segunda-feira, março 28, 2011

Sentidos naturais

A mais antiga e mais sábia

mestra é a natureza.

A mais silenciosa e mais revolucionária

de todas as forças é a da natureza.

Uma mão invisível a imprimir formas.

Os cânions, os vales, as montanhas,

as depressões oceânicas.

O vento da manhã me fez refletir

esses poderes.

As árvores agitadas, ziguezagueantes.

Uma mão incógnita a acariciar

os sentidos vegetais.

Agitamentos, danças, saracoteios

frenéticos.

Eucaliptos, coníferas, sibipirunas,

flamboyants.

Estáticas.

Fincadas ao chão.

A mão suave a me acarinhar.

A frescura que soprou em minha face.

Os meus companheiros agasalhavam-se

esta manhã.

Vesti-me da manhã.

Extático, sorvi o carinho natural.

Alegra-me pensar nesses ensinamentos

silenciosos.


Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

Data: terça-feira, 21 de outubro de 2008.

quinta-feira, março 24, 2011

Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk, a força da literatura (I)

Principiei a leitura de Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk no dia de ontem. Ando sem muito tempo para ler. A rotina me asfixia. Tento arranjar janelas a fim de ventilar a minha alma, refrescar minhas ideias , manter-me informado. Por isso, no trajeto de casa para o trabalho, eu geralmente leio. Não reclamo se há engafamento no trânsito. Até agradeço, pois, se ocorrem, passo a dispor de mais tempo para ler. Foi nesse intervalo que pricipiei a leitura do livro de Nikolai Leskov. Escrevo essas palavras para assinalar a nota de uma impressão que Lady Macbeth me causou. Nas primeiras trintas páginas que li, o livro publicado pela extraodinária Editora 34, deixou-me asfixiado, quase sem ar. Em capítulos rápidos, curtos e lancinantes, Leskov condensa habilidade, realismo nu e instintos irrefreáveis. Em 30 páginas, Catierina Lvovna Izmáilova, matou o sogro, Borís Timofiêitch, arranjou um amante e está prestes a assassinar o marido Zinóvi Boríssitch. Há uma fluência elétrica no texto de Leskov. Deve ser por causa desse estilo que Dmitri Shostakovich interessou-se pela trama e compôs uma ópera homônima. Mas, contudo, seguirei a leitura com ar boquiaberto; aturdido com a tão grande genialidade e desenvoltura do escritor russo.


segunda-feira, março 21, 2011

À chegada do outono

O outono teve início e com ele surgiu o meu entusiasmo. É a estação que mais admiro. Outono é uma ode à caducidade da vida. Vejo o outono como uma celebração à quietude. Com o outono tudo se amansa, envelhece, pende para baixo. O despojamento que vemos por toda parte; o frio que encolhe; a sensação de que o céu cinza é uma cortina que nos sensibiliza. Abaixo segue um fragmento de uma reflexão feita por Rubem Alves, alguém para qual o outono é uma poesia.

"Eu conheci um homem assim: Wayne Glick. Estivemos juntos por poucas semanas Mas aquele foi um tempo eterno.

Tempo eterno é o tempo que volta sempre.

Era outono no estado de Maine, nos Estados Unidos. O Maine fica bem ao norte, de um lado é o Canadá, do outro é o mar.
O outono, é quando a natureza está se despedindo, preparando-se para o longo sono do inverno.
No verão as folhas dos bosques são verdes. No outono, as folhas verdes, tocadas pelas primeiras geadas,mudam de cor.Os verdes rareiam. Algumas árvores se incendeiam, vermelhas. Outras ficam de um amarelo vivo, brilhante.
Uma brisa fria começa a soprar arrepiando a pele.
Caem as folhas cobrindo o chão.
É a ocasião da colheita das maçãs
As cores das árvores, o céu azul, o cheiro das maçãs maduras e das folhas já em decomposição: há uma tristeza bonita no ar.
O outono é triste.Acho que é porque ele é uma metáfora da vida. A despedida deveria ser assim: uma orgia de beleza.
Mas antes que o outono comece nas coisas ele começa em nós. Foi Bernardo Soares quem disse."

