quinta-feira, abril 25, 2013

Manguel - sobre leituras, juventude e o nosso tempo

Trecho de uma entrevista. Muito bom!

"O intelectual não tem prestígio numa sociedade em que o que vale é o financeiro. As pessoas falam todo tempo que as crianças e os jovens não leem. Não é um problema isolado, mas consequência. Instruem a não nos ocuparmos de coisas que tomam tempo, que são profundas, lentas ou difíceis. Dizer que o intelectual não tem importância hoje leva aonde? É um tema mais profundo: que tipo de sociedade estamos propondo. Hanna Arendt define cultura como aprendizagem da atenção. Aprender a prestar atenção. Toda a cultura que alimentamos hoje é contra a atenção, com um elenco de gadgets que requerem um salto constante de uma coisa a outra. Interrupção de toda atividade pelo toque do celular, de e-mail, do que seja, o que implica que a conversação atenta e longa é menos importante. Uma estrutura estética para todas as artes visuais em que a duração do período de atenção, o parágrafo visual, é demasiadamente breve. 
 
O sistema utilizado pelas séries televisivas é formulado assim: alguém fala algo, o outro responde, segue nova cena. Há um corte rápido para dar lugar ao comercial, também editado muito freneticamente. Tudo contribui para a educação da atenção breve. Educam-se as crianças para que não dediquem a algo atenção maior do que cinco minutos. Depois de um minuto já muda de canal ou deixa o que está fazendo, muda a conversação. Isso é grave porque o tempo de reflexão deveria ser mais longo do que o tempo de observação. Vejo algo e logo precisaria de tempo para pensar, discutir ou experimentar novamente se fosse o caso. Estamos eliminando isso de nossa sociedade, para dar lugar ao elemento mais necessário que temos hoje, que é ser consumidor. Este necessita não refletir nada, não prestar atenção, porque um consumidor que preste atenção, que reflita quando olha um jeans a 500 euros pode achar ridículo e pensar: por que comprar? Se ele refletir, não irá comprar, não irá consumir. É fundamental que ele veja a publicidade e diga “eu quero comprar”, e passamos à próxima etapa ou fase, como num videogame. Isto parece ser o problema essencial. Civilização do espetáculo, como fala Llosa, sim. Mas por quê? Como? E, sobretudo, o que fazer para mudar?"

(Alberto Manguel, in Revista Cult, no. 178, mês de abril)

Entrevista completa aqui

domingo, abril 21, 2013

Sobre o excelente filme romeno "Os Contos da Era de Ouro"

Nicolae Ceausescu governou a Romênia de 1964 a 1989, ano em que foi assassinado, após a Revolução Romena. O povo se mobilizou para depor o governo do Chefe Supremo, como se auto-intitulou Nicolae Ceausescu. 

Nos anos que antecederam esse momento tão marcante da história recente da Romênia (que foi único país o qual o comunismo terminou de forma violenta), o regime de Nicolae Ceausescu foi controverso. Suas medidas levaram o povo a passar fome e privações materiais de toda sorte. Mas mesmo em face disso, Ceausescu intitulou os 15 últimos anos de seu governo como a "Era de Ouro". 

Em 2009, saiu o excelente filme "Os Contos da Era de Ouro", dirigido pelo consagrado Cristian Mungiu (ganhador da Palma de Ouro em Cannes, 2007) e quatro outros diretores - Hanno Höfer, Constantin Popescu, Ioana Uricaru e Razvan Marculescu retratando esse momento. O filme não tem por finalidade "debochar" ou "achincalhar" o regime do Nicolae Ceausescu, mas, no fundo, fica essa impressão. Em seis fantásticas histórias, o telespectador entra em contato com um estudo bem realizado de como os momentos de dificuldade de um povo pode fazer surgir as mais diversas e hilariantes saídas. Busca, de forma bem humorada e irônica, mostrar como um povo é capaz de construir um "jeitinho".

Enquanto assistia ao filme, pensei o quanto a obra também fala do Brasil. Afinal, não existe, no mundo, um país em que a ideia de "jeitinho" seja levada tão a sério quanto no nosso. Pagamos um alto preço por causa disso. Quando ele nasceu? O filme nos passa ideia de que essa "esperteza" é o modo de "respirar" em momentos dificéis. Se isso é verdade, quando foi que começamos a utilizar o jeitinho? Por quê não o deixamos? Estamos ainda em dificuldades? Ou nos acostumamos com a "malandragem"? São perguntas para serem refletidas e discutidas em moutro momento.

