domingo, outubro 20, 2013

Dois filmes - A Culpa é do Fidel(2006) e Serra Pelada(2013)

(1) Passei uma semana em casa. A escola onde trabalho deu uma semana de recesso. Consegui descansar um pouco da labuta asfixiante. Amanhã, voltarei ao trabalho, rumo ao final de mais um ano letivo. Aproveitei, assim, a semana para ver alguns filmes. Entre eles, pude ver o excelente A culpa é do Fidel (2006), de Julie Gavras, filha do mitológico diretor grego Costa Gavras. O filme retrata a história de Anna (Nina Kervel) que quer compreender todo o celeuma político em que sua família está envolvida. Ela não se contenta com explicações parciais. Quer entender como os adultos que a cercam tratam as questões políticas. Quer saber o que é aborto, comunismo, solidariedade; o porquê dos homens lutarem por determinadas causas; o porquê de ser proibido cultuar determinada religião. A história se passa em Paris, no início dos anos 70, mas o pano de fundo é a luta contra o general Franco e a eleição de Salvador Allende, no Chile. O nome da obra - A culpa é do Fidel - já nos insere nesse universo de conflito contra a ética do socialismo e o mundo infantil. Nesse sentido, após tê-lo visto, fiquei com a certeza de que ele deve ser colocado ao lado de dois outros excelentes filmes, que retratam crianças como sendo o eixo que estabelece uma crítica - Pequena Miss Sunshine (2006) e A Língua das Mariposas (1999).

(2) O cinema nacional desde o alvorecer do século XXI tem realizado em média setenta produções por ano. Algumas dessas produções são medíocres; outras, nem tanto. É curioso que se no passado investíamos no gênero pornochanchada, mudamos substancialmente para outro apelo estético. As produções que se efetivaram como sucesso de bilheteria, foram aquelas que se fixaram na violência com ramificações gângsteres. Cidade de Deus, Cidade dos homens ou Tropa de Elite são exemplos bem chamativos daquilo que pode ser conhecido como estética da favela ou estética da fome. É um tipo de realismo que foca a miséria e a violência nossa de cada dia. É como se essas produções preenchessem um fetiche de nosso inconsciente coletivo. Ou de nossos medos mais extremos. Aquilo que tememos que nos ocorra no espaço secular da rua, enche nossos os olhos quando assistimos a isso no cinema ou na redoma sagrada e inviolável do lar. 

Na sexta, 18, por exemplo, fui assistir à estreia de Serra Pelada, de Heitor Dhalia, que já havia feito o excelente O Cheiro do Ralo, em 2007. Em O Cheiro do Ralo, Dhalia havia fugido dos convencionalismos e se fiado pela boa criação da ficção que nos enche os olhos. Em Serra Pelada, Dhalia resgatou uma das páginas mais dramáticas da história recente do Brasil, o garimpo de Serra Pelada, no estado do Pará, coração da Floresta Amazônica. O munícipio de Curionopólis, sul do estado do Pará, protagonizou uma corrida ao ouro no início dos anos 80. Estima-se que 30 toneladas de ouro foram extraídos do maior garimpo a céu aberto do mundo. Muitos brasileiros de todas as regiões do país correram em busca do tão propalado ouro. Muitos enriqueceram, mas outros continuaram pobres e tiveram seus sonhos enterrados pelas dificuldades materiais.

É justamente a partir dessa temática que o bom elenco de Serra Pelada recria o cenário. Juliano (Juliano Cazarré) e Joaquim (Júlio de Andrade) são os protagonistas, contando ainda com atores como Sophie Charlote (Tereza), Wagner Moura (Lindo Rico) e Matheus Nachtergaele (Coronel Carvalho). A obra recria o cenário do garimpo e nos joga numa trama na qual ganância, poder e violência vão sendo desenrolados como a lã de um novelo. Juliano torna-se uma espécie de Don Corleone da selva. Vai criando tentáculos a partir da sede que é despertada pela vontade de mais poder. E nesse sentido a obra nos alerta para os elementos psicológicos que fazem parte do mundo humano. Ou seja, como lidamos com o poder e quais são os caminhos construídos para se chegar até ele. Outro aspecto importante é o mundo marginal que existe em torno do garimpo - prostituição, violência, tráfico de drogas, homossexualismo, hedonismo como resultado do ganho fácil do ouro. O filme ainda nos aponta o fato de que nos tornamos reféns de circunstâncias que estão para além do nosso controle.

