segunda-feira, janeiro 29, 2018

Um pouco de José Lins do Rego...

Voltei ler José Lins do Rego. Trata-se, como já enunciei em outros momentos, de uma paixão. Existe um forte elemento de identificação na literatura do paraibano, que acaba por gerar uma forte atração gravitacional em mim. Resolvi começar pelo seu famoso ciclo da cana-de-açúcar - Menino de Engenho, Doidinho, Banguê, O moleque Ricardo e Usina. Já havia lido estes livros de forma aleatória. Comecei, desta vez, seguindo rigorosamente a ordem cronológica. Desejei sentir os efeitos gradativos da força criativa de José Lins.

No final de dezembro li Menino de Engenho. Acredito que dos livros do ciclo, Menino de Engenho seja o mais "descuidado". O livro me pareceu na segunda leitura que realizei escrito às pressas. Pareceu-me que José Lins o concebeu como um exercício. Os capítulos sucedem-se de forma rápida. O seu final é rápido. Acredito que a sua força esteja nas imagens evocadas, nas cores bucólicas de sua narrativa, povoada por doces memórias.

No segundo livro do ciclo, Doidinho, Zé Lins imprime um desenho analítico maior em sua escrita. O mesmo Carlos de Melo surge contando a sua história. Há uma inversão do espaço da narrativa. Enquanto em Menino de Engenho, o espaço é o da liberdade do engenho - os banhos no rio Paraíba, a caça dos passarinhos; a exploração dos pomares; o olhar curioso para o trem que passava com o seu apito evocativo; a descoberta da sexualidade.

Em Doidinho, o espaço é o espaço do confinamento, da asfixia, da saudade do Engenho Santa Rosa.  Esse fato é tão impactante no livro que, ao final, a personagem foge da escola em Itabaiana e vai em direção ao engenho. As técnicas de ensino castrantes e demolidoras da liberdade. A férula do professor Maciel, que entendia que o castigo físico era uma forma de educação para as virtudes. Em outras ocasiões, o castigo era uma forma intransigente de mostrar seu estilo de liderança. As marcas se acentuavam em todos sentidos - físicas e psicológicas.

Ao meu modo de ver, o salto qualitativo de Menino de Engenho para Doidinho é evidente. Hoje, iniciei a leitura de Banguê, livro este que li há uns treze anos. Li cinquenta páginas de uma vez, dada a força da narrativa.

Os três livros colocam como centro da narrativa a pessoa de Carlos de Melo - Menino de Engenho (a criança); Doidinho (o adolescente); e Banguê (o adulto). Percebemos nestas obras, como se dá o processo de degradação das oligarquias canavieiras. Nos dois primeiros livros, o avô de Carlos - José Paulino - é uma metáfora da força da economia que existia nos engenhos. No terceiro livro, a velhice do avô se alia à decadência dos engenhos e, necessariamente, dos banguês (a propriedade agrícola com os canaviais e o engenho com moagem artesanal).

Sigamos com a leitura de Banguê.

domingo, janeiro 28, 2018

"Quem escreveu a Bíblia?", de Bart D. Erhman

A Bíblia é considerada por bilhões de pessoas em todo o mundo como um livro sagrado, de autoridade inquestionável. Ela é a expressão exata daquilo que Deus falou. É a verbalização, a materialização de sua voz. O inequívoco sopro de Sua boca, tornado em evento por meio dos profetas, evangelistas e outros sujeitos anônimos que, ao longo de mais de mil e quinhentos anos, foram responsáveis por essa construção. 

Analisando por essa perspectiva meramente de fé, os cristãos dizem que não há um equívoco sequer em seu texto. Está de acordo com a vontade da soberana de vontade do Criador. A própria Bíblia utiliza uma metalinguagem para justificar a sua autoridade. Na segunda carta, supostamente escrita por Pedro, encontramos uma afirmação categórica: "E temos, mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça, e a estrela da alva apareça em vossos corações. Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo". (2 Pedro 1:19-21).

Quem lê a Bíblia em nossos dias, não relaciona o fato de que sua escrita seja o resultado de disputas. Essa tese está no livro do professor Bart D. Erhman  "Quem escreveu a Bíblia?", que acabei de ler. Ehrman, um renomado estudioso do Novo Testamento, mostra que boa parte da redação atribuída a determinados autores não se sustenta. Ou seja, a menção a esses autores está equivocada. 

Tomemos como exemplo as duas epístolas de Pedro. Sempre percebi nas leituras que já fiz das duas cartas que havia elementos distintos da personalidade do apóstolo daqueles encontrados nos evangelhos. Pedro era um indivíduo bronco, dado a rompentes; de personalidade forte, impulsivo. Em um dos episódios narrados nos evangelhos, Pedro corta a orelha de Malco, um dos soldados romanos que vieram prender Jesus. Ainda segundo os evangelistas é ele que quer que desça um raio do céu para fulminar aqueles que não creram em Cristo. Todavia, quando lemos as duas epístolas, notamos um Pedro diferente  - articulado, conhecedor dos textos Antigo Testamento; conselheiro, de sabedoria  proverbialmente paulina. 

