sábado, janeiro 26, 2013

Conceitos científicos x conceitos míticos




"Todos os termos usados nos livros de ciência, "lei", "necessidade", "ordem" e assim por diante, são realmente não intelectuais, porque pressupõem uma síntese interior, que nós não possuímos. As únicas palavras que sempre me satisfizeram como descrições da natureza são os termos usados nos contos de fada, "sortilégio", "feitiço", "encantamento". Eles expressam a arbitrariedade do fato e do mistério. Uma árvore dá frutos porque é uma árvore MÁGICA. A água corre morro abaixo porque está enfeitiçada. O sol brilha porque está enfeitiçado".

G.K. Chesterton, in Ortodoxia, p. 54

quarta-feira, janeiro 23, 2013

Reflexões sobre a sociedade do espetáculo


"A servidão moderna é uma escravidão voluntária, consentida pela multidão de escravos que se arrastam pela face da terra. Eles mesmos compram as mercadorias que os escravizam cada vez mais. Eles mesmos procuram um trabalho cada vez mais alienante que se lhes outorga se demonstram estar suficientemente domados. Eles mesmos escolhem os mestres a quem deverão servir".


"Neste estreito e escuro espaço onde vive, o escravo acumula as mercadorias, que, segundo as mensagens publicitárias onipresentes, deverão lhe trazer a felicidade e a plenitude. Mas quanto mais acumula mercadorias, mais se afasta dele, a possibilidade de ter acesso, um dia, à felicidade".

"A mercadoria, ideológica na essência, priva do seu trabalho quem a produz, e despoja de sua vida, que a consome".

"Todas estas mercadorias, destruídas massivamente num curto lapso de tempo, modifica profundamente as relações humanas. Se serve por um lado para isolar o homem um pouco mais dos seu semelhantes, por outro para difundir as mensagens dominantes do sistema. As coisas que possuímos, acabam nos possuindo".

A pilhagem dos recursos do planeta. A Abundante produção de energia ou de mercadorias. Os resíduos e os despejos do consumo ostentoso hipotecam as possibilidades de sobrevivência da nossa terra e das espécies que a povoam. Mas para dar passagem ao capitalismo selvagem, o crescimento não deverá parar jamais. Há que se produzir, produzir e voltar a produzir cada vez mais".

"Para entrar na ciranda do consumo frenético, tem que ter dinheiro. E para tê-lo, tem que trabalhar. Quer dizer, "vender-se". O sistema dominante fez do trabalho seu principal valor. E os escravos devem trabalhar
cada vez mais para pagar a crédito sua vida miserável".

"Se esgotam no trabalho, perdem com ele a maior parte de sua força vital e tem que suportar as piores humilhações. Passam toda sua vida fazendo uma atividade extenuante e monótona para benefício de poucos.  A tensão do desemprego moderno tem como propósito assustá-los e fazê-los agradecer sem parar à generosidade do poder. Que fariam sem essa tortura, que é o trabalho? São estas atividades alienantes, as que nos apresentam como um liberação. Que mesquinhez e que desprezo. Sempre pressionados pelo cronômetro ou pela campainha, cada gesto dos escravos está calculado para aumentar a produtividade. A organização científica do trabalho constitui a essência da disposição dos trabalhadores. Do fruto de seu trabalho, e do tempo que passam na produção automática das mercadorias e dos serviços. A atividade do trabalhador confunde-se com a de uma máquina nas fábricas, ou com de um computador nos escritórios. O tempo pago não se recupera jamais. Desta maneira cada empregado está ligado a um trabalho repetitivo, seja intelectual ou físico. É um especialista em sua área de produção. Esta especialização se reproduz em escala planetária no marco da divisão internacional do trabalho. Se concebe no ocidente, se produz na Ásia, e se morre na África".

À medida que o sistema de produção coloniza todos os setores da vida, o escravo moderno, não satisfeito
com sua servidão no trabalho, segue desperdiçando seu tempo nas atividades de dispersão e férias planejadas. Nenhum momento de sua vida escapa da influência do sistema. Cada instante de sua vida foi invadido. É um escravo do tempo completo".

"O melhor de sua vida escorre pelos seus dedos, mas ele continua porque tem o costume de obedecer sempre. A obediência se converteu na sua segunda natureza. Obedece sem saber porquê, simplesmente porque sabe que deve obedecer. Obedecer, produzir e consumir. Aí está a tríade que domina a sua vida. Obedece a seus pais, seus professores, seus patrões, seus proprietários e seus negociantes. Obedece a lei e as forças de ordem. Obedece todos os poderes, porque não sabe fazer outra coisa. Não há nada que o assuste mais que a desobediência. Porque a desobediência é o risco, a aventura, a mudança. Assim como uma criança que entra em pânico quando perde de vista seus pais, o escravo moderno sente-se desorientado sem o poder que o criou.".

"O escravo moderno está convencido de que não existe alternativa para a organização do mundo presente. Se resignou a esta vida porque pensa que não pode haver outra. É aí onde reside a força da dominação presente. Fazer crer que este sistema, que colonizou toda a superfície da Terra, é o final da história. Convenceu a classe dominada que adaptar-se à sua ideologia equivale a adaptar-se ao mundo tal como é e tal como sempre foi. Sonhar com outro mundo converteu-se num crime condenando unissonamente pela mídia e por todos os poderes". 

