segunda-feira, outubro 29, 2018
domingo, outubro 28, 2018
Caetano Veloso entrevista Roger Waters
Uma baita aula sobre como ser resistente em um mundo em que as
corporações colocam o interesse financeiro acima das necessidades
humanas. Duas figuras necessárias à manutenção da sensatez, da
generosidade e da racionalidade humanas.
Entrevista realizada pela Mídia Ninja
Uma resposta pelo Facebook
... não
é numa rede social que vamos estabelecer um diálogo construtivo.
Eventos são fatos, mas, é a interpretação que damos a eles que cria o
sentido de como enxergamos o mundo. Interpretamos o fato com os óculos
que temos. Os óculos com os quais você
"enxerga" o mundo é repleto de intenções. Ou seja, as cores são
programadas para adequarem o fato e não o contrário. A perspectiva de
Cristo, no meu modo (talvez pobre) de enxergar não aponta para eventos
fechados, dogmatizados. A teologia de Cristo é viva. Ela é caminhante,
"pois quão formosos são os pés daqueles que levam a boa nova". A minha
visão é estabelecida pelo amor, pela tolerância, pela inclusão. Jesus
pergunta: "Onde estão aqueles que te acusam?" "Ninguém te condenou?" A
mulher respondeu: "Ninguém, Senhor!" Ao que ele responde com os lábios
repletos de amor: "Tão menos eu te condeno". Acredito que não exista
ensinamento maior do que esse. O dogmatismo estéril - que você chama de
"valores criados" - autorizava o apedrejamento da mulher. O adultério
era digno de morte, assim, talvez, como o aborto ou qualquer uma dessas
causas elencadas pelo fundamentalismo religioso.
Jesus apenas diz: "Tão
menos eu te condeno". Jesus era amigo dos pecadores, dos beberrões, dos
glutões; dos párias, dos errados, dos tortos, dos esquerdistas, dos que
se desandaram pela vida, dos medrosos, daqueles que perderam a fé; mas
possuía palavras duras, grávidas de contundência contra os
dogmatizantes, contra aqueles que primeiro pintam os óculos, para depois
enxergarem o fato. Ele mesmo diz: "vocês não entram, nem deixam entrar
aqueles que gostariam de fazê-lo" (Mt. 23.13). "Ipso facto", entendo que
a perspectiva da aceitação não crítica de um projeto que flerta com o
ódio, com o autoritarismo, não se aproxima do verdadeiro evangelho de
Cristo. Paulo diz que "devemos fugir de toda forma de mal". Como
cidadão, você tem o direito a pensar o que bem entende, mas, acredito
que o amor abnegado de Cristo, a riqueza e a singeleza dos ensinamentos
de Jesus, estejam bem longe de alguém que diz: "Não te estupro, porque
você não merece". Ou que afirma, quando perguntado sobre se um filho seu
namoraria uma negra: "Não preciso conversar sobre isso. Eu eduquei
muito bem os meus filhos". Ou que afirma que "é necessário matar uns 30
mil para consertar este país". Ou: "Sou preconceituoso, sim, com muito
orgulho". Observe imensas incoerências. Fala-se descontextualizadamente
em aborto, mas se fala em matar 30 mil. Ou ainda em um comício no Acre:
"É preciso metralhar essas petralhada toda". Não me fale em
"discordância", quando há aprovação disso, pois só posso entender que há
cores estranhas naquilo que você enxerga. Um grande abraço, meu
querido!
segunda-feira, outubro 22, 2018
FHC e o medo de ousar
Fernando Henrique Cardoso, no auge dos seus 87 anos, é uma figura curiosa. Hoje, parece perceber que não alcançou aquilo que sempre pretendeu: ser um intelectual da cepa de um Florestan Fernandes, Caio Prado Jr. ou Darcy Ribeiro. Ao invés disso, tornou-se um "senhor" duro, meio orgulhoso e que não consegue fazer uma mea culpa pelas opções políticas que realizou.
Líder de um dos principais partidos da política brasileira - o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira, que flerta com a social democracia somente na sigla) - percebeu que sua relevância política vai se obumbrando à medida que os efeitos do tempo chegam para ele. FHC, também como é conhecido, poderia ter um pouco de dignidade, de coragem para ousar nesse momento em que o país atravessa uma das suas crises, apontando para um futuro questionável e incerto.
Lendo um dos seus artigos, no qual podemos perceber uma forte recusa em admitir o óbvio, fiquei meio penalizado com a sua arrogância, tudo para manter a postura de alguém que não se dobra diante da sua contraparte, o PT. Seu grande desejo era ser um Lula. Melhor: ter a grandeza de um Florestan Fernandes, segundo contam, seu orientador e mestre, e a penetração popular de que goza Lula. No seu artigo, cujo título é O futuro político do Brasil, escrito no El Pais, o "sociólogo de Higienópolis", como lhe alcunha Paulo Henrique Amorim, em dado momento do texto, diz algo que me estarreceu. Tentando fazer uma análise de conjuntura, mas negando as obviedades do momento ou tentando eufemizar por meio de uma retórica de isento, FHC diz sobre a ascensão da candidatura Bolsonaro: "Não se trata da volta ao fascismo: a história, no caso, não se repete.
Trata-se de outras formas de pensamento e ação não democráticas".
Fiz sinal de incredulidade ao ler isto. Certamente, a capacidade analítica do potentado intelectual deve ter atingido níveis apoteóticos. Como assim? Há uma incongruência em seu pensamento. A afirmação não fecha; o raciocínio escorrega, decanta, aproximando-se daquelas pérolas extraídas das redações de vestibular. O fascismo, caro sociólogo, é antidemocrático. A história, de fato, não se repete, mas as implicações da síntese dialética continuam reverberando. O fascismo certamente não se repetirá como aconteceu na Alemanha ou na Itália, que são casos estritos de representação do movimento. Todavia, o fascismo possui uma filosofia da história. Ele é um filhote degenerado do capitalismo monopolista e concentrador ou de qualquer outro movimento que flerte com o autoritarismo e tenha, como preocupação, a supressão das individualidades. O fascismo possui uma direção, uma estética; uma linguagem, uma psicologia, um modus operandis. Vez ou outra, ele aparece com força, principalmente em momentos em que o capitalismo concentrador vislumbra o perigo do caos social.
Se as afirmações do candidato do PSL - e o que ele representa - não são fascistas, o que são essas "formas de pensamento"? Elas caminham para qual direção? Elas estão pautadas nos direitos humanos? Respeitam as bases do estado democrático? Ontem, 21/10/2018, Bolsonaro afirmou em ato na Avenida Paulista, que os seus inimigos políticos (no caso "os vermelhos", metonímia que representa, principalmente, os petistas) serão varridos do mapa. Esta é uma clara manifestação fascista, a saber, a eliminação do diferente; a prisão, a perseguição, pois o fascismo não admite oposição.
Vez ou outra, escutamos a sua fala "gelada", "mofada", pela falta de entusiasmo ou pela incapacidade ousar. Posa de "democrata", mas não reúne os seus para uma verbalização contundente. Acredito que o ato mais sublime para ele, neste momento, no auge de sua quase nonagenária situação, fosse um grito, um aceno claro, perceptível, objetivo, contra essa clara tendência fascista que toma o país. Isso lhe daria dignidade e redimiria o seu passado de escolhas políticas contra o país.
sábado, outubro 20, 2018
Os absolutos relativos
Por que sou cristão? Ora, porque nasci no Ocidente, pois, se tivesse nascido na Ásia, no Oriente ou numa tribo indígena, teria uma outra "tatuagem" na alma. Conclusão: não me venha falar de absolutos. O absoluto de sua religião é relativo diante dos outros absolutos, que também são relativos. Como diria Nietzsche: tudo é interpretação, inclusive o seu absoluto.
terça-feira, outubro 16, 2018
O fascismo e os “homens bons” - Por Mauro Iasi
Abaixo, uma bela reflexão do professor Mauro Iasi. Uma bela análise de conjuntura!
“Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.
Os outros de mim,
Fingindo desconhecer a imagem,
Deixaram-me, a sós, perplexo,
Com meu súbito reflexo.”
Fingindo desconhecer a imagem,
Deixaram-me, a sós, perplexo,
Com meu súbito reflexo.”
O Espelho – Mia Couto
Desde 2004 não voto no PT e me coloquei
como oposição de esquerda a seus governos. No segundo turno entre Dilma e
Aécio em 2014 votei nulo e não me arrependo dessa posição, inclusive
pelo cenário que se desdobrou após o pleito e a vitória da petista. O
que haveria de diferente neste segundo turno?
Em todas as outras oportunidades víamos
um discurso que afirmava que era necessário garantir o governo petista
diante do retrocesso que significaria apostar no PSDB e em sua declarada
política privatista e pró-mercado, sua política externa entreguista e
sua rendição aos ditames do capital financeiro. Sempre argumentamos que,
ainda que houvessem diferenças importantes entre as propostas de
governo de petistas e tucanos, havia uma campo de consenso no que dizia
respeito a aspectos como a reforma do Estado, a política de superávits
primários, a submissão à lei de responsabilidade fiscal, a lógica de
parcerias publico privadas, o abandono da reforma agrária diante da
prioridade ao agronegócio, a forma de governabilidade via concessões e
negociatas e tantos outros.
Hoje acreditamos que a situação é
qualitativamente diferente quando nos confrontamos com a extrema
direita. Hoje defendemos um voto “crítico” em Fernando Haddad. Não se
trata de programas de governo, ainda que uma breve análise do que está
proposto pelas candidaturas seja mais que o suficiente para alertar
sobre os graves perigos que a vitória do candidato do PSL representa. É
muito mais do que isso. Não alimentamos ilusões sobre o caráter do
programa petista e sabemos que sua inclinação ao centro e à centro
direita será um fato certo, até mesmo pela chantagem entorno dos termos
da chamada governabilidade.
Ocorre que o fracasso dos governos de
conciliação de classe e a total falta de estabilidade do governo
usurpador que se seguiu ao golpe institucional, parlamentar e midiático
de 2016, gestou as condições para o fortalecimento da alternativa de
extrema direita. Tal fato foi profundamente facilitado pelo braço
jurídico do golpe e pela condenação sem provas do ex-presidente Lula que
teria, muito provavelmente, ganho estas eleições.
A desarticulação do PT e a
impossibilidade da direita golpista encontrar uma alternativa viável do
ponto de vista eleitoral abriu o espaço para que a alternativa
reacionária se apresentasse como possibilidade de governo.
Programaticamente aponta para o que tem se chamado de
“ultraliberalismo”, mas que, parodiando Lênin, poderíamos chamar de
“ultrabobagens” que nem mesmo os mais neoliberais com ainda alguma
capacidade de intelecção acreditam ser viáveis. Isto é, coisas como
realizar a total privatização dos serviços oferecidos pelo Estado,
implementar uma simplificação grosseira do imposto de renda com
porcentagens iguais diante de uma realidade de profunda desigualdade de
rendimentos e rendas da população, levar a cabo o desmonte das
universidades federais do ensino público gratuito, dotar o famigerado
movimento “escola sem partido” de retaguarda legal para operar uma
cruzada de perseguições políticas e obscurantismo no sistema
educacional, eliminar todos aos “ativismos” (sabemos o que isso
significa) e acabar com o 13 salário e do adicional de férias, entre
outras sandices.
O verdadeiro sentido da extrema direita é
outro. Acirrar as contradições para vender a alternativa da ordem
imposta violentamente, seja pela interferência direta das forças
armadas, seja através do controle da ordem institucional, legislativa e
judiciária. O problema é que o acirramento é fundamental para ganhar as
eleições, mas impossível para manter condições mínimas de
governabilidade, daí a alternativa da força.
A história nos ensina que os verdadeiros
planos aparecem depois da solução de força, como vimos na clara
diferença entre os projetos da Aliança Liberal de Vargas em 1929, que
falava da “vocação agrária do Brasil” e as prioridades do Estado Novo
depois de 1937; da pregação moralista e anticorrupção das forças
golpistas de 1964 e o entreguismo corrupto da ditadura por décadas.
Podemos ver esse processo mesmo nos
clássicos casos do nazi-fascismo europeu, quando a retórica nacionalista
e a crítica ao grande capital se transformou na aliança prática do
capital financeiro e monopolista com o nazismo e o fascismo. É ridículo
mas necessário lembrar que o fascismo e o nazismo foram projetos da
extrema direita. Se seguirem o “raciocínio” que se tem feito esses dias,
é capaz dos reacionários do futuro afirmarem que o Bolsonaro era de
centro, pois eu partido se autodenomina “social e liberal”.
A extrema direita é um instrumento do
grande capital que lança mão da barbárie para salvar sua civilização
diante do risco da democracia. Seu método, como já discutíamos em outra
oportunidade, é a estigmatização do inimigo, a manipulação dos valores
da Nação, da família, da moral, do perigo comunista, deslocando a
responsabilidade pela crise e seus efeitos para os ombros de seus
adversários. Por isso, não nos espanta que a mentira seja a principal
arma política daqueles que defendem os interesses de uma minoria e
precisam do apoio das massas para suas aventuras. Não foi o Facebook nem
o WhatsApp que criou o fenômeno. Ainda que esses dispositivos sejam
veículos eficientes da mentira e das falsificações, a “propaganda” é
reconhecidamente um instrumento do fascismo, pois a verdade os destrói
como a luz aos vampiros.
Mas, por que devemos combater a extrema
direita? Não é uma doutrina política como outra qualquer que devemos
respeitar no sagrado debate de ideias e o direito ao divergente? Não
acredito nisso, pelo simples fato que não há diálogo com aqueles que
negam o diálogo e optam pela manipulação, a mentira, a manobra grosseira
e pregam nossa eliminação física. Não devemos ser tolerantes contra a
intolerância e o obscurantismo.
A extrema direita desperta na sociedade
forças reacionárias que ameaçam a integridade física e moral da maioria
da população. Não estão simplesmente apresentando suas propostas e
disputando uma eleição, estão operando um golpe. Já passa de 50 o número
de atentados notificados em que apoiadores de Bolsonaro constrangeram,
ameaçaram ou agrediram ou mataram pessoas, como foi o caso do mestre Moa
do Katendê, assassinado com doze facadas covardemente pelas costas na
Bahia. Outro caso alarmante foi o da menina que teve uma suástica
gravada a canivete em sua pele no Rio Grande do Sul. Essas agressões
dão corpo a uma escalada de violência política à qual poderíamos somar
tantos outros casos como o assassinato de Marielle Franco, de Jorginho
Guajajara e muitas outras lideranças indígenas ainda este ano.
Consolidou-se uma postura entre parte da
população de que a resposta a ser dada ao PT (seja pelo que de fato fez e
pelo que a ele se atribui através de diversas e inverossímeis
alegações) é votar em Bolsonaro. Desta maneira, o deputado aparece como a
forma vazia de conteúdo que recolhe o antipetismo e o transforma em
alternativa política. O problema é que se a forma se presta
perfeitamente a tal função, de modo algum esta candidatura é vazia de
conteúdo e sua substância real fica obliterada pelo antipetismo.