Possivelmente, Pedro fosse um analfabeto. Segundo o próprio Erhman, apenas 3% das pessoas nos tempos de Jesus sabiam ler ou escrever. A grande massa de pessoas viviam numa profunda ignorância. É estranho que, de repente, Pedro se levante como uma autoridade intelectual. Outro elemento destoante é a qualidade do grego utilizado para escrever a carta, que é de boa qualidade. Pedro, certamente, não sabia grego. Sua língua era o aramaico, como um palestino humilde que era; habitante do norte de Israel. 

Utilizo a epístola de Pedro como exemplo citado por Erhman, mas, nos supostos textos de Paulo, também encontramos atribuições indevidas. A tradição entende que quase metade dos textos do Novo Testamento foi escrito por Paulo. Esse fato não se sustenta para Erhman. Para ele, não são paulinas as cartas de: I e II Timóteo, Tito (chamadas de cartas pastorais); Efésios, II Tessalonicenses e Hebreus. 

Durante os primórdios da Igreja, não havia um cânon (o conjunto de livros ditos "sagrados" como convencionamos hoje). Havia uma tradição oral. As pessoas que haviam convivido com Jesus transmitiam as narrativas. Aos poucos essas histórias começaram a ser coligidas, reunidas. O primeiro evangelho a surgir foi o de Marcos. Logo em seguida vieram Mateus e Lucas. O Evangelho de João foi último. A grande questão é saber quem de fato eram essas pessoas. Os nomes foram atribuídos. Não significam que pessoas com esses nomes e personalidades escreveram esses textos. Há dezenas de outros evangelhos escritos, mas, por que somente esses foram considerados sagrados? Existem livros atribuídos a Pilatos, a Nicodemos, a Maria Madalena, a Tomé, a Pedro etc; há livros de sujeitos que viveram próximos aos apóstolos como Clemente. 

Ao longo dos séculos, foram os concílios os responsáveis por fixar o que cabia e o que não cabia no chamado cânon. É possível que muita coisa que "não era" passou a ser considerado como sagrado; e muita coisa que "era", que também deixou de ser. O fato, é que "o uso" e a repetição de determinado entendimento cria a consolidação daquilo que é sagrado assim como conhecemos. Hoje, por uma questão que se tornou inquestionável, colocar em dúvida esses textos é cometer um crime mortal.  

Não se trata de uma implicação com a Bíblia. Erhman é um debatedor honesto. Sua função não é atacar a Bíblia, destratar a fé alheia. Suas argumentações são acadêmicas e honestas.  Vale a leitura!

sábado, janeiro 27, 2018

E AGORA, JOSÉ? A direita saiu do armário; a esquerda entrou

Você é capaz de identificar uma pessoa de esquerda? De direita é óbvio: defende a primazia do capital sobre os direitos humanos e o caráter sagrado da propriedade privada; apoia a privatização do patrimônio público; venera o gigantismo dos Estados Unidos; apregoa que “bandido bom é bandido morto”; e costuma ser racista, homofóbica e indiferente aos direitos dos mais pobres.

Ao longo de doze anos de governo do PT, a direita se manteve no armário. Não tinha razões para exibir as garras afiadas, já que se beneficiava economicamente (robustez da Bolsa de Valores, isenções tributárias, benesses do BNDES, captação de investimentos estrangeiros etc.).

Bastou a economia brasileira dar sinais de insustentabilidade para a direita sair do armário, decidida a assumir o controle da nação. A exemplo do que ocorrera em Honduras e no Paraguai, armou-se aqui um golpe parlamentar. Destituiu-se uma presidenta democraticamente eleita, isenta de qualquer acusação de ter cometido crime, para empossar Temer, acusado de vários e graves crimes.

A direita errou o alvo. Constrangida, não bate panelas quando Temer dá as caras na TV nem ocupa as ruas para protestar contra a corrupção escancarada. Mas vocifera raivosamente diante do menor indício de que o Brasil possa vir a ser novamente governado pelo petismo.

O que me parece estranho é a oposição não ir além dos limites do Congresso. Por que o “Fora, Temer” não ganha as ruas? Por que os movimentos sociais, sindicais e estudantis permanecem imobilizados, exceto quando se trata de reivindicações pontuais e corporativas, como ocupações de áreas urbanas e rurais? Onde se enfiou a esquerda brasileira?