Frente à devastação do mundo real, é necessário para o sistema colonizar a consciência dos escravos. É por isso que o sistema dominante decidiu se focar na dissuasão que desde a idade mais nova, cumpre o papel
preponderante na formação dos escravos. Eles devem esquecer sua condição servil, sua pressão e sua vida miserável. Basta conter essa multidão hipnótica conectadas as telas que acompanham sua vida cotidiana. Eles disfarçam sua insatisfação permanente com o reflexo manipulado de uma vida sonhada, cheia de dinheiro, de glória e de aventura". 

"Há imagens para tudo e para todos. Essas imagens levam em si a mensagem ideológica da sociedade moderna e servem de instrumento de unificação e de propaganda. Multiplicam-se à medida que o homem é
tirado de seu mundo e de sua vida".

"Há imagens para todas as idades e para todas as classes sociais. Os escravos modernos confundem essas imagens com a cultura e, às vezes, com a arte". 

"A imagem segue sendo a forma de comunicação mais direta e mais eficaz. Constrói modelos, embrutece as massas, mente, cria frustrações e infunde a ideologia mercantil. Trata-se, pois, uma vez mais e como sempre
do mesmo objetivo: vender, modelos de vida ou produtos, comportamentos ou mercadorias". 

"Enquanto os imperadores da Roma Antiga compravam a submissão do povo com pão e circo, atualmente é com diversões e um consumo cego com que se compra o silêncio dos escravos".

"O sistema dominante se define então pela onipresença de sua ideologia mercantil. Ocupa de vez todos os espaços e todos os setores da vida. Não declaram mais do que a necessidade de produzir, vender, consumir, acumular. Reduziu todas as relações humanas a medíocres relações mercantis. E considera que nosso planeta é uma simples mercadoria".

Do documentário francês A Servidão Voluntária, de 2009. 

terça-feira, janeiro 22, 2013

Algumas considerações sobre Usina, romance de José Lins do Rego


O romance Usina, de José Lins do Rego, finaliza de forma brilhante o Ciclo da cana-de-açucar, como ficaram conhecidos os cinco primeiros livros do paraibano - Menino de Engenho, Doidinho, Bangüe, O moleque Ricardo e Usina. É um livro repleto de polifonias e ressonâncias. Zé Lins conduz a história do livro com um arrojo e com uma capacidade elétrica que torna a leitura dessa obra do regionalismo em algo prazeroso.

Não pretendo recontar todos os detalhes da história, mas especular sobre alguns pontos relevantes observados por mim. A história se passa no antigo Engenho Santa Rosa do coronel José Paulino, com a volta de Ricardo ao engenho de onde saíra no quarto romance do Ciclo ("O moleque Ricardo"). Dessa vez, o engenho sai de cena e entra a usina Bom Jesus do Dr. Juca, filho do ex-senhor de engenho José Paulino. Juca monta a usina graças à cooperação dos parentes que ajudam com o capital para financiar o empreendimento. Nos primeiros anos, a Bom Jesus não conhece dificuldades. O tino administrativo e o entusiasmo de Juca torna o negócio rentável. O açucar é vendido a um preço alto - 60 contos a saca. Mais tarde, no tempo de dificuldades, cai para um terço do valor. 

Tal sucesso permite ao Dr. Juca viver como um dândi em Pernambuco e na Paraíba. Ignora a prudência; ignora a esposa - Dona Dondom; ignora os filhos. Financia a vida das amantes. Compra carros caríssimos. Esbanja. A derrocada da Bom Jesus se deu quando Juca tenta reformar, tecnologizando-a, colocando-a na esteira do tempo. Assume, assim, um grande número de dívidas, que somado ao baixo preço do açucar, faz com que tudo vá por água abaixo. 

A vida torna-se impossível na Bom Jesus. Dr. Luis, o inimigo de Juca e da Bom Jesus, é dono da usina São Félix. É rico, bem-sucedido. Possui a prudência e a ardilosidade das serpentes. É ele quem vai fazer a Bom Jesus desfalecer nos momentos finais, quando percebe que o inimigo não tem mais como resistir. 

Diferente dos demais livros, Usina não foca em um personagem como se dá com os três primeiros livros, que centra sua atenção em Carlos de Melo; e o quarto, que torna o centro da narrativa, o personagem Ricardo como operário no Recife. Usina possui vários focos narrativos, todos alinhavados por uma ideia de grandeza. Todas as personagens estão ligadas pelo poder conferido pelo dinheiro. A propriedade se torna no romance a única coisa que se projeta. E a ganância que alimenta os sonhos dos poderosos, em contraposição à bondade dos simples, personificado por dona Dondom e pelo povo humildade. 

