domingo, setembro 25, 2011

O homem do futuro e O Cheiro do Ralo – dois filmes em dois dias!

Apesar de andar bastante estafado nestes últimos dias, tive a ventura de assistir a dois filmes nos últimos dois dias. Primeiro, na sexta-feira, assisti à película morna O Homem do Futuro, que tem como protagonista o Wagner Moura. E, ontem, o intrigante O Cheiro do Ralo, que tem como personagem principal - numa atuação absurda de boa - Selton Mello.


(1) O Homem de Futuro - na verdade, a obra do diretor Cláudio Torres me deixou com um misto de sentimentos contraditórios - de aspectos elogiáveis e, outros, críticos. O cinema brasileiro progrediu consideravelmente nos últimos vinte anos. No passado, ia-se ao cinema para se ver a filmes de "sacanagem" e ouvir palavrões. Oscilávamos entre a pornochanchada e o riso nonsense dos filmes de Os Trapalhões; e outros de qualidade inferior. Esse quadro nos levou a ter uma péssima impressão do cinema nacional. O Homem do Futuro é uma obra bem elaborada. Os efeitos especiais não são tacanhos. Nada deixam a dever a Hollywood. A atuação de Wagner Moura é contunden
te. A trama é bem construída. Possui coerência. Possui vários momentos em que se pode dar boas risadas, mas não de piadas baixas, nem rasteiras. O personagem de Wagner Moura (Zero) é construído para gerar empatia com o espectador. Os paradoxos temporais são bem construídos, o que nos leva a constatar a melhora significativa do nosso cinema.


O filme é uma comédia romântica com enxertos de ficção. Enquanto assistia ao filme me lembrei da trilogia De volta para o Futuro, um ícone dos anos oitenta; ou Bill e Ted. Ou seja, da aventura que surge como resultado da teoria científica, do professor maluco e genial que constrói bugigangas capazes de viajar no tempo e mudar aspectos malquistos do passado. E é aí, talvez, que o filme m
ostre o seu lado artificial. Embora a história não seja previsível, eu senti algo quadrado, cheio de arestas, entrando em meu cérebro. Talvez, ainda, essa sensação seja resultado de uma má impressão que tenha adquirido do cinema nacional, algo que está instalado como uma espécie de inconsciente coletivo. Ou seja, de que não temos vocação para fazermos filmes com efeitos especiais; de ficção científica; com um tipo de história que nos leva a um desfecho incomum.


(2) O Cheiro do
Ralo - O filme é baseado no livro homônimo de Lourenço Mutarelli. Assisti ontem à noite e fiquei impressionado com a qualidade. Fiquei me questionando como esse filme ficou à margem, na obscuridade. A qualidade da história é notável. A fotografia de um mundo suburbano, decadente, foi bem arquitetada. Ela faz jus ao papel de Lourenço (Selton Mello), o dono de um armazém, uma espécie de antiquário com vocação para ferro velho. Nesse local, o personagem trava batalhas psicológicas com as pessoas necessitadas que lá vão vender objetos velhos ou usados. A sua condição faz com que o personagem oprima, controle, dite as regras daqueles que vão lá vender os seus objetos. Mas, o curioso é que, no local onde fica a maior parte do filme, Lourenço passa a ser incomodado pelo cheiro do ralo de um banheiro contíguo à sua sala. Aos indivíduos que lá vão vender os seus objetos a baixos preços, Lourencço diz: "Olhe, esse mau cheiro é do ralo. Estou com um problema no banheiro".


O ralo possui uma relação simbólica com a personagem. Em dado momento da obra um dos visitantes anônimos diz: "Não! Esse cheiro é seu!" E aquilo passa a perturbar a personagem. É curioso que a relação da personagem com o ralo passa a assumir contornos existenciais. A vida marginal, pouco expressiva e decadente de Lourenço possui a fragrância do ralo. Com o tempo, ele passa a necessitar do ralo. Passa a cheirar o ralo como se aquilo fosse uma complementação necessária à sua existência. É como se o cheiro nauseabundo saísse de sua personalidade tacanha e conturbada.


A mente da personagem é complexa. Sua compulsão pela bunda de uma garçonete é curiosa. As pessoas que ele julgava controlar, principalmente, uma dependente química esquelética, levam a história a um desfecho curioso, um fim paradoxal. A última palavra que exprimimos para descrever a experiência proporcionada pela obra é: "Caramba! Que merda!"