Somos, hoje, uma esquerda envergonhada. A corrupção nos atingiu e abateu a nossa moral. Ficamos calados perante o ajuste fiscal proposto pelo governo Dilma. Trocamos um projeto de nação por um projeto de poder. Não cuidamos da alfabetização política do nosso povo. Não criamos uma mídia capaz de se contrapor à versão da direita.

Nossa “pátria-mãe”, a União Soviética, ruiu. A China enveredou-se pelo capitalismo de Estado. O futuro da Revolução Cubana é incerto. “Proletários de todo o mundo, uni-vos”, exortava Marx. Foram os biliardários do mundo todo que se uniram em Davos. Como assinalou o historiador Perry Anderson: “Pela primeira vez, desde a Reforma, não há mais oposição propriamente dita – de visão de mundo rival – no universo do pensamento ocidental e quase nenhuma em escala mundial. […] O neoliberalismo, como conjunto de princípios, reina inconteste no globo”.1

E agora, José? Permanecer no armário e aguardar o resultado das eleições de 2018? Quem garante que os eleitos ao Congresso não serão ainda mais conservadores do que os atuais parlamentares? Ainda que Lula escape das ciladas da Lava Jato e vença a eleição presidencial, que tipo de alianças fará para assegurar a governabilidade?

Nós, da esquerda, abandonamos o trabalho de base, a formação de militantes, o enfrentamento ideológico. Sob os escombros do Muro de Berlim ficou soterrado nosso arcabouço teórico. Nunca mais fomos os mesmos. Ao nos afastarmos da base popular perdemos a vergonha de ser burgueses. Silenciamos quanto ao futuro socialista. Passamos a acreditar que o capitalismo é humanizável, tigre vulnerável a se transformar em gatinho doméstico. Arranha, mas não devora…

Se o nosso arcabouço teórico ficou sob o Muro de Berlim, a razão primeira da existência da esquerda se agigantou, mas nem sempre tivemos olhos para ver a grande horda de excluídos e marginalizados. Porém, o pobretariado não figura em nossas cogitações. Até gostamos de governar para ele, não de manter vínculos orgânicos que deem consistência a uma proposta política transformadora.

O passado se foi e não sabemos ainda como reinventar o futuro. Nossas ações pontuais, todas meritórias, não se consubstanciam em uma proposta política com indícios de viabilizar “o outro mundo possível”. Visto de hoje, ele parece impossível.

O que nós, progressistas (poupemos o termo “esquerda”), queremos de fato: governar para o povo ou governar com o povo?

Apesar dessa ausência de povo nas ruas e aparente inércia, algo de novo brota no seio da esquerda brasileira: a Frente Povo Sem Medo (www.vamosmudar.org.br) e a Frente Brasil Popular; além de tantas lutas assumidas por movimentos indígenas, quilombolas, atingidos por barragens, mulheres, LBGTodos etc. E nas redes digitais se fortalece a oposição ao governo Temer, obrigando-o a recuar em relação a medidas de retrocesso social.

Sem deixarmos de fazer autocrítica, há que guardar o pessimismo para dias melhores.


*Frei Betto é escritor, autor de Paraíso perdido – Viagens ao mundo socialista (Rocco), entre outros livros.

sexta-feira, janeiro 26, 2018

O engenho de Zé Lins (2007) - Documentário

Há muito que buscava assistir a esse documentário. Após muito procurar, quase não acreditei quando o achei. 

O engenho de Zé Lins (2007)
Direção: Vladimir de Carvalho

quinta-feira, janeiro 25, 2018

Filmes vistos em 2018



Vamos começar os trabalhos em 2018. Meta: 70 filmes

1. Matrix (1999), dir. Lana Wachowski, Lily Wachowski, EUA, 29/01, Ação, Ficção - 9,5;

2. Tropa de Elite 2 - o inimigo agora é outro, dir. José Padilha, Brasil, 24/03, Ação, Drama - 9,5;

3. Star Wars - os últimos Jedi (2017), dir. Rian Johnson, EUA, 29/03, Ação, Ficção - 8,0;

4.Jane Eyre (2011), dir. Cary Fukunaga, Inglaterra, 08/06, Drama - 9,0;

5. Meu malvado favorito (2010), dir. Chris Renaud & Pierre Coffin, EUA, 10/06, Animação - 9,5;

6. O livro de Eli (2010), dir. Albert Hughes e Allen Hughes, EUA, 15/06, Ação, Drama - 9,0;

7. Neve Negra (2017), dir. Martin Hodara, Argentina, 17/06, Drama - 9,1;

8. Blade Runner, o caçador de androides (1982), dir. Ridley Scott, EUA, 24/06, Ficção - 9,3;

9. Batman - o Cavaleiro das Trevas ressurge (2012), dir. Christopher Nolan, EUA, 01/07, Ação - 9,0;

10. Os imperdoáveis (1992), dir. Clint Eastwood, EUA, 13/07, Drama/Faroeste, 9,8;