quarta-feira, outubro 03, 2018

O perigoso flerte com o abismo, a conjuntura, a ignorância histórica e a suposta vitória de Bolsonaro

"A história se repete a primeira vez como tragédia e, a segunda, como farsa". Karl Marx. 

A eleição de 2018 aponta para um cenário dramático. Certamente, o que resultar das urnas, configurará uma situação de bastante dificuldade: (1) se ganhar Haddad ou Ciro, o cenário será de afirmação política, de luta; de enfrentamento do golpe de 2016 e seus reais resultados. (2) se ganha o candidato que representa o campo conservador, do atraso, o país será colocado num ambiente de retrocesso para os trabalhadores; de mergulho em um fosso profundo. Portanto, o momento que vivemos é de flerte com o abismo.

Muito se tem pensado e refletido sobre o fenômeno Bolsonaro. Primeiro é preciso entender que o fenômeno conservador acontece em nível internacional. Enxerga-se esse movimento em vários países europeus e, se afirmou ainda mais, com a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos. Trata-se de uma crise central do capital, que, por sua vez, arrasta-se desde 2008. Não se deve ignorar que o contexto de crises acaba por levar a cenários de forte retração social. Esse tensionamento acaba por acirrar o que poderíamos chamar de "bloqueio ao diferente". Os supostos nacionalismos possuem uma pátina fortemente fascista.

No Brasil, desde 2013, nota-se o fortalecimento de uma narrativa que busca criminalizar a política, os direitos sociais e, principalmente, os movimentos à esquerda. No fundo, sempre existiu no Brasil uma espécie de "macartismo tupiniquim". Isso ficou velado durante os dois mandatos de Lula por conta do cenário econômico. Dilma não conseguiu dar continuidade ao lulismo. A bolha da tolerância estourou em 2013. Os movimentos iniciados com pretextos aparentemente difusos, acabaram por ganhar contundência e objetividade política. Foram direcionados ao governo. Vale lembrar que nesse período, tem início a Operação Lava Jato, que foi um dos principais planos para diluir o PT. Se o Mensalão não deu conta, a Lava Jato teve uma sistematicidade sincrônica. Ela mirou os principais quadros do Partido dos Trabalhadores. O alvo era Lula, o líder carismático e atemporal do Partido. 

Com a eleição de 2014, ficou mais evidente que, caso o PT ganhasse, não concluiria o governo. Havia uma conjuntura deletéria. Os representantes da elite (a mídia, o braço político, o judiciário, o financismo, o agronegócio etc) brasileira estavam a postos. Isso ficou claro com o golpe jurídico-parlamentar de 2016. Ali estava aparentemente consolidada uma estratégia dos poderosos do Brasil, que era tirar das mãos do PT o governo, nem que para isso passassem por cima da Constituição e liquidassem com as estruturas do estado democrático de direiro. 54 milhões de votos não representam nada para o grande capital. O objetivo foi consolidado com a subida de Temer ao poder. Todavia, Temer se mostrou fraco, inexpressivo. O seu governo foi constituído por vampiros e parasitas; por dilapidadores da coisa pública e do direito dos trabalhadores. Vale lembrar que o acordo para que o golpe se consolidasse era justamente implantar reformas que retirassem direitos. Temer tinha na manga algumas reformas - política, trabalhista, previdenciária; privatização das principais empresas públicas, entregando-as a preço de banana para o grande capital; entrega do pré-sal etc. Muitas dessas reformas não se confirmaram.

Temer não logrou sucesso completo. Os sucessivos escândalos do seu governo, não permitiram que ele tivesse o apoio popular devido. Observa-se aqui que ele tinha chances de consolidar um consenso, pois a orquestração do golpe teve visibilidade. Milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra o governo Dilma. Houve um acanhamento, uma retração dos movimentos sociais. O governo Dilma se tornou indefensável pelo quadro montado. O velho antipetismo, que já existia no Brasil, fruto de questões históricas, passou a ganhar vida. 

O discurso da antipolítica passou a ganhar contornos. Desejava-se um herói novo. Alguém que não representasse a figura do político; alguém de fora do sistema; ou que estivesse no sistema e não tivesse passado por um processo corruptor. Esses cenários são típicos. A corrupção sempre esteve na esteira dos momentos críticos da história do país. Sempre foi utilizado como discurso político para convencer. Em tempo, vale mencionar que o problema principal do país não é a corrupção. É um enorme senso-comum tachar determinada pessoa de corrupta. Se for feita uma pergunta para determinada pessoa sobre o que ela mais abomina na política, ela proferirá a palavra "corrupção". Se perguntar algo sobre determinada figura política, haverá da mesma forma a verbalização de que "ele é corrupto". Ou: "Político não presta!" "Tudo corrupto!" "Ladrão!" Ou seja, o dado corrupção é uma informação usada mais para confundir do que para revelar as coisas. Essa noção equívoca surge do trabalho da mídia conservadora e dos seus principais jornalistas que não focam em ideias, mas sim, em acusações perigosas e deletérias. Corrupção é consequência e não causa.

