sábado, janeiro 24, 2015

As duas éticas e o evangelho

As parcas leituras da bíblia que realizei, levaram-me a entender que existe uma ética da contradição nas sentenças evangélicas. A bíblia é um livro dos livros. Quando afirmo isso quero dizer que lá dentro encontram-se uma quantidade grandiosa de discursos. Quem pretender lê-la, precisa estar sensível a isso. Há o discurso raivoso de um Javé melindroso no Antigo Testamento. Alguém que mata idosos, crianças, mulheres. Que culpa o rei Saul por ter poupado uma nação inimiga inteira, quando deveria ter dizimado todos os seus integrantes.

É o deus bélico. Que extermina povos inteiros para promover Israel. Muito cômodo para Israel que conta a sua história de protegido. Há o discurso da justiça social dos profetas menores.  A poesia que busca inspiração na natureza de alguns dos salmos. No chamado novo testamento, encontramos o discurso ressentido de Paulo. Alguém que, criativamente, sistematizou um código dogmático e que acabou criando o que conhecemos como doutrina da igreja cristã. Termos como predestinação, eleição, justificação, velho homem, novo homem, velho Adão, novo Adão, não são encontrados nos quatro relatos biográficos da vida de Jesus, conhecidos como evangelhos. Nesse sentido, é possível é distinguir uma mensagem paulina e uma mensagem cristocêntrica nessa teia complexa de discursos.

E acredito que o coração da mensagem cristã esteja justamente nessa pequena porção da bíblia. É como se ali estivesse o coração do sistema. O seu núcleo vital. Dali emanam a energia, a luz que irradia sobre a vida. Percebo que Mateus, Marcos, Lucas e João, os chamados biógrafos oficiais, reconhecidos pela igreja (outros escreveram também sobre Jesus), conseguiram captar ou construir um discurso de uma ética que é mais fina, mais nobre, do que aquela construída por Paulo e seguida pela igreja. Por isso, vislumbro dois horizontes distintos quando leio os evangelhos e enxergo aquilo que é praticado: 

(1) Cristo levou à frente um tipo de projeto que fazia com que os sujeitos saíssem de uma ética privativa, para uma ética coletiva. Para Jesus, o seu reino só faz sentido se levar a transformação do outro e do mundo como causa fundamental. Jesus pregou a misericórdia e disse que pobres são todos aqueles que se reconhecem como necessitados de uma mudança existencial, de uma guinada que passará a ser dirigida pelo amor, solidariedade. A moral predatória, porque desvinculada de um projeto de inclusão e solidariedade, não faz parte do seu reino. É do reino aquele que, na aceitação da diferença, vive isso como verdade incondicional. Como diz Jürgen Moltmann Cristo não é apenas o articulador de uma mensagem, mas o criador de um caminho. Esse caminho se alegra com toda causa que espalhe a justiça, que inclua o necessitado, que permita ao outro uma compreensão da sua condição e o faça buscar o bem-estar para todos os homens.

(2) Por outro lado, existe uma ética privatista, seguidora dos valores culturais do momento, como se esses fossem a exata medida daquilo que é ensinado. Seguidora daquilo que é articulado pelo sacerdote, que em muitos casos é mais ignorante, do que muitos fiéis (Mateus 23). Trata-se, no fundo, primeiro de uma compreensão que leva em conta uma tônica baseada em regra marcial de mercado: conquistar, crescer, avançar, bater no peito e alardear a sua própria justiça arrogante (Lucas 18.9-14). Ou seja, cresço à medida que conquisto, não levando em conta que o crescimento propugnado pelo evangelho se dá de dentro para fora. A água que revela que o chafariz funciona não brota de fora para dentro, mas de dentro para fora (João 7.38). Nietzsche diz que a existência do sacerdote é legitimada pela conivência do fiel; aquele possui um discurso reativo, negativo, em relação a este. Este aceita a autoridade daquele e chancela a sua autoridade.

