sábado, abril 13, 2013

"O Idiota, de Dostoévsky, e o ideal de homem perfeito

"...perguntamos pelo bem não ignorando a vida, mas entrando nela. A própria pergunta pelo bem faz parte da nossa vida, assim como nossa vida pertence à pergunta pelo bem. A pergunta pelo bem é formulada e respondida em meio a situações definidas e ao mesmo tempo inacabadas de nossa vida, únicas e ao mesmo tempo transitórias, em meio a ligações vivas com pessoas, coisas, instituições, poderes, isto é, em meio à nossa existência históricas. A pergunta pelo bem é inseparável da indagação pela vida, pela história".
Dietrich Bonhoeffer, Ética, p. 120

Terminei a leitura, no dia de ontem, de O Idiota, de Dostoiévsky. Consumei, com grande expectativa e pesar, a leitura densa, complexa, de um dos livros mais fasntásticos entre os escritos pelo russo. A leitura se deu de forma irregular. O muito trabalho me impossibilitou de ler com disciplina. Li a maior parte de suas quase 700 páginas no metrô de Brasília - indo e voltando, de segunda a sexta-feira. Trajeto realizado em uma hora de minha casa para o trabalho - meia hora para ir e meia hora para voltar.

A príncipio, o que dizer de O Idiota? É um livro que nos deixa meio atordoados pela complexidade, pela profusão de temas, de diálogos densos, elétricos, arrebatadores; pela complexidade das personagens escuras. O que é o príncipe Michkin? A materialização da metafísica da bondade. Dostoiévsky nos coloca ante o pessimismo e o otimismo; ante o bem e o mal; ante a mesquinhez e a solidariedade. Michkin é tão bom, tão repleto de qualidades, que não se assemelha a um ser humano. Ele é um ente espiritual de bondade extrema, qual um Cristo que desce, mais uma vez à terra, para uma travessia experimental a fim de fazer uma incursão existencial amorosa entre os homens daqui. Em compensação, as outras persongens são modelos de vileza, ganância, loucura, interesse, arrogância e egoísmo. As personagens são mesquinhas em suas intenções. Forjam ardis. Agem motivadas pela vaidade.

E tudo aquilo que engendram, apenas serve de antagonismo àquilo que Michkin é. Ele possui uma moralidade lisa. Nada o toca. Nada o atinge. Ele é o modelo de homem perfeito. Um modelo ideal de cristão quixotesco, radical em sua essência como, por exemplo, na discussão suscitada em torno da religião. Ele representa o modelo ideal do grande homem russo. É a antítese do materialismo ocidental. É a força do cristianismo oriental-bizantino. Michkin critica o catolicismo como sendo uma religião deformada, falseadora do verdadeiro Cristo. Roma se assenhoreou, pela força, do poder e prega o anticristo, que a ausência de Cristo. Voa altaneiramente acima das mesquinharias dos homens burgueses, maculados pela natureza deformada. 

A análise psicológica das personagens impressiona. Nastasia Filippovna Barashkova é um modelo exuberante e escandoloso nesse sentido. A moça guardava qualquer coisa de misteriosa. Possuía uma força oculta, uma loucura irremediável. Michkin a ama. Encanta-se por ela, mesmo estando cônscio dessa sua natureza partida. Ele a ama como um ente santo, enquanto, Rogozhin, outro personagem, ama-a odiando. Aqui fica claro o quanto o príncipe se mostra um modelo de virtude nas mais variadas situações. 

O príncipe Michkin se constitui um modelo singular dentro da literatura de Dostoiévsky. Ele parece em seu ideal, um Raskholnikov reabilitado. Enquanto a paixão em Raskholnikov o emula para um ideal criminoso, mas mesmo assim, habitado por um forte senso filósofico, a força bondosa que existe em Michkin, impele-o sempre para o bem. É patente a ligação da personagem com aquela ética mais sensível dos evangelhos. Por exemplo, quando Michkin toma um soco e não reage. Ou seja, uma clara alusão à passagem de Mateus 5.39,40,41 ("...não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas").

Michkin é a materizalição dessa ética. Ele leva à frente esse ideal propugnado pela ética cristã. A força do seu caráter possui contumácia e regularidade. Jesus nos evangelhos diz: "Sede perfeitos". E Michkin parece possuir um motor moral que o torna a exatificação desse imperativo. A face mais real desse ideal.

Cheguei à seguinte constação pela complexidade caótica de O Idiota: por mais que leiamos dez vezes a obra, ainda assim, seus temas e profundidado não se esgotam. Dostoiévsky era um sujeito absurdamente religioso. Michkin seria aquilo que ele tinha como valor ideal de homem perfeito? A leitura dessa obra torna-se mais grandiosa à medida que entendemos que existe uma moralidade cristã ideal e que era alvo do romancista. Michkin certamente se coloca aqui como substrato desse fato. Ele é a compilação do mais alto nível de perfeição dentro da literatura.

Próximo livro do russo: "Os demônios". Sigamos, pois os horizontes são imensos.

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