Boa noite, ...!
Você perguntou pelo meu filho, o
Bernardo, e eu não respondi. Ele está bem! No próximo sábado, dia 13,
completará um mês. Este primeiro mês foi bastante difícil. Muitas adaptações –
para ele e, principalmente, para mim e para a Liana. Mas, estamos indo. Acredito
que o pior já passou. Ele chegou a ficar dez dias internado. Estava com uma
dificuldade inicial em mamar. Aprendeu, entretanto, e agora o rapaz está
crescendo e ganhando peso.
Foi colocado por você que não deseja
“discutir política”. Entretanto, não há como tentar estabelecer um colóquio sem
que o tema não venha à tona. Vou tentar colocar em tópicos para facilitar a
compreensão. Claro, tudo aquilo que eu colocar aqui, é resultado de minha
percepção – e, principalmente, de minhas limitações. Respeito o seu ponto de
vista. O grande desafio da democracia é justamente o convívio, a relação na
diversidade.
(1) Por que o ódio PT?
O
PT é um partido que surgiu dos movimentos populares. Possui uma história, pois.
Nos quase quarenta anos de sua história, sempre foi alvo de muita polêmica. O
partido conseguiu construir uma base bastante forte. Durante muito tempo,
milhões de brasileiros desejaram que o PT chegasse ao poder máximo do país, a
Presidência da República. A primeira tentativa se deu no ano de 1989. Na
ocasião, Lula perdeu a eleição para Fernando Collor. Houve duas outras
tentativas – 1994 e 1998 – com duas outras derrotas. Em 2002, após todo um
período de desengano e melancolia política com o governo do PSDB, o PT chegou
ao poder. Acontece uma repaginação do partido. Lula assumiu um discurso mais econômico
e pacífico. Para governar, fez aliança com uma quantidade considerável de
partidos. Formou um governo de coalizão. Distribuiu cargos aos aliados como uma
contraprestação política.
Em 2005, ocorre o primeiro
escândalo, o do Mensalão, como ficou conhecido. O governo foi colocado contra a
parede. Todavia, Lula foi reeleito em 2006. No segundo mandato, o governo
petista conseguiu seu melhor momento. O
país cresceu. A economia decolou. Os trabalhadores passaram a perceber um
cenário positivo. Lula saiu do governo em 2010, com mais de 80% de aprovação,
um feito realmente extraordinário. Tanto é assim, que ele conseguiu colocar a
Dilma no seu lugar. Ela começou bem. Até 2012, tinha índices de aprovação acima
dos 60%. A partir de 2013, as coisas começaram a perder o compasso. Com as
manifestações de julho daquela ano, o governo passou para o campo defensivo.
A mídia passou a veicular
sistematicamente reportagens que associavam o governo à corrupção. Todos os
problemas do país foram direcionados ao PT. Em 2012, surge a Operação Lava
Jato, que, segundo seus capituladores, é uma operação apartidária. Mas,
notou-se um objetivo: as figuras do PT, tendo no seu principal nome, Lula, a
seta direcionada. Observe-se que o partido que tinha/tem o maior número de
nomes implicados na operação é o PP, mas ficou a noção de que era o PT.
Associaram o nome do PT como de um partido corrupto, de ladrões.
Ora, a repetição de uma sentença e a
aplicação do significado dessa sentença como sendo a verdade, passa a ter
efeitos extraordinários. Isso já aconteceu em alguns momentos da história. O
exemplo mais claro é o que Hitler fez com os judeus durante a Segunda Guerra.
Naquele contexto, a Alemanha estava esfacelada por causa da Primeira Guerra e o
Tratado de Versalhes. Havia crise, fome, desemprego; caos econômico,
incertezas, medo. O astuto Hitler entendeu que nesses momentos você precisa
criar uma narrativa e direcioná-la para um alvo. Hitler direcionou o seu discurso
para as minorias - ciganos, comunistas, judeus, homossexuais, etc. É a lógica
do “nós”, os injustiçados e sofredores e, “eles, os algozes, os autores de
nossa crise.
Em 2014, a reeleição agravou a
crise, pois, a partir dali, houve uma militância severa contra o PT. A
destituição de Dilma, em 2016, foi outro momento complexo. Vale lembrar que
2016 foi o ano dos panelaços. Havia uma mesma fala que ia das crianças de colo
aos anciãos: de que o PT era um partido de corruptos e ladrões. O Jornal
Nacional, por exemplo, colocava reportagens de uma hora contra o partido,
conectando a imagem do partido à corrupção. Era como se não houvesse nada de
bom no PT. Nesse ínterim, chega ao poder Michel Temer, uma figura que não
conseguiu nenhuma legitimidade: (1) por ter o seu governo associado a um impeachment duvidoso. Ficou claro que se
tratou de um golpe, apesar de ter seguido o fluxo constitucional. A
Constituição foi apenas um objeto que vestiu o feito de legalidade. Observe que
os cristãos queimaram pessoas na Idade Média usando a Bíblia; ou que a mesma
Bíblia foi usada para legitimar a superioridade de brancos sobre negros nos
Estados Unidos. E, nem por isso, esses acontecimentos podem se dizer cristãos.