Portanto, não acredito em um evangelho como visto por aí: de cara séria, sisudo, falso, perdulário, ufanista, irresponsavelmente despreocupado com a humildade, com o silêncio, com a reflexão sobre o mundo (não para julgar e se afastar), que não vive aquela fala de Jesus: "o que a tua mão direita faz, não conte à esquerda"; preocupado com o exterior do copo e não com o seu interior; um evangelho que segue uma ética mercantilista e que mesmo quando diz ser puro, está escondido nos recônditos de um discurso chauvinista e que não se transforma em vida.

Lendo uma entrevista do Papa Franscisco, cristalizei ainda mais essas certezas. Francisco tem sido perseguido pelo fundamentalistas conservadores por pregar, justamente, a ética coletiva que é tão evidente na mensagem de Jesus. O evangelho quer queira quer não queira faz uma opção pelos pobres. Tiago, o irmão de Jesus, em sua sede justiça, diz em sua carta (Tg 5.1-6) que os pobres foram injustiçados pelos ricos, que se aproveitaram de sua não resistência e lançaram aqueles na miséria.

Wolfgang Schrage, corroborando com o que diz Tiago em outro capítulo, diz que "fé e ação estão indissoluvelmente unidas" no cerne da mensagem evangélica. Por isso, perdi completamente a paciência com o discurso ufanista e conservador de determinados sujeitos, que levantam a bandeira de uma ética que não é o coração da mensagem evangélica; uma ética hipócrita e seletiva. Nesse sentido, quando alguém diz ser cristão analiso qual ética está inscrita em seu discurso: se privatista ou coletiva.

quarta-feira, janeiro 21, 2015

O cinema em dezembro - 2014

 O ano de 2014 é um dado da história. Já passou. Ficou na curva do tempo. E como me prontifiquei a escrever uma crônica bamba sobre os filmes a que assisto em cada mês, infelizmente, não pude fazê-lo mês passado. Estabelecendo um balanço sobre todos os filmes vistos ano passado, o total chega a noventa e dois. Um número considerável. Não possuo números factíveis na superfície da memória. Mas, certamente, foi o ano o qual mais filmes eu vi. Passei a entender a relevância do cinema. Um bom filme nos faz ficar por dias com a sua temática presa em nossa cabeça. O poder da fotografia; a posição da câmara; a atuação dos atores; a genealidade dos bons diretores, que são capazes de transportar o espectador ao mundo imagético das telas, tudo isso gera fascínio e nos prende por horas no sofá.

Se no ano de 2014 eu vi mais filmes, no mês de dezembro eu tentei me disciplinar para ver o que pude. Vi um total de quinze filmes. Entremeei aquilo que vi com obras sérias e outras não muito sérias. Não estou com disposição para fazer resumos de cada um dos filmes. Contarei sucintamente o que de mais relevante ficou preso na teia das ideias. Começarei por aquilo que julguei "obra não sérias". Diria sem assombros que a terceira parte de O Hobbit - a batalha dos cinco exércitos me pareceu uma grande porcaria. Gosto do mundo mágico de Tolkien. Celebro sua capacidade criativa. Peter Jackson, um apaixonado pelo escritor, teve a ventura de filmar o Senhor dos Anéis e obteve um astronômico sucesso. Dirigiu-se para o O Hobbit, uma espécie de pré-história da Terra Média, e conseguiu criar um "ramerrão cinematográfico". Os dois primeiros foram até suportáveis, mas o terceiro, como diz um tio da minha esposa, ficou um verdadeiro "filme espada - longo e chato". Passei quase três horas entediado no cinema. Os adolescentes gritando em polvorosa. Batalhas insossas senso perpetradas na tela. E a certeza de que aquilo já não encanta. 

Outro filme que julgo "não sério" - e que já perdi a quantidade de vezes que já vi - foi Um príncipe em Nova York (1988), que possui toda aquela atmosfera risível dos anos 80. O filme em si não possui nada de notável. Todavia, proporciona momentos de alegria estrepitosa. O musical Chicago (2002), coloco-o entre as obras menores. Mas ele possui um background que nos transporta para a cidade de mesmo nome, celeiro do jazz, dos cassinos, dos prostíbulos, da máfia e dos sujeitos oportunistas à procura de sucesso. Não vejo muitos musicais (a não ser Jesus Cristo Superstar (1972), de Norman Jewison).