A propriedade e ânsia pelo ganho se tornam o desejo daqueles que possuem o capital. Já aqueles que não possuem os meios de produção são "amansados" pela superstição religiosa e pela impotência conferida pela miséria. Usina nos põe diante da decadência da ideia de patriarcado oligárquico, na qual a força que sustentava essa estrutura social é solapada no simbolismo da derrocada da Bom Jesus. Curiosa é a ideia de "dilúvio" no final da obra. Não sei qual era a finalidade - talvez isso desse matéria para uma boa discussão - de José Lins ao terminar o Ciclo com uma enchente do Rio Paraíba. Não há como negar que Zé Lins estabelece uma relação com o Guarani, de José de Alencar, e a enchente que funciona neste livro como um mito de fundação da população brasileira. Em Usina, ao contrário, o dilúvio do rio Paraíba funciona como um agente causador de ruína, fomentando inevitavelmente um processo dialético, a mudança que dá início a um novo tempo.  

Usina não é o melhor dos cinco romances do Ciclo. Em minha opinião, penso que o melhor dos cinco romances seja Bangüe. Todavia, Usina é uma obra fundamental para consulta. Talvez, o que faça a obra perder em energia seja o descritivismo insistente do leitor. Os lapsos incompreensíveis. A narrativa inicial  trata sobre a vida de Ricardo em Fernando de Noronha. Mais tarde descobrimos que toda aquela descrição não possui relação direta com o restante do livro. A personagem Ricardo apaga-se completamente e acaba sendo assassinado. Zé Lins permeia o romance com muitos eventos, embora seu estilo não torne a história enfadonha. Sua habilidade para narrar era incomum e é justamente esse trunfo que torna José Lins do Rego um escritor relevante para quem quer ler uma boa história, assim como o é, também, Erico Veríssimo, por exemplo. 

Poucos escritores possuem essa capacidade. Ainda tenho 5 romances do escritor paraibano em minha biblioteca para serem lidos - Pureza, Pedra Bonita, Fogo Morto, Eurídice e Cangaceiros. Sigamos!

segunda-feira, janeiro 21, 2013

Meditações sobre Pascal - Luís Felipe Pondé

Havia postado esta entrevista em um outro blog que eu possuía. Encerrei-o por indisposição. Tratava de temas religiosos. Percebi a inutilidade dele. Achei por bem colocar os posts eventuais que por lá escrevia em O SER CARLINO. Hoje, dando uma olhada nos posts que por lá disponibilizei, encontrei esta entrevista com o filósofo Luís Fernando Pondé, uma autoridade em Pascal - pensador muito querido por mim! A entrevista é bastante eclarecedora. Blaise Pascal tinha como referência epistemológica teológica a condição do homem perante o Infinito. Boa leitura!

 

(...) Ao contrário do que se propaga o senso comum, que distingue Pascal como um cientista que larga a razão para se dedicar à religião, a espiritualidade sempre esteve presente na vida de Pascal. Mas dói a partir de sua conversão ao jansenismo que a religião se tornou ainda mais evidente em sua obra.
O contato mais intenso de Pascal com a religião se dá por influência de sua irmã, que se tornara freira na abadia de Port-Royal. Além disso, algun fatos marcaram definitivamente o direcionamento espiritual na vida de Pascal, como a morte de seu pai e a “milagrosa” cura de sua sobrinha, que sofria de uma fístula lacrimal maligna. Essa recuperação ocorreu quando ela, desenganada pelos médicos, tocou o Santo Espinho que existia em Port-Royal. Entretanto, essa fase da vida de Pascal é rica em especulações. Para alguns, a sua conversação aconteceu quando escapou ileso de um acidente com uma charrete; para outros, o cientista abraçou a vocação religiosa após ter visões.
O fato é que a partir daí, em 1653, Pascal abandona seus trabalhos e estudos matemáticos para se voltar à teologia. Nesse período, seus textos apologéticos se direcionam para críticas aos jesuítas e a Descartes. Pascal achava que os jesuítas reduziam a religião a ritos e dogmas, sem se preocuparem com a reflexão metafísica. Estes escritos estão em Cartas Provinciais, um conjunto de dezoito cartas em defesa do jansenismo. Sobre Descartes, registrou: “Não posso perdoar Descartes; bem quisera ele, em toda a sua filosofia, passar sem Deus, mas não pode evitar de fazê-lo dar um piparote para pôr o mundo em movimento; depois do que, não precisa mais de Deus”.
Para discutir a questão da influência do jansenismo na obra de Pascal e de como seu trabalho se opôs e se opõe ao pensamento cartesiano, a CULT conversou com Luís Felipe Pondé, filósofo e professor do Programa de Estudos Pós-graduados e Ciência da Religião da PUC-SP e de comunicação da Faap. Ele é o autor de O Homem insuficiente: comentários de antropologia pascaliana (2001), Conhecimento na Desgraça: ensaio de epistemologia pascaliana (2004), ambos pela Edusp, e de Crítica e Profecia: Filosofia da religião em Dostoievski (2003), pela Editora 34.

 

CULT – De que maneira a religião está presente na obra de Pascal antes de sua aproximação do pensamento jansenista?
 