Entre as milhares de pessoas que votaram
no primeiro turno é possível que existam fascistas convictos,
reacionários de todo tipo e conservadores, mas a grande maioria escolheu
alguém para derrotar o PT. Caso retirássemos este fator, restaria uma
trupe de pessoas muito estúpidas que acreditam que a terra é plana, que o
Francis Fukuyama é comunista e que Rogers Waters, do Pink Floyd, nunca
prestou atenção nas letras que ele mesmo escreveu. O problema é que
estas pessoas, supostamente boas, estão acalentando a ilusão de que o
mais importante é derrotar o PT, de que o maluco do Bolsonaro não fará
tanto estrago como seus antecessores. O vice Mourão seria um militar
simplório e racista que gosta de seu neto que está a cada dia mais
branco e que prometeu acabar com o 13o salário, mas que não
vai fazer isso. As “pessoas boas” só estão preocupadas em salvar a
família tradicional, morrem de medo de jovens do mesmo sexo que passeiam
de mãos dadas pela rua, mas ninguém vai sair nas ruas matando
homossexuais a golpes de barra de ferro, ou queimar índios, ou estuprar
mulheres, ou ligar fios desencapados nos testículos de ninguém, pendurar
pessoas no “pau de arara”, espanca-las e depois de deixa-las nuas,
cobertas de sangue e fezes, para em seguida trazer seus filhos de quatro
anos para presenciar a cena. Ninguém vai pegar um jovem, tortura-lo,
amarrar sua boca no escapamento de um Jipe e arrastá-lo pelo pátio do
quartel. Ninguém enfiaria um rato na vagina de ninguém. Ninguém vai
assassinar opositores, esquartejá-los e queimar os restos nos fornos de
uma usina de açúcar no Rio de Janeiro. Pessoas boas preferem não pensar
nisso.
Mas tudo isso aconteceu de verdade (o contrário do fake news
é uma coisa chamada história) e já está acontecendo quer as “pessoas
boas” queiram ou não. De alguma forma, elas são cumplices da barbárie.
São elas que estão colocando a arma na mão dos assassinos, são elas que
colocam as pedras nas mãos dos fanáticos que apedrejam meninas saindo
dos cultos afros, são elas que estão dando a chave do cofre para as
quadrilhas que as assaltarão. São elas que estão assinando um contrato
no qual acreditam que há apenas uma clausula: impedir que o PT volte a
governar.
Não. Bolsonaro não é maluco. Nem seu
vice, um milico simplório. Nem seus asseclas, que não passam de
profissionais bem remunerados para fazer uma “campanha eleitoral”. São
políticos de extrema direita, alguns com claras características
fascistas, que estão tentando encobrir suas pegadas e seus crimes, desde
1964 e o golpe, as torturas e a longa noite que se abateu sobre o
Brasil, mas também suas falcatruas presentes, seu apoio inconteste ao
governo do usurpador Temer e seus ataques aos trabalhadores e sua
responsabilidade direta pela destruição do país. Não são anjos vindos do
céus com a missão de derrotar o PT, como dizem alguns pastores
coniventes e parceiros da farsa, em nome da fé, da família e do fim da
corrupção. São, em poucas palavras, pessoas más que habitam os
bastidores do terror e da barbárie, com negócios e interesses escusos.
Em 2015, quando essas forças iam as ruas
pedir o afastamento da então presidente Dilma, ao fazer uma análise de
conjuntura, eu dizia que com esses setores não poderia haver diálogo
possível. Fui envolvido numa manipulação grosseira de minha fala para me
apresentar como aquele que queria fuzilar “todos os conservadores” por
conta de uma citação descontextualizada de poema de Brecht. Fui
caluniado, perseguido, ameaçado, processado, ironicamente por aqueles
que defendem e praticam o extermínio e os fuzilamentos. Mas o que o
poeta alemão externava em seu poema, usando a imagem do fuzilamento,
dizia respeito à responsabilidade daqueles que ajudaram o fascismo a
chegar ao poder e que, depois da catástrofe, se diziam inocentes pois o
fizeram na mais boa das intenções, porque, afinal, eram pessoas boas.
Na Alemanha de Weimar também haviam
pessoas boas que só queriam um país grande e forte. Estavam descontentes
com a crise, a inflação e o desemprego. Tinham críticas aos governos
democráticos, muitas delas bastante pertinentes. Queriam defender a
família, queriam uma raça pura, bonita e forte. Por isso votaram em
massa pelos nazistas e os elegeram em 1932. Continuaram os apoiando
quando em 1933 Hitler eliminou toda a oposição ao seu governo. Por isso,
também, aceitaram quando apareceu a proposta de esterilizar pobres e
pessoas com comportamento antissocial hereditário, assim como matar
aqueles que tinham uma vida indigna de ser vivida. Estavam alegres e
confiantes como as boas pessoas que eram… até que começaram a levar as
crianças com problemas mentais para eventualmente serem mortas no
projeto Aktion 4 (até 1945 foram mais de 5 mil crianças), e terem seus
cérebros destinados à pesquisa de um prestigioso doutor (ele também uma
boa pessoa) Depois foram os judeus, os ciganos, os homossexuais, os
comunistas que passaram a ser levados para o extermínio nas câmaras de
gás e nos fornos crematórios dos campos de concentração. Mas tudo isso
para eliminar o crime, a corrupção e afastar o mundo perigo do
comunismo. No final das contas, entretanto, foram os comunistas que
ajudaram a salvar o mundo dos nazistas. Os homens de bem ficaram,
compreensivelmente confusos. Será que estávamos do lado errado, pensavam
em meio às cidades em ruinas e às bombas que caiam sobre suas cabeças,
enquanto corriam para se livrar de todo símbolo que os pudessem associar
ao mundo que ruía à sua volta.
Será possível que as pessoas de bem
estivessem entre aqueles corpos esqueléticos jogados em valas comuns e
cobertos de cal? Será que as crianças assassinadas não eram… pessoas
boas? Seriam mesmo os judeus os culpados de tudo? Seriam os comunistas
realmente nossos inimigos? Assim divagavam as pessoas que se achavam
boas e apoiaram a barbárie fascista, mas toda e qualquer dúvida
desaparecia quando confrontavam suas vítimas, porque seu lugar era entre
os carrascos.
Então vamos combinar uma coisa: vote em
que quiser. Se você é um fascista convicto, vote nos assassinos e
torturadores, pois acredito mesmo que eles o representam. Mas, se você
acredita que é uma pessoa boa, não diga depois que não sabia. O sangue
de homens e mulheres de bem, gente simples e corajosa – Moas e Marielles
e tantos outros – o sangue dessas pessoas já está caindo e tingindo o
solo de nosso país de vermelho, jovens são agredidos no meio da rua e
têm sua carne marcada com a suástica nazista. Você que se acha uma
pessoa de bem e um cristão e votou no candidato da extrema direita já
está com sangue nas mãos e nenhuma água ou esquecimento será capaz de
limpar suas mãos e sua consciência desses crimes cometidos em seu nome.
Ainda temos uma chance de evitar uma
catástrofe que já é reconhecida e temida por todos os órgãos de imprensa
sérios do planeta. Você quer ser lembrado por ter ajudado a derrotar as
forças do mal (e depois ajudar a organizar a oposição ao governo do PT)
ou por ter dado seu apoio a um governo que será catastrófico do ponto
de vista econômico, social, cultural e civilizatório? No futuro, quando
você que não escutou todos os alertas, tentar negar sua
responsabilidade, repetindo como um mantra que é uma pessoa boa, olhando
para o espelho verá, inconfundível, os traços dos assassinos, o olho
brutal da maldade e o horror de todas as vítimas consumindo suas
pretensões de ingenuidade. Só podemos garantir uma coisa: nós estaremos
lá, como estivemos no passado, todos os dias, para que você e ninguém
jamais esqueça.
