que a própria sociedade deseja situar como parte dos seus ideais “eternos””.

Pensando nesse fato ouço com certa desconfiança o discurso midiático, sempre disposto a enredar os menos atentos. Em tempos de Copa do Mundo há uma abertura para a irreflexão e para a tolerância exacerbada. O Brasil veste-se de um nacionalismo piegas, manco e anêmico. A Copa gera um senso de pertencimento nacional. É um fenômeno unicizante que somente conseguimos constatar de quatro em quatro anos. Nem mesmo em tempos de eleições, criam-se tantas expectativas. Quando presenciamos um evento que não gera privilégios políticos ou educativos ganhar tamanho alarde, é preciso que desconfiemos. Quem lucrará com a Copa do Mundo? As grandes empresas de comunicação, que aumentarão o preço de suas imagens; as multinacionais que patrocinam os times de futebol e por aí se vai a lógica do lucro.

A África é um dos continentes mais esquecidos do mundo. É o continente no qual os seus países conseguiram suas “independências” político-administrativas no século passado. Ou seja, enquanto a maioria dos países americanos conseguiu emancipação do domínio europeu nos séculos XVII e XVIII, os países africanos em pleno século XX, ainda estavam submetidos às metrópoles espoliadoras, Europa e aos Estados Unidos.

O continente africano sempre serviu de nicho para exploração. Durante mais de 300 anos, os negros africanos eram trazidos para o Novo Mundo para trabalharem como bichos e morrerem aos trinta anos – quando isso se dava com exceção. Ao colonizarem o continente, no qual a ciência acredita que é de onde se brotou a vida, os europeus e americanos, não respeitaram os marcos milenares estabelecidos pelas tribos que já habitavam a terra. O interesse era simplesmente fatiar o imenso continente de, aproximadamente, 44 milhões de metros quadros (equivalente a seis vezes o tamanho do Brasil), entre os vários países para explorar. Com isso não respeitou-se as demarcações já estabelecidas pelos vários povos e etnias. De modo que hoje, no continente africano, há um número horripilante de conflitos, de guerras sangrentas, doenças, infanticídio, exploração infame, fome generalizante e miséria em todos os níveis. Estima-se que aproximadamente vinte e cinco por cento dos habitantes do continente sejam portadores do vírus HIV (AIDS).

A mídia não está preocupada em mostrar as mazelas do continente. Deseja acima de tudo vender imagens, pois é isso que favorece o lucro. Quando alguém vende algo se preocupa em passar a melhor das imagens. Um comerciante ao vender uma mercadoria não coloca à mostra aquilo que está quebrado ou transmitindo um aspecto desagradável. Pelo contrário, lava, escova, lustra, para que chame a atenção. Assim se dá com as imagens que são vendidas. Como pude observar numa propaganda da Coca-Cola. Mostrava uma criança pobre, descalça, jogando futebol. Ao fundo aparecia uma montanha de lixo ao mesmo tempo em que essa criança fazia acrobacia e bebia Coca-Cola. A cena endeusava, deificava, transformava a pobreza em algo sofisticado e tolerado. Gerava um encantamento, uma suavização para que os olhos vissem e ficassem fascinados com aquela cena de um menino pobre que se refestelava jogando futebol e bebendo um líquido negro capaz de trascendentizá-lo. Tirá-lo da miséria. Abafar o porquê de está ali no meio do lixo. Essa é a intenção. Misturar as misérias africanas ao futebol e fazer com que aquele que assiste às imagens maquiadas esqueça as penúrias do continente.

Os privilégios serão mínimos para acabar com as desigualdades do continente. Os verdadeiros “vencedores” serão as grandes empresas que vendem imagens e artigos esportivos. A liberdade existente na África, principalmente, propalada de que é real na África Sul, é liberdade unicamente para consumir. A televisão mostrará a África das propagandas de marketing e esquecerá a outra que agoniza e chora.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: sexta-feira, 11 de junho de 2010, 10:48:27 AM

[1] DAMATA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis – para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Rocco. 1997. 350p.

segunda-feira, junho 07, 2010

Jesus falava palavrão

“Os publicanos e as prostitutas vos precederão no reino de Deus.” (Mt, 21, 31) Quem pode garantir que Jesus não disse putas em vez da palavra consagrada pelas traduções correntes, tipicamente afetadas pelo moralismo da ideologia em que acabou (aqui, no sentido que você quiser) o cristianismo?Justificar