Luís Felipe Pondé – É difícil falar em obra antes da aproximação com o jansenismo, porque mesmo em momentos iniciais, como sua perseguição ao clérigo Saint Ange (Jacques Forton, senhor de Saint-Ange-Montcard, com quem Pascal teve suas primeiras discussões teológicas), já há uma tendência agostiniana; se o jansenismo venceu em parte da comunidade intelectual cristã francesa do século 17, é porque já havia – inclusive por conta da sensibilidade calvinista forte na França, e o jansenismo é muito próximo do calvinismo em termos de espiritualidade – uma predisposição espiritual para tal. O Pascal importante é já jansenista, mesmo que o cientista e matemático já “brincasse” há muito tempo.

CULT – Talvez alguns dos conceitos mais “populares” de Pascal sejam os matemáticos. O senhor acha que esse lado do trabalho dele seja menor de o compararmos com sua herança para a filosofia?
 

L.F.P – Quero dizer que ele era tão bom em matemática que mesmo criança brincava com isso e assustava seu pai e seus amigos matemáticos e filósofos. De modo algum o Pascal matemático é menor, ele é fundamental em probabilidades, nas bases do cálculo infinitesimal, matrizes, geometria etc. Outra coisa: para ele isso era “brincadeira” porque tudo era divertissement (divertimento) para ele, mesmo a filosofia ou qualquer atividade intelectual. Lembre-se, segunda concupiscência, Agostinho, curiosidade vã do intelecto. Conta-se que quando ainda era criança seu pai o pegou deduzindo tudo o que se sabia da geometria euclidiana, e que ficou e, pânico com medo que o menino pirasse e proibiu seus amigos de falarem com ele para não piorar sua situação mental.

CULT – Como foi possível a ele promover uma conciliação entre sua obra antes e depois de sua conversão ao jansenismo?
 

L.F.P – Sua obra “posterior”, ou sua obra tout court, é um desdobramento que põe em diálogo a sensibilidade teológica jansenista com sua cultura filosófica e de ciências naturais e matemáticas; não acho um problema essa “conciliação”, porque não é a rigor uma “conciliação”, mas uma efetivação de uma obra que encontra na espiritualidade jansenista um campo para a crítica ao humanismo antropocêntrico. Quando ele escreve, ele já escreve como jansenista.

CULT – Como essas mudanças na vida e na obra de Pascal foram vistas por cientistas de seu tempo?

L.F.P – Muitos cientistas a sua volta partilhavam de atitudes religiosas semelhantes ou contrárias, mas ainda assim dentro do escopo religioso. É importante lembrar que controvérsias teológicas eram dadas dentro de ambientes filosóficos e científicos, muitos eram padres e não leigos como Pascal – na obra dele mesmo temos cartas e padres cientistas; o foco maior de disputa era a base teológica. Pascal era um cientista de sucesso em sua época, com sua pouca idade. Contudo, e isso é uma questão complexa para pouco tempo e espaço, é que sua teoria da ciência – ou sua epistemologia – é bastante avançada para sua época e aí está parte de sua crítica à lógica, geometria e físicas de cepa “fundacionalistas” ou essencialista de viés cartesiano. Sua lógica é muito mais formal e bem menos conteúdista, e muito mais de nomes do que de entes; a raiz disso é sua teologia agostiniana da insuficiência do homem em fazer algo além do que conhecimento local. Também entra aí sua crítica à linguagem, que é muito próximo às críticas neopragmáticas e wittgensteinianas. Mas no caso de Pascal, toda essa inconsistência cognitiva é fruto da desgraça teológica; sua ciência está dentro de sua teologia.

CULT – A questão da religião em Pascal o tornou uma espécie de “caso” na história da filosofia, por oposição a Descartes?
 

L.F.P – Não, Pascal não é quem é porque se opôs a Descartes. Inclusive para ele, este era “incerto e inútil”. A idéia nietzschiana de que Pascal era um grande moralista ( no sentido de um anatomista da alma e da moral), mas infelizmente atormentado pela religião, é típica dos reducionismos errados de Nietzsche e de autores similares ao que poderíamos chamar de um intelecto religioso como o do Pascal. A religião em Pascal é o centro de sua preocupação, e daí que parte sua antropologia, sua moral, sua política e sua espistemologia. Sua oposição teológica é ao humanismo de cepa renascentista do tipo “Pico de La Mirândola”. Descartes representa pouco nesse cenário. Para Pascal, Descartes era apenas um filósofo-cientista, que não sabia ao certo qual era o problema do ser humano, alguém que se divertia com objetos pouco produtivos em termos de salvação humana, leia-se, em termos de um aumento da consciência filosófica da condição humana. Pascal é uma ancestral do existencialismo e do pensamento da angústia. Para ele, Descartes era um ilustre e inteligente equivocado.

CULT – Foi ele o primeiro crítico da razão?

L.F.P – O termos “razão” é variável na história da filosofia. Pascal não é o primeiro crítico da “razão”, mas é o primeiro no período mais próximo a Descartes e, por ser matemático e cientista prático, sua crítica pesa muito.

CULT – O pensamento de Pascal consegue manter um diálogo com as questões contemporâneas?
 

