sexta-feira, outubro 31, 2014

Alguns filmes de outubro

O mês de novembro chega à curva do caminho. Aos poucos vai morrendo. Não mais existirá um outubro de 2014, significando que este mês é marco realizável, mas que não será mais experienciável - apenas em 2015, 2016 etc. O mês de outubro foi carregado de emoções. Mês de eleições. Para presidente foram dois turnos, em que se pôde presenciar de tudo: mentiras, dissimulações e tentativas de golpes por parte da mídia nacional. Fiz uma militância sem igual. Emendei críticas contra raciocínios pequenos; contra visões afetadas pela miopia política e filosófica. Estive com o coração aos saltos em alguns momentos, principalmente, domingo, 26, dia decisivo do segundo turno.

Além dessas atividades, assisti a doze filmes. Tomei a firme resolução de ver dois filmes, no mínimo, por semana sempre que possível. Claro, em alguns momentos a conta foi exacerbada. Alguns filmes eu revisitei como, por exemplo, o sempre aprazível O nome da rosa e os bons filmes brasileiros Desmundo e Mauá: o imperador e o rei. Estiveram ainda na linha de ação: o brasileiro Carlota Joaquina; o surpreendente filme alemão A onda; os hollywoodianos O preço do amanhã, que se mostrou interessante pela trama distópica, mas que encerra com aqueles finais previsíveis; e o fraquíssimo - e também distópico - O doador de memórias (Meryl Streep já esteve melhor); assiti à sensacional pintura política em forma de comédia de Kubrick, o Dr. Fantástico; o sensacional Nebraska, um road movie de fina sensibilidade, do diretor Alexander Payne; o filme possui uma trilha sonora (que tenho escutado bastante) arrebatável, entre o folk americano e a reflexão onírica e impressionista encontrada nas cenas filmadas em preto e branco;  vi o épico A Infância de Ivan, de Tarkovski; esteve também em meu cardápio o bom filme uruguaio O quarto de Leo, que aborda a temática homossexual. Todavia, dois filmes me deixaram muito feliz - o filme chinês O caminho para casa e o franco-belga Violette, bastante denso e de uma visceralidade arrebatadora.

Não pretendo dar spoilers sobre os filmes. Quero apenas apontar algumas impressões sucintas:

Violette (2013), de Martin Provost, é um daqueles filmes que embriagam. A começar pela belíssima fotografia da França da Segunda Guerra Mundial. O diretor nos coloca em uma Paris com laivos suburbanos. Uma cidade melancólica, porém charmosa e de febricitante produção intelectual; uma cidade de casas com aquecedores problemáticos e papéis de paredes mofados. Provost já havia conseguido esse recurso no bonito Séraphine (2008) e o repetiu agora. O filme mostra a personalidade conturbada e o drama pessoal de Violette Leduc até que esta se torne a escritora bem sucedida de A Bastarda. Inclusive, procurei o livro para comprar na Estante Virtual. Não tive êxito. Há a notificação de que existem alguns exemplares, mas não conseguimos efetivar a visualização da disponibilidade. O filme põe no centro a aproximação intelectual de Leduc com Simone de Beauvoir (a companheira de Sartre), uma feminista no sentido lato do termo. É nesse período conturbado do século XX, que Beauvoir está escrevendo O segundo sexo, uma das obras fundamentais do século passado, que debate o papel da mulher na sociedade burguesa. De certa forma, o papel de Leduc é simbólico para o desenho da obra que Beauvoir escreve. Leduc é uma personagem de personalidade complexa: abortara na juventude. possuía inclinações homossexuais; é perseguida por tramas mentais que colocam mulheres em posição de vanguarda em um ocidente cristão machista e conservador. Enfim, é um filmaço!

O caminho para casa (2000), de Zhang Yimou, é uma experiência singular de fina poesia e beleza. Há algum tempo atrás vi Balzac e costureirinha chinesa (2002), do diretor Dai Seiji, e fiquei impressionado com a suavidade da obra. A cena final do filme é uma das cenas mais sublimes que já vi: a personagem caminha pelas montanhas de uma China que vive sob o maoísmo e um dos Concertos para violino de Mozart (não lembro qual) toca e aquilo vai se rarefazendo, mostrando o poder infinito da beleza. Já no filme de Yimou, temos novamente uma China rural, bucólica, singela. O filho vem de uma cidade  grande para o enterro do pai.. Ao chegar encontra a mãe desconsolada. O que ela queria era fazer com que o marido viesse pela estrada que levava ao povoado (ele estava morto em outro lugar). Nesse ponto, o filho, como um narrador em off, começa a contar como se dera o romance entre a mãe e o pai - que viera ser professor no pequeno povoado. Curioso recurso é utilizado pelo diretor: o início e o final do filme foram filmados em preto e branco e, no meio, onde encontramos a construção do romance, o filme ganha cores (primeiro do outono e depois do inverno), talvez para mostrar a relação construída por eles. Belíssimo filme!

segunda-feira, outubro 27, 2014

Uma resposta, um esclarecimento

Os dois textos abaixo são resultado de uma resposta a um comentário que fiz; e, logo abaixo, uma réplica feita por mim. Escrevi algo no Facebook que gerou uma crítica. Nesses dias em que a falta de inteligência e o preconceito tomaram de conta do Brasil, fui chamado de forma subliminar de ignorante. Abaixo, veio a minha resposta. 