Na Rede Vida passa uma “missa da cura” em que o tal frei Rinaldo nitidamente imita um locutor de rádio, e dos mais enjoados, tipo quase narrador de rodeio. É ajudado por outro frade que nitidamente puxa seu saco, enquanto ele se faz de humilde apontando para uma cruz, como que dizendo: “Não sou eu quem faz tudo isso, é Jesus”. A platéia está cheia de gente que bate palmas, canta e faz as caretas supostas como adequadas ao momento. Um cantor horrivelmente desafinado puxa canções da liturgia dos anos 1970 agora transformadas em roquinhos ou numa pasta sonora aparentada com o dito “axé”.

A triste constatação é que a Igreja Católica, responsável por boa parte do que chamamos cultura ocidental, rendeu-se ao inimigo. Descaradamente, agora, imita os evangélicos que lhe tomam cada dia mais fiéis. Ao contrário da época da Contra-Reforma, quando os papas ainda dispunham de grande força política e até militar, hoje a Santa Sé tem consciência de quão inerme está frente à marcha da História. Mas isso não a leva à conclusão que seria a mais lógica, ou seja, à idéia de que o catolicismo é inapelavelmente medieval e, como um peixe que não pode respirar fora de seu elemento, só conseguiria sobreviver se:

a) pudesse novamente levar à fogueira todos os hereges, caso em que o virtual churrasco que vos escreve não seria louco de redigir este artigo;

b) coerentemente se refugiasse num radicalismo que excluiria os fiéis (só sobrariam os verdadeiros) do mundo moderno – uma volta às catacumbas, enfim.

Ah, não podemos esquecer: na plateia de frei Rinaldo estão vários prefeitos e vereadores, aos quais ele agradece calorosamente a ajuda a sua obra missionária. Católicos antigos, talvez algo incomodados com a conspícua manipulação política de sua fé, mesmo assim não chegam a suspeitar que o dito frei talvez logo saia candidato a deputado, integrando um movimento encabeçado por Gabriel Chalita (leia-se, Opus Dei), o gênio da “pedagogia do amor”, fiel escudeiro de Geraldo Alckmin (leia-se, Opus Dei) no incansável trabalho dos Inimigos da Escola (leia-se, PSDB) para esculhambar ainda mais a educação paulista. Tudo isso num Estado que se pretende a vanguarda intelectual do Brasil.

Mas direis: tresloucado amigo, onde entra Jesus nessa história?

É que Jesus, como todo produto ideológico, presta-se a qualquer objetivo de quem estiver mais aparelhado para usar os meios de informação. Ou contra-informação. Ou mistificação. Da mensagem original do profeta galileu, não nos chegam mais que boatos, assim como da Bíblia inteira, um conjunto de livros baldeado ao longo de vários idiomas e vertido às línguas modernas conforme os interesses dos tradutores e de seus patrões. Assim é que as igrejas evangélicas preferem a versão de João Ferreira de Almeida, mais próxima da pobreza estética que são seus próprios cultos, com um vocabulário nivelado onde mulher é sempre “esposa” e doença é sempre “enfermidade”.

Por que essas igrejas (incluindo as neopentecostais, muitas das quais voltadas para o comércio puro e simples) tomam cada dia mais fiéis do catolicismo? Ora, porque souberam fazer sua opção mais cedo. Enquanto os católicos (por serem outrora mais profundos do ponto de vista filosófico) não se decidiam entre negar o mundo moderno e submeter-se a ele, faz tempo que o protestantismo em geral – as exceções são justamente as igrejas mais parecidas ao laxismo católico – resolveu de que lado está. Do lado de Jesus, claro. Mas de qual Jesus? O adocicado cordeirinho que aparece no evangelho de João ou o iracundo profeta retratado por Mateus? Os fatos históricos depõem a favor do segundo, pois o profeta galileu foi julgado como criminoso político, subversivo muito mais perigoso que Barrabás, este um simples meliante.