Daqui
segunda-feira, outubro 15, 2018
Não diga para mim "feliz dia dos professores", se você aprova um projeto que aniquila a educação e o papel dos professores
Uma das frases mais contundentes de Paulo Freire, entre as tantas proferidas pela boniteza de sua sabedoria, é a de que a "educação é um ato político". Hoje, dia 15 de outubro, é comemorado o dia do professor. É uma data que possui um sabor adstringente; que chega a por um travo, um leve e perceptível sabor amargo na boca.
(1) Ser professor é uma das mais nobres profissões. Quando afirmo isso, não quero patinar em um lugar comum. Afirmo uma obviedade pela verdade que a afirmação encerra. O destino de um país, necessariamente, passa pelo nível dos professores que possui. Eles são um dos principais contribuidores à formação das novas gerações. Possuem uma importância política, econômica e cultural. Um professor mal preparado deixa marcas profundas em seus alunos; mas, o contrário, também é verdade: um professor sábio, rico em carisma e sensibilidade é capaz de despertar os mais necessários sentimentos que tornam um sujeito responsável e crédulo no ser humano. Em sociedades amadurecidas, os professores possuem um lugar de destaque. São respeitados; bem remunerados. Tidos como heróis.
(2) Por sua vez, o momento político que vivemos reserva enormes dificuldades para os professores. Há uma hostilidade contra os professores. O famigerado Escola sem partido traz uma agenda policialesca contra os professores. Debater criticamente qualquer assunto, demonstrando os pontos de vista sobre determinado assunto, pode ser entendido como "doutrinação". Um exemplo se deu com meu irmão, professor de história de determinada escola. Ele resolveu trabalhar O atlas da violência, divulgado este ano pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Neste documento oficial, produzido por pesquisadores do Brasil inteiro, que trabalharam com informações empíricas, fica constatado que os negros são as principais vítimas da violência - entre tantas outras violências existentes contra mulheres, gays, índios etc. Que nascer negro no Brasil - e numa periferia - já condena qualquer sujeito potencialmente a um fatalidade - viver menos. Uma mãe, também professora (sic.) de escola pública, foi até a direção da escola denunciar o tipo "de doutrinação esquerdista" que ele estava fazendo. Uma verdadeira lavagem cerebral contra o seu filho. A escola o demitiu.
Neste período eleitoral, muitos professores votarão em Bolsonaro, atestando uma completa falta de sintonia com a responsabilidade docente. O plano de governo do candidato do PSL para a educação traz uma série de propostas genéricas e vazias de conteúdo. É importante denunciar que se trata de um retrocesso. Por exemplo, a construção de uma escola militar em cada capital do país, como se isso melhorasse por si mesmo a qualidade da educação no Brasil; ou incentivar a educação à distância ainda na educação básica, algo proibido pela atual LDB. Segundo o plano de governo do candidato do PSL, o estado brasileiro gasta imensamente com ensino superior. Por isso, é necessário reverter esses investimentos. Ou seja, o que se busca é colocar o país numa "idade média pedagógica".
O que se nota no plano de governo do candidato que lidera as pesquisas até agora é que há uma tentativa de monitorar a educação e os professores. O objetivo é cercear os professores, extraindo a possibilidade de qualquer conteúdo crítico da educação escolar. Com isso, agravar-se-á ainda mais o problema da educação nacional. O país precisa abandonar uma educação voltada para o decoreba e estabelecer um currículo em que disciplinas como história, arte, filosofia, sociologia, literatura, sejam valorizadas a fim de propiciar uma intersecção com as outras disciplinas - matemática, português, química etc - para permitir que os alunos agucem a capacidade analítica. A perspectiva bolsonarística é mediocremente empobrecedora por não levar em conta a problemática da educação pública.
Quando Paulo Freire dizia que "a educação é ato político", ele apontava que a educação é feita por sujeitos ativos; por pessoas que se reconhecem como sujeitos históricos, pois não existe uma educação neutra. Em sua intencionalidade, ela ajuda a elucidar, permitindo que se construa uma alternativa crítica e criadora; ou aquela perspectiva que apenas aceita, que se resigna diante das estruturas opressoras do mundo, sem fomentar nos sujeitos aprendentes uma generosidade humanizadora.
Por isso, não diga para mim "feliz dia dos professores", se você aprova um projeto que aniquila a educação e o papel dos professores. Isso apenas revela incoerência. Não se ajuda a construir uma sociedade solidária com projetos autoritários e excludentes.
domingo, outubro 14, 2018
Cristo denunciou a indiferença, a presunção ressentida e o ódio dos religiosos
Sempre fui um admirador dos grandes sujeitos que foram modelos para a humanidade. Que refletiram como podemos nos tornar humanos mais responsáveis e conhecedores daquilo que somos. Por isso, admiro Sócrates, Confúncio, Buda, Gandhi, Nietzsche, Martin Luther King, São Francisco de Assis, Rubem Alves, Jesus Cristo.
Cristo, por exemplo, é para mim a quintessência desse mergulho, desse desafio, dessa jornada à procura de uma humanidade que considere o outro. Cristo estabelece uma nova justiça, uma nova ética, uma nova filosofia fundamentada no amor. Ao lermos os quatro evangelhos, não encontramos sistematização de uma doutrina; a dogmática encapsuladora e reducionista dos cristãos atuais. Cristo sempre fugiu dos modelos prontos, criminalizadores, presunçosos, que colocam a aparência acima da essência. Sua única preocupação era: o "eu" só pode está pacificado com o Deus, se ele levar em conta o "tu".
Há inúmeras passagens em que o encontramos ao lado de pessoas que eram tidas como proscritos sociais - prostitutas, cobradores de impostos, glutões, beberrões. Sua fala desmontava os ressentimentos, as compreensões estúpidas de uma religiosidade pouco produtiva, que pouco considerava o ser humano em sua integridade, em sua dignidade. O ódio é o alimento do arrogante, daquele que está cheio de si, que deposita no coração o preconceito separador, assassino.
As eleições deste ano têm me ajudado a consolidar um entendimento: mais Cristo e menos religiosidade. Em determinada passagem do livro de Mateus, Cristo diz algo que acende uma alerta em mim: a mesa de Cristo é mais ampla, larga e inclusiva do que a mesa proposta pela religiosidade obtusa e preconceituosa. Ao ouvir a confissão de fé de um centurião romano, um pária religioso, que não fazia parte da "igreja institucionalizada", conforme o entendimento dos judeus, encontramos uma preciosa lição. "Digo-vos que muitos virão Ocidente e do Oriente e do e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus". (Mateus. 8.11). Ele estava explicando o quanto a sua presença tirava dos religiosos judeus a primazia do monopólio da fé.
Sempre que encontramos Cristo em um embate nos evangelhos é por causa da religião que ajuda na reprodução do status quo. A fé oficial é cristalizadora, pouco dada ao questionamento, pouco dada à indignação. Não entende que "o homem não foi feito por causa do sábado, mas que o sábado foi feito por causa do homem" (Marcos 2.27). Que o homem e suas necessidades (sejam elas materiais ou existenciais) estão acima de quaisquer realidades.