Embora reproduza a estética da miséria e da violência, criando uma trama hollyoodiana, a obra é significativa por retratar um evento importante da história do Brasil recente e trabalhar com aspectos tão singulares do mundo humano.

sexta-feira, outubro 18, 2013

Qual romance você está lendo?

Excelente texto do italiano Contardo Calligaris. Eu sabia que os normais são os que leem literatura ficcional!

Sempre pensei que fosse sábio desconfiar de quem não lê literatura. Ler ou não ler romances é para mim um critério. Quer saber se tal político merece seu voto? Verifique se ele lê literatura. Quer escolher um psicanalista ou um psicoterapeuta? Mesma sugestão. E, cuidado, o hábito de ler, em geral, pode ser melhor do que o de não ler, mas não me basta: o critério que vale para mim é ler especificamente literatura --ficção literária. Você dirá que estou apenas exigindo dos outros que eles sejam parecidos comigo. E eu teria que concordar, salvo que acabo de aprender que minha confiança nos leitores de ficção literária é justificada. 

Algo que eu acreditava intuitivamente foi confirmado em pesquisa que acaba de ser publicada pela revista "Science" (migre.me/gkK9J), "Reading Literary Fiction Improves Theory of Mind" (ler ficção literária melhora a teoria da mente), de David C. Kidd e Emanuele Castano. Uma explicação. Na expressão "teoria da mente", "teoria" significa "visão" (esse é o sentido originário da palavra). Em psicologia, a "teoria da mente" é nossa capacidade de enxergar os outros e de lhes atribuir de maneira correta crenças, ideias, intenções, afetos e sentimentos. 

A teoria da mente emocional é a capacidade de reconhecer o que os outros sentem e, portanto, de experimentar empatia e compaixão por eles; a teoria da mente cognitiva é a capacidade de reconhecer o que os outros pensam e sabem e, portanto, de dialogar e de negociar soluções racionais. Obviamente, enxergar o que os outros sentem e pensam é uma condição para ter uma vida social ativa e interessante. 

Existem vários testes para medir nossa "teoria da mente" -- os mais conhecidos são o RMET ou o DANVA, testes de interpretação da mente do outro pelo seu olhar ou pela sua expressão facial. Em geral, esses testes são usados no diagnóstico de transtornos que vão desde o isolamento autista até a inquietante indiferença ao destino dos outros da qual dão prova psicopatas e sociopatas. Kidd e Castano aplicaram esses testes em diferentes grupos, criados a partir de uma amostra homogênea: 1) um grupo que acabava de ler trechos de ficção literária, 2) um grupo que acabava de ler trechos de não ficção, 3) um grupo que acabava de ler trechos de ficção popular, 4) um grupo que não lera nada. 

Conclusão: os leitores de ficção literária enxergam melhor a complexidade do outro e, com isso, podem aumentar sua empatia e seu respeito pela diferença de seus semelhantes. Com um pouco de otimismo, seria possível apostar que ler literatura seja um jeito de se precaver contra sociopatia e psicopatia. Mais duas observações. 

1) A pesquisa mede o efeito imediato da leitura de trechos literários. Não sabemos se existem efeitos cumulativos da leitura passada (hoje não tenho tempo, mas "já li muito na adolescência"): o que importa não é se você leu, mas se está lendo. 

2) A pesquisa constata que a ficção popular não tem o mesmo efeito da literária. A diferença é explicada assim: a leitura de ficção literária nos mobiliza para entender a experiência das personagens. 

"Como na vida real, os mundos da ficção literária são povoados por indivíduos complexos cujas vidas interiores devem ser investigadas, pois são raramente de fácil acesso."
"Contrariamente à ficção literária, a ficção popular (...) tende a retratar o mundo e as personagens como internamente consistentes e previsíveis. Ela pode confirmar as expectativas do leitor em vez de promover o trabalho de sua teoria da mente." 