Da mesma forma, o impeachment seguiu o rito constitucional, mas não havia base
constitucional por não haver crime de responsabilidade. (2) destituíram a Dilma
com a alegação de que era preciso acabar com a corrupção, todavia, os
escândalos de corrupção continuaram a existir. Havia indícios claros de que o
governo Temer era bem pior do que aquele suposto governo corrupto do PT. A
mídia foi até complacente com Temer. Não houve um bombardeio como houve com o
PT. Vemos, assim, a seletividade da mídia brasileira.
Vale mencionar que o trabalho da
mídia serviu para esvaziar o debate político. Tanto a mídia como as figuras do
Judiciário trabalharam para criminalizar a política. O cidadão comum não via
mais motivos para acreditar na política e nos políticos. A boa política, aquela
que estabelece o debate, que discute ideias, foi varrida do mapa. A sociedade
não conseguiu mais dinamizá-la. O cenário era de completa feiura. De repente,
passamos a enfrentar a crise econômica que agravou ainda mais o cenário. A
política foi contaminada. Jogou-se toda a culpa no colo do PT. Ora, raciocinemos, se o governo do país
estava nas mãos do PT e todos os escândalos estavam associados ao PT, é natural
que o ódio tenha um direcionamento. Atualmente, as pessoas não querem nem ouvir
falar no nome do partido. Associam-no ao que de mais deplorável há no país; que
estamos nessa situação de crise econômica, política e moral por causa do
partido.
(2) A quem interessava a saída do PT?
Some-se
a isso que o PT foi tolerado pelas elites do poder, enquanto foi conveniente. A
sociedade brasileira sempre foi adepta de teorias conspiratórias. Sempre houve
“a crendice” de que há uma iminente ameaça de invasão comunista. Essa foi uma
das desculpas utilizadas para sustentar a Ditadura Militar. De tempos em tempos
isso acontece. Em momentos de crises, quando o medo, a insegurança, passam a
funcionar como motores, esse fantasma aparece.
Para
princípio de conversa, o PT não é um partido socialista ou comunista. Ele é, no
máximo, um partido com ideias que assentam numa preocupação com causas sociais
por causa de sua origem. Isso é verdade pelo fato de o partido ter ficado treze
anos no poder, sem que o Brasil tenha se transformado numa Coreia do Norte.
Muito pelo contrário, foi um período de forte lucro para os capitalistas. A
saída do PT foi desejada pelos grupos que mandam no país. Não se aceitou o
resultado das urnas em 2014. O povo escolheu, mas o que é um povo, em um país
em que o regime democrático é apenas um detalhe? Queriam apenas continuar
lucrando facilmente sem que houvesse qualquer empecilho, qualquer muro, obstáculo.
(3) O PT é inocente?
Certamente, que essa resposta é
“não”. Ao fazer um governo de coalizão, o partido se abriu para as negociatas.
Nomeou gente de todo tipo. Essas alianças fugiram ao controle do partido. Fazer
política não é um negócio fácil. Exige exposição. Conversa. Diálogo. Exige que
se sente com adversários pouco lisonjeáveis. Com figuras interesseiras. Com
pessoas que não possuem compromisso ético; que desejam apenas benefício, sem
qualquer preocupação ética. Enquanto era oposição, partido possuía um discurso.
Com a ida para a situação, teve que refrear o discurso.
Vale mencionar, que em nome da
governabilidade, o partido se expôs de maneira não detida. Não mediu
consequências. Associou-se com o que há de pior na política brasileira e foram
essas alianças que contaminaram o partido. É preciso que ele faça uma mea culpa, uma espécie de exame de
consciência.
(4) Por que não voto em Bolsonaro ou por
que ele seria “um mau presidente”?
Primeiro é importante dizer que, com
relação ao futuro, nós precisamos resgatar os fatos do passado. É nesse
paradoxo que podemos conjecturar ou fazer análises.