L.F.P – Sim, muitas, não dá para falar delas aqui, mas seguramente com a lógica formal e axiomática, com o neopragmatismo, com o ceticismo, com descrença no ser humano, com o ceticismo político – críticas da democracia -, com a psicologia profunda de cepa freudiana – seu pessimismo com relação à estrutura psíquica humana e não à coisa sexual -, com crítica ao hedonismo materialista, à cultura da auto-estima – essa coisa brega que está virando objeto da academia – etc.

CULT – O senhor considera que a obra de Pascal é devidamente reconhecida nos dias de hoje?
 

L.F.P – Ela está em processo de reconhecimento. É uma obra difícil e pouco trabalhada no Brasil. Sua teologia dura e “anti-humanista”, pouco simpática ao humanismo hedonista de nossa época, tende a assustar as pessoas. Todavia, qualquer pessoa que gosta de pensar a condição humana a sério em Pascal tende a trabalhá-lo.

CULT – E em outros países, como é esse cenário?
 

L.F.P – Na França, evidentemente, é muito trabalhado. Fora de lá, Inglaterra um tanto. No Japão, há um scholar pascaliano. Não há nenhum trabalho que eu conheça importante publicado sobre Pascal fora da França. Seu pessimismo antropológico é que afasta muita gente dele e não sua matemática.

CURI, Fabiano (jornalista). Meditações. REVISTA CULT. Número 88, Ano VII, pp. 58-60.

sábado, janeiro 19, 2013

Uma afirmação de Todorov sobre a beleza da Literatura

Ontem à noite, li uma entrevista que saiu na Revista de História da Biblioteca Nacional (edição no. 88, janeiro de 2013) do literato, filósofo, crítico de arte e historiador búlgaro Tzvetan Todorov. Estudou com Roland Barthes e Gerard Genette entre outros trunfos. Todorov já escreveu uns 20 livros em sua bem sucedida carreira de intelectual. Seu forte mesmo é a crítica literária, sendo que Introdução à literatura fantástica, tornou-se um livro de referência nos cursos de Letras aqui no Brasil. O ano passado li A beleza salvará o mundo de sua autoria e pude perceber o seu método de trabalho - belo livro, belo ensaio, belo texto. 

O intelectual fala com a mansidão e com a beleza de quem tem intimidade com o seu objeto de análise. Transcrevo aqui apenas uma parte da entrevista. Sua afirmação sobre a função da literatura como uma poderosa ferramenta humana capaz de dar significado e recriar a existência humana encheu os meus olhos de beleza. 

Tzvetan Todorov: "Quando se pergunta o porquê da Literatura, só resta responder: porque somos seres humanos. A Literatura é uma necessidade humana, vem da própria existência. Somos animais que consomem voluntariamente grande quantidade de relatos e poesia. Todas as populações do globo, de todas as épocas, contam suas histórias e cantam seus poemas. Somos obrigados, por exemplo, a nos recontar histórias para saber sempre o que fizemos, por isso constituímos essa quantidade enorme de impressões. Vivemos o dia a dia, escutamos tudo o que nos acontece, observamos tudo o que está à nossa volta, eo que resta disso é sempre uma história. Eu encontrei um amigo, tomamos café, falávamos disso ou daquilo etc. Essa é a função narrativa, mas ela se encontra condensada, sublimada e magnificada na Literatura. A ficção conta melhor nossas próprias experiências. As palavras me permitem expressar meus sentimentos, mas também enxergam a pluralidade humana. A Literatura é a forma pela qual percebemos que os seres humanos não vivem cada um no seu mundo, mas numa pluralidade infinita. Apesar dos muitos interesses que tenho, ela continua especial". 

Maceió-AL.

quinta-feira, janeiro 17, 2013

Impressões sobre as 100 primeiras páginas de Usina, de José Lins do Rego


Uma afirmação inicial deve ser feita: sou um fã incondicional daquilo que se convencionou chamar de Modernismo Regionalista, na literatura brasileira. Escritores como José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, entre outros fizeram um neorrealismo literário preocupado com as tensões e realidades do Nordeste brasileiro. Utilizaram-se da via aberta pelos modernistas. Compuseram, assim, por meio de uma prosa fluídica, rica, preocupada com as realidades do homem da terra, denunciando as relações de poder, o mando dos coronéis; o processo de submissão, a devoção exagerada, a superstição, o triunfo e a derrocada de alguns processos. Pode-se afirmar, assim, que estes escritores são telúricos. 