A resposta de alguém que não concordou com aquilo que escrevi: 

A esquerda demonstra certa altivez ao pensar que quem crítica os escritos de Marx, Engels, Gramsci, Weber, e demais, o faz por não ter lido detidamente seus tratados. Em muitos casos, ocorreu foi o contrário. E além desses autores, gastou-se tempo lendo também, Von Mises, Hayek, Smith, Friedman dentre outros. Autores esses que refutaram aqueles, com certo triunfo. 

Como disse, a julgar pelos argumentos que leio aqui, não se conhece bem uma das duas (ou as duas), (1) a história da luta de esquerda, e as consequências que ela traz; (2) a comosvisão cristã. Dogmas existem tanto à direita, quanto à esquerda. O esquerdismo em si não seria um? 

Por que digo isso? 

Porque as lutas de esquerda, no médio e longo prazo, deixaram mais sequelas do que benefícios. Pegue a questão da fome na Ucrânia, o chamado Holodomor, que matou, segundo sustentam alguns, mais de 3 milhões de pessoas. Acrescente-se a incapacidade com que governos de esquerda demonstra em lidar com a liberdade de pensamento, de ir e vir, religiosa etc. 

Vocês, de ideologia de esquerda, reduzem o debate à ajuda aos necessitados. E isso é um erro tremendo, posto que os fins não justificam os meios. Há muito mais coisa na esquerda que vai para o lado oposto daquilo que sustenta luta cristã. 

Cristãos de esquerda confundem ALTRUÍSMO com ASSISTENCIALISMO (a caixa alta é apenas para realce, uma adaptação para o "negrito"). O primeiro é fruto de um espírito grato pela salvação que recebeu. O segundo, um programa de estado, que em certos casos é legítimo. 

O amigo que lê os profetas confunde, até mesmo, o contexto de tais escritos. Comete um anacronismo histórico, não observa as nuances textuais, que devem ser observadas para uma boa interpretação de qualquer texto, eclesiástico ou não. 

Aqueles homens denunciavam a corrupção moral dos líderes daquelas nações, a falta de temor ao Deus da aliança com o povo escolhido e a mistura ideológica deles com os povos que não estavam debaixo do mesmo pacto. Por causa disso Deus os julgaria. E os profetas denunciavam isso. 

Deveria ser considerado por vocês que, por exemplo, nenhum país de herança protestante nasceu, se construiu e se tornou potência debaixo dos ideais de esquerda. Nenhum! Não há nem um exemplo sequer. 

A história mostra o contrário. Países de esquerda se tornam intolerantes com os cristãos. O próprio Karl Marx, um dos proeminentes do pensamento esquerdista, cunhou, em plena Alemanha protestante, de maioria cristã, a célebre frase "a religião é o ópio do povo". O ideal socialista nasce nesse berço. 

Por outro lado, vemos que os países mais filatropos do mundo são justamente os que vocês, de esquerda, definem como neoliberais. São os que mais enviam dinheiro para os lugares onde a fome e a miséria são latentes, como a África de maneira geral. 

Dizer que as ações sociais da igreja são tacanhas é desconsiderar, mais uma vez, o que ensina a história. Quantos hospitais construídos mundo à fora? Quantas escolas também? Quantas universidades nasceram pelo esforço de cristãos (como exemplo, cito apenas o pastor John Harvard, que fundou a universidade com seu sobrenome), observe o índice de recuperação dos presos nos presídios administrados por cristãos na Coréia do Sul, país com forte presença cristã protestante e veja que tudo isso depõe contra o que foi alegado aqui. 

Há, ainda, o fato de que os países onde existe mais igualdade social são exatamente os países que nasceram em berço cristão, sobretudo o protestante. Como exemplo, dentre os muitos possíveis, temos Suíça, Suécia, Noruega, Holanda e EUA. Se tornaram ricos, não nasceram ricos. 

Enfim, um pouco mais de atenção aos bons livros de História e vocês perceberão que o cristianismo, no âmago, não possui nenhum vínculo ideológico com a esquerda, a principiar pelas motivações. 

Para o cristianismo, restauração material, intelectual e espiritual andam de mãos dadas. Para a esquerda, a restauração material basta (no campo ideológico. No prático, nivela-se por baixo, empobrecendo o rico, ao invés de enriquecer o pobre). Eis a aí o cerne do descompasso.

Minha réplica em forma de resposta:

Li atentamente o seu texto e percebi a contumácia, a obstinação, que é tão típica em pessoas que acreditam que estão com a verdade. A certeza da verdade gera conforto. Isenta-nos de investigações. Faz com que durmamos de forma tranquila. Quando somos sabedores que não temos mais sobre os ombros o susto da dúvida e que todos os nossos caminhos são luminosos, viver passa a ser um gesto de profunda leveza. Ou seja, eu tenho a verdade, mas os outros... ora, os outros são os outros.  Notei a vaidade da fala de um protestante por trás de cada uma das vírgulas, das letras, das sentenças, das orações, dos períodos “firmemente” construídos. 

Permita-me apontar alguns problemas conceituais no seu texto: 

(1) Você colocou Marx, Engels, Gramsci e Weber como sendo de “ideologias ditas de esquerda”, algo que é problemático. Weber não pertence a esse grupo. Quando se fala em nomes que constituem o pensamento marxista (digo: marxismos), Weber não se encontra entre eles. Se pelo menos aqueles que são críticos da “famigerada” esquerda, lessem Weber, teríamos mais facilidade para entender alguns processos como, por exemplo, o desencantamento do mundo, as sociedades modernas sobre o influxo do capitalismo, a burocratização das sociedades e a base motivacional das sociedades ditas desenvolvidas. Depreende-se disso que misturar Gramsci, Engels, Marx e Weber é um problema de quem não leu nem este nem aqueles. 