Bolsonaro já mostrou ao longo de sua
história que é uma figura uma tanto quanto duvidosa. É um “politiqueiro” de
carteirinha, daqueles que fazem carreira na política, sem qualquer compromisso
com o país. Ao longo dos seus 28 anos no Congresso, possui um péssimo
repertório de contribuições ao povo que paga o seu salário. Sempre que a imagem
dele vem à minha mente, comparo-o ao Golum, aquele personagem do Senhor dos
Anéis, uma criatura medíocre que foi enfeitiçada pelo poder e se tornou um ser
digno de pena, completamente desumanizado. Ao longo de gerações, a triste e
bizarra criatura viveu escondida no ventre de cavernas afastadas,
alimentando-se de comida crua, vivendo única e exclusivamente para o anel que o
enfeitiçava e transformava a sua personalidade cada vez mais despersonalizada.
Penso que há uma relação muito curiosa entre essa imagem e a do candidato do
PSL. Ele ficou durante muito tempo escondido, alimentando-se do poder. Colocou
os seus filhos na política. De modo que aqueles que o comparam a um exemplo na
política, talvez se esqueçam de que ele se assemelha a qualquer dessas
oligarquias familiares – Sarneys, Barbalhos, Maias, Magalhães, Calheiros etc. E
outra: Bolsonaro não seria ninguém se o país passasse por um momento de
tranquilidade democrática. Ele se alimenta da crise e sabe isso.
Saindo do campo da literatura e
entrando no chão da história, é preciso afirmar que Bolsonaro é uma figura que
construiu a sua carreira na política colecionando bravatas. Ele representa o
valentão. Aquele que não tem medo de nada. O machão. Aquele sujeito destemido,
masculinizado, e que ajuda a criar um imaginário beligerante na cabeça do
brasileiro médio que convive com a ineficácia da justiça e com os escancarados
escândalos de corrupção. Há no brasileiro médio um desejo de fazer justiça com
as próprias mãos pelo fato de a justiça do Estado não fazê-lo. Afinal, ele grita
muito porque não tem ideias. Literalmente, ele ganha no grito. Sempre
colecionou polêmicas, pelo fato de ter uma inteligência (quando me refiro a
inteligência, faço-o em sentido lato – emocional, política etc) questionável.
Nota-se o seu completo despreparo.
Mas por que ele faz tanto sucesso,
por que ele é uma unanimidade? (a) como falei acima, estamos em um momento de
desalento, de completa descrença na política ou “na velha política”. As pessoas
enxergam nele, a solução amarga para um crise que parece que não tem fim. (b) A
crise econômica levou muitos brasileiros a desejarem uma mudança. Aquele modelo,
entendem, defendido pelos governos anteriores não serve mais. Deseja-se que
haja privatizações; que o Estado “diminua” (uma palavra que encerra alguns
sentidos velados); o mercado assuma a dianteira do país. (c) os escândalos de
corrupção revelaram uma face intolerável. Sendo assim, é preciso que surja
alguém para colocar ordem “na casa”. Como Bolsonaro sempre vocalizou um
discurso radical, histriônico, direto, viram nele a possibilidade de ele ser
essa mudança. Se há violência, ele diz que o “cidadão de bem” não deve ficar na
defensiva, mas partir para cima do ladrão. Que é preciso colocar armas na mão
da população para que ela se defenda, confundido de maneira perigosa o que é
segurança pública. É preciso diferenciar o que é a microviolência e a
macroviolência.
Sendo
assim, é preciso chamar a atenção para algumas questões:
(a)
Ao se escolher Bolsonaro, escolhe-se um candidato que já sinalizou ter pouca
preocupação com o estado democrático de direitos. Um dos fundamentos do estado
democrático são garantias dirigidas ao cidadão, radicadas no conceito de
direitos humanos. É preciso considerar que todo ser humano é dotado de direitos
e de garantias básicas – direito a vida, respeito à sua condição etc. Em um
estado democrático, o fundamento que sustenta essa delicada teia é o respeito à
singularidade do outro. Temos visto que algumas pessoas têm se sentido
legitimadas, por causa do discurso ódio, a fazerem a coisas mais perigosas para
o nosso equilíbrio social. Eu não voto em um candidato que diz que “bandido bom
é bandido morto”. O bandido deve ser punido pela lei e não por mim. O Estado é
a entidade que possui legitimidade para encabeçar juridicamente esse pleito. Eu não voto em um candidato que vai ao estado
do Acre e diz em um comício de forma irresponsável que era preciso “metralhar
toda a petralhada do país”. Numa democracia, há limites para a minha fala.
Nenhum direito é absoluto. O maior perigo é o efeito que isso causa nas massas.