Em suma, o texto literário é aquele que pede esforços de interpretação por aquelas caraterísticas que foram notadas pelos melhores leitores do século 20: por ser ambíguo (William Empson), aberto (Umberto Eco) e repleto de significações secundárias (Roland Barthes). Na hora de fechar esta coluna, na terça-feira, encontro a mesma pesquisa comentada na seleção do "New York Times" oferecida semanalmente pela Folha. A jornalista do "Times" pensou que a leitura literária, ajudando-nos a enxergar e entender os outros, facilitaria nossas entrevistas de emprego ou nossos encontros românticos. 

Quanto a mim, imaginei que, na próxima vez em que eu for chamado a sabatinar um candidato, não esquecerei de perguntar: qual é o romance que você está lendo? E espero que o candidato mencione um livro que conheço, para verificar se está falando a verdade

Daqui

terça-feira, outubro 15, 2013

In Utero, do Nirvana, 20 anos do lançamento - algumas considerações


Motivos iniciais - a fecundação do caos

Este texto, resultado de uma pensata pouco convincente, deveria ter saído há um mês atrás. Devido a circunstâncias pouco favoráveis eu não pude escrever. Mas vamos lá: há um mês atrás a indústria fonográfica mundial - dia 13/09 - comemorou 20 anos do lançamento do álbum In Utero, último disco de estúdio da banda de Kurt Cobain, lendário líder do Nirvana. Falar do Nirvana é lembrar a minha adolescência. É voltar ao início dos anos de 1990, época da explosão do movimento grunge, época esta também em que descobri o rock.

Quando me analiso e tento encontrar explicações plausíveis que expliquem o fato de até hoje ouvir a banda de Kurt Cobain, entendo que se trata de um apelo das emoções. A banda musicalmente era ruim. A voz de Kurt era um grunhido gritado. Em muitos momentos ele desafinava. As suas performances eram irracionais. Mas o selo da rebeldia estava em tudo aquilo e, talvez, esse fato seja um combustível para as nossas necessidades mais primitivas. 

Alex Ross em seu excelente livro Escuta Só, diz que Cobain escolheu voluntariamente "um caminho para a morte". Ou seja, sua trajetória estava marcada e traçada por conta de uma vida de abandono e instabilidade emocional desde o início de sua carreira. Charles Cross, por sua vez, na biografia Mais pesado que o céu, livro este em que é pintada com cores bem vivas a conturbada e cinzenta vida do líder do Nirvana, deixa muito claro o sujeito complexo e emocionalmente instável que era Kurt Cobain. Para entendê-lo é necessário mergulhar em sua história familiar. Na separação dos pais. A mãe Wendy e seu pai Don, formaram um casal instável. Parecia haver uma condição psicológica perturbada na família da mãe de Cobain. Segundo Cross, Wendy separou-se de Don sem maiores explicações e a partir daí começa a desagregação existencial de Kurt.

Passou a viver de favores na casa de amigos. A receber salários ordinários em sub-empregos. Kurt não era muito disposto ao trabalho. Gostava mesmo era de rock. O movimento punk em alta no final dos anos 70 e início dos anos 80 era sua grande atração. Sua vida era "vagabundar" pelos bairros de Aberdeen, sua cidade natal, no estado de Washington, extremo oeste americano. 

Ao formar o sua primeira banda, a Fecal Matter ("Matéria Fecal"), em 1985, nota-se o tom de escracho e ao mesmo tempo, de insubordinação adolescente e que seria a sua marca. Tal alusão subjacente foi cantada inconscientemente em Smell like teen spirit ("Cheira a espírito adolescente"). A Fecal Matter não fez nenhum show. Foi uma proto-ideia daquilo que mais tarde seria o Nirvana. O certo é que Kurt sempre mostrou-se introspectivo. Mesmo antes de se tornar famoso, sempre mencionava a possibilidade do suicídio.