Rubem Alves
Correio Popular
16/10/05

terça-feira, março 15, 2011

Luis Gonzaga, um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos

Somente quem viveu no sertão tem a capacidade de dimensionar o que Luis Gonzaga está a cantar nessas duas músicas. Samarica Parteira mostra a genialidade do velho Lua, uma das personalidades mais respeitáveis da música popular brasileira no século XX. Preste atenção nessa história rica em matizes e aspectos regionais. A linguagem, a imagens fomentadas, a graça do causo, tudo isso constitui uma atração grandiosa nssa história tão comum no sertão do Brasil. A outra música é "Estrada de Canindé", um poesia tocante, emocionante. As palavras finais são maravilhosas: "Mas o pobre vê nas estrada / O orvaio beijando as flô / Vê de perto o galo campina / Que quando canta muda de cor/ Vai moiando os pés no riacho / Que água fresca, nosso Senhor /Vai oiando coisa a grané/ Coisas qui, pra mode vê /O cristão tem que andá a pé". Lindo. Poesia fina, refinada.


Samarica Parteira



Estrada de Canindé


Estrada de Canindé
Luíz Gonzaga
Composição: Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira

Ai, ai, que bom
Que bom, que bom que é
Uma estrada e uma cabocla
Cum a gente andando a pé
Ai, ai, que bom
Que bom, que bom que é
Uma estrada e a lua branca
No sertão de Canindé
Artomove lá nem sabe se é home ou se é muié
Quem é rico anda em burrico
Quem é pobre anda a pé
Mas o pobre vê nas estrada
O orvaio beijando as flô
Vê de perto o galo campina
Que quando canta muda de cor
Vai moiando os pés no riacho
Que água fresca, nosso Senhor
Vai oiando coisa a grané
Coisas qui, pra mode vê
O cristão tem que andá a pé

terça-feira, março 08, 2011

A morte e a morte do meu avô

Esta reflexão mirrada deveria ter saído há mais tempo. Andei um pouco ocupado. Somente agora, neste feriado de carnaval, arranjei um intervalo para fazê-la. No dia 17 de fevereiro último, eu perdi o meu avô. Sua morte provocou um abalo na minha família materna. Já fazia certo tempo que ele estava a agonizar. Um derrame o derrubou. Precisava de tudo e todos para as mínimas coisas. Vivia acamado. Sua voz quase ininteligível quase não era ouvida.

A última vez que o vi foi em fevereiro de 2004. Naquela ocasião, eu fizera uma viagem ao estado do Piauí. Aproveitei que estava perto e resolvi visitá-lo em Pernambuco. Passei 15 dias a ouvir histórias. Casos extraordinários. Acontecimentos que ainda pretendo colocar no papel, numas memórias que tenciono escrever futuramente.

Meu avô representou muito para a minha educação. Aprendi com ele o respeito pelo próximo e a disciplina austera para com a vida. Ainda posso ouvir a sua voz forte e grossa, rolando dos lábios quase sempre enrugados em sinal de seriedade. Era um homem firme. Carregava dentro de si a educação machista e senhorial dos homens do interior. Parecia gostar em seu silêncio dessa condição.

Mas a morte veio com seus braços frios e imparciais e abraçou o meu avô. No dia em que soube de seu falecimento, eu chorei de modo estranho, como que para me resignar aos fatos. A morte é cruel, fria, vitimizadora dos vivos e animados. Ela é uma cirurgiã, uma faxineira implacável. Arranca os homens da face da terra . Deixa apenas o seu rastro melancólico. Os homens se vão e ficam as trilhas saudosas que, com o tempo, apagam-se diligentemente, silenciosamente. O tempo é o principal operário da morte. O seu trabalho lento e processual nos leva a um destino inexorável.