Maria Antonieta (2006) é outro filme que é um atentado à história. A diretora Sofia Coppola foi convincente com a fotografia e esqueceu de afinar os eventos dos filme aos fatos históricos. 

Resolvi voltar a ver Star Wars, filme que destila em mim aquela paixão nerd de adolescência e que me impele a repetir as falas, prever os lances, utilizar toda a feitiçaria jedi no dia a dia. Star Wars sempre me fascinou por criar um amálgama de tecnologia e tradições milenares orientais com virtudes medievais. O filme faz-nos refletir sobre o uso da moral, o conhecimento de si e os limites estabelecidos pela disciplina e o desejo de poder, que é capaz de conduzir ao "lado sombrio". Ou seja, a dimensão insaciável do poder pelo poder. Vi os três primeiros filmes - Uma nova esperança (1977), O império contra ataca (1980) e O retorno de Jedi (1984). Pretendo ver os outros três o mais rápido possível.

E a partir daqui, entramos em uma seara em que as obras vão ganhando uma maior substãncia - ou pelo menos uma feição mais underground. Nesse sentido, busquei revisitar dois filmes brasileiros: o excelente Tapete Vermelho (2005) e o visceral Amarelo Manga (2002). O primeiro é uma celebração à figura do caipira e àquele que o imortalizou no cinema - Amácio Mazzaropi. Matheus Nachtergaele consegue uma das suas melhores atuações. É uma aula de brasilidade. Uma celebração ao universo caipira - a religiosidade, a todo o espectro linguístico, à simplicidade, às lutas, à inocência etc. O segundo filme é de tirar o folêgo. Amarelo manga é, ao meu modo de ver, um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Como nos outros filmes de Cláudio Assis, há crueza, sexo, sangue; o cheiro do homem da periferia; do mangue; da linguagem saída das locas da alma, chegando ao mundo para estabelecer ou dirimir os conflito primitivo dos costumes azedos, escusos ou socialmente desbragados.

Outros três filmes que vi e que me chamaram a atenção foram Choros e Sussurros (1972), de Ingmar Bergman, que possui uma atmosfera de beleza enfermiça. Fotografia bela - talvez, uma das mais bonitas da cinematografia do século passado. Personagens acometidas pelo infortúnio. Atuações assustadoramente perfeitas. Jhonny e June (2005), uma cinebiografia, que busca retratar a carreira de artista folk de Jhonny Cash. O diretor James Mangold retrata com muita felicidade as vicissitudes desse que foi um dos maiores artistas americanos. Joaquim Phoenix atua muito bem nesse filme. Leva-me a lembrar de Os contos proibidos do Marquês de Sade (2000), filme que mostra outra atuação fantástica desse grande ator. Interestelar (2014) foi outro filme que me deixou pensando por dias. Que me levou a reler capítulos inteiros de O fim da terra e do céu, de Marcelo Gleiser. O diretor Christopher Nolan certamente consultou um corpo de cientistas ou professores competentes para escrever a obra. O labirintos criados por Nolan, como em Amnésia (2000) estão presentes mais uma vez. Tiremos toda aquela atmosfera hollywoodiana do filme e fiquemos com debate científico. Tudo o que de mais moderno tem sido debatido em matéria de ciência, Nolan busca retratar como, por exemplo, a viagem no tempo, os multiversos, a teoria das cordas, a complexidade da física quântica etc. E, talvez, a principal mensagem seja a problemática sobre a possibilidade da exaustão do planeta terra e, por conta disso, a necessidade de encontrar um outro lugar para a espécie humana. Eu com minha veia fortemente schopenhaueriana rechaço tal expectativa.