No filme, as histórias são muito bem urdidas. Pelo menos em duas ou três eu ri bastante. Uma delas conta a história de um líder Ocidental que vai visitar a Romênia. Na foto oficial, o presidente Ceausescu pareceu menor do que o visitante. A partir desse ponto começa a rocambólica saga de dois fotógrafos para colocar um chapéu na cabeça do venerável líder para ser veiculado pelos jornais do país. Uma montagem é feita. O chapéu é colocado na cabeça de Ceausescu. Todavia, graças a uma desatenção, Ceausescu parece na foto com dois chapéus. Quando perceberam já era tarde demais. Os jornais já haviam sido rodados e enviados a todos os cantos da Romênia. Começa o esforço hilariante dos membros do Partido para recolher os jornais. 

Outra história curiosa é a da visita oficial a um vilarejo afastado. Outra ainda é "A lenda do policial ganancioso". Esta, a última história do filme. Ri bastante com ela. O policial ganha um porco vivo do cunhado e diante da impossbilidade de matá-lo (ele não queria dividir com ninguém os despojos do animal), tenta asfixiar o animal com gás butano. Ri bastante com essa história.

O que fica claro em cada uma das seis histórias é o quanto os regimes totalitários naufragam no rídiculo e nas aparências. E o quanto o povo consegue driblar a burocracia, o aparato repressor do Estado e toda o senso doutrinário que redunda sempre em artificialidade. Apesar de aparecerem como lendas, as histórias me pareceram bem reais.   Muito bom!
 

quinta-feira, abril 18, 2013

Algumas palavras de Affonso Romano Sant'Anna

Affonso Romano Sant'Anna é um intelectual de grande quilate. Gosto de sua serenidade profunda; de sua fala fácil, grácil, eivada por conceitos complexos da literatura, da filosofia ou do mundo político atual, abordados, sempre, de forma leve e didática. Affonso é daqueles intelctuais que podemos ficar a ouvir de forma ininterrupta por horas e horas por suas muitas qualidades. Aqui, neste pequeno tracho selcionado pela Saraiva, temos o poeta falando sobre seu encontro com Manuel Bandeira ainda adolescente, sobre a juventude, a ideia tempo para os jovens, a arte pós-moderna e um conselho para os escritores iniciantes. Muito bom!



sábado, abril 13, 2013

"O Idiota, de Dostoévsky, e o ideal de homem perfeito

"...perguntamos pelo bem não ignorando a vida, mas entrando nela. A própria pergunta pelo bem faz parte da nossa vida, assim como nossa vida pertence à pergunta pelo bem. A pergunta pelo bem é formulada e respondida em meio a situações definidas e ao mesmo tempo inacabadas de nossa vida, únicas e ao mesmo tempo transitórias, em meio a ligações vivas com pessoas, coisas, instituições, poderes, isto é, em meio à nossa existência históricas. A pergunta pelo bem é inseparável da indagação pela vida, pela história".
Dietrich Bonhoeffer, Ética, p. 120

Terminei a leitura, no dia de ontem, de O Idiota, de Dostoiévsky. Consumei, com grande expectativa e pesar, a leitura densa, complexa, de um dos livros mais fasntásticos entre os escritos pelo russo. A leitura se deu de forma irregular. O muito trabalho me impossibilitou de ler com disciplina. Li a maior parte de suas quase 700 páginas no metrô de Brasília - indo e voltando, de segunda a sexta-feira. Trajeto realizado em uma hora de minha casa para o trabalho - meia hora para ir e meia hora para voltar.

A príncipio, o que dizer de O Idiota? É um livro que nos deixa meio atordoados pela complexidade, pela profusão de temas, de diálogos densos, elétricos, arrebatadores; pela complexidade das personagens escuras. O que é o príncipe Michkin? A materialização da metafísica da bondade. Dostoiévsky nos coloca ante o pessimismo e o otimismo; ante o bem e o mal; ante a mesquinhez e a solidariedade. Michkin é tão bom, tão repleto de qualidades, que não se assemelha a um ser humano. Ele é um ente espiritual de bondade extrema, qual um Cristo que desce, mais uma vez à terra, para uma travessia experimental a fim de fazer uma incursão existencial amorosa entre os homens daqui. Em compensação, as outras persongens são modelos de vileza, ganância, loucura, interesse, arrogância e egoísmo. As personagens são mesquinhas em suas intenções. Forjam ardis. Agem motivadas pela vaidade.