(2) Os economistas citados são em sua essência liberais. Sua refutação aos comentários acima demonstra a sua crença em um tipo de modelo econômico absurdamente problemático para países como o nosso. Inclusive, o nosso país é vítima desse modelo econômico.  O liberalismo é um modelo que otimiza o primado do individualismo em detrimento da solidariedade (Como disse George Kennan, um dos fundadores do neoliberalismo via Consenso de Washignton: “paremos de falar de valores vagos e poucos realistas como direitos humanos, a elevação do nível de vida e a democratização”). As nações europeias o praticaram de forma profunda em suas histórias, principalmente a partir do século XVIII, quando a burguesia se apropria do mundo e dos mercados. Após a Revolução Francesa, alguns economistas entenderam que era necessário que houvesse liberdade para que as mercadorias circulassem. Todavia, por trás da assunção do discurso da ordem e do progresso, havia uma brutal luta pela sobrevivência. Mas isso não era um problema para o liberalismo. A Inglaterra das máquinas, da Revolução Industrial, era um antro em que crianças de 8, 9, 10 anos, se embrenhavam em buracos para retirar carvão por 8 ou 10 horas por dia. Homens e mulheres trabalhavam de forma escrava para receber um emolumento ordinário. A burguesia se apropriou do poder e percebeu que precisava de liberdade e mercados para que os seus produtos escoassem. Ou seja, é justamente aí que reside o problema, pois passa a haver uma classe explorada e uma que se beneficia da exploração. O individualismo, o mérito, a iniciativa pessoal, eram meios necessários ao fortalecimento da atuação do capitalismo que se robustecia dia a dia. Esses sujeitos citados buscaram desenvolver teorias para tornar a exploração e o domínio meios de legitimar teoricamente o sistema, para fazer valer o lucro acima de todas as coisas. Os países do continente latino-americano, da África e boa porção da Ásia foram as geografias que serviram de centros produtores de matéria prima para gerar a riqueza dos países centrais – europeus e os Estados Unidos. Portanto, se eles refutaram Marx, o fizeram apenas com um intento: justificar o lucro, as novas formas de robustecer o sistema e legitimar a propriedade privada dos meios de produção. 

(3) A generalização é outro problema, pois se chama de esquerda todo movimento existente. De qual esquerda se fala? Ou: o que é à esquerda? A nomenclatura “esquerda X direita” passou a ser utilizada na Revolução Francesa. Do lado direito ficavam aqueles que queriam a manutenção do Antigo Regime, que via no absolutismo do rei a sua força e, do outro, à esquerda, aqueles que queriam mudanças. Ora, utilizemos esse raciocínio: analisando Jesus e seus contemporâneos, quem estava à direita e quem estava à esquerda? Os fariseus representavam quem? Ora, os profetas, sei, no fundo, buscavam fazer uma pregação moral para que o povo se voltasse para Javé, mas de que lado eles estavam?  Quando vociferam contra a injustiça e a malevolência das elites aristocráticas que viviam bem, enquanto o povo passava fome, de que lado estavam?  Hobsbawn diz que o livro de Amós parece “um discurso bolchevique inflamado”. O grande problema é ler sempre os textos históricos com uma determinação dogmática, despolitizando-os. Por trás de toda sociedade, existe um contexto de lutas sociais. Existe um governo constituído, valores, embates, contradições. São essas contradições que permitem o avanço da história. A história é justamente o resultado da colisão de fatos, que fazem originar situações novas repletas de elementos dos processos anteriores. O que é a cosmovisão cristã, senão uma maneira de olhar de forma etnocêntrica para o mundo? Senão uma forma de torná-lo em vontade e representação? Submetê-lo a uma linguagem? Uma forma de se achar dono de todas as interpretações históricas, pois para o cristianismo dogmático, a história já está encerrada, afinal: (a) existe um Deus que é providencial e já determinou todas as coisas; (b) existe uma teofania; (c) uma epifania; (d) existe uma ascensão profética, por isso, se diz: “Vejam! A volta de Jesus está próxima. Não há mais soluções para o mundo”. Ou seja, interpretações dos fatos da eternidade pelos fatos da história; (e) essa revelação do fim da história é salvífica; (f) é apocalíptica; (g) ela é universal, pois compreende toda realidade conhecida; e (h) e é completa, pois tudo se consumará. Ora, tais apontamentos devem gerar certezas e afirmações repletas de juízos com relação àqueles que não estão conscientes disso. Se tudo está determinado de forma positivista, por que se importar com a história e com a luta do oprimido?  

(4) Parece que consigo notar um outro tipo de generalização muito costumeira, que é a comparação, deixando de lado o significado histórico de cada movimento dito de esquerda,  aonde ele aconteceu. Quero crer que se faça aqui menção à União Soviética, a Cuba, à Coreia do Norte, ao Vietnã, à antiga República Democrática Alemã etc. É preciso ler um pouquinho os textos de Marx para perceber que esses supostos movimentos não chegam nem perto daquilo que o alemão apontou em seus escritos. Marx nos propôs um projeto de emancipação para a humanidade, uma espécie de desafio muito parecido com aquele proposto pelo Evangelho. Ou seja, um projeto de liberdade, de generosidade, de solidariedade. Nesse sentido, Marx está mais perto de Jesus do que Friedman, Ricardo ou Smith. Estes propunham a lei do mais forte – pois no fundo é isso que é o liberalismo – e aquele propunha um projeto de emancipação do ser humano. Quando leio o evangelho, eu não consigo visualizar outra coisa senão isso.  Acredito que o problema esteja no modo como se interpreta. Quando leio o segundo capítulo de Atos, não vejo nada diferente de uma sociedade comunal. 