Vi ainda outros filmes como o excelente Biutiful (2010) com a boa atuação de Javier Barden. O diretor Alejandro Gonzalez Iñarritu acertou novamente. Embora, pense que seu melhor filme seja Amores Brutos (2000). Sétimo (2013), que traz o incansável Ricardon Darín é mais um bom filme argentino. Ele não possui nada de extraordinário. É um suspense, vestido por um drama. Todavia, Darín consegue tornar a coisa intrigante e dá liga até o final. Factotum (2005) é baseado no livro homônimo de Charles Bukowski. O filme cheira a banheiro sujo de rodoviária. É visceral. Derrotista. Revela a ausência de fixações geográficas, de vontades plenas, de organização vital da personagem principal. É uma mostra da geração beat a qual o próprio Bukowski esteve ligado. Ficaram ainda o iraniano Um instante de inocência (1996), de Mohsen Makhmalbaf e Histórias Proibidas (2001), do excelente diretor Todd Solondz, capaz de revelar como ninguém as misérias e contradições da sociedade americana.

terça-feira, janeiro 20, 2015

Os novos moradores


A Livraria 30porcento é uma delícia viciante. Enquanto curtia minhas férias no Nordeste (estava em Porto de Galinhas), entrei lá para ver os lançamentos e acabei vitimado pelo fetiche da mercadoria. Restou-me aquela sensação prazerosa de atordoamento, de contemplação espantada, de desejo premente de adquirir algumas maravilhas ali encontradas. Comprei. Hoje à tarde, enquanto tentava me alimentar com as ideias de Telhard de Chardin - e o livro sensacional de Leonardo Padura (O homm que amava cachorros) no meio da tarde quente - absurdamente quente -. o porteiro do prédio me interfonou avisando sobre uma caixa que chegara. Intuí o que era. Desci esfuziante. A beleza do David Copperfield é de provocar espanto. Sem falar na bela capa da Editora 34 para a edição do livro de contos Homens Interessantes, dos escritor russo Nikolai Leskov. Há ainda o desafiante Os limites do capital (Editora Boitempo), de David Harvey, uma literatura difícil, mas que provoca apetites. Somados aos outros inúmeros moradores já existentes nos cômodos de minhas estantes, mais do que tempo para ler, é necessário bastante disciplina para ficar com eles; para berber os conteúdos de cada um deles. 

sábado, janeiro 03, 2015

Sobre o Deus que precisamos para atravessarmos o milênio


Excelente reflexão.

Por Rita Almeida

Daqui

O interesse que hoje tenho por Deus é mais filosófico do que religioso. Sendo assim, entendo que o conceito que se tem de Deus não é unívoco, ele vem se modificando de acordo com o tempo e as diversas culturas e sociedades. É como se cada tempo e cada sociedade tivesse o Deus (ou os deuses) que precisasse ou desejasse.

Se tomarmos o cristianismo, por exemplo, o Deus do Antigo Testamento era uma espécie de grande líder tirano e cruel, que vigiava e castigava seu povo sempre que lhe conviesse. Suas normas e regras eram rígidas e, muitas vezes, sem qualquer sentido ético, moral ou prático. O único sentido parecia ser deixar bem claro quem era o Todo Poderoso.

Já o Deus do Novo Testamento é um Deus que desceu do seu pedestal e da sua arrogância para se tornar um meio-irmão, um semelhante, que mesmo depois de morto promete ficar entre nós. Esta é exatamente a mensagem final de Jesus na Última Ceia, horas antes de ser crucificado e morto. Mas em algum momento, o Deus do cristianismo que prometeu estar entre nós passou cada vez mais a estar dentro, “habitar o coração do homem”.

Sabemos que o Deus do protestantismo, que nasce no século XV, serviu muito bem à disseminação e ao desenvolvimento do capitalismo. Ao que parece, a noção de um Deus que está dentro de cada um, tem servido muito bem à sociedade capitalista-ocidental em sua versão cada vez mais individualista e narcisista. E o Deus que produzimos neste caldeirão me parece assustador. É uma espécie de Deus-portátil, Deus-de-bolso ou um Deus-I fone; aquele que possui todos os aplicativos, conexões, contatos e arquivos que eu preciso para ser feliz.