Há um outro episódio curioso no livro de João, que mostra a impetuosidade de Pedro. Naquele episódio, o famoso apóstolo entedia que a violência, a truculência, a irracionalidade, resolveriam o problema. Os soldados se aproximavam para prender Jesus. Pedro, que representava o voluntarismo, usou a espada afoitamente e cortou a orelha de Malco, um dos auxiliares do sumo sacerdote. Jesus profere a seguinte frase, que encontramos em Mateus: "Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão". (Mt 26.47-56; Jo 18.1-11). Jesus é amoroso e sábio até mesmo nas situações extremas. Para Jesus, soldado romano bom, não era soldado romano morto. Jesus não era um belicista. Sua revolução acontecia/acontece primeiramente no coração. Os olhos são o espelho da alma. Os que têm fome e sede de justiça serão saciados, pelo fato de o reino de Deus acontecer primeiro como uma força que modifica o olhar, o coração e a caminhada.
A violência está do lado do ressentido e este nunca foi o lugar de Cristo. No episódio em que Cristo fala que "o homem não foi feito por causa do sábado", vemos que os líderes religiosos mais ilustres da época, os fariseus, "conspiravam contra ele, sobre como lhe tirariam a vida". (Mateus 12.14). A justiça sempre será perseguida. A bondade, em alguns momentos, será tida como medida antiquada. O amor não é uma força sempre aquecida. Ele pode esfriar. Ser tido como um gesto desnecessário, piegas.
Gandhi costumava dizer que se os homens lessem o Sermão do Monte, o mundo seria um lugar diferente. Pois é justamente nesses poucos capítulos do Novo Testamento, que encontramos o a contracultura, a práxis evangélica transformadora. Abaixo, seguem algumas excertos da "verdadeira" mensagem cristã.
"E Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte, e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos;
E, abrindo a sua boca, os ensinava, dizendo:
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus;
Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados;
Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra;
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos;
Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia;
Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus;
Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus;
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus;
Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa".
Mateus 5:1-11
"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.
Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;
Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?
Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus".
Mateus 5:38-48
"A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz;
Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!"
Mateus 6:22,23
"Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?
Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus.
Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons.
Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo.
Portanto, pelos seus frutos os conhecereis".
Mateus 7:16-20
Diante de tantos discursos confusos, encharcados de indiferença, não consigo entender como uma pessoa que se diz cristã, comungue com um discurso de ódio e violência, leia as passagens acima e não faça uma leitura de sua fé. Fé não deve ser entendida como penduricalho eclesiástico, como mera participação em um grupo que pouco contribui para uma relevância social. É pouco frutífera essa disposição conservadora, cristalizada em costumes. A teologia de Cristo era viva, irradiava das necessidades diárias daqueles que se encontravam com Ele.
A escolha pela realidade duvidosa, por aquilo que assume uma feição de duplicidade, não é cristã. Jesus disse que não se pode servir a dois senhores (Mateus 6.24). Paulo escrevendo aos cristãos em Tessalônica, aconselhou: "Fugi de toda aparência do mal". (1 Tessalonicenses 5.22). Por isso, é-me estranho alguém que se diga cristã, fazer a opção por um discurso destoante da mensagem de Cristo. O amar a Deus só faz sentido, quando se ama o próximo. Ou seja, alguém que olha o céu, necessariamente, precisa voltar o olhar para a terra e assumir uma posição ao lado da paz e da justiça.
Os judeus esqueceram essa mensagem. Passaram a viver uma religiosidade inócua, que mira o vazio, sem prestar atenção no seu semelhante. Diante de muitos cristãos que se deixam seduzir por um discurso de ódio e indiferença, a minha observação é de que Cristo está correto, e eles, equivocados.
Há inúmeras passagens em que o encontramos ao lado de pessoas que eram tidas como proscritos sociais - prostitutas, cobradores de impostos, glutões, beberrões. Sua fala desmontava os ressentimentos, as compreensões estúpidas de uma religiosidade pouco produtiva, que pouco considerava o ser humano em sua integridade, em sua dignidade. O ódio é o alimento do arrogante, daquele que está cheio de si, que deposita no coração o preconceito separador, assassino.
As eleições deste ano têm me ajudado a consolidar um entendimento: mais Cristo e menos religiosidade. Em determinada passagem do livro de Mateus, Cristo diz algo que acende uma alerta em mim: a mesa de Cristo é mais ampla, larga e inclusiva do que a mesa proposta pela religiosidade obtusa e preconceituosa. Ao ouvir a confissão de fé de um centurião romano, um pária religioso, que não fazia parte da "igreja institucionalizada", conforme o entendimento dos judeus, encontramos uma preciosa lição. "Digo-vos que muitos virão Ocidente e do Oriente e do e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus". (Mateus. 8.11). Ele estava explicando o quanto a sua presença tirava dos religiosos judeus a primazia do monopólio da fé.
Sempre que encontramos Cristo em um embate nos evangelhos é por causa da religião que ajuda na reprodução do status quo. A fé oficial é cristalizadora, pouco dada ao questionamento, pouco dada à indignação. Não entende que "o homem não foi feito por causa do sábado, mas que o sábado foi feito por causa do homem" (Marcos 2.27). Que o homem e suas necessidades (sejam elas materiais ou existenciais) estão acima de quaisquer realidades.
Há um outro episódio curioso no livro de João, que mostra a impetuosidade de Pedro. Naquele episódio, o famoso apóstolo entedia que a violência, a truculência, a irracionalidade, resolveriam o problema. Os soldados se aproximavam para prender Jesus. Pedro, que representava o voluntarismo, usou a espada afoitamente e cortou a orelha de Malco, um dos auxiliares do sumo sacerdote. Jesus profere a seguinte frase, que encontramos em Mateus: "Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão". (Mt 26.47-56; Jo 18.1-11). Jesus é amoroso e sábio até mesmo nas situações extremas. Para Jesus, soldado romano bom, não era soldado romano morto. Jesus não era um belicista. Sua revolução acontecia/acontece primeiramente no coração. Os olhos são o espelho da alma. Os que têm fome e sede de justiça serão saciados, pelo fato de o reino de Deus acontecer primeiro como uma força que modifica o olhar, o coração e a caminhada.
A violência está do lado do ressentido e este nunca foi o lugar de Cristo. No episódio em que Cristo fala que "o homem não foi feito por causa do sábado", vemos que os líderes religiosos mais ilustres da época, os fariseus, "conspiravam contra ele, sobre como lhe tirariam a vida". (Mateus 12.14). A justiça sempre será perseguida. A bondade, em alguns momentos, será tida como medida antiquada. O amor não é uma força sempre aquecida. Ele pode esfriar. Ser tido como um gesto desnecessário, piegas.
Gandhi costumava dizer que se os homens lessem o Sermão do Monte, o mundo seria um lugar diferente. Pois é justamente nesses poucos capítulos do Novo Testamento, que encontramos o a contracultura, a práxis evangélica transformadora. Abaixo, seguem algumas excertos da "verdadeira" mensagem cristã.
"E Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte, e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos;
E, abrindo a sua boca, os ensinava, dizendo:
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus;
Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados;
Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra;
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos;
Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia;
Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus;
Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus;
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus;
Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa".
Mateus 5:1-11
"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.
Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;
Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?
Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus".
Mateus 5:38-48
"A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz;
Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!"
Mateus 6:22,23
"Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?
Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus.
Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons.
Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo.
Portanto, pelos seus frutos os conhecereis".
Mateus 7:16-20
Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.
Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;
Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?
Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.
Mateus 5:38-48
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.
Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;
Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?
Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.
Mateus 5:38-48
Diante de tantos discursos confusos, encharcados de indiferença, não consigo entender como uma pessoa que se diz cristã, comungue com um discurso de ódio e violência, leia as passagens acima e não faça uma leitura de sua fé. Fé não deve ser entendida como penduricalho eclesiástico, como mera participação em um grupo que pouco contribui para uma relevância social. É pouco frutífera essa disposição conservadora, cristalizada em costumes. A teologia de Cristo era viva, irradiava das necessidades diárias daqueles que se encontravam com Ele.
