sexta-feira, junho 11, 2010

Qual África a televisão mostrará

Hoje pela manhã ao assistir ao noticiário, ouvi uma frase de uma apresentadora global que me chamou atenção pela carga ideológica. Referindo-se aos eventos festivos dos sul-africanos para a abertura da Copa do Mundo, que tem início no dia de hoje, ela afirmou: “É uma celebração semelhante ao nosso carnaval”. Essa verbalização da jornalista, fez-me lembrar de uma sentença de Roberto DaMata escrita no seu livro Carnavais, Malandros e Heróis – para uma sociologia do dilema brasileiro[1]: “O carnaval está, portanto, junto daquelas instituições perpétuas que nos permitem sentir (mais do que abstratamente conceber) nossa própria continuidade como grupo. Tal como ocorre com um jogo da seleção brasileira, em que vemos, sentimos, gritamos e falamos com o Brasil no imenso ardil reificador que é jogo de futebol” [grifo do autor]. Segundo DaMata esse fato se constitui num “ritual”, sendo que os rituais nos “permite tomar consciência de certas cristalizações sociais mais profundas que a própria sociedade deseja situar como parte dos seus ideais “eternos””.

Pensando nesse fato ouço com certa desconfiança o discurso midiático, sempre disposto a enredar os menos atentos. Em tempos de Copa do Mundo há uma abertura para a irreflexão e para a tolerância exacerbada. O Brasil veste-se de um nacionalismo piegas, manco e anêmico. A Copa gera um senso de pertencimento nacional. É um fenômeno unicizante que somente conseguimos constatar de quatro em quatro anos. Nem mesmo em tempos de eleições, criam-se tantas expectativas. Quando presenciamos um evento que não gera privilégios políticos ou educativos ganhar tamanho alarde, é preciso que desconfiemos. Quem lucrará com a Copa do Mundo? As grandes empresas de comunicação, que aumentarão o preço de suas imagens; as multinacionais que patrocinam os times de futebol e por aí se vai a lógica do lucro.

A África é um dos continentes mais esquecidos do mundo. É o continente no qual os seus países conseguiram suas “independências” político-administrativas no século passado. Ou seja, enquanto a maioria dos países americanos conseguiu emancipação do domínio europeu nos séculos XVII e XVIII, os países africanos em pleno século XX, ainda estavam submetidos às metrópoles espoliadoras, Europa e aos Estados Unidos.

O continente africano sempre serviu de nicho para exploração. Durante mais de 300 anos, os negros africanos eram trazidos para o Novo Mundo para trabalharem como bichos e morrerem aos trinta anos – quando isso se dava com exceção. Ao colonizarem o continente, no qual a ciência acredita que é de onde se brotou a vida, os europeus e americanos, não respeitaram os marcos milenares estabelecidos pelas tribos que já habitavam a terra. O interesse era simplesmente fatiar o imenso continente de, aproximadamente, 44 milhões de metros quadros (equivalente a seis vezes o tamanho do Brasil), entre os vários países para explorar. Com isso não respeitou-se as demarcações já estabelecidas pelos vários povos e etnias. De modo que hoje, no continente africano, há um número horripilante de conflitos, de guerras sangrentas, doenças, infanticídio, exploração infame, fome generalizante e miséria em todos os níveis. Estima-se que aproximadamente vinte e cinco por cento dos habitantes do continente sejam portadores do vírus HIV (AIDS).

A mídia não está preocupada em mostrar as mazelas do continente. Deseja acima de tudo vender imagens, pois é isso que favorece o lucro. Quando alguém vende algo se preocupa em passar a melhor das imagens. Um comerciante ao vender uma mercadoria não coloca à mostra aquilo que está quebrado ou transmitindo um aspecto desagradável. Pelo contrário, lava, escova, lustra, para que chame a atenção. Assim se dá com as imagens que são vendidas. Como pude observar numa propaganda da Coca-Cola. Mostrava uma criança pobre, descalça, jogando futebol. Ao fundo aparecia uma montanha de lixo ao mesmo tempo em que essa criança fazia acrobacia e bebia Coca-Cola. A cena endeusava, deificava, transformava a pobreza em algo sofisticado e tolerado. Gerava um encantamento, uma suavização para que os olhos vissem e ficassem fascinados com aquela cena de um menino pobre que se refestelava jogando futebol e bebendo um líquido negro capaz de trascendentizá-lo. Tirá-lo da miséria. Abafar o porquê de está ali no meio do lixo. Essa é a intenção. Misturar as misérias africanas ao futebol e fazer com que aquele que assiste às imagens maquiadas esqueça as penúrias do continente.

Os privilégios serão mínimos para acabar com as desigualdades do continente. Os verdadeiros “vencedores” serão as grandes empresas que vendem imagens e artigos esportivos. A liberdade existente na África, principalmente, propalada de que é real na África Sul, é liberdade unicamente para consumir. A televisão mostrará a África das propagandas de marketing e esquecerá a outra que agoniza e chora.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: sexta-feira, 11 de junho de 2010, 10:48:27 AM

[1] DAMATA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis – para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Rocco. 1997. 350p.

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