(5) O processo de desconstrução da suposta esquerda apontada por você começou a após a Segunda Guerra Mundial. Naquele momento, os EUA saíram como a nação mais forte da Guerra. Antes da Guerra eles já eram fortes, mas se consolidaram como vendedores de armas e exportadores de produtos para o mundo todo. O anti-comunismo (esquerdismo?) ficou mais forte após a divulgação dos Relatórios Krushev, em 1956.  Após as várias Ditaduras instaladas na América Latina pelos Estados Unidos, a esquerda passou a ser vista como inimiga, como monstro, como “comedora de criancinhas”, mito que muitos defendem ainda hoje. Nessa época, o primado da liberdade e da democracia estavam assentados na família, na fé cristã e na propriedade privada. Ou seja, o seu pensamento faz jus a isso. Não o culpo. Você é vítima de um projeto anti-esquerdista. Outra questão: aqueles que se dizem anti-esquerda, só fazem referências às mortes provocadas pela suposta “ditadura do proletariado”. Quantas? 50 milhões? 60 milhões? E quantos agora estão morrendo nos continentes africano e latino-americano por causa da ingerência capitalista? A suposta “filantropia” alegada é uma farsa, posto que os países centrais acabaram com esses continentes e, hoje, ficam enviando migalhas (que servem para distencionar crise estabelecida na relação capital-trabalho) sobejadas da mesa lauta deles. Isso é bem a cara do cristianismo institucional. 

(6) Se eu errei cometendo um “anacronismo”, o que dizer quando uma pessoa cita Marx, ignorando o contexto da fala do autor? Pois fique sabendo, que com essa fala, Marx não estava condenando a religião – ou a possibilidade de se seguir uma. Nos escritos de Marx, ausente das relações estranhadas, o homem pela manhã trabalharia e, à tarde, ouviria música, plantaria um jardim, comporia poesias, iria para a sua paróquia, ou seja, ele pode “ser-mais”. A frase “A religião é o ópio do povo” é como aquela frase de Nietszche (“Deus está morto!”), que crente adora citar em Escola Dominical, mas que desconhece o significado delas.  

(7) Citar a Universidade de Havard ou os fundadores dos EUA, acredito que não cabe aqui. São contextos completamente diferentes. Foram sociedades construídas com finalidades bem distintas. A sociedade americana segue a sua própria história como uma religião. Ela está fundada em ideias como fé cristã, individualismo, liberdade (palavra que possui um valor simbólico, já que deve ser entendida como a possibilidade de não coibir o sujeito para as iniciativas a que ele se determinar), moralismo e crença em um destino como terra capaz de subjugar todas as demais. A suposta “caridade” realizada por esses países é “mesquinha”, “pequena”, pois não toca na principal questão para acabar com a desigualdade, que a existência de um modo de produção que fulmina com a vida de milhões de pessoas todos os anos. Cerca de 1 bilhão de pessoas da humanidade passam fome. Ou seja, será que essas pessoas são culpadas ou existe uma razão para isso? E aí começam a surgir as perguntas. Coreia do Sul, a Suécia, a Suiça, enviam mantimentos, mas quantas multinacionais desses países estão instaladas em lugares pobres e miseráveis, subtraindo as riquezas dos povos. Por exemplo, só a Suécia são mais de 300 empresas que estão instaladas pelo mundo afora, inclusive aqui no Brasil. Não acredito que o verdadeiro Jesus aprovasse isso. 

(8) Suas palavras são coerentes com o espírito da fé protestante, que gera “descompassos”, pois é arrogante e individualista. E se existe algo que a fé protestante fez foi sacralizar a consciência e dessacralizar o mundo. Ao acontecer isso, a humanidade como um todo perdeu o seu valor sacral, magnânimo. O mundo tornou-se um fim para o utilitarismo. Uma aposta para o acentuamento da desigualdade e da indiferença.  Em um mundo em que todas as coisas são medidas segundo a sua utilidade, até mesmo o homem corre o risco de se perder. Foi a fé protestante que serviu de cimento ideológico para a racionalização econômica do ocidente. Foi ela que permitiu o surgimento do liberalismo, que funciona em sociedades como a americana ou a inglesa, locais estes onde não houve acontecimentos dramáticos como os que se deram aqui no Brasil ou em qualquer país da América Latina. Nesse sentido, aconselho que você leia um livro de Jean Delumeau, chamado de “Nascimento e Afirmação da Reforma”. 

(9) E outro erro conceitual é acreditar que o PT seja um partido de esquerda. Isso é um desconhecimento profundo da história do Partido dos Trabalhadores e das determinações que ele veio a tomar, sobretudo, com a Carta ao povo brasileiro. Talvez, o PT não chegue a ser nem mesmo um partido social-democrata, embora tenha algumas aproximações. O PT hoje assumiu uma posição de centro, com nuances progressistas e desenvolvimentistas. Fez acordos com os setores econômicos mais conservadores. Se existe um partido com os quais os capitalistas lucraram, esse foi o PT. Nos últimos 10 anos, as ações da bolsa de valores brasileira, somente perdeu para a China e para o Índia. Os bancos nunca lucraram tanto. Nunca se pagou tanto os juros da dívida pública, que chega a consumir cerca de 42% da arrecadação. Mas, por que então tirar o PT? Hoje, o PT ainda defende posições que incomodam o grande capital, principalmente, com o modelo econômico que mantem os níveis de emprego e uma preocupação – mesmo que incipiente – com a distribuição de renda.  