Isso pode ser visto, por exemplo, no filme “A onda”. Se não viu, veja-o e
perceba o quanto determinados movimentos possuem um poder de coerção sobre as
individualidades. Eu não voto em um candidato que afirma “que não estupra”
determinada mulher, pelo fato de ele não merecer ser estuprada. Então há
mulheres que merecem ser estupradas? Eu não voto em um candidato que afirma que
teve “quatro filhos”, mas deu uma fraquejada e acabou vindo “uma mulher”. Eu
não voto em um candidato que, quando perguntado sobre o que diria caso um dos
seus filhos namorasse uma mulher negra e ele responde sem perturbações: “Eu
eduquei muito bem os meus filhos”.
(b)
Bolsonaro é fruto de um momento. Assim foi também com Collor. Em 1989,
aconteceu da mesma forma. Apareceu um jovem com uma linguagem sedutora,
descolando-se “da velha política”. Dizia ele que acabaria com a corrupção, que
caçaria “os marajás”. Que era preciso sumir com a bandeira “vermelha” do PT.
Que a bandeira do país era “verde”, “amarela”, “branca” e “azul”. Seu partido
inexpressivo, o PRN, elegeu mais de quarenta deputados o PSL elegeu 52, no
último domino, um partido que elegera apenas um deputado em 2014. Collor foi um
sucesso completo. Tratava-se de um jovem visionário, esportista, bonito, que
falava bem, que possuía um discurso que sequestrou o coração da classe média.
Todavia, suas medidas desastradas trouxeram grandes prejuízos para o país. A
primeira medida econômica, quando assumiu, foi o confisco das poupanças. As
pessoas não acreditaram. Na campanha, prometeu acabar com a inflação, mas, ao
deixar o país, a inflação estava em mais de 1.200% ao ano. E o mais
estarrecedor: o seu governo era alimentado com propinas, como ficou constatado
naquilo que ficou conhecido como “Esquema PC”. Ou seja, esses eventos com
figuras messiânicas e caricatas sempre redundam em desengano.
(c)
Do ponto de vista econômico, penso que mergulharemos o país numa crise medonha,
trazendo consequências danosas para os mais pobres. Temos como “posto Ipiranga”
no seu governo a figura de um banqueiro chamado Paulo Guedes, uma figura
bastante controversa – assim como tivemos Zélia Cardoso de Melo durante o
governo Collor. Muitas pessoas pensam que gerir um país é a mesma coisa que
gerir uma empresa. Um país é diverso. Possui demandas mais complexas. Há
pessoas necessitadas, pobres, que precisam de políticas públicas do Estado para
terem uma dignidade mínima. Por exemplo, a maioria dos brasileiros não tem
dinheiro para pagar saúde privada. A solução não é a privatização da saúde.
Como se resolve a demanda da saúde? Investindo em saúde pública de qualidade.
Como se resolve o problema da educação? Oferecendo uma educação de qualidade,
com professores bem preparados e motivados. O grande problema desses
economistas de mercado, como Paulo Guedes é que, para eles, os pobres, os
desvalidos, aqueles que estão abaixo da linha de pobreza, não aparecem no
orçamento. Eles se erguerão sozinhos, entendem. Bolsonaro e Paulo Guedes afirmaram
que vão privatizar e fazer reformas que, certamente, vão acentuar as
desigualdades nesse país. Eu, por exemplo, venho de uma família de pessoas
humildes. Fiz o curso de Letras graças ao Prouni, criado pelo governo do PT.
Estou empregado e exercendo a profissão de professor. E foi assim com milhões
de pessoas que tiveram as suas vidas melhoradas. Graciliano Ramos diz “Memórias
do Cárcere” que “quem dormiu no chão jamais deve esquecer essa experiência”. Eu
já “dormi no chão” – tanto em sentido denotativo quanto em sentido conotativo –
e não esqueço essa experiência. Sei de onde venho e entendo que é com políticas
sociais sérias que a vida das pessoas passa por uma transformação.
É só raciocinar: se o sujeito já
deixou claro que não tem nenhum compromisso com as palavras, que a sua
personalidade é autoritária, que não possui nenhum autocontrole, quem prova que
ele não jogará o país em um caos?
Não
peço para que você vote no PT, mas para que faça uma consideração profunda. O
que está em jogo é o futuro da democracia no Brasil. Ela foi conquistada com
muito esforço. Pessoas morreram, foram torturadas. A Constituição que temos
trouxe uma série de avanços para o nosso país. É preciso respeitá-la.
Defendê-la. Aqueles que amam o país precisam resistir. Não se muda um país com
bravatas e falas autoritárias. É preciso que haja diálogo. Concessões. Esse é o
grande desafio da democracia. É preciso respeitar o diferente e não impor a sua
vontade à força.
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