Os evangélicos e carismáticos em geral preferem o primeiro Jesus. O segundo se parece muito, por exemplo, com a antiga esquerda, e a bancada evangélica sempre foi uma das mais retrógradas e assiduamente venais do Congresso. De qualquer modo, em algumas igrejas desse naipe Jesus não passa de um nome na fachada, pois o filho de Maria não tem qualquer prestígio, sendo significativamente mais badalados Javé e a multidão de seus porta-vozes veterotestamentários, ou mesmo Paulo de Tarso, aquele espião do Império Romano que acabou sendo o primeiro publicitário.

Para não desviar o assunto: há igrejas que pastoreiam seus fiéis como se ainda estivéssemos na Idade Média. Fazem uma interpretação literal de sua tradução empobrecida do Antigo Testamento, o que as leva proibir as mulheres de depilar as pernas e todos os crentes de ver televisão (o que, aliás, nem é tão mau…) Outras obtiveram o aggiornamento, embora não aquele tentado pela igreja de Roma com João XXIII e Paulo VI: foram capazes de (ou descaradas o suficiente para) abraçar o espírito do tempo e assumir-se como supermercados espirituais onde se pode praticar uma religiosidade à la carte.

Independentemente das diferenças, a maioria delas fala a mesma língua quando se trata de desqualificar o catolicismo. Este, emparedado por sua própria incapacidade de optar – afinal, ainda tem interesses genuinamente espirituais –, ficou ao longo do papado de João Paulo II, o que nunca morria, convencendo-se de que precisava defenestrar sua inteligência e privilegiar os “simples”. Se a estes está reservado o reino de Deus, fica a vontade de perguntar: em tal reino caberiam os nada bobos Edir Macedo e Marcelo Rossi?

O reino de Deus, ao que parece, fica muito longe. Na vida concreta dos indivíduos, o que conta é o triste fato de sermos matéria fadada à decomposição. “Monstro de escuridão e rutilância”, como disse o poeta, podemos às vezes fazer de nossa precariedade algo de bom. E por isso existiram e existem pessoas que bem mereceriam ser chamadas de santos, gênios ou heróis. Em todas as épocas e em todos os países. Elas às vezes interferiram na vida coletiva e ajudaram a reduzir o sofrimento e a falta de sentido que caracterizam a existência dos degredados filhos de Eva.

O reino das mercadorias e dos interesses em jogo é que de fato importa. Do contrário, os religiosos passariam a maioria das horas de sua semana orando, e não comprando e vendendo suas posses (sendo o corpo a primeira delas, e quase sempre a única). Uma semana tem 168 horas, das quais dificilmente o fiel, por mais fanático que seja, passa mais do que umas vinte envolvido com práticas religiosas.

Nesse reino tão terrestre, é cada vez mais evidente o crescimento do número de fanáticos, agora também dentro do catolicismo. É preocupante a hipótese de que eles um dia se tornem a maioria dos consumidores e eleitores do Brasil e, apesar das divergências entre a cornucópia de denominações, todas devidamente portadoras exclusivas da Verdade, o cristianismo evangélico-pentecostal acabe por impor-se como padrão ideológico dominante. Sendo mais claro, alguém já imaginou o país do futuro como uma teocracia? Melhor seria ter Sílvio Santos e Faustão de aiatolás.

Até poucos anos atrás, era bastante rara a frequência de alunos evangélicos em cursos superiores e até mesmo em colégios. A proporção dessas denominações religiosas era insignificante na população brasileira. Os católicos de medievalismo assumido, por sua vez, eram até mais raros: tendo como única obrigação assistir a uma missa de 40 minutos por semana, decididamente poucos levavam a sério sua fé a ponto de por ela expor-se ao ridículo.

Ultimamente, tem sido muito comum a presença tanto de evangélicos como de membros da Renovação Carismática em sala de aula. Muitos deles se comportam como estudantes normais, no máximo deixando – no caso das pentecostais – notar sua condição por meio da vestimenta. Mas há os que pensam ter o direito de impor suas convicções religiosas à coletividade, incorporando um profetismo descabido em relação à natureza laica da instituição escolar. Existe por aí professor que já foi acusado de maníaco sexual porque sua disciplina (História) torna inevitável falar de sexo e religião; e aquele que, lecionando literatura, foi alvo de reclamação por falar palavrões em classe quando apenas lia poemas de Gregório de Matos ou Bocage. Eu mesmo já tive que me explicar a um diretor de escola por “difamar Nossa Senhora”, seja lá o que isso for.