Gostaria de finalizar. Não estou disposto continuar esse bate-papo. Não levará a lugar nenhum. Você pensa com a sua “cosmovisão cristã” e, eu, com algumas categoriais com as quais você não corrobora. Então, enquanto falarei sobre o dia, você falará sobre a noite; enquanto você discursar sobre o céu, falarei sobre a terra; enquanto você discursar sobre a metafísica como elemento que determina a materialidade, falarei das relações materiais que se dão na história.  

sexta-feira, outubro 24, 2014

Sobre a cartada desesperada da Veja

Uma tentativa de golpe político como o aplicado pela revista Veja demonstra o perfil de nossas elites e a conivência criminosa dos seus apoiadores ocultos. Durante o período a partir da República (1889), o país nunca ficou mais de 30 sem que houvesse um golpe ou uma mudança política realizada por intermédio do jogo de cartas das velhas oligarquias. O último intento da Veja é a tentativa desenfreada e desesperada de confundir milhões de brasileiros. Isso tem acontecido com uma regularidade científica. Já daria para formular uma lei com todos os elementos do processo científico - ou seja, período das eleições, o PT está na frente. O candidato da Veja está atrás numericamente nas pesquisas, então, a consequência: arma-se ou se constrói uma reportagem supostamente bombástica para tentar reverter o cenário. Somente uma pessoa desguarnecida de inteligência e discernimento não consegue perceber o quanto essas notícias possuem fins eleitorais. 

Em um segundo turno que parecia que não haveria reversão para a candidata do PT. Os debates se iniciam e o povo percebe que a candidatura de Dilma está assentada em dados sólidos, de mudanças reais, como afirma o jornal espanhol El País. De repente, há uma mudança no jogo. Dilma avança, abre uma vantagem considerável em relação ao candidato do PSDB. E no dia em que ela chega a abrir 6 pontos, segundo o Datafolha e, 8, segundo o Ibope, a Veja solta o factoide, como se fosse uma dinamite criminosa que não poupa nem respeita o direito do povo brasileiro de escolher. Isso apenas atesta a minha tese de que com uma imprensa como essa que temos, retrocedemos aos piores dias da história. A Veja e seus associados, que não se manifestam, mas que aplaudem essa iniciativa, prestam um desserviço ao povo brasileiro. Aniquila a inteligência de muita gente. Amarre a ponta dos fatos e você perceberá como os perdedores somos nós, os trabalhadores. 

Essa "narrativa absurda" da Revista, faz-me lembrar o livro "O Processo", de Franz Kafka. No livro, K., personagem central, dorme e acorda pela manhã em uma cela. Ele não sabe o que acontece com ele. A única coisa que ele fica sabendo é que há um processo, uma acusação sem rosto, sem matéria, sem substância, contra a sua pessoa. Apenas uma acusação impessoal, vinda das entranhas da burocracia de um ente invisível. No livro, K. tenta descobrir quem fez aquilo com ele, mas acaba não descobrindo. O que fica é um absurdo de uma acusação que se mostra surreal, não fática, mas que domina e provoca estragos. Da mesma forma, desenha-se um contexto absurdo, quase onírico, pela Revista a 72 horas das eleições. Aqueles que são defensores do bom senso e da verdade; que lidam com a lógica e com o argumento coerentes, acabam ficando insatisfeitos e decepcionados com tão grande leviandade - meu caso!. Não se trata de jornalismo. Trata-se obviamente de golpe baixo. De vilania. De maucaratismo radical. De picaretagem estrutural. 


terça-feira, outubro 21, 2014

À guisa de um vídeo: os dois brasis e a justificativa de uma escolha política



Se boa parte dos jornalistas desse país tivessem a sua sobriedade, Bob Fernandes, talvez fossemos poupados de tanta ignorância, de tanto ódio de brasileiros contra brasileiros - e, sobretudo, de brasileiros que "têm", contra brasileiros que "nada têm". O que está em cena é aquilo que o velho Marx já nos advertiu há dois séculos: o jogo feroz de uma sociedade contraditória, onde de um lado estão trabalhadores alienados de sua condição humana e os donos de meios materiais de produção do outro lado. O Brasil é uma país que possui feridas que ainda sangram. Suas chagas estão abertas. Os negros, os índios, os nordestinos pobres, as mulheres, as mais variadas minorias ainda não contaram suas respectivas histórias. 

Somos um país de mentalidade machista e patriarcalista. Escravizamos e dizimamos índios; saquemos a fé, os costumes de centenas de povos e hegemonizamos a cultura do europeu. O que nos faz lembrar aquele poeminha do Oswald de Andrade: "Quando o português chegou/ Debaixo duma bruta chuva/ Vestiu o índio/ Que pena! /Fosse uma manhã de sol/ O índio tinha despido /O português". Durante a época da colônia, cerca de 60% do país era constituído por escravos ou descendentes destes. Sempre houve um Brasil do alto, virtual, das elites - que a nova classe média tenta imitar e visualiza pelas novelas da Globo e pela revista "Caras" - e um Brasil debaixo, onde está o povo com suas dores e mazelas. É esse povo que sofre, apanha, é vilipendiado pelo estado. Um estado que em mais de quinhentos anos de história sempre se mostrou feroz e parcial. Ele existe para servir a famílias e a grupos de oligarcas monopolistas, que encontram na mídia impressa e visual, seu escudo, seu "ventilador de ideologias". São desses veículos que são propagados os "ventos envenenados" que entorpecem o povo. Somado esse elemento à nossa história mal contada, temos aquilo que Marilena Chauí chama de "a mosca diante do prato de mel". Talvez isso justifique o meu voto em Dilma Rousseff em detrimento de Aécio Neves. Penso que Aécio representa um outro Brasil, que eu e boa parte dos brasileiros não conhecemos - o Brasil debaixo. Belíssimo vídeo!