Some-se a isso o baixo nível cultural do brasileiro, que desconhece completamente os rudimentos mais básicos da política. A incapacidade de fazer análises ou de pensar com elementos contrastantes. A objetividade baseada na aparência sempre aponta para juízos equivocados. Quando surge um quadro assim, geralmente, as pessoas são induzidas a acreditarem em determinadas narrativas e atuarem baseadas em emoções. O brasileiro médio é um misto de "tara" e conservadorismo contradizente e esquizofrênico, fruto de uma educação péssima e de pouco incentivo para entender as grandes produções que engrandecem o espírito humano. Ele é incapaz entender qual o lugar dos temas das grandes realizações humanas - a música, a literatura, a arte, a cultura, a história e outras manifestações - na vida cotidiana. 

O desconhecimento da história leva o brasileiro a não olhar para trás e entender a própria condição do presente. Relacionar o passado ao presente é um exercício impensável para o brasileiro médio. Um exemplo é o que se deu em 1989 com eleição de Fernando Collor. Naquele momento histórico, não havia eleições diretas desde 1960, quando Jânio Quadros fora eleito. Fernando Collor era a consolidação da juventude e da mudança. Era um político que representava a o momento novo. Possuía um discurso de ruptura. Seu moralismo tinha um alvo - a corrupção (assim como se dera com Jânio Quadros). Ficou conhecido pela sua fala intransigente como "o caçador de marajás" - sendo que ele mesmo, um membro das famílias mais tradicionais de Alagoas, também era um marajá. Acabou ganhando de Luís Inácio Lula da Silva. Collor levou a eleição com forte movimento que acreditava na construção de um momento novo na história do país. Seu partido pequeno e sem coligações chamava a atenção. Possuía supostas qualidades que o tornavam imbatível - era dono de uma oratória espetacular, era bonito, rico. Sua imagem foi trabalhada de tal forma que a vitória foi arrebatadora. Todavia, quando Zélia Cardoso de Melo, a chefa da equipe econômica, orquestrou o confisco das poupanças, notou-se claramente o quanto a eleição do caçador de marajás era temerária. Outras trapalhadas de sua equipe econômica foram minando a credibilidade do governo. Finalmente, "os esquemas" passaram a fazer parte do seu governo. O homem infalível possuía pernas de barro. Em 1992, o governo que fora guindado à posição de "salvador da Pátria", foi impeachtmado. Caía ali "o messias", o incensado político que traria resultados extraordinários para o país.

Nesse sentido, é importante voltar a falar de Bolsonaro, o candidato que aglutina as qualidades da mudança para milhões de brasileiros. Bolsonaro em dado sentido é uma espécie de Fernando Collor. Possui um forte apelo à sua imagem. Posa como a antítese ao PT. Seu discurso pró-ruptura também se assemelha a Collor. Outro ponto que o aproxima do candidato alagoano é a imagem de alguém novo na política e que, supostamente, não é contaminado pelo sistema. Há a crença ainda de que ele venha restaurar os valores perdidos. Que combaterá a violência e, principalmente, a corrupção.

O que acontece é que o brasileiro médio adora flertar com o abismo. Mal sabe ele que Bolsonaro é um agente parasitário da velha política. De que seu discurso truculento e bravateiro ganha visibilidade pela identificação pró-violência que o brasileiro médio possui. Para o sujeito médio, acostumado a conviver com a pregação do signo da violência, nada melhor do que alguém que apareça e afirme o justiçamento que sempre se intentou realizar. O candidato do PSL não é a mudança. Ele é mais do mesmo. Sempre foi um político tacanho, medíocre e inexpressivo que só ganhou projeção por que soube se utilizar de sua retórica do ódio, vocalizada em momento de grande fragilidade em torno do pacto democrático. Se o Brasil estivesse passando por um momento de tranquilidade institucional, Bolsonaro seria um mero coadjuvante, alguém sem qualquer atrativo, Seria reprochado socialmente. Não haveria qualquer referência à sua pessoa, a não ser como modelo de tudo o que existe de mais pernicioso e abjeto em matéria de empobrecimento democrático. 

É justamente a armação em torno do golpe que criou um monstro chamado Bolsonaro. A mídia e os principais quadros que criam consenso que o criaram. Nesse sentido, ele é um resíduo do ódio, da violência, do preconceito que nossa sociedade doente é capaz de criar e cultura. Seu aspecto inculto, sua falta de polidez; seu despreparo em vários assuntos é evidente; sua misoginia, sua crença em tudo aquilo que não dignifica o ser humano é a sua principal força. Para agradar os donos do capital, Bolsonaro fala em privatizações. O principal mentor de sua equipe econômica, Paulo Guedes, é um "Chicago boy", um daqueles defensores do "Estado mínimo" - claro, mínimo para os trabalhadores e máximo para o grande capital. Vale ressaltar que o capital adora inverter discursos para confundir. 

Em suma, o antipetismo pode eleger Bolsonaro e aquilo que era tragédia, vai se transformar em farsa, levando o país, mais uma vez, para o abismo, assim como sempre acontece quando há endeusamentos a determinadas figuras. No Brasil, como disse certa pessoa, o fundo do poço não é o final da queda, é apenas uma etapa do processo. 


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