Há pessoas cujas convicções lhes tornam intolerável qualquer menção a assuntos incômodos. Não importa se tais assuntos são parte da natureza humana. É-lhes necessário proteger a própria fé, já que ela é muito frágil. Freud esclareceu há muito tempo, num livrinho intitulado O futuro de uma ilusão, como a recusa do real leva muitas pessoas a criar mitos para ajustar o mundo ao que querem que ele seja. Quanto aos que de fato creem, os “absurdos” lingüísticos e conceituais lhes entram por um ouvido e pelo outro saem. Sua fé não necessita de proteção.

Aquela mentalidade neo-inquisitorial ainda se acha, o mais das vezes, encriptada no que Oscar Wilde talvez chamasse “o cristianismo que tem vergonha de dizer o próprio nome”. Mas, à medida que o fanatismo ganha visibilidade, mais e mais adeptos criam coragem para arvorar-se em policiais da linguagem. O engraçado é que isso ocorre na escola, cuja capacidade formadora encolhe a cada dia de maneira acabrunhante, frente ao poder que a indústria cultural tem de formatar mentes. Nas emissoras de rádio e TV, nos jornais e revistas e na Internet se veicula um volume crescente de pornografia e idiotice. Ninguém mais pode segurar isso, e a razão é simples: dá muito lucro. Eis o preço que pagamos pela separação entre religião e Estado, que fez rolar tantas cabeças na Revolução Francesa. Todo esse sangue derramado é um patrimônio da espécie humana, ou deveria ser assim considerado pelas pessoas civilizadas. No Islã, a história continua se repetindo como farsa.

Corta para os arredores de Cafarnaum, há quase dois milênios. Jesus, ao que parece, tinha um xodó com essa cidadezinha. Não deviam existir lá uns inferninhos maneiros. Tampouco em Jerusalém, pois ainda no final do século XIX o protagonista da novela A relíquia, de Eça de Queirós, reclamava da escassa oferta de sexo na Palestina: “Caramba, eu vim aos lugares santos para me refocilar!”. Mas certamente lá em Cafarnaum havia meretrizes arrumadinhas, ainda que nem tanto como a Maria Madalena do filme A última tentação de Cristo, por sinal uma das obras mais profundamente cristãs que já foram produzidas – e cuja exibição no Brasil a Igreja tentou proibir.

Os evangelhos deixam claro que Jesus andava com certa frequência na companhia de ladrões e prostitutas. Em episódios bastante significativos, absolveu dos pecados um exemplar de cada categoria. Os evangelhos também deixam claro que Jesus não odiava nada mais do que a hipocrisia. Nem com Satanás ele foi tão severo como com os hipócritas.

Agora, imagine Jesus expulsando os mercadores do templo. Ele ficou puto da vida, não? Nenhuma expressão seria hoje, em português brasileiro, mais adequada para descrever o acesso de fúria do galileu. Por que deveríamos hipocritamente supor que ele mediria as palavras naquela ocasião? Ele era um homem do povo, certamente usava vocabulário popular. E a língua do povo sempre teve, em todos os tempos e lugares, palavras chulas que acabaram transitando para o vocabulário do dia-a-dia a ponto de perder sua conotação ofensiva.

Uma crônica de Luís Fernando Veríssimo lembra como o palavrão é insubstituível em alguns casos. Por exemplo, como explicar para uma pessoa simples o tamanho do universo, medido em bilhões de anos-luz? Será que mesmo a maioria de nossos estudantes universitários é capaz de conceber tais dimensões? Mas quando se diz que o universo é “grande pra caralho”, o que se perde em precisão se ganha em concretude.

Jesus não só freqüentava os marginais, mas também acusava os membros da classe alta de praticarem todos os matizes no arco-íris da hipocrisia. Sepulcros caiados, filhos de uma geração adúltera (filhos da puta?). Quem é cristão e tem consciência deve sentir-se mais ofendido ao ser chamado de sepulcro caiado do que de corno ou bicha. Ou, então, não compreendeu nada sobre aquele Jesus que os judeus penduraram no madeiro.