domingo, outubro 19, 2014

Uma resposta à ignorância

O blog está abandonado ultimamente. Não é que me faltem ideias para novos textos magros - excessivamente magros. É que as coisas evoluem, passam, e eu acabo por postergar novas postagens. Nestes dias de eleições, tenho assistido a bastantes filmes e documentários, sempre voltados para uma temática mais política. Tal experiência tem sido positiva. Sem falar nos livros que tenho comprado. Há alguns dias atrás, vi uma afirmação medonhamente fascista plasmada com grande exultação pelo seu autor - como tantas que temos visto por brasileiros conservadores e cooptados pela mídia criminosa do nosso país. Aquilo encheu os meus olhos de sangue. Não pude deixar de dar uma resposta. É o texto que segue abaixo - claro, com algumas adaptações. Pretendo nos próximos dias tirar o blog da letargia, do silêncio

Em primeiro lugar, queria dizer que não tentei ser agressivo contra a sua pessoa, mas contra a ideia subjacente em sua fala. Que você é de direita dá para perceber pela objetividade da enunciação, completamente descontextualizada. É curioso notar que afirmar-se de direita no Brasil se tornou uma virtude. E mal sabem aqueles que supostamente se alegam como tal, que ser direita é afirmar está do outro lado da luta - é está do lado dos setores conservadores e atrasados da sociedade e, que a maioria das vezes, é contrário aos interesses dos debaixo. Quando leio os profetas, principalmente, Amós, Miquéias, Habacuque, Oséias, penso que esses homens não estavam na direita. Estavam na esquerda, lutando pela causa da viúva e do necessitado; enfrentado "as vacas de Basã", como disse Amós; lutando em favor dos desprezados pelas políticas mantenedoras do "status quo" das elites. 

Quando olho para Jesus, não penso que ele ficaria do lado da direita. Acredito que ele ficasse do lado dos oprimidos, dos enlutados, dos esfomeados, dos que não tinham emprego, das prostitutas, dos párias, dos estigmatizados, das minorias (Mt 9.10-13; 11.19;) ; daqueles que precisavam de uma palavra de transformação e esperança. A direita prega o preconceito, a desinformação, a não libertação. Acredito que o evangelho não seja da direita, mas o cristianismo dogmático que muitos defendem o seja. É, por isso, que o cristianismo prega a sua desimportância, por ser uma fé alienada, por não ser inserir nas lutas históricas. A suposta solidariedade pregada pelos cristãos é tacanha. Fica restrita ao ambiente eclesiástico. 

A igreja não olha para fora dos seus muros e, quando olha, vê apenas perdidos, desviados e pessoas que precisam ser "salvas". É por isso que vemos tanto obscurantismo e preconceito na igreja. Porque ela pensa na dicotomia "perdido" x "salvo". Esses são termos criados pelo dogma. O principal compromisso do evangelho é com a libertação do homem, com a sua dignidade. E eu penso que todo e qualquer processo que sirva para dá mais dignidade, esperança ao homem, é revolucionário. 

Uma segunda questão fica por conta do processo histórico do Nordeste. A região já foi um dos redutos econômicos mais viçosos do Brasil. Isso nos dois primeiros séculos de nossa história, quando do ciclo da cana-de-açúcar. Nesse momento da história, o Nordeste era farto. Os engenhos, que mantinham uma mão de obra escrava, enriqueciam a metrópole e geravam privilégios para a casa-grande. Após a derrocada do produto, por causa da intervenção dos holandeses, o comércio do açúcar definhou e a região amargou uma crise profunda. Com a descoberta do ouro na região Sudeste, o ciclo econômico muda-se para o centro sul. Vale ressaltar ainda que quando do ciclo do açúcar, os estados privilegiados pela produção eram Pernambuco, Paraíba e Alagoas. Estados como Piauí e Maranhão estavam afastados. Não havia atividade econômica relevante nesses estados. O homem comum tinha que submeter aos favores de algum oligarca e vender a sua força de trabalho. É, por isso, por exemplo, que no Piauí, as famílias Gurguéia, Martins e, atualmente, a família Portella, são tão fortes; ou os Sarneys no Maranhão, que se instalaram com tanta força. São famílias que desde tempos imemoriais fazem parte da oligarquia política da região. 

Esse cenário se estabeleceu pelos séculos seguintes. O Nordeste sempre foi visto como uma região de migrantes,  uma região de pessoas que saem para procurar melhores condições em outras locais. Mas isso se deu por conta da decadência econômica da região.  Esse ciclo tem permanecido ao longo da história.  Se deu assim no início do século XX , por exemplo, com o ciclo da borracha na Região Norte. O estado do Acre possui uma população cearense grandiosa, justamente, por causa do grande fluxo migratório. Ao longo do século XX, a leva grossa de migração continuou a sua marcha. Dessa vez para o Sudeste. E, quando se deu a construção de Brasília, para a nova capital. Mas o problema da pobreza não foi resolvido, pois como dizia Euclides da Cunha: "O que separa o interior do Nordeste do seu litoral não são cem quilômetros. São cem anos". Observe que a pobreza do Nordeste é uma questão histórica. O desemprego sempre foi algo sério. Muito gente sai de lá por entender que, lá, as chances são pequenas e inexpressivas. Eu, como você, somos um exemplo disso! É, por isso, que os nordestinos apoiam o governo do PT, pois foi a partir das políticas sociais de Lula e Dilma que os homens e mulheres daquela região viram as coisas mudar. Portanto, falar que o Bolsa Família está gerando uma leva de "não trabalhadores" é incorrer numa falácia histórica. 