Hoje, aqui em Maceió, li aproximadamente 100 páginas do romance Usina, de José Lins do Rêgo, obra escrita em 1936. O livro é conhecido por dar cabo àquilo que o escritor paraibano chamou de Ciclo da cana-de-açucar. O texto é o quinto de uma sequência bem-sucedida de romances escritos por um José Lins completamente inspirado - Menino de Engenho, Doidinho, Bangüe, O moleque Ricardo, respectivamente. É curioso notar que até Usina, os textos de José Lins saíam com uma facilidade, com uma fluência, com uma dinamicidade únicos. Após o último romance de o Ciclo da cana-de-açucar, para muitos críticos e estudiosos da obra de José Lins, há como que um esgotamento na inspiração do escritor. Mais tarde vão surgir outras obras significativas. As principais são Fogo Morto, Riacho Doce, Pedra Bonita e Cangaceiros

Com a leitura de Usina, estou terminando todo o Ciclo. A linguagem de José Lins é simples. Em alguns momentos é perceptível o descuido, quiçá, voluntário das regras gramaticais e outras obviedades da norma crítica. Mas é dessa forma que ele constrói com fidelidade as falas e enseja o regional. O ponto forte de José Lins é a força de sua prosa; a energia que flui; a capacidade de contar uma boa história. O paraibano do Engenho do Pilar não era um escritor genial. Sua prosa não é esculpida artisticamente como a de Graciliano Ramos ou como o mundo de personagens de Jorge Amado, mas, em José Lins, encontramos a verve para uma boa narrativa. Seu texto pode ser comparado a um rio caudaloso, que não se detem em obstáculos. Seguimos o seu curso. Mergulhamos em suas águas, uma maviosidade e uma sensação de embalo nos leva pelo mundo mágico dos canaviais, dos antros do Recife, de Goiana (PE), Itabaiana (PB), Santa Rita (PB), do Engenho Santa Rosa etc. 

O que é relevante apontar nisso tudo é que antes dos regionalistas, o Nordeste não possuía voz. Não era descrito. José de Alencar andou escrevendo alguns romances piegas, numa tentativa de consolidar a literatura "com uma voz verdadeiramente brasileira". O livro que me é lembrado de Alencar é Guerra dos Mascates. Mais tarde, surge o Mulato, de Aluísio Azevedo. A história se passa no Maranhão. Os Sertões, de Euclides da Cunha, é uma das vozes mais fortes na tentativa de deslindar essa omissão. A ótica clínica e jornalística de Euclides da Cunha fez uma análise das mais brilhantes. Mas, foi somente com o movimento literário inaugurado por A Bagaceira (1928), de José Américo de Almeida, que o Nordeste ganhou notoriedade. A denúncia ganhou corpo, se avivou. O restante do Brasil passou a conhecer essa região esquecida. Uma lugar de omissões e desigualdades aberrantes. O Nordeste dos contrários. Dos homens-bichos. O Nordeste dos "homens fortes", como já advertira Euclides da Cunha.

Após a leitura de Usina, farei uma pequena análise do livro. 

Maceió-AL.

terça-feira, janeiro 15, 2013

segunda-feira, janeiro 07, 2013

Uma breve nota considerativa sobre um texto machadiano

Fazia de dez há doze anos que eu não lia Machado de Assis. Fui me afastando dele por motivos não óbvios. Razões racionais e objetivas não havia. Talvez, situações mais urgentes tenham feito que eu preterisse o Bruxo do Cosme Velho. Para o meu prejuízo. Penso que todo amante da literatura deve visitar Machado de Assis pelo menos uma vez ao ano. Ou seja, ir ao seu mundo, fazer uma incursão pelo que de melhor há em matéria de literatura, pois a estética machadiana é única. 

O último livro que havia lido dele ("Esaú e Jacó"?) não me é lembrado. O fato é que resolvi visitar duas de suas obras - "Quincas Borbas" e "Memórias Póstumas de Brás Cubas". Estes dois livros, juntamente com "Dom Casmurro", "Esaú e Jacó" e "Memorial de Aires" (todos da segunda fase, conhecida como realista) constituem aquilo que de mais excelso já foi produzido pela literatura brasileira - quiçá na história da literatura do Ocidente, corroborando com Harold Bloom. 

Ficar bastante tempo sem lê-lo fez com que eu me acercasse do juízo de que a fama do escritor carioca foi alardeada em excesso. Ou seja, que Machado era um caso de dimensionamento exagerado. Felizmente, eu estava errado. Machado é um cosmos. Estudar a história do Realismo ou o Naturalismo na literatura brasileira, é estudar o Naturalismo, o Realismo e Machado de Assis. Seu texto é mais complexo do que um bloco histórico ou uma escola literária. Machado é um amálgama. Afinal, quanto já não se tratou do aspecto mágico e fantástico de Memórias Póstumas1

O fato é que ler Machado de Assis, após tanto tempo, permitiu que o seu texto se tornasse mais vivo, mais claro, mais denso, mais largo. Uma coisa é ler Machado de Assis aos vinte anos; e ler Machado após os trinta se constitui em algo bem antagônico. A prosa de "Quincas Borba", livro cujo texto Machado demorou aproximadamente cinco anos para escrever, é um tecido bem ajustado. Cada palavra, cada graça, cada ironia, cada apreciação psicológica, cada digressão, cada diálogo é um nota musical de uma sinfonia. Cada personagem - Quincas Borba, Rubião, Cristiano Palha, Sofia; a teoria de humanitas; a célebre frase: "Ao vencedor, as batatas", não está ali por acaso.