A escolha pela realidade duvidosa, por aquilo que assume uma feição de duplicidade, não é cristã. Jesus disse que não se pode servir a dois senhores (Mateus 6.24). Paulo escrevendo aos cristãos em Tessalônica, aconselhou: "Fugi de toda aparência do mal". (1 Tessalonicenses 5.22). Por isso, é-me estranho alguém que se diga cristã, fazer a opção por um discurso destoante da mensagem de Cristo. O amar a Deus só faz sentido, quando se ama o próximo. Ou seja, alguém que olha o céu, necessariamente, precisa voltar o olhar para a terra e assumir uma posição ao lado da paz e da justiça.
Os judeus esqueceram essa mensagem. Passaram a viver uma religiosidade inócua, que mira o vazio, sem prestar atenção no seu semelhante. Diante de muitos cristãos que se deixam seduzir por um discurso de ódio e indiferença, a minha observação é de que Cristo está correto, e eles, equivocados.
A recusa ao debate - por Luis Felipe Miguel
Andando por Brasília, identificado como eleitor de Haddad, cruzo
volta e meia com os defensores do Coiso. Seus olhares às vezes são de
espanto, espanto por alguém ter a coragem de se manifestar à esquerda.
Mas em geral são de desprezo e ódio.
Alguns andam com a camiseta
verde e amarela com a inscrição "Meu partido é o Brasil". Eles
provavelmente nem sabem, mas estão fazendo uma profissão de fé fascista.
Se o partido deles é o Brasil, qualquer outro partido será contra o
Brasil. A dissensão vira traição, a
discordância fica interdita. Não há espaço para a democracia - cujo
"gesto inaugural", de acordo com a bela fórmula de Claude Lefort, "é o
reconhecimento da legitimidade do conflito".
Discursos políticos de vários matizes costumam evocar uma harmonia
perdida, que seria preciso restaurar, mas a exacerbação desse traço no
bolsonarismo é claramente uma opção autoritária. Descende das afirmações
tão repetidas de que "o PT criou a luta de classe no Brasil" ou "o PT
jogou negros contra brancos no Brasil" (assim como as feministas jogam
mulheres contra homens etc.). O conflito não nasce da organização social
e das formas de exploração e dominação que ela engendra, mas da ação
deliberada de agentes nefastos.
Com isso, as estruturas de exploração e dominação são protegidas, já que a culpa da divisão social não é delas, mas de quem as denuncia. A camisa da seleção, que inspira a camiseta "Meu partido é o Brasil" e é adotada ela própria por muitos bolsonarianos, é um símbolo inconscientemente poderoso. Todos torcemos juntos. Mas quem ganha são os cartolas corruptos da CBF.
Quando não é a camiseta amarela, é a camiseta preta, cuja estética é inegavelmente fascista, muitas vezes adornada com desenhos de rifles. Uma delas, entre as que vi, trazia a caveira do Punisher, "herói" da Marvel dedicado a assassinar aqueles que ele julga que são bandidos. A intimidação e a violência são assumidas como soluções - sem disfarce, sem rodeios.
É claro que Bolsonaro não quer ir aos debates. Não é por recomendação médica. Não é nem mesmo por estratégia política, como ele disse outro dia. É por princípio. A posição que ele encarna tem como um de seus elementos básicos a recusa do debate político.
Via Facebook
Com isso, as estruturas de exploração e dominação são protegidas, já que a culpa da divisão social não é delas, mas de quem as denuncia. A camisa da seleção, que inspira a camiseta "Meu partido é o Brasil" e é adotada ela própria por muitos bolsonarianos, é um símbolo inconscientemente poderoso. Todos torcemos juntos. Mas quem ganha são os cartolas corruptos da CBF.
Quando não é a camiseta amarela, é a camiseta preta, cuja estética é inegavelmente fascista, muitas vezes adornada com desenhos de rifles. Uma delas, entre as que vi, trazia a caveira do Punisher, "herói" da Marvel dedicado a assassinar aqueles que ele julga que são bandidos. A intimidação e a violência são assumidas como soluções - sem disfarce, sem rodeios.
É claro que Bolsonaro não quer ir aos debates. Não é por recomendação médica. Não é nem mesmo por estratégia política, como ele disse outro dia. É por princípio. A posição que ele encarna tem como um de seus elementos básicos a recusa do debate político.
Via Facebook
quarta-feira, outubro 10, 2018
Uma quase carta
Boa noite, ...!
Você perguntou pelo meu filho, o
Bernardo, e eu não respondi. Ele está bem! No próximo sábado, dia 13,
completará um mês. Este primeiro mês foi bastante difícil. Muitas adaptações –
para ele e, principalmente, para mim e para a Liana. Mas, estamos indo. Acredito
que o pior já passou. Ele chegou a ficar dez dias internado. Estava com uma
dificuldade inicial em mamar. Aprendeu, entretanto, e agora o rapaz está
crescendo e ganhando peso.
Foi colocado por você que não deseja
“discutir política”. Entretanto, não há como tentar estabelecer um colóquio sem
que o tema não venha à tona. Vou tentar colocar em tópicos para facilitar a
compreensão. Claro, tudo aquilo que eu colocar aqui, é resultado de minha
percepção – e, principalmente, de minhas limitações. Respeito o seu ponto de
vista. O grande desafio da democracia é justamente o convívio, a relação na
diversidade.
(1) Por que o ódio PT?
O
PT é um partido que surgiu dos movimentos populares. Possui uma história, pois.
Nos quase quarenta anos de sua história, sempre foi alvo de muita polêmica. O
partido conseguiu construir uma base bastante forte. Durante muito tempo,
milhões de brasileiros desejaram que o PT chegasse ao poder máximo do país, a
Presidência da República. A primeira tentativa se deu no ano de 1989. Na
ocasião, Lula perdeu a eleição para Fernando Collor. Houve duas outras
tentativas – 1994 e 1998 – com duas outras derrotas. Em 2002, após todo um
período de desengano e melancolia política com o governo do PSDB, o PT chegou
ao poder. Acontece uma repaginação do partido. Lula assumiu um discurso mais econômico
e pacífico. Para governar, fez aliança com uma quantidade considerável de
partidos. Formou um governo de coalizão. Distribuiu cargos aos aliados como uma
contraprestação política.
Em 2005, ocorre o primeiro
escândalo, o do Mensalão, como ficou conhecido. O governo foi colocado contra a
parede. Todavia, Lula foi reeleito em 2006. No segundo mandato, o governo
petista conseguiu seu melhor momento. O
país cresceu. A economia decolou. Os trabalhadores passaram a perceber um
cenário positivo. Lula saiu do governo em 2010, com mais de 80% de aprovação,
um feito realmente extraordinário. Tanto é assim, que ele conseguiu colocar a
Dilma no seu lugar. Ela começou bem. Até 2012, tinha índices de aprovação acima
dos 60%. A partir de 2013, as coisas começaram a perder o compasso. Com as
manifestações de julho daquela ano, o governo passou para o campo defensivo.
A mídia passou a veicular
sistematicamente reportagens que associavam o governo à corrupção. Todos os
problemas do país foram direcionados ao PT. Em 2012, surge a Operação Lava
Jato, que, segundo seus capituladores, é uma operação apartidária. Mas,
notou-se um objetivo: as figuras do PT, tendo no seu principal nome, Lula, a
seta direcionada. Observe-se que o partido que tinha/tem o maior número de
nomes implicados na operação é o PP, mas ficou a noção de que era o PT.