E terceiro lugar, as políticas sociais do governo melhoraram a vida de milhões de pessoas. Meus familiares que estão em Pernambuco, boa parte deles, recebe Bolsa Família. Mas, nem por isso, são não trabalhadores ou "vagabundos" como se quer fazer crer. O Bolsa Família é uma política contingente. O instrumento que regula a política é a manutenção do filho estudando.  Se o menino deixa de ir para a escola, o programa é cortado. Falo isso, pois minha mãe já recebeu Bolsa Família. Meu pai havia morrido. Ficamos eu e mais dois irmãos e a minha mãe numa situação difícil. Naquela ocasião, meu irmão mais novo estava no ensino fundamental e não podia faltar a escola. E minha família era contemplada com R$ 70,00 que ajudava a engrossar o salário mínimo que minha mãe ganhava. O dinheiro ajudava bastante. Tínhamos que pagar aluguel, comprar comida e tudo aquilo que fosse necessário. Hoje, minha mãe não ganha mais o Bolsa Família – e continua a trabalhar como sempre fez. Muitas famílias passaram a comer mais depois do Bolsa Família. Quem disse isso foi a ONU. Pela primeira vez em 500 quinhentos anos, o Brasil não está mais no mapa mundial da fome. Penso que isso fosse motivo para a igreja ficar feliz. Claro, uma igreja coerente e comprometida com o necessitado. A fome não precisa de palavras soltas, vazias de conteúdos, precisa de substância material. Agostinho disse certa vez que toda verdade é verdade de Deus. Parafraseando Agostinho, podemos dizer que toda ação de solidariedade que venha trazer bem-estar, dignidade, é uma ação afirmativa em favor daquilo que prega o coração do evangelho. 

Em quatro lugar, termino com uma pergunta: onde estaríamos se tivéssemos continuado - você no Piauí e, eu, no Pernambuco? Não quis ser deseducado com você. Nunca mais tive oportunidade de conversar com você. Seria interessante fazê-lo. Um abraço!

terça-feira, outubro 07, 2014

O fascismo ronda o Brasil em 2014 – por Frei Betto


Este texto resume as intuições que me habitam nestas últimas semanas ao perceber as manifestações misóginas, homofóbicas, higienistas, racistas, criminosas, nazi-fascistas, burras, preconceituosas, etc, de setores da igreja e de boa parte da população brasileira sobre o resultado das eleições, indicando claramente que não acertamos conta com o nosso passado. Havia pensado em escrever algo nesse sentido, mas Frei Betto se antecipou a mim (risos!). Boa leitura!



Jean-Marie le Pen, líder da direita francesa, sugeriu deter o surto demográfico na África e estancar o fluxo migratório de africanos rumo à Europa enviando, àquele sofrido continente, “o senhor Ebola”, uma referência diabólica ao vírus mais perigoso que a humanidade conhece. Le Pen fez um convite ao extermínio.

O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy propôs a suspensão do Tratado de Schengen, que defende a livre circulação de pessoas entre trinta países europeus. Já a livre circulação do capital não encontra barreiras no mundo… E nas eleições de 25 de maio a extrema-direita europeia aumentou o número de seus representantes no Parlamento Europeu.

A queda do Muro de Berlim soterrou as utopias libertárias. A esquerda europeia foi cooptada pelo neoliberalismo e, hoje, frente a crise que abate o Velho Mundo, não há nenhuma força política significativa capaz de apresentar uma saída ao capitalismo.
Aqui no Brasil nenhum partido considerado progressista aponta, hoje, um futuro alternativo a esse sistema que só aprofunda, neste pequeno planeta onde nos é dado desfrutar do milagre da vida, a desigualdade social e a exclusão.

Caminha-se de novo para o fascismo? Luis Britto García, escritor venezuelano, frisa que uma das características marcantes do fascismo é a estreita cumplicidade entre o grande capital e o Estado. Este só deve intervir na economia, como apregoava Margareth Thatcher, quando se trata de favorecer os mais ricos. Aliás, como fazem Obama e o FMI desde 2008, ao se desencadear a crise financeira que condena ao desemprego, atualmente, 26 milhões de europeus, a maioria jovens.

O fascismo nega a luta de classes, mas atua como braço armado da elite. Prova disso foi o golpe militar de 1964 no Brasil. Sua tática consiste em aterrorizar a classe média e induzi-la a trocar a liberdade pela segurança, ansiosa por um “messias” (um exército, um Hitler, um ditador) capaz de salvá-la da ameaça.
 
A classe média adora curtir a ilusão de que é candidata a integrar a elite embora, por enquanto, viaje na classe executiva. Porém, acredita que, em breve, passará à primeira classe… E repudia a possibilidade de viajar na classe econômica.
 
Por isso, ela se sente sumamente incomodada ao ver os aeroportos repletos de pessoas das classes C e D, como ocorre hoje no Brasil, e não suporta esbarrar com o pessoal da periferia nos nobres corredores dos shopping-centers. Enfim, odeia se olhar no espelho…
 
O fascismo é racista. Hitler odiava judeus, comunistas e homossexuais, e defendia a superioridade da “raça ariana”. Mussolini massacrou líbios e abissínios (etíopes), e planejou sacrificar meio milhão de eslavos “bárbaros e inferiores” em favor de cinquenta mil italianos “superiores”…
 
O fascismo se apresenta como progressista. Mussolini, que chegou a trabalhar com Gramsci, se dizia socialista, e o partido de Hitler se chamava Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista (de Nationalsozialist).
 