E tudo aquilo que engendram, apenas serve de antagonismo àquilo que Michkin é. Ele possui uma moralidade lisa. Nada o toca. Nada o atinge. Ele é o modelo de homem perfeito. Um modelo ideal de cristão quixotesco, radical em sua essência como, por exemplo, na discussão suscitada em torno da religião. Ele representa o modelo ideal do grande homem russo. É a antítese do materialismo ocidental. É a força do cristianismo oriental-bizantino. Michkin critica o catolicismo como sendo uma religião deformada, falseadora do verdadeiro Cristo. Roma se assenhoreou, pela força, do poder e prega o anticristo, que a ausência de Cristo. Voa altaneiramente acima das mesquinharias dos homens burgueses, maculados pela natureza deformada. 

A análise psicológica das personagens impressiona. Nastasia Filippovna Barashkova é um modelo exuberante e escandoloso nesse sentido. A moça guardava qualquer coisa de misteriosa. Possuía uma força oculta, uma loucura irremediável. Michkin a ama. Encanta-se por ela, mesmo estando cônscio dessa sua natureza partida. Ele a ama como um ente santo, enquanto, Rogozhin, outro personagem, ama-a odiando. Aqui fica claro o quanto o príncipe se mostra um modelo de virtude nas mais variadas situações. 

O príncipe Michkin se constitui um modelo singular dentro da literatura de Dostoiévsky. Ele parece em seu ideal, um Raskholnikov reabilitado. Enquanto a paixão em Raskholnikov o emula para um ideal criminoso, mas mesmo assim, habitado por um forte senso filósofico, a força bondosa que existe em Michkin, impele-o sempre para o bem. É patente a ligação da personagem com aquela ética mais sensível dos evangelhos. Por exemplo, quando Michkin toma um soco e não reage. Ou seja, uma clara alusão à passagem de Mateus 5.39,40,41 ("...não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas").

Michkin é a materizalição dessa ética. Ele leva à frente esse ideal propugnado pela ética cristã. A força do seu caráter possui contumácia e regularidade. Jesus nos evangelhos diz: "Sede perfeitos". E Michkin parece possuir um motor moral que o torna a exatificação desse imperativo. A face mais real desse ideal.

Cheguei à seguinte constação pela complexidade caótica de O Idiota: por mais que leiamos dez vezes a obra, ainda assim, seus temas e profundidado não se esgotam. Dostoiévsky era um sujeito absurdamente religioso. Michkin seria aquilo que ele tinha como valor ideal de homem perfeito? A leitura dessa obra torna-se mais grandiosa à medida que entendemos que existe uma moralidade cristã ideal e que era alvo do romancista. Michkin certamente se coloca aqui como substrato desse fato. Ele é a compilação do mais alto nível de perfeição dentro da literatura.

Próximo livro do russo: "Os demônios". Sigamos, pois os horizontes são imensos.

sexta-feira, abril 12, 2013

"Em nome de Deus" e algumas afirmações sobre Pedro Abelardo (1079-1142)

Na última quarta-feira, 10, assisti, pela terceira vez, ao filme Em nome de Deus, de 1988. Clive Donner é o diretor. O filme é muito bom. Conta a história de amor entre Pedro Abelardo, filósofo medieval, e Heloísa, literata de mente arguta e inquieta. A obra busca colocar em primeiro plano a história de amor entre os dois, passando-nos alguns lampejos do pensamento de Abelardo. Segundo Le Goff, quando Abelardo se enamora por Heloísa, esta possui 17 anos e, aquele, 39. Até aquele momento o pensador vivera de forma casta. Mas a paixão pela jovem desatou-lhe os nós da prudência. A maior parte do romance se passa na casa do tio de Heloísa, Fulbert. Este toma inimizade pela relação dos dois.

Então, desde a última quarta, ando inquieto para saber mais sobre o pensador. A Idade Média é um período sempre gerador de curiosidade por mim. É um dos momentos mais fantásticos da história humana. Há muita produção filósofica nesse período. Aquele preconceito iluminista de que se trata da Idade das Trevas acabou gerando equívocos. Afinal, foi nesse período da história que viveram pensadores extraordinários como Santo Agostinho (final da história antiga e início da Idade Média); João Escoto Erígena, Anselmo, Alberto Magno, João Duns Escoto, Boaventura, Tomás de Aquino, Guilherme de Ockham, Mestre Eckhart, Pedro Lombardo, Alberto Magno, Avicenna, Averróis (ambos do mundo árabe) e o próprio Pedro Abelardo. Assim como o século XI foi o século de Alnselmo e, o século XIII seria o século de Tomás de Aquino, o século XII foi o século de Pedro Abelardo.