Se o filho de Maria andava com os marginais, é certo que falava a linguagem deles. Tente entrar numa favela falando classemediês. Todo mundo sabe que ninguém entra nesse tipo de comunidade usando língua de gente “normal”. Os marginais desconfiam, e com razão, de quem não se parece com eles. E qual é a classe social que mais fala palavrão? Fica difícil imaginar que Jesus discursasse tão cultamente como apresentam os evangelhos – de resto, vertidos do grego para o latim e transformados em obra-prima da literatura universal por São Jerônimo (que por sinal terá feito suas adequações ao texto original) e posteriormente do latim para as línguas vernáculas, graças à campanha de Lutero, mesmo tendo sido este, ao que tudo indica, um péssimo caráter.

Quando um autodenominado cristão se arvora em policial da linguagem, passa por cima de alguns problemas importantes. Primeiro, quem na verdade pode dizer-se cristão, se é impossível conhecer a doutrina de Cristo em sua origem? O que temos é uma versão da versão da versão, sendo a própria Bíblia um amontoado de livros dispares e contraditórios que resulta de complicadas negociações dentro da Igreja num determinado momento de sua história, e não da iluminação dos bispos pelo Espírito Santo. Se deixassem a decisão aos dois últimos papas, a Bíblia (no grego, plural de “biblion”: “livros”) talvez fosse expurgada de episódios pouquíssimo edificantes como a sedução de Ló por suas filhas e os comportamentos desprezíveis de Judite e do rei Davi.

(Cá entre nós, se me encarregassem da nova edição, eu tiraria dois itens: primeiro, o livro de Jó, pois nele Javé aparece como um papudo insuportável, altamente necessitado de auto-afirmação, e isso não fica bem para uma divindade; segundo, aquela tentativa de assassinato de Isac por Abraão, péssimo exemplo para os pais. Aquilo era um povinho bárbaro, ignorante e paranóico. Soa bastante irônico que hoje Israel seja o país com a maior proporção de ateus em sua população; confiam mais em seu poderio bélico financiado pelos Estados Unidos que no Deus dos Exércitos.)

Segundo, como podem garantir que passarão a vida toda prometendo o que não podem cumprir? Porque o programa moral do cristianismo, mostra-o todo o conhecimento que adquirimos da natureza humana nos últimos séculos, não se reduz a uma educação dos instintos, mas é uma negação completa do que de fato somos, quase-macacos cuja barbárie é apenas contida (e nem sempre) pelo verniz civilizatório.

Terceiro, sua visão de mundo será realmente cristã? Ou seria mais cristão preocupar-se com o sofrimento do próximo, com a injustiça social, com o açambarcamento do poder político, econômico e cultural pelos sacripantas mais abjetos, os quais sempre aparecem ao povo como exemplos de sucesso na vida? Não estava brincando o profeta galileu quando disse que primeiro vão entrar no Céu os cobradores de impostos (ladrões, corruptos) e as putas. De fato, eles costumam ser mais sinceros que os pregadores moralistas. Destes, tenhamos principalmente piedade, pois deve ser muito doloroso passar a vinda fingindo ser o que não se é.

Por Eloésio Paulo - professor da Universidade Federal de Alfenas (MG) e autor do livro Os 10 pecados de Paulo Coelho (Editora Horizonte).

Extraído da Revista Espaço Acadêmico - AQUI

quinta-feira, junho 03, 2010

Consolo na Praia, por Carlos Drummond de Andrade

Ah! Drummond, como você é exato, preciso, absurdamente frio, com técnica de perito para narrar a linguagem da alma. Suas palavras são como uma lamparina a iluminar a nudez do coração achacado pelas pisaduras da vida. Existir é um fenômeno repleto de reveses. Na travessia, choro e lágrimas serão a matéria que molharão os passos na caminhada. Enquanto existir fôlego, existirá vida; enquanto existir vida, haverá perspectivas, alento, possibilidades. Quando a vida cessa, extingue-se a possibilidade de realizações, do preenchimento existencial. Enquanto os olhos não fecharem, enquanto a noite plena não se fizer, vivamos.

Consolo na praia

Vamos, não chores..
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

Carlos Drummond de Andrade

Análise do poema AQUI

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: 03 de junho de 2010, 09:44:51