Associaram o nome do PT como de um partido corrupto, de ladrões.
Ora, a repetição de uma sentença e a
aplicação do significado dessa sentença como sendo a verdade, passa a ter
efeitos extraordinários. Isso já aconteceu em alguns momentos da história. O
exemplo mais claro é o que Hitler fez com os judeus durante a Segunda Guerra.
Naquele contexto, a Alemanha estava esfacelada por causa da Primeira Guerra e o
Tratado de Versalhes. Havia crise, fome, desemprego; caos econômico,
incertezas, medo. O astuto Hitler entendeu que nesses momentos você precisa
criar uma narrativa e direcioná-la para um alvo. Hitler direcionou o seu discurso
para as minorias - ciganos, comunistas, judeus, homossexuais, etc. É a lógica
do “nós”, os injustiçados e sofredores e, “eles, os algozes, os autores de
nossa crise.
Em 2014, a reeleição agravou a
crise, pois, a partir dali, houve uma militância severa contra o PT. A
destituição de Dilma, em 2016, foi outro momento complexo. Vale lembrar que
2016 foi o ano dos panelaços. Havia uma mesma fala que ia das crianças de colo
aos anciãos: de que o PT era um partido de corruptos e ladrões. O Jornal
Nacional, por exemplo, colocava reportagens de uma hora contra o partido,
conectando a imagem do partido à corrupção. Era como se não houvesse nada de
bom no PT. Nesse ínterim, chega ao poder Michel Temer, uma figura que não
conseguiu nenhuma legitimidade: (1) por ter o seu governo associado a um impeachment duvidoso. Ficou claro que se
tratou de um golpe, apesar de ter seguido o fluxo constitucional. A
Constituição foi apenas um objeto que vestiu o feito de legalidade. Observe que
os cristãos queimaram pessoas na Idade Média usando a Bíblia; ou que a mesma
Bíblia foi usada para legitimar a superioridade de brancos sobre negros nos
Estados Unidos. E, nem por isso, esses acontecimentos podem se dizer cristãos.
Da mesma forma, o impeachment seguiu o rito constitucional, mas não havia base
constitucional por não haver crime de responsabilidade. (2) destituíram a Dilma
com a alegação de que era preciso acabar com a corrupção, todavia, os
escândalos de corrupção continuaram a existir. Havia indícios claros de que o
governo Temer era bem pior do que aquele suposto governo corrupto do PT. A
mídia foi até complacente com Temer. Não houve um bombardeio como houve com o
PT. Vemos, assim, a seletividade da mídia brasileira.
Vale mencionar que o trabalho da
mídia serviu para esvaziar o debate político. Tanto a mídia como as figuras do
Judiciário trabalharam para criminalizar a política. O cidadão comum não via
mais motivos para acreditar na política e nos políticos. A boa política, aquela
que estabelece o debate, que discute ideias, foi varrida do mapa. A sociedade
não conseguiu mais dinamizá-la. O cenário era de completa feiura. De repente,
passamos a enfrentar a crise econômica que agravou ainda mais o cenário. A
política foi contaminada. Jogou-se toda a culpa no colo do PT. Ora, raciocinemos, se o governo do país
estava nas mãos do PT e todos os escândalos estavam associados ao PT, é natural
que o ódio tenha um direcionamento. Atualmente, as pessoas não querem nem ouvir
falar no nome do partido. Associam-no ao que de mais deplorável há no país; que
estamos nessa situação de crise econômica, política e moral por causa do
partido.
(2) A quem interessava a saída do PT?
Some-se
a isso que o PT foi tolerado pelas elites do poder, enquanto foi conveniente. A
sociedade brasileira sempre foi adepta de teorias conspiratórias. Sempre houve
“a crendice” de que há uma iminente ameaça de invasão comunista. Essa foi uma
das desculpas utilizadas para sustentar a Ditadura Militar. De tempos em tempos
isso acontece. Em momentos de crises, quando o medo, a insegurança, passam a
funcionar como motores, esse fantasma aparece.
Para
princípio de conversa, o PT não é um partido socialista ou comunista. Ele é, no
máximo, um partido com ideias que assentam numa preocupação com causas sociais
por causa de sua origem. Isso é verdade pelo fato de o partido ter ficado treze
anos no poder, sem que o Brasil tenha se transformado numa Coreia do Norte.
Muito pelo contrário, foi um período de forte lucro para os capitalistas. A
saída do PT foi desejada pelos grupos que mandam no país. Não se aceitou o
resultado das urnas em 2014. O povo escolheu, mas o que é um povo, em um país
em que o regime democrático é apenas um detalhe? Queriam apenas continuar
lucrando facilmente sem que houvesse qualquer empecilho, qualquer muro, obstáculo.
(3) O PT é inocente?
Certamente, que essa resposta é
“não”. Ao fazer um governo de coalizão, o partido se abriu para as negociatas.
Nomeou gente de todo tipo. Essas alianças fugiram ao controle do partido. Fazer
política não é um negócio fácil. Exige exposição. Conversa. Diálogo. Exige que
se sente com adversários pouco lisonjeáveis. Com figuras interesseiras. Com
pessoas que não possuem compromisso ético; que desejam apenas benefício, sem
qualquer preocupação ética. Enquanto era oposição, partido possuía um discurso.
Com a ida para a situação, teve que refrear o discurso.
Vale mencionar, que em nome da
governabilidade, o partido se expôs de maneira não detida. Não mediu
consequências. Associou-se com o que há de pior na política brasileira e foram
essas alianças que contaminaram o partido. É preciso que ele faça uma mea culpa, uma espécie de exame de
consciência.
(4) Por que não voto em Bolsonaro ou por
que ele seria “um mau presidente”?
Primeiro é importante dizer que, com
relação ao futuro, nós precisamos resgatar os fatos do passado. É nesse
paradoxo que podemos conjecturar ou fazer análises.
Bolsonaro já mostrou ao longo de sua
história que é uma figura uma tanto quanto duvidosa. É um “politiqueiro” de
carteirinha, daqueles que fazem carreira na política, sem qualquer compromisso
com o país. Ao longo dos seus 28 anos no Congresso, possui um péssimo
repertório de contribuições ao povo que paga o seu salário. Sempre que a imagem
dele vem à minha mente, comparo-o ao Golum, aquele personagem do Senhor dos
Anéis, uma criatura medíocre que foi enfeitiçada pelo poder e se tornou um ser
digno de pena, completamente desumanizado. Ao longo de gerações, a triste e
bizarra criatura viveu escondida no ventre de cavernas afastadas,
alimentando-se de comida crua, vivendo única e exclusivamente para o anel que o
enfeitiçava e transformava a sua personalidade cada vez mais despersonalizada.
Penso que há uma relação muito curiosa entre essa imagem e a do candidato do
PSL. Ele ficou durante muito tempo escondido, alimentando-se do poder. Colocou
os seus filhos na política. De modo que aqueles que o comparam a um exemplo na
política, talvez se esqueçam de que ele se assemelha a qualquer dessas
oligarquias familiares – Sarneys, Barbalhos, Maias, Magalhães, Calheiros etc. E
outra: Bolsonaro não seria ninguém se o país passasse por um momento de
tranquilidade democrática. Ele se alimenta da crise e sabe isso.