O filme de Clive Donner nos passa imagem de Abelardo como sendo um professor exemplar. Um pensador refinado, revolucionário, que se colocava à frente do seu tempo na aplicação dos métodos pedagógicos. Seus alunos o veneravam, respeitavam-no; possuíam uma vida de amizade e saber constante com os seus pupilos. O pensador consagra a dúvida como um instrumento de aprendizagem. A dialética era a sua ferramenta de averiguação. 

Para o pensador a razão (ratio) possuía um protagonismo essencial. Todavia, a razão não era um instrumento capaz de desautorizar a Bíblia. A ratio era um instumento de afinamento, de ajustamento para que o inquiridor entendesse melhor. Assim, a razão ajustava o foco para o verossímil. Ele sabia que a razão era limitada, mas pensar dessa forma em pleno século XII era por demasia avançado. A fé absorvia a razão, fazendo com que o discurso filósofico não absorvesse a razão, mas o facilitase e o tornasse acessível. A razão não justificava a fé, mas tirava esta de um mero mecanicismo.

Abelardo e Heloísa em casa de Fulbert
No campo da ética, Abelardo coloca a consciência como centro das intenções do agir ético, regulado por uma lei que emanava de Deus. Para ele, existe uma intenção pré-moral em todo homem. Por exemplo, desejar uma mulher. Em sua concepção, nesse fato não havia uma transgressão. Todavia, o problema ético residia no fato em se dar voz a essa intenção. Ou seja, o problema ético está centrado no obedecer aos próprios desejos e não atender à lex divinae

Seus pensamentos possuíam tanto fermento crítico e, indicavam um novo viés metológico, que acabou tendo suas ideias sendo rechaçadas e condenadas em dois concílios (Soissons, em 1121; e Sens, em 1140. Jacques Le Goff vai dizer que Abelardo é a "primeira grande figura do intelectual moderno".

Pedro Abelardo, morreu em 1142. 

P.S. Algumas informações de cunho histórico foram extraídas do livro História da Filosofia - volume 1, de Giovanni Reale e Dario Antiseri, da Editora Paulus; e do livro Os intelectuais na Idade Média, de Jacques Le Goff, editora José Olympio.

quinta-feira, abril 11, 2013

"...pode alguém ser deveras feliz?"

Somente a literatura para definir o que as religiões tentam entabular em discursos afetados e alambicados - e com mais beleza - onde, de fato, mora a beleza em um mundo grávido de instabilidades e devires. Parafraseando Richard Dawkins: já não basta a beleza do jardim, por que se deve imaginar que ali moram fadas?

"... pode alguém ser deveras feliz? Posso eu, por exemplo, me considerar infeliz só porque sou doente, só por causa do meu caso triste? Mas se posso ser feliz! Palavra que não entendo como é que existe gente que ao passar por uma árvore não se sinta feliz em vê-la! Como pode uma pessoa conversar com outra e nã osentir felicidade em amar essa outra pessoa? Estão entendendo? O que digo é certo, exato, nítido! Só que nã oconsigo me exprimir certo... E que de coisas inefáveis deparamos a todo instante, a cada passo, tantas e tais que mesmo o homem mais desesperançado tem de se sentir feliz, pelo menos ao dar com uma delas! Que nossos olhos batam no rosto de uma criança, que nossos olhos se deslumbrem diante do nascer do sol, que se abaixem para ver como a erva cresce! Isso não chega para a felicidade? E se nossos olhos dão de chofre com uns olhos que nos amam?!" [O Idiota, Dostoiévsky, p. 611]

domingo, abril 07, 2013

Democracia! O que é isso?

Adoro esta tirinha da Mafalda. Ela expressa bem aquilo que sinto quando escuto os meios de comunicação de massa afirmarem que vivemos em um regime democrático. Democracia à moda burguesa é uma linguagem utilizada para a ausência de mudanças e a consolidação do conformismo. Perfeito, Quino!


quarta-feira, abril 03, 2013

Um toque brechtiano - "O açucar", de Ferreira Gullar

Fantástico este poema!

O açúcar

O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.

Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

(Dentro da Noite Veloz, 1975)