terça-feira, janeiro 22, 2013

Algumas considerações sobre Usina, romance de José Lins do Rego


O romance Usina, de José Lins do Rego, finaliza de forma brilhante o Ciclo da cana-de-açucar, como ficaram conhecidos os cinco primeiros livros do paraibano - Menino de Engenho, Doidinho, Bangüe, O moleque Ricardo e Usina. É um livro repleto de polifonias e ressonâncias. Zé Lins conduz a história do livro com um arrojo e com uma capacidade elétrica que torna a leitura dessa obra do regionalismo em algo prazeroso.

Não pretendo recontar todos os detalhes da história, mas especular sobre alguns pontos relevantes observados por mim. A história se passa no antigo Engenho Santa Rosa do coronel José Paulino, com a volta de Ricardo ao engenho de onde saíra no quarto romance do Ciclo ("O moleque Ricardo"). Dessa vez, o engenho sai de cena e entra a usina Bom Jesus do Dr. Juca, filho do ex-senhor de engenho José Paulino. Juca monta a usina graças à cooperação dos parentes que ajudam com o capital para financiar o empreendimento. Nos primeiros anos, a Bom Jesus não conhece dificuldades. O tino administrativo e o entusiasmo de Juca torna o negócio rentável. O açucar é vendido a um preço alto - 60 contos a saca. Mais tarde, no tempo de dificuldades, cai para um terço do valor. 

Tal sucesso permite ao Dr. Juca viver como um dândi em Pernambuco e na Paraíba. Ignora a prudência; ignora a esposa - Dona Dondom; ignora os filhos. Financia a vida das amantes. Compra carros caríssimos. Esbanja. A derrocada da Bom Jesus se deu quando Juca tenta reformar, tecnologizando-a, colocando-a na esteira do tempo. Assume, assim, um grande número de dívidas, que somado ao baixo preço do açucar, faz com que tudo vá por água abaixo. 

A vida torna-se impossível na Bom Jesus. Dr. Luis, o inimigo de Juca e da Bom Jesus, é dono da usina São Félix. É rico, bem-sucedido. Possui a prudência e a ardilosidade das serpentes. É ele quem vai fazer a Bom Jesus desfalecer nos momentos finais, quando percebe que o inimigo não tem mais como resistir. 

Diferente dos demais livros, Usina não foca em um personagem como se dá com os três primeiros livros, que centra sua atenção em Carlos de Melo; e o quarto, que torna o centro da narrativa, o personagem Ricardo como operário no Recife. Usina possui vários focos narrativos, todos alinhavados por uma ideia de grandeza. Todas as personagens estão ligadas pelo poder conferido pelo dinheiro. A propriedade se torna no romance a única coisa que se projeta. E a ganância que alimenta os sonhos dos poderosos, em contraposição à bondade dos simples, personificado por dona Dondom e pelo povo humildade. 

A propriedade e ânsia pelo ganho se tornam o desejo daqueles que possuem o capital. Já aqueles que não possuem os meios de produção são "amansados" pela superstição religiosa e pela impotência conferida pela miséria. Usina nos põe diante da decadência da ideia de patriarcado oligárquico, na qual a força que sustentava essa estrutura social é solapada no simbolismo da derrocada da Bom Jesus. Curiosa é a ideia de "dilúvio" no final da obra. Não sei qual era a finalidade - talvez isso desse matéria para uma boa discussão - de José Lins ao terminar o Ciclo com uma enchente do Rio Paraíba. Não há como negar que Zé Lins estabelece uma relação com o Guarani, de José de Alencar, e a enchente que funciona neste livro como um mito de fundação da população brasileira. Em Usina, ao contrário, o dilúvio do rio Paraíba funciona como um agente causador de ruína, fomentando inevitavelmente um processo dialético, a mudança que dá início a um novo tempo.  

Usina não é o melhor dos cinco romances do Ciclo. Em minha opinião, penso que o melhor dos cinco romances seja Bangüe. Todavia, Usina é uma obra fundamental para consulta. Talvez, o que faça a obra perder em energia seja o descritivismo insistente do leitor. Os lapsos incompreensíveis. A narrativa inicial  trata sobre a vida de Ricardo em Fernando de Noronha. Mais tarde descobrimos que toda aquela descrição não possui relação direta com o restante do livro. A personagem Ricardo apaga-se completamente e acaba sendo assassinado. Zé Lins permeia o romance com muitos eventos, embora seu estilo não torne a história enfadonha. Sua habilidade para narrar era incomum e é justamente esse trunfo que torna José Lins do Rego um escritor relevante para quem quer ler uma boa história, assim como o é, também, Erico Veríssimo, por exemplo. 

Poucos escritores possuem essa capacidade. Ainda tenho 5 romances do escritor paraibano em minha biblioteca para serem lidos - Pureza, Pedra Bonita, Fogo Morto, Eurídice e Cangaceiros. Sigamos!

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