Machado possui um controle assustador da sua prosa. Conseguiu uma maturidade, uma habilidade para narrar, que somente um escritor maduro, arguto e experimentado como ele poderia desenvolver. A cada nova página que leio, afirmo para mim mesmo: "Esse sujeito era um cavalo! Vai escrever bem assim na baixa da égua!" É a única forma que encontro para soltar a minha indignação admirada. 

João Pessoa-PB

sexta-feira, janeiro 04, 2013

Como G.K. Chesterton pensava e argumentava

Ontem eu fiz uma pequena explanação sobre uma afirmação do inglês G.K. Chesterton sobre Nietzsche. Encontrei fortuitamente, no Youtube, duas dramatizações de como Chesterton raciocinava; de como suas ideias fluíam com bastante elegância e desembaraço. Sempre moderado, com um toque suave de ironia e sarcamo, Chesterton era uma atração para o público, que lotava auditórios para ouvi-lo falar. Nos vídeos, o inglês fala sobre milagres, fé, ciência, religião, cristianismo, sempre com um tom calmo, de quem tem controle sobre tudo aquilo que fala. Abaixo, os vídeos:
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quinta-feira, janeiro 03, 2013

Uma afirmação de Chesterton sobre Nieztsche

Influenciado pelo meu colega de espaço virtual Charlles Campos comecei a ler Ortodoxia, de G.K Chesterton. Curioso nisso tudo é que percebo que existe uma plaga bastante diversa de blogs. Os sujeitos não se conhecem pessoalmente, mas acabam se relacionando de tal modo, que dá uma ideia de que a amizade é antiga.

O inglês é um argumentador habilidoso. Impressiona como ele é capaz de analisar um objeto sob os mais variados ângulos.  Não avancei muito com a leitura. Mas o suficiente para perceber o quanto Chesterton labora a questão do fundamentalismo dos mais diversos matizes. Tanto o ateu, o materialista , o cristão ou como qualquer indivíduo arraigado em seu sistema filósofico torna-se um religioso. É a atitude de arrogância intolerante que conta nesse caso. Seus argumentos são sólidos. Fogem do jargão convencional. 

Chesterton era cristão. O nome do livro já nos aponta algo absoluto (ortodoxia - palavra formada por dois termos gregos: (1) ortho - "correto", daí vem a palavra ortografia, que é "a escrita correta"; o segundo vócabulo é doxxa - "adoração". Ou seja, a palavra ortodoxia faz pressupor "a adoração correta" ou os "princípios que validam a fé de certa forma".

Todavia, não concordei com o trecho na qual Chesterton raciocina como um verdadeiro cristão falando de Nietzsche. O filósofo alemão é um enigma. Como a esfinge, diante dele, ou o deciframos ou acabamos sendo devorados por ele. Suas provocações não nos deixam sem posionamentos. Diante dele assumimos duas atitudes: "(1) ou de repulsa completa, classificando-o como intragável e um sátiro, um cínico; (2) ou nos aliamos a ele, admirando-o, rindo dos outros; abrindo os olhos; refletindo o que senso comum não nos permite refletir. Nietzsche não era um filósofo de planícies. Era um filósofo de montanhas. Se ele descia para o mundo dos homens, era para rir dos desatinos da humanidade. Não dá para ficarmos insensíveis diante dele. Jamais.

Todavia, Nietzsche não fazia a crítica pela crística. Havia uma finalidade em sua filosofia. Uma proponência. Quando Chesterton afirma que Nietzsche não sabia rir, penso que haja um equívoco nessa frase. Não havia um sátiro maior do que Nietzsche. Em Zaratustra, o alter ego do filósofo, achamos o riso largo e despudorado do alemão. Ou ainda em A Gaia Ciência encontramos aquela famosa epígrafe:

"Moro na minha própria casa,
Nunca imitei ninguém,
Rio-me de todos os mestres
Que nunca se riram de si".
(Inscrição sobre minha porta)

Talvez Chesterton se inscreva naquela classe de cristãos que amaldiçoam Nietzsche e ficam tentado achar explicações "espirituais" para a paralisia que acometeu o filósofo nos seus dez últimos anos de vida. Certa vez ouvi alguém dizer que Nietzsche havia ficado naquela situação por causa do pecado. Era um castigo de Deus. Ou como já vi em algumas camisetas: "Deus está morto! Assinado: Nietzsche" e "Nietzsche está morto! Assinado: Deus", o que não deixa de fazer parte de um instinto de fraqueza, uma espécie de revanchismo ressentido. Uma tentativa de resposta. Um escárnio daqueles que nunca entenderam aquilo que Nietzsche tentou dizer com essa frase que faz parte do "lugar comum".Virou moda e faz parte de um comércio especulativo.

Mas acredito que Chesterton era muito inteligente  para pensar assim.