Bleach e Nervemind - organizando o caos

Em 1989, Cobain lançaria o disco que seria uma espécie de panfleto de sua estética. É um disco muito importante para o movimento grunge. Ele consolida aquilo que já vinha sendo feito por bandas como Melvins ou Mudhoney. O disco foi gravado pela famosa e marginal gravadora Sub-Pop, que logo em seguida despejaria para o mundo uma quantidade de bandas desconhecidas, acreditando que no meio desse caudal haveria "outros nirvanas". Bleach é um disco barulhento, de som sujo e gritado. As músicas possuem uma marca que seguiria a banda em sua trajetória efêmera: o som se amalgamava com a voz feita sob encomenda de Kurt Cobain. Os solos de guitarra são desarmônicos. Existe uma não-linearidade nesse sentido, como se a banda quisesse formar uma nova plástica musical. Outras duas músicas chamam a atenção pela "violência plástica": Paper Cuts e Negative Creep.

Era um bofete em bandas hegemônicas do mainstream como Guns n' Roses, Metallica ou Iron Maiden. Aquilo era cru e sujo ao extremo. Um exemplo disso (a música que escuto agora enquanto digito essas linhas) é Floyd the Barber, que trazia um som encorpado, pegajoso, untado pela voz desesperada de Kurt. A música nos transmite uma forte impressão de que se trata de uma algo feito por colegiais que resolvem se divertir na garagem para desespero dos pais. Àquela altura, Kurt já tinha 22 anos de idade. Começava a fazer shows em vários locais dos Estados Unidos. Foi à Europa. Tocou na Inglaterra. Kurt Cobain ao vivo impressionava. Era um tipo diferente fazendo rock. Suas performances chamavam atenção. Sua música possuía uma energia extraída dos subterrâneos, de cavernas escuras. Era levada ao mundo por meio de vagidos agônicos. Músicas como Love Buzz ou School apareciam em momentos altos dos shows para delírio dos fãs, que quando não entendiam o espetáculo, ficavam a olhar os desvarios artísticos do profeta da nova geração, uma espécie de Jim Morrison redivivo.

Em 1991, o grupo gravava com a poderosa Geffen. Saía o disco comercial que consagraria a banda - Nevermind. Nevermind é um marco da indústria fonográfica. Impossível falar em rock sem mencioná-lo. Talvez esteja ao lado de discos como Sargent Peppers, dos Beatles, ou Led Zeppelin IV, do Led Zeppelin, em matéria de importância. Nevermind unia a semântica comercial ao som vocacionado para embalar uma geração. Era um disco feito sob recomendação. Os acordes iniciais de Smell like teen spirit, a música que abre o disco, era uma espécie de brincadeira. Mas a música era terrivelmente boa. A diferença de Nevermind em relação ao Bleach é gritante. A estética do grito foi substituída pelo uso convincente de letras fáceis e grudentas e uma harmonia que ficava presa na cabeça. Os sentidos pareciam exigir aquela música que trazia uma "fragrância nova", que "cheirava a liberdade". Parecia falar às necessidades dos jovens. Não percebíamos que tudo aquilo eram solilóquios, monólogos, de uma alma achacada. Kurt era um sujeito indefeso que encontrava nas drogas a sua válvula criadora. Ele parecia estar fazendo expiação às contradições do mundo burguês. A juventude que via nele o ícone de uma nova geração, não percebia que ali estava um sujeito que também pedia socorro. Os desencontros e as contradições geradas na sociedade de classe leva os homens a se automutilarem.


Com Nevermind, Kurt ganhou rios de dinheiro. Tornou-se herói. Mas tudo aquilo parecia ser insignificante para ele. Seu vício contumaz. Suas tentativas malogradas de largar as drogas. Sua personalidade introspectiva parecia dizer para o mundo que sua vida corria perigo. Ele era o seu pior inimigo.