O Deus que encontramos na sociedade capitalista-narcisista atual é um Deus que serve cada vez mais para resolver os meus problemas individuais, mesmo os mais egoístas. É um Deus capaz de atender a um pedido meu, mesmo que isso implique em sabotar o pedido de outrem. O Deus do narcisismo me permite agradecer pelo sucesso num concurso, numa seleção de trabalho ou a conquista de uma vaga na faculdade, sem questionar o fato de que isso aconteceu apenas porque alguém foi preterido. Somente o Deus do narcisismo me permite colocar aquele tradicional adesivo no carro: “Foi Deus que me deu”, mesmo quando o digno presente é mais um a poluir o ambiente já a beira do completo caos. O Deus do narcisismo é capaz de me fazer vencedor numa disputa, ainda que do outro lado esteja alguém que fracassou, como se o meu Deus fosse melhor ou mais poderoso que o dele.

Mas que tipo de Deus é este que tolera um pedido de salvação, cuidado ou proteção para apenas eu ou meus familiares e amigos mais próximos? Que tipo de Deus me permite agradecer por ter escapado viva de um acidente em que muitos outros se tornaram vítimas fatais? Que tipo de Deus me autoriza fazer um pedido de mesa farta nas festas de fim de ano, quando a miséria e a fome devasta milhões mundo afora?

O conceito de Deus que vemos hoje é tão narcisista que até quando um desejo meu não é atendido, a explicação é: “porque Deus sabe o que é melhor para mim”.

Enfim, lamentavelmente, o Deus que nos resta atualmente é aquele que atende aos apelos do Eu, o Deus- I fone. É o Deus que promete a tão sonhada felicidade individual. Um Deus que nos demanda louvores, adoração e glorificação, além de uma prova de sua devoção e fé por meio de doação financeira. Somente um Deus narcisista e egocêntrico precisaria deste tipo de devoção ou reconhecimento.

“Meu Deus!” Aí está a exclamação que usamos em nossas orações ou sempre quando o desespero bate e tudo parece perdido. Entretanto, o Deus do indivíduo não será capaz de cumprir sua missão de nos salvar, especialmente porque nosso tempo precisa urgentemente se livrar do individualismo.

No cristianismo é preciso se livrar do Deus que se ocupa das nossas misérias egoístas e individuais e resgatar o “Pai Nosso”, aquele capaz de nos ajudar a reparar as nossas mazelas coletivas. Não aquelas que estão dentro de nós, mas as que estão entre nós; a fome, as injustiças sociais, a degradação do meio ambiente, a falta de água e saneamento básico, as guerras.

É bem provável que não seja possível ou desejável um Deus único para toda a humanidade. A diversidade de culturas e religiões pelo mundo não possibilitaria isso, mas é fundamental e urgente perseguirmos a ética de um Deus para Todos, e não só para todos os seres humanos, mas para todos os seres que habitam este planeta, animados ou não.

Resumindo, se a função de Deus é nos salvar, nos libertar e nos proteger, o Deus do narcisismo, se é que realmente precisamos dele algum dia, não nos serve mais. O Deus que irá permitir à humanidade fazer sua travessia em direção ao próximo milênio precisa ser um outro Deus. Precisamos parar de orar a Deus para curar nossa unha encravada, proteger nossa prole, melhorar nossa vida financeira ou sustentar nosso amor-próprio. Nossas orações (representantes autênticas do nosso desejo) precisam se livrar do narcisismo e do egoísmo e alcançar o campo da alteridade. Caso não modifiquemos nossas orações, o abismo narcísico do EU irá nos engolir em breve.

Sendo assim, o Deus que precisamos ou que deveríamos desejar não é mais o Deus que está dentro, mas o Deus que está entre nós. O Deus que nos une, que nos enlaça, que possibilita o amor, que nos faz irmãos porque habitantes do mesmo planeta. O Deus que precisamos invocar não é o “Meu Deus”. O Deus que nos permitirá sobreviver é o "Nosso Deus", ou o "Pai Nosso" o Deus da alteridade.

O Deus que precisaremos para não sucumbirmos como espécie não poderá ser tolerante com a ideia de salvação individual, seja ela de que tipo for. O Deus que rogaremos, caso haja futuro, é aquele que exige que respeitemos o seguinte mandamento: ou nos salvamos todos ou ninguém se salva.