"Nietzsche tinha algum talento natural para o sarcasmo: ele sabia escarnecer, embora não soubesse rir; mas há sempre algo incorpóreo e sem peso na sua sátira, simplesmente porque ela não tem nenhum peso de moralidade comum em que se apoiar. O próprio Nietzsche é mais absurdo que qualquer coisa por ele denunciada. Mas, de fato, ele se sustenta muito bem como exemplo típico de todo esse fracasso da violência abstrata. O amolecimento do cérebro que no fim o atingiu não foi um acidente físico. Se Nietzsche não houvesse acabado na imbecilidade, o nietzscheanismo o teria feito. Pensar no isolamento e com orgulho acaba na idiotice. Todos os homens que não passam por um amolecimento do coração devem no mínimo passar pelo amolecimento do cérebro". (Chesterton, in Ortodoxia).


terça-feira, janeiro 01, 2013

"Pálido ponto azul", uma reflexão de início de ano a partir de um vídeo de Carl Sagan

Não quero parecer pedante com este post. Não quero parecer leviano; nem ostentar aquilo que não posso ser. Este é o primeiro post para o ano de 2013. E este blog nunca foi um espaço assediado por visitantes. Insisto em escrever garatujas, pois acho que isso é um exercício catártico. E se alguém passa os olhos por aquilo que escrevo, já me sinto feliz e realizado. Obrigado.

Ontem, assisti a um vídeo de Carl Sagan, o famoso entusiasta da ciência e uma das descobertas mais caras e graciosas do ano de 2012. Li e especialmente vi muita coisa sobre Sagan disponível na internet ano passado. "Pálido ponto azul" é o nome de um dos seus livros mais famosos. No vídeo, que também possui o nome do livro, Sagan faz uma bela reflexão a partir de um evento: A sonda Voyager fora enviada para além de Saturno e de lá tirou uma foto do nosso planeta. Aquela foto acabou impressionando Sagan. Ele viu, na foto, uma mancha pouco interessante. Que não chamava atenção. Não possuía atrativos. Um pequeno ponto pálido, com uma luz bruxuleante, no meio de um universo pontilhado de estrelas.

Naquele ponto tênue, aparentemente sem interesse, estava o centro de sua reflexão. Aquilo era o nosso planeta. A Terra é a nossa casa e fora dela (até agora) não temos notícias de vidas tão complexas como as nossas. Desse modo, Sagan nos propõe uma bela mensagem, afirmando que: apesar desse ponto sem atrativos ser tão inexpressivo no palco amplo e infinito do universo, ele possui uma relevância fora de qualquer especulação para nós. Não somos nada sem ele.

Pois tudo o que conhecemos e desejamos conhecer, fazemo-lo por causa dele. É nesse palco que estão as pessoas que amamos; onde nascemos, crescemos e morremos; é nesse palco que sentimos as nossas dores; é nesse palco de luz trêmula que guerras são travadas para satisfazer a megalomania de alguns e que numa geração seguinte o triunfo conquistado se fragmenta; é nesse mundo, que não possui vantagens em relação a qualquer outro lugar do universo, que fazemos germinar as nossas vaidades, nossos pretensos conhecimentos e inteelctualidade, que nada é senão vento e cinza e que o tempo se encarrega de apagar com suas areias operárias; é nesse palco que grassam as religiões, as ideologias, os combates; é nele que não aprendemos a viver em paz uns com outros, mesmo tendo a mesma origem e possivelmente o mesmo destino, já que não somos eternos - somos transitórios como o pequeno ponto pálido azul; é nesse mundo que vivemos que julgamos as coisas conforme a nossa vontade e não somos capazes de abrir mão daquilo que pensamos como centro de toda a verdade em algumas ocasiões. 

Mas é nesse palco, também, que estão fecundados os grandes atos que nos tornam tão especiais. É aqui que mostramos que somos uma espécie nova, curiosa e com grande potencial criativo. Afinal, foi aqui que viveu uma criatura como Sagan, como Mozart, Beethoven, Bach ou Shakespeare; como eu ou como você: Em suma: é aqui que estão as nossas misérias e as nossas poesias criativas.

E isso me fez pensar: o que vale a pena na vida? O que devo fazer para que a minha vida tenha sentido e seja feliz? Talvez a tentativa de encontrar respostas para essas perguntas seja de fato o grande fundamento da vida. A vida feliz não é baseada na quantidade de respostas que damos, mas na quantidade de perguntas que fazemos. Então, o que devemos fazer para que a nossa vida tenha sentido nesse pequeno ponto pálido azul? 

Conversando com a minha esposa hoje cedo, falávamos justamente sobre isso. E chegamos a um acordo em um ponto: ter um coração receptivo à bondade e ao cultivo de amizade é, talvez, o antídoto mais eficaz a tornar a nossa vida positiva nos 70, 80 ou 90 anos que viveremos. O que torna a nossa vida realmente feliz não é quantidade de conquistas individuais, mas a quantidade de realizações capazes de beneficiar outras pessoas. É isso que dura. Nossa vida é passageira, mas os nossos gestos podem durar mais do que nós. De certa forma, quando praticamos o bem, começamos a nos eternizar. É o amor, a tolerância e a capacidade de nos solidarizar que nos torna a nossa existência com sentido nesse pequeno ponto azul.

Que 2013 seja um ano de bondades explícitas e sorrisos de bondade!

Abaixo, o vídeo de Sagan. Se você não deseja ler o texto, pelo menos assista ao vídeo. Será uma bela reflexão-provocação para o ano de 2013
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