segunda-feira, outubro 22, 2018

FHC e o medo de ousar

Fernando Henrique Cardoso, no auge dos seus 87 anos, é uma figura curiosa. Hoje, parece perceber que não alcançou aquilo que sempre pretendeu: ser um intelectual da cepa de um Florestan Fernandes, Caio Prado Jr. ou Darcy Ribeiro. Ao invés disso, tornou-se um "senhor" duro, meio orgulhoso e que não consegue fazer uma mea culpa pelas opções políticas que realizou. 

Líder de um dos principais partidos da política brasileira - o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira, que flerta com a social democracia somente na sigla) - percebeu que sua relevância política vai se obumbrando à medida que os efeitos do tempo chegam para ele. FHC, também como é conhecido, poderia ter um pouco de dignidade, de coragem para ousar nesse momento em que o país atravessa uma das suas crises, apontando para um futuro questionável e incerto. 

Lendo um dos seus artigos, no qual podemos perceber uma forte recusa em admitir o óbvio, fiquei meio penalizado com a sua arrogância, tudo para manter a postura de alguém que não se dobra diante da sua contraparte, o PT. Seu grande desejo era ser um Lula. Melhor: ter a grandeza de um Florestan Fernandes, segundo contam, seu orientador e mestre, e a penetração popular de que goza Lula. No seu artigo, cujo título é O futuro político do Brasil, escrito no El Pais, o "sociólogo de Higienópolis", como lhe alcunha Paulo Henrique Amorim, em dado momento do texto, diz algo que me estarreceu. Tentando fazer uma análise de conjuntura, mas negando as obviedades do momento ou tentando eufemizar por meio de uma retórica de isento, FHC diz sobre a ascensão da candidatura Bolsonaro: "Não se trata da volta ao fascismo: a história, no caso, não se repete. Trata-se de outras formas de pensamento e ação não democráticas".

Fiz sinal de incredulidade ao ler isto. Certamente, a capacidade analítica do potentado intelectual deve ter atingido níveis apoteóticos. Como assim? Há uma incongruência em seu pensamento. A afirmação não fecha; o raciocínio escorrega, decanta, aproximando-se daquelas pérolas extraídas das redações de vestibular. O fascismo, caro sociólogo, é antidemocrático. A história, de fato, não se repete, mas as implicações da síntese dialética continuam reverberando. O fascismo certamente não se repetirá como aconteceu na Alemanha ou na Itália, que são casos estritos de representação do movimento. Todavia, o fascismo possui uma filosofia da história. Ele é um filhote degenerado do capitalismo monopolista e concentrador ou de qualquer outro movimento que flerte com o autoritarismo e tenha, como preocupação, a supressão das individualidades. O fascismo possui uma direção, uma estética; uma linguagem, uma psicologia, um modus operandis. Vez ou outra, ele aparece com força, principalmente em momentos em que o capitalismo concentrador vislumbra o perigo do caos social.

Se as afirmações do candidato do PSL - e o que ele representa -  não são fascistas, o que são essas "formas de pensamento"? Elas caminham para qual direção? Elas estão pautadas nos direitos humanos? Respeitam as bases do estado democrático? Ontem, 21/10/2018, Bolsonaro afirmou em ato na Avenida Paulista, que os seus inimigos políticos (no caso "os vermelhos", metonímia que representa, principalmente, os petistas) serão varridos do mapa. Esta é uma clara manifestação fascista, a saber, a eliminação do diferente; a prisão, a perseguição, pois o fascismo não admite oposição. 

Vez ou outra, escutamos a sua fala "gelada", "mofada", pela falta de entusiasmo ou pela incapacidade ousar. Posa de "democrata", mas não reúne os seus para uma verbalização contundente. Acredito que o ato mais sublime para ele, neste momento, no auge de sua quase nonagenária situação, fosse um grito, um aceno claro, perceptível, objetivo, contra essa clara tendência fascista que toma o país. Isso lhe daria dignidade e redimiria o seu passado de escolhas políticas contra o país. 


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