Por Carlos Antônio M. Albuquerque


terça-feira, setembro 20, 2011

Britten, um caso de Interlúdio


Tenho uma paixão toda especial por Britten. E estes Four Sea Interludes do compositor inglês é a magestificação de uma beleza diferente. Britten foi um dos maiores compositores de todos os tempos. Sua música soa sempre perfeita e exata. Na dança dos nomes, o inglês sempre fica preterido frente à Stravinsky, Bartok e outros, mas penso que ele se imiscua nesse panteão dos gênios da música de todos os tempos. Abaixo uma palhinha com o André Previne a Filarmônica de Viena.


domingo, setembro 11, 2011

Blade Runner, uma película mórbida, mas intrigante e Nietzsche

Na última semana, assisti ao filme Blade Runner, o caçador de andróides. Trata-se de um filme mórbido. Fazer filmes de ficção é um empreendimento complexo, ainda mais quando se trata de uma obra produzida no início da década de 1980. O filme de Ridley Scott, autor de O Gladiador, 1492 e Cruzada, é maçante. As cenas se passam à noite. A evolução da história é morosa. Na Los Angeles de 2019, nota-se uma fotografia dark, complexa, eivada de caos social. Chove a maior parte do filme. É uma chuva negra, constante, num cenário velho, nauseabundo. A trilha sonora foi realizada por Vangelis. E pode se dizer que a música foi bem pensada. Ela parece ter um gosto plástico, o que causa uma sensação de gastura e mal-estar. Carros voadores dividem o espaço com modelos velhos, ultrapassados. Os comerciantes são orientais - chineses. Talvez, o diretor quisesse apontar o problema, já presente na década de 80, da orientalização da América. Trata-se de um cenário decadentista. A paisagem é opressiva. As mensagens publicitárias garantem vida plena, saúde, prazer, numa atmosfera sufocante, que parece ser o resultado de uma deterioração atômica. E nisso repousa um paradoxo.

Pode-se perceber uma condução distópica na problemática abordada pelo filme. Há uma guerra existencial, de sobrevivência e de descoberta de si mesmo. Deckard (Harrison Ford), o protagonista do filme, trabalha num filão da polícia chamada de blade runners, que tem por finalidade exterminar os “replicantes”, clones ou réplicas “mais que humanas”. Os “replicantes” se revoltam e são tidos como proscritos. A função do policial Deckard é aniquilar estes insurgentes. A questão é que estes “replicantes” vivem, no máximo, 4 anos. Eles envelhecem rapidamente. Mas, querem buscar estender a vida. Buscam resolver essa imperfeição, mas encontram o policial Deckard, que se apaixona por uma “replicante”. De certa forma, ele vive um paradoxo. Busca destruir os “replicantes”, mas está emocionalmente envolvido com alguém de vida breve e que deve morrer.

Penso que o diretor tenha desejado fazer o papel inverso, numa espécie de odisseia, da problemática do humano. Talvez Ridley Scott - e aqui podem falar os entendidos – tenha desejado projetar nos “replicantes” aquilo que é inerente ao humano, ou seja, a busca pelo prolongamento da própria vida. O tempo é um carrasco que aniquila a vida humana. Construímos cenários, tecnologias; buscamos a extensão da vida e nos apegamos com mais força aos recursos que nos são próprios, mas a vida é fugidia. Vivemos numa busca complexa num mundo cada vez mais desfigurado e sufocante. O drama da efemeridade dos “replicantes” é o drama dos próprios humanos. Os “replicantes” são o arquétipo da tragédia humana. Nascemos e vivemos em meio à ruína, ao niilismo e somos conduzidos, mesmo em meio à técnica e às buscas da ciência, ao fatalismo iminente da decadência. Como afirma um dos “replicantes” não basta “pensar para existir”. A vida é mais do que uma lógica retilínea.

Enquanto assistia à obra questionava para qual direção o filme estava sendo conduzido, mas as cenas finais são cheia de significações filosóficas. A cena que mais me pertubou é aquela em que o “replicante” Roy (Rudger Hauer) mata Tyrel, o seu criador. Nessa cena, vemos a própria implosão da metafísica. A criatura matou o criador. Pode-se evocar aquela famosa citação de Nietzsche descrita em “A Gaia Ciência”: “Deus está morto!” Talvez aqui resida uma das principais críticas feitas pelo filme: A falta de sentido do existir humano. A morte da metafísica significa a morte dos valores que sedimentavam a segurança do homem, os valores que estribavam os idealismos.