Salomão diz em Cantares que “o amor é forte como a morte”. Até hoje penso no que ele quis dizer com isso. Amor e morte são duas realidades que fazem balançar o coração dos homens. Os dois são experiências marcantes. Foi inevitável não lembrar desse texto quando o meu avô morreu. Amor é experiência para os que vivem. O amor transforma e provoca revoluções, afirmam os poetas. Talvez seja nisso que resida a sua força. Mas, a morte é fulminante. Ela não escolhe hora, classe social, beleza ou feiúra. Quando vem, leva qualquer um de modo impiedoso. É como naquela filme de Ingmar Bergman, O Sétimo Selo. Em todos os momentos estamos sendo espreitados por ela. Lutamos contra ela. Jogamos com ela. Todavia, por mais habilidosos que sejamos e por mais força que tenhamos, ela em um dado momento nos rende e nos aplica o lance fatal - o xeque-mate!

Dizem os sábios que é quando lidamos tranquilamente com o fato de que vamos morrer é que começamos a não ter medo da vida. A vida é um sonho. Um dia o sonho, a fantasia efêmera passa e deixamos de ser. Nós sumimos juntos com ela.

Foi pensando nisso que assisti ao filme Rosencrantz e Guildenstern estão mortos, do diretor e dramaturgo Tom Stoppard. Os personagens foram extraídos das costelas de Hamlet, do dramaturgo inglês William Shakespeare. O filme em muitos aspectos é nonsense, mas possui aquelas reflexões shakespereanas profundas sobre ser e não ser. Stoppard conseguiu captar esse aspecto singular da obra de Shakespeare com bastante habilidade. Rosencrantz e Guildenstern, com Gary Oldman e Tim Roth, é uma película densamente filosófica. Há diálogos extraordinários. Reflexões fascinantes. Como, por exemplo: “Nós devemos nascer com uma intuição da mortalidade”. Lembrei de Pascal. Ou: “Antes de sabermos da palavra [morte], antes de sabermos que há palavras, nascemos ensanguentados e aos berros, sabendo que para cada ponto da bússola, há apenas uma direção. E o tempo é a sua única medida”. Mas, uma questão problematizadora acerca da vida e da morte é dita por um dos personagens: “Seria horrível, não é mesmo? Ficar preso numa caixa, e para sempre. Mesmo considerando que se está morto, não é um pensamento agradável. Especialmente se você está morto... Se eu te perguntasse agora mesmo: vou te colocar numa caixa, você preferiria estar vivo ou morto? Naturalmente que preferia estar vivo. Vida numa caixa é melhor do que vida nenhuma (...)”. Aqui reside o ponto sensível, o dilema essencial que envolve o ser humano. O homem é o único ser que sabe que vai morrer. Todavia, mesmo nessa condição de estar num invólucro mortal, é melhor viver e morrer, do que nunca ter vivido ou existido.

Para lidar com a morte o homem se mune de diferentes reações. Cria religiões, poesias, ritos, explicações mirabolantes, uma vida numa outra esfera, tudo para continuar a existir. Seu desejo de estar o persegue e o atormenta, sempre.

No fundo morrer é não ser. Um dos personagens do filme de Stoppard diz que “a morte é a negação absoluta. É não estar”. De fato, morrer é não estar, é não ser, enquanto evento material e histórico. Somente somos enquanto vivemos. Viver é ser e estar. A vida é a força que nos anima, propulsiona a sermos mais. Dá sentido à vida que recebemos é a verdadeira missão que temos a executar. Morrer sem ter entendido qual é o seu papel na história é mais trágico do que a morte. Viver é descobrir as respostas que fazemos à vida. Amar, sentir o cheiro das pessoas que cativamos; o sabor da comida que gostamos; da música que apreciamos; da visão que os olhos anseiam é, verdadeiramente, buscar ser e estar na vida. Em suma, chorar com aquilo que os olhos veem, mas somente a alma consegue entender.

Desperdiça a vida quem não observa tais eventos. Tenho certeza que meu avô foi e esteve enquanto viveu. Agora sua presença repousa dentro de mim e dos meus familiares. Ele será memória viva enquanto eu for e estiver.

Obrigado, vô!