Saindo do campo da literatura e
entrando no chão da história, é preciso afirmar que Bolsonaro é uma figura que
construiu a sua carreira na política colecionando bravatas. Ele representa o
valentão. Aquele que não tem medo de nada. O machão. Aquele sujeito destemido,
masculinizado, e que ajuda a criar um imaginário beligerante na cabeça do
brasileiro médio que convive com a ineficácia da justiça e com os escancarados
escândalos de corrupção. Há no brasileiro médio um desejo de fazer justiça com
as próprias mãos pelo fato de a justiça do Estado não fazê-lo. Afinal, ele grita
muito porque não tem ideias. Literalmente, ele ganha no grito. Sempre
colecionou polêmicas, pelo fato de ter uma inteligência (quando me refiro a
inteligência, faço-o em sentido lato – emocional, política etc) questionável.
Nota-se o seu completo despreparo.
Mas por que ele faz tanto sucesso,
por que ele é uma unanimidade? (a) como falei acima, estamos em um momento de
desalento, de completa descrença na política ou “na velha política”. As pessoas
enxergam nele, a solução amarga para um crise que parece que não tem fim. (b) A
crise econômica levou muitos brasileiros a desejarem uma mudança. Aquele modelo,
entendem, defendido pelos governos anteriores não serve mais. Deseja-se que
haja privatizações; que o Estado “diminua” (uma palavra que encerra alguns
sentidos velados); o mercado assuma a dianteira do país. (c) os escândalos de
corrupção revelaram uma face intolerável. Sendo assim, é preciso que surja
alguém para colocar ordem “na casa”. Como Bolsonaro sempre vocalizou um
discurso radical, histriônico, direto, viram nele a possibilidade de ele ser
essa mudança. Se há violência, ele diz que o “cidadão de bem” não deve ficar na
defensiva, mas partir para cima do ladrão. Que é preciso colocar armas na mão
da população para que ela se defenda, confundido de maneira perigosa o que é
segurança pública. É preciso diferenciar o que é a microviolência e a
macroviolência.
Sendo
assim, é preciso chamar a atenção para algumas questões:
(a)
Ao se escolher Bolsonaro, escolhe-se um candidato que já sinalizou ter pouca
preocupação com o estado democrático de direitos. Um dos fundamentos do estado
democrático são garantias dirigidas ao cidadão, radicadas no conceito de
direitos humanos. É preciso considerar que todo ser humano é dotado de direitos
e de garantias básicas – direito a vida, respeito à sua condição etc. Em um
estado democrático, o fundamento que sustenta essa delicada teia é o respeito à
singularidade do outro. Temos visto que algumas pessoas têm se sentido
legitimadas, por causa do discurso ódio, a fazerem a coisas mais perigosas para
o nosso equilíbrio social. Eu não voto em um candidato que diz que “bandido bom
é bandido morto”. O bandido deve ser punido pela lei e não por mim. O Estado é
a entidade que possui legitimidade para encabeçar juridicamente esse pleito. Eu não voto em um candidato que vai ao estado
do Acre e diz em um comício de forma irresponsável que era preciso “metralhar
toda a petralhada do país”. Numa democracia, há limites para a minha fala.
Nenhum direito é absoluto. O maior perigo é o efeito que isso causa nas massas.
Isso pode ser visto, por exemplo, no filme “A onda”. Se não viu, veja-o e
perceba o quanto determinados movimentos possuem um poder de coerção sobre as
individualidades. Eu não voto em um candidato que afirma “que não estupra”
determinada mulher, pelo fato de ele não merecer ser estuprada. Então há
mulheres que merecem ser estupradas? Eu não voto em um candidato que afirma que
teve “quatro filhos”, mas deu uma fraquejada e acabou vindo “uma mulher”. Eu
não voto em um candidato que, quando perguntado sobre o que diria caso um dos
seus filhos namorasse uma mulher negra e ele responde sem perturbações: “Eu
eduquei muito bem os meus filhos”.
(b)
Bolsonaro é fruto de um momento. Assim foi também com Collor. Em 1989,
aconteceu da mesma forma. Apareceu um jovem com uma linguagem sedutora,
descolando-se “da velha política”. Dizia ele que acabaria com a corrupção, que
caçaria “os marajás”. Que era preciso sumir com a bandeira “vermelha” do PT.
Que a bandeira do país era “verde”, “amarela”, “branca” e “azul”. Seu partido
inexpressivo, o PRN, elegeu mais de quarenta deputados o PSL elegeu 52, no
último domino, um partido que elegera apenas um deputado em 2014. Collor foi um
sucesso completo. Tratava-se de um jovem visionário, esportista, bonito, que
falava bem, que possuía um discurso que sequestrou o coração da classe média.
Todavia, suas medidas desastradas trouxeram grandes prejuízos para o país. A
primeira medida econômica, quando assumiu, foi o confisco das poupanças. As
pessoas não acreditaram. Na campanha, prometeu acabar com a inflação, mas, ao
deixar o país, a inflação estava em mais de 1.200% ao ano. E o mais
estarrecedor: o seu governo era alimentado com propinas, como ficou constatado
naquilo que ficou conhecido como “Esquema PC”. Ou seja, esses eventos com
figuras messiânicas e caricatas sempre redundam em desengano.
(c)
Do ponto de vista econômico, penso que mergulharemos o país numa crise medonha,
trazendo consequências danosas para os mais pobres. Temos como “posto Ipiranga”
no seu governo a figura de um banqueiro chamado Paulo Guedes, uma figura
bastante controversa – assim como tivemos Zélia Cardoso de Melo durante o
governo Collor. Muitas pessoas pensam que gerir um país é a mesma coisa que
gerir uma empresa. Um país é diverso. Possui demandas mais complexas. Há
pessoas necessitadas, pobres, que precisam de políticas públicas do Estado para
terem uma dignidade mínima. Por exemplo, a maioria dos brasileiros não tem
dinheiro para pagar saúde privada. A solução não é a privatização da saúde.
Como se resolve a demanda da saúde? Investindo em saúde pública de qualidade.
Como se resolve o problema da educação? Oferecendo uma educação de qualidade,
com professores bem preparados e motivados. O grande problema desses
economistas de mercado, como Paulo Guedes é que, para eles, os pobres, os
desvalidos, aqueles que estão abaixo da linha de pobreza, não aparecem no
orçamento. Eles se erguerão sozinhos, entendem. Bolsonaro e Paulo Guedes afirmaram
que vão privatizar e fazer reformas que, certamente, vão acentuar as
desigualdades nesse país. Eu, por exemplo, venho de uma família de pessoas
humildes. Fiz o curso de Letras graças ao Prouni, criado pelo governo do PT.
Estou empregado e exercendo a profissão de professor. E foi assim com milhões
de pessoas que tiveram as suas vidas melhoradas. Graciliano Ramos diz “Memórias
do Cárcere” que “quem dormiu no chão jamais deve esquecer essa experiência”. Eu
já “dormi no chão” – tanto em sentido denotativo quanto em sentido conotativo –
e não esqueço essa experiência. Sei de onde venho e entendo que é com políticas
sociais sérias que a vida das pessoas passa por uma transformação.
É só raciocinar: se o sujeito já
deixou claro que não tem nenhum compromisso com as palavras, que a sua
personalidade é autoritária, que não possui nenhum autocontrole, quem prova que
ele não jogará o país em um caos?
Não
peço para que você vote no PT, mas para que faça uma consideração profunda. O
que está em jogo é o futuro da democracia no Brasil. Ela foi conquistada com
muito esforço. Pessoas morreram, foram torturadas. A Constituição que temos
trouxe uma série de avanços para o nosso país. É preciso respeitá-la.
Defendê-la. Aqueles que amam o país precisam resistir. Não se muda um país com
bravatas e falas autoritárias. É preciso que haja diálogo. Concessões. Esse é o
grande desafio da democracia. É preciso respeitar o diferente e não impor a sua
vontade à força.
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