A película de 1982 é altamente instigante. Para finalizar cito o aforismo # 125 de Nietzsche, que muito bem retrata uma das problemáticas do homem moderno encontradas no filme de Ridley Scott – a criação “matando” o criador:

“Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!”? – E como lá se encontrassem muitos daqueles que não criam em Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada. Então ele está perdido? Perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança? Disse um outro. Está se escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio? Emigrou? – gritavam e riam uns para os outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. “Para onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes direi! Nós os matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, em todas as direções? Existem ainda ‘em cima’ e ‘embaixo’? Não vagamos como que através de um nada infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas de manhã? Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os assassinos? O mais forte e sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob os nossos punhais – quem nos limpará esse sangue? Com que água poderíamos nos lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele? Nunca houve ato maior – e quem vier depois de nós pertencerá , por causa desse ato, a uma história mais elevada que toda a história até então!” Nesse momento silenciou o homem louco, e novamente olhou para seus ouvintes: também eles ficaram em silêncio, olhando espantados para ele.“Eu venho cedo demais”, disse então, “não é ainda meu tempo. Esse acontecimento enorme está a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos dos homens. O corisco e o trovão precisam de tempo, a luz das estrelas precisa de tempo, os atos, mesmo depois de feitos, precisam de tempo para serem vistos e ouvidos. Esse ato ainda lhes é mais distante que a mais longínqua constelação – e no entanto eles cometeram! – Conta-se também no mesmo dia o homem louco irrompeu em várias igrejas , e em cada uma entoou o seu Réquiem aeternaum deo. Levado para fora e interrogado, limitava-se a responder: “O que são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos de Deus?”.”

Por Carlos Antônio M. Albuquerque

Data: Domingo, 11 de setembro de 2011, 23:07:37

segunda-feira, setembro 05, 2011

"A Flora Brasiliense", por Angeli

Apenas um pequeno adendo ao post anterior. Lembrei dessa brilhante charge do Angeli. É uma explicação mais que científica do "fenômeno brasileiro".

quinta-feira, setembro 01, 2011

Os políticos, Jaqueline Roriz e a "sifilização do Brasil"

Somos um país muito estranho. Penso isso após ter passado do momento de susto cético ao estoicismo resignado daquelas pessoas que aceitam o acontecido e se sente completamente incapaz de emular qualquer mudança. E assim a gente vai caminhando, cantando, aquela frase patética: "Sou brasileiro e não desisto nunca!", numa tentativa de motivar a nossa vontade, a nossa fé cega, que não apresenta direções. Caminhamos apalermados. Levamos "socos no estômago", "na face da nossa decência" e, mesmo assim, somos instados a cantar: "Sou brasileiro e não desisto nunca". Que país é esse? Por que não indagamos o porquê de recitarmos essa frase fatalista? Esses pensamentos divagadores são o resultado de minha sensação de idiotamento. Na última terça-feira, a Câmara dos Deputados arquivou o processo contra a senhora Jaqueline Roriz, que a essas horas está rindo de nosso atoleimamento. E será que agora afirmaremos "sou brasileiro e não desisto nunca?".

O Brasil é um país de ambiguidades interessantes. Alternamos os momentos de euforia com atarantamento inoperante; de alegria futebolística com o choro por personalidades que não acrescentam nada à nossa vida individual. Mas não somos capazes de sair às ruas, numa mobilização capaz de fecundar mudanças; Organizamo-nos para ir ao estádio, mas não somos capazes de nos organizarmos numa passeata nacional em prol da decência, da moral, da ética e dos bons costumes. Na quarta-feira pela manhã, quando se ficou sabendo do ocorrido na noite anterior (tudo feito às escuras, para não se deixar vestígios), ficamos com aquela "cara de paisagem", de "panaca", de quem "é brasileiro e não desiste nunca".

O Brasil é um país estranho que não se leva a sério. Somos o resultado da confusão, dos magotes de degredados, criminosos, bandidos, em suma, a ralé que foi trazida para cá por Portugal. Nosso país não nasceu de um sonho, de um planejamento. Somos o resultado da anarquia, do chafurdo, da orgia da sífilis. Gilberto Freyre diz que antes de sermos "civilizados fomos sifilizados". Talvez, não tenhamos passado pelo processo "civilizatório" citado por Freyre. Talvez ainda tenhamos em nosso sangue a doença, a endemia que açambarcou as nossas forças e nos inclinou para a invirtude, para o malandrismo, para a esperteza. Talvez tenha sido esse processo "sifilizatório" que nos deixou "a memória fraca", a demência da indisciplina, da ignorância, da falta de decoro, da licenciosidade, dos desrespeito.

Após o episódio da última terça-feira, eu me tornei mais cético. O que foi construído em 511 anos de existência não pode ser desfeito do dia para noite. Não é com gritos, com moralismos, com a religião, com sentimentalismos, que se extirpa esse estado de doença avançada. O mal que acomete esse país está depositado em suas próprias veias. A um câncer nós não o arrancamos com "benzeduras", mas com medidas duras, objetivas e clínicas. Não é a esquerda nem a direita que muda o Brasil. Isso já foi provado, pois o país continua a ser "uma espécie de acampamento" para vigaristas, para grileiros, para os licenciosos e promíscuos.

Os meus ideais e crenças num país justo se aniquilaram um pouco mais. Sinceramente, não nos levamos a sério. E, para essa doença, não sei se há rémedios.

Por Carlos A. M. Albuquerque
01/09/2011