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: terça-feira, 8 de março de 2011, 20:05:37.

sábado, março 05, 2011

Marx e Nietzsche diante da modernidade capitalista

Nos marcos da onda pós-moderna que varreu o mundo durante as décadas de 1980 e 1990, houve uma tentativa revalorização do pensamento de Nietzsche e, inclusive, de aproximá-lo de Marx. Qual a razão disso? Segundo Marshall Berman, ambos estariam envolvidos na “mesma tentativa de expressar e de agarrar um mundo o qual tudo está impregnado de seu contrário”. E mais: eles estariam preocupados na construção de uma “nova espécie de homem (…) que, colocando-se em oposição ao seu hoje, teria a coragem e a imaginação de ‘criar novos valores’”. Para ele, Marx e Nietzsche, teriam sido “simultaneamente entusiastas e inimigos da vida moderna”. Neste sentido, contrapunham-se a maioria dos autores atuais, que possuem uma visão unilateral da modernidade, pois caminhariam para polarizações rígidas e anti-dialéticas na qual a modernidade “ou é vista com um entusiasmo cego, acrítico, ou é condenada (…), sempre concebida como um monólito fechado, que não poderia ser moldado ou transformado pelo homem moderno”.

De fato, os dois autores alemães captaram a crise que impregnava a sociedade capitalista moderna e se colocaram contra ela; mas, indubitavelmente, olhavam esta sociedade em crise de maneira muito diferente. Marx foi um crítico feroz do capitalismo, advogando o fim da exploração do trabalho, a destruição do Estado burguês e sua substituição pelo chamado Estado-Comuna. A perspectiva marxista, portanto, era assentada num democratismo radical-popular, no qual as massas tinham um papel central e positivo na história.

Nietzsche, pelo contrário, era fortemente marcado por um ódio aristocrático às classes populares e ao socialismo, inclusive nas suas formas mais amenas. A sua crítica ao capitalismo era essencialmente conservadora e reacionária. Concentrava seus ataques ao liberal-democratismo que permitiria, ainda que de maneira limitada, a participação política de setores despossuídos. Na sua obra clássica Para além do Bem e do Mal, afirmou: o movimento democrático era “uma forma de degradação da organização política”, equivalente à “degradação e apequenamento do próprio homem”.

Nietzsche, também, não mostrou nenhuma simpatia por aqueles que chamava “cães anarquistas”, que vagueavam “nos becos da civilização”, nem pelos “fanáticos de irmandades que se denominam socialistas” e almejavam construir uma “sociedade livre”. Expressou, por diversas vezes, sua repugnância pela “instintiva hostilidade” dos socialistas “contra toda forma de sociedade que não a do rebanho autônomo (chegando até à própria rejeição dos conceitos ‘senhor’ e ‘servo’ – ni dieu ni maître, diz uma fórmula socialista)”. Repugnava particularmente a irritante resistência à “todo direito particular e privilégios”.

Nietzsche se arremeteu furiosamente contra este “novo homem” emancipado, proposto pelos socialistas. Afirmou ele: “A degeneração geral do homem, até chegar àquilo que hoje aparece aos broncos e cabeças rasas do socialismo como seu ‘homem do futuro’, como seu ideal! – essa degeneração e apequenamento do homem em completo animal-rebanho (ou, como eles dizem, em homens da ‘sociedade livre’), esta animalização do homem em animal anão dos direitos e pretensões iguais, é possível, não há dúvida nenhuma! Quem pensou uma vez nesta possibilidade até o fim, conhece um nojo a mais do que os outros homens.” Ele era um dos que, compreendendo o perigo que o socialismo representava, compartilhava desse nojo aristocrático contra a plebe e seus porta-vozes.

O “homem do futuro” de Nietzsche era de outra natureza. A sua essência seria “guerreira”. Ele estaria, a todo momento, “pronto a sacrificar à sua causa seres humanos”, pois seus “instintos viris se alegrariam com a guerra e a vitória”. E concluiu: este “homem do futuro” renegaria “a desprezível espécie de bem-estar com que sonham merceeiros, cristãos, vacas, mulheres, ingleses e outros democratas”.

Nietzsche sonhava com a chegada deste “homem do futuro”, o “homem redentor”, que nos redimiria “do grande nojo” igualitário. Não foi por acaso que a irmã deste autor, Elisabeth, confundiria o super-homem nietzschiano com Adolf Hitler, o Führer do terceiro Reich.