In Utero - o paroxismo do caos

Em 1993, começava o projeto para gravar aquele que seria o terceiro disco de estúdio  - e último também. Kurt queria fugir dos clichês comerciais e propagandísticos do disco anterior. Queria regressar aos momentos iniciais da banda. Tanto é assim, que In Utero esteticamente está mais próximo de Bleach do que de Nevermind. A diferença é que In Utero está dentro de um invólucro de dor, de desespero, de ácidos sujos, de uma atmosfera doentia. Em quatro anos de sucesso constante e meteórico, a banda na pessoa de Kurt havia alcançado um "nirvana paradoxal". Não se tratava da quietude perpétua como apregoa a doutrina do budismo, mas o paroxismo do caos. Era a consagração do paradoxo. O disco nos coloca uma pergunta: "no útero de quê?" Talvez, tenhamos encontrado o enunciado mais verdadeiro e repleto de significados existenciais saído da garganta de Cobain.

In Utero começou a ser gravado em fevereiro de 1993. A banda escolheu Steve Albini, um mago do rock independente da cena americana. É curioso notar a mudança perpetrada no itinerário da banda. A sonoridade de In Utero é uma das coisas mais viscosas da história do rock. Um exemplo que pode ser contraposto é a On Plain, de Nevermind, e Milk It, do comentado disco. Enquanto aquela soa como uma lufada de vento "em uma planície", esta possui uma sonoridade sufocante, repleta de agonia e uma letra desconexa ("her milk is my shit/ My shit s her milk" ["O leite dela é minha droga/ Minha droga é o leite dela"].

Havia a desconfiança de que o disco não emplacaria. Mas aconteceu o contrário. A sua perspectiva lírica gira em torno de sexualidade, nascimento, morte, doença, vício. Era a agonia de Kurt. Sua alma, finalmente, mostrava-se. Vivera alguns anos querendo voar. O disco exatificava seus sentimentos. Dali para frente seria a derrocada. Tanto é assim que em 5 de abril (possivelmente) de 1994, ele atirou contra a própria cabeça com uma espingarda, pondo fim à sua curta história de fama e solidão existencial.

Os ecos do caos

O espectro de Kurt Cobain ainda assombra a muita gente. Sua voz ainda continua poderosa. Sua música encanta muitos jovens em torno do mundo. Ele derramou "o cheiro" de sua música por todos os cantos. O Nirvana ainda é uma banda comercialmente rentável. Estima-se que a banda tenha vendido mais de 50 milhões de discos em todo o mundo. Somente o In Utero já vendeu mais 10 milhões de cópias desde o lançamento. O disco está ao lado de discos dos Beatles, Bob Dylan, Rolling Stones, Queen, Led Zeppelin e Pink Floyd na lista dos cem discos mais importantes da história, segundo a revista americana Blender.

Curiosamente, continuo ouvindo Nirvana - especialmente o In Utero. Ao ouvi-lo, é como se eu voltasse no tempo. A primeira vez que o escutei foi em 1994. Comprei em uma loja de discos. Era um fita K-7. Não sei onde ela foi parar. Ouvi-a tanto... gritei tanto... Os ecos do caos continuam a produzir a sua música gritada e agônica - e o pior é que existe uma satisfação nisso tudo.

sábado, outubro 05, 2013

Pensata matinal de início de mês


Um gracejo matinal! 

Viver em uma sociedade capitalista é ser enredado em algumas armadilhas. Estamos presos à cotidianidade. Naturalizamos um determinado estilo de vida. É como se não existisse outro. Introjetamos a ideia de que quanto mais consumimos, mais realizados nós somos. Tornamo-nos susceptíveis a forças coercitivas - sejam elas reais ou simbólicas. Uma delas é o fetiche da mercadoria. Atualmente, o cartão de crédito é uma espécie de "passagem" para o mundo da possibilidade. O cartão possui um poder simbólico, pois quando o usamos, não temos uma noção imediata dos estragos a que estamos sujeitos. É como se adiássemos a prestação de contas e isso gera uma satisfação - pelo menos um apaziguamento na consciência. Todavia, lá no início do mês, os diques da realidade são rompidos e acabamos nos afogando em meio às exigências das instituições financistas. O salário exíguo vai embora. Escoa com a celeridade de um rio caudaloso. E aí, entramos mais uma vez, numa ciranda: consumimos e trabalhamos com o objetivo de quitar as obrigações criadas pela mercadoria. É o círculo nefasto, a roda-viva. E aí surge a pergunta: a vida é somente isso?