Os fascistas se apropriam de símbolos libertários, como a cruz gamada que, no Oriente, representa a vida e a boa fortuna. No Brasil, militares e adeptos da quartelada de 1964 a denominavam “Revolução”.
 
O fascismo é religioso. Mussolini teve suas tropas abençoadas pelo papa quando enviadas à Segunda Guerra. Pio XII nunca denunciou os crimes de Hitler. Franco, na Espanha, e Pinochet, no Chile, mereceram bênçãos especiais da Igreja Católica.
 
O fascismo é misógino. O líder fascista jamais aparece ao lado de sua mulher. Como dizia Hitler, às mulheres fica reservado a tríade Kirche, Kuche e Kinder (igreja, cozinha e criança).
O fascismo é anti-intelectual. Odeia a cultura. “Quando ouço falar de cultura, saco a pistola”, dizia Goering, braço direito de Hitler. Quase todas as vanguardas culturais do século XX foram progressistas: expressionismo, dadaísmo, surrealismo, construtivismo, cubismo, existencialismo. Os fascistas as consideravam “arte degenerada”.
 
O fascismo não cria, recicla. Só se fixa no passado, um passado imaginário, idílico, como as “viúvas” da ditadura do Brasil, que se queixam das manifestações e greves, e exalam nostalgia pelo tempo dos militares, quando “havia ordem e progresso”. Sim, havia a paz dos cemitérios… assegurada pela férrea censura, que impedia a opinião pública de saber o que de fato ocorria no país.
 
O fascismo é necrófilo. Assassinou Vladimir Herzog e frei Tito de Alencar Lima; encarcerou Gramsci e madre Maurina Borges; repudiou Picasso e os teatros Arena e Oficina; fuzilou García Lorca, Victor Jara, Marighella e Lamarca; e fez desaparecer Walter Benjamin e Tenório Júnior.
 
Ao votar este ano, reflita se por acaso você estará plantando uma semente do fascismo ou colaborando para extirpá-la.

sábado, outubro 04, 2014

Desabafo

Quem nunca foi à periferia de uma grande cidade - ou ao interior do Nordeste; quem nunca visitou uma prisão; quem somente "viu a pobreza" quando leu Vidas Secas na escola e achou o livro chato; quem nunca precisou das políticas sociais do governo - Pronatec, Prouni, Luz para todos, Bolsa Família, Farmácia Popular, Minha Casa Minha Vida, Brasil sem miséria, Enem, Mais médicos, leis trabalhistas para as empregadas domésticas etc; quem acha que pobre não trabalha porque não quer; quem acha que o mundo apenas é aquilo que ver e interpreta em cores enviesadas; quem nunca passou dificuldades; quem acha que porque come três vezes ao dia (no mínimo), todos vivem essa realidade; quem está acostumado a viajar pelo menos duas vezes ao ano para passar férias em locais variados - seja no Brasil seja no exterior; quem sempre estudou em escola de qualidade e, no ensino superior, em universidade pública; quem nunca teve curiosidade para aprender um pouco da história de luta de classes de seu país e acha que a história do homem se limita ao presente em que vive; quem nunca pegou um ônibus lotado saído de uma periferia; quem nunca morou em um barraco de tábuas; quem nunca sentiu o cheiro da pobreza em seus mais variados matizes; quem acha que é só lutar que Deus ajuda, jamais vai entender a transformação pela qual o país passou nos últimos doze anos. Muito me impressiona o discurso raivoso de pessoas que são massa de manobra da mídia e ainda se acha culto ou entendido. Não consegue perceber o projeto golpista dos meios de comunicação. A mensagem subliminar ensaiada todos os dias. 

Saiamos da menoridade intelectual. Saibamos diferenciar essência e aparência, duas categorias extremamente relevantes a pessoas sensatas. Existe uma passagem curiosa na bíblia que tem morado em minha mente nestes dias. Jesus tinha ido à casa de um fariseu, um líder religioso da época. Alguém bastante influente e respeitado pelo "status quo" da sociedade. Fazia parte da elite intelectual, econômica e religiosa. Ao chegar lá, uma mulher pôs-se a chorar. Com suas lágrimas ela ungia os pés de Cristo. O fariseu ficou a olhar e a condenar aquela cena. Afinal, em seu moralismo interno, na defesa de seu dogma cego e cruel, ele pensava: "Se esse sujeito fosse quem ele diz ser, com certeza, que não aceitaria os rogos dessa mulher". Diz o texto de Lucas que Jesus percebeu suas intenções. Contou uma história para o homem e logo em seguida diz mais ou menos nesses termos: "Quem pouco foi agraciado, pouco vai entender o que é o amor, pouco vai amar". (Lc 7.36-50). É curioso notar como o ódio daqueles que falam mal das políticas do Partido dos Trabalhadores, possui uma tese contrária contra a vida de milhões de brasileiros que tiveram suas existências melhoradas. Trata-se de uma julgamento que tem a sua raiz na naturalização de um discurso de raiva e que está preso a uma sentença: é preciso tirar o PT. Quando leio ou escuto algo assim, entendo que esse recado é contra mim, que estudei com Bolsa do Prouni; contra muito dos meus familiares que receberam Bolsa Família. Venho de uma origem humilde. E a minha vida, como a vida de tantos brasileiros, mudou para melhor. A bondade, a humildade, e a piedade estão a serviço da misericórdia.