A maior crítica que dirigiu aos governantes e à sociedade alemã de seu tempo foi quanto à sua incapacidade de impedir a barbárie que viria com a vitória da democracia e o ascenso do movimento operário-socialista. Afirmou: “Ninguém hoje tem mais coragem de ter direitos particulares, de ter direito de domínio (…). Nossa política está doente dessa falta de coragem! – O aristocratismo dos sentimentos foi solapado da maneira mais subterrânea pela mentira da igualdade das almas”. Aqui está, portanto, o radicalismo anti-moderno do pensamento de Nietzsche.

O nosso autor fez, então, uma interessante analogia entre os primeiros cristãos e os movimentos contestatórios contemporâneos, anarquistas e socialistas. Esta mesma operação seria feita por Karl Kautsky e Rosa de Luxemburgo, dois importantes membros da social-democracia alemã, mas com um conteúdo e objetivos completamente diferentes.

Afirmou Nietzsche:

“Pode-se estabelecer entre cristãos e anarquistas uma perfeita equação: sua finalidade, seu instinto, visa somente a destruição (…). O cristianismo foi o vampiro do Império Romano (…). Esta organização (o Império) era firme o bastante para suportar maus césares (…) (mas) não era firme o bastante contra a mais corrupta espécie de corrupção: os cristãos (…). Este bando covarde, feminino açucarado, que passo a passo afastou as ‘almas’ desse descomunal edifício (…). Todo espírito respeitável no império romano era epicurista: então apareceu Paulo (…) contra Roma, contra o “mundo”, o judeu, o judeu eterno par excellence (…). Ele compreendeu como, com o auxílio do pequeno e sectário movimento cristão (…) se pode ascender um ‘incêndio do mundo’; como, com o símbolo ‘Deus na cruz’, se pode somar tudo o que está por baixo, tudo o que é secretamente sedicioso, a inteira herança de agitação anarquista dentro do império, em uma potência descomunal”.

O cristianismo e o socialismo eram os símbolos da decadência imperial antiga e moderna. O que os socialistas viam de positivo na ideologia e na prática igualitaristas, niveladoras, dos primeiros cristãos, Nietzsche via degenerescência e corrupção. Por isto mesmo o seu nojo se estendeu até estas antigas comunidades cristãs.

Nietzsche nunca escondeu sua ideia sobre a necessidade de manutenção da divisão da sociedade em classes sociais como condição sine qua non para manutenção e desenvolvimento da moderna civilização ocidental. Afinal, como ele mesmo disse, “uma cultura superior só pode surgir onde existam duas castas distintas no seio da sociedade: a dos trabalhadores e a dos ociosos (…) ou para dizê-lo com palavras mais fortes, a casta do trabalho forçado e a do trabalho livre”. Os antigos filósofos gregos já haviam difundido esta tese, que se tornou “pedra de toque” de todo pensamento conservador posterior.

Por fim, uma breve nota sobre o anti-semitismo nietzschiano. É verdade que, em alguns momentos, ele se levantou contra os exageros das posições anti-semitas de alguns de seus diletos amigos alemães. No entanto, nunca procurou esconder suas posições preconceituosas contra os judeus, que o incluem no campo dos teóricos anti-semitas.

“Que a Alemanha, afirmou ele, tem judeus mais do que o bastante, que o estômago alemão, o sangue alemão tem dificuldade (e ainda por muito tempo terá dificuldade) para dar conta desse quantum de ‘judeu’ (…) tal é o (…) instinto geral, ao qual é preciso dar ouvidos e pelo qual é preciso agir”.

Isto o levaria a conclamar aos alemães: “’Não deixem entrar novos judeus!’ – em especial do Oriente. ‘Aferrolhem os portões!’ – assim ordena o instinto de um povo cuja espécie ainda fraca e indeterminada, de modo que poderia facilmente (…) ser extinta por uma raça mais forte”. E conclui: “um pensador, que tem na consciência o futuro da Europa, contará, em todos os projetos que faz sobre esse futuro, com os judeus assim como com os russos, como os fatores que, de imediato, se apresentam como os mais seguros e prováveis no grande jogo e combate de forças”.

Premonitoriamente Nietzsche previu os “grandes combates de forças” que se travariam mais tarde entre o império nazista dirigido por Hitler. Neste confronto de titãs, duas perspectivas de humanidade se chocaram. Uma, representada pelo nazismo, advogava a superioridade de alguns poucos escolhidos e a renascimento de um mundo de senhores e escravos. Outra, representada pelos comunistas, que apontava a conquista de uma verdadeira igualdade entre os homens como ponto de partida de uma humanidade emancipada. Marx e Nietsche não estiveram completamente ausentes nestes dias tormentosos da II Grande Guerra Mundial.

Decerto, seria incorreto traçar uma linha reta, sem mediações, entre Para Além do Bem e do Mal e Auschewitz ou entre o conceito “vontade de poder” e a política de extermínio dos nazistas. Mas, sem dúvida, suas ideias faziam parte de um amplo movimento intelectual reacionário e irracionalista que se expandiu pela Europa no pós-1848, como resposta teórica e política à ascensão do movimento democrático, operário e socialista. Elas ajudariam a assentar as bases para a construção de uma forte ideologia militarista e imperialista na Europa, especialmente na Alemanha.

As perspectivas de Marx e Nietzsche são completamente diferentes. Mais do que diferentes, são antagônicas e, portanto, não podem ser conciliadas. O ecletismo teórico, a tentativa de fusão entre dois pensadores tão distantes entre si, só pode ser explicado pela quadra histórica em que viveram estes intelectuais pós-modernos. Espremidos entre a radicalidade do pensamento crítico dos agitados anos 1960, que se esvaziava, e o pessimismo crônico que ganhava corpo com o início da crise das experiências socialistas (e social-democratas) e a ofensiva liberal-conservadora, no final da década de 1970. Ou seja, este ecletismo teórico era um dos reflexos superestruturais de um tempo sombrio. Condições que só começaria a se alterar nos últimos anos do século passado.

Referências

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar, Ed. Companhia das Letras.

LUKÁCS, Georg. Ela salto a la razón, Ed. Grijaldo

MARX, K.; ENGELS, F. O Manifesto do Partido Comunista,

NIETZSCHE, Os pensadores, volume I e II, Ed. Nova Cultural.


AUGUSTO CÉSAR BUONICORE é historiador; mestre em ciência política pela Unicamp; secretário-geral da Fundação Maurício Grabóis; membro do conselho editorial das revistas Princípios e Crítica Marxista e do Comitê Central do PCdoB.

DAQUI

quarta-feira, março 02, 2011

Almeida Júnior, o ilustre pintor realista

Almeida Júnior é com certeza um dos maiores artistas plásticos da história do Brasil. Realista de influência francesa, Almeida Júnior é um dos primeiros artistas a colocar o homem comum em suas telas; a registrar os traços, a individualidade, o momento de solidão e serenamento que particulariza cada ser humano. Almeida Júnior foge do ufanismo nacionalista, das miragens românticas e trata com um carinho realista o homem da nossa terra. As pinturas do pintor são verdadeiras crônicas da brasilidade. Mais tarde, Portinari também seguiria essa tendência. Paulista de nascimento, Almeida Júnior ganhou uma bolsa de estudos do próprio D. Pedro II, que após verificar as habilidades do pintor, enviou-o à Europa para aperfeiçoar os estudos. Estudou na França (Escola Nacional Superior de Belas Artes). Em França, o pintor brasileiro foi discípulo de Alexandre Cabanel. Eu, particularmente, gosto de uma pintura de Alexandre Cabanel - O Nascimento da Virgem. As cores e a luminosidade da obra de Cabanel me deixa impressionado. Nota-se em Almeida Júnior a forte influência de Coubert e Millet.

Fiz uma pequena seleção com obras desse ilustre brasileiro, assassinado precocemente aos 49 anos.


Pescando, 1894


Amolação Interrompida, 1894


Recado Difícil, 1895

O violeiro, 1899


Leitura, 1892


Saudade, 1899


Caipira picando fumo, 1893


Moça com livro, sem data


O descanso do modelo, 1882