quarta-feira, agosto 29, 2012

Agostinho e Nietzsche - duas forças antagônicas

A história possui um fluxo imparcial e incotido. O tempo, essa consciência que temos de que tudo é movimento, lapida nossas percepções. A morte, essa senhora escrupulosa joga conosco em todo tempo - e sempre ganha, como no filme O sétimo selo de Ingmar Bergman -, sendo uma artífice cruel. Ela nivela todos os seres que existem no mundo. Todos os movimentos acabam. Tudo que vive tende à morte. O movimento iniciado tende ao não movimento. A lei da inércia assim comprova. A lei da entropia também comprova isso.

Pensando em tais coisas, lembrei que dois dos meus pensadores favoritos morreram em datas distintas do final de agosto - Nietzsche no dia 25 de agosto; e, Santo Agostinho, no dia 28 de agosto. É curiosa a fascinação que nutro por esses dois pensadores tão antagônicos. O que me faz gostar de cada um deles se eles estão em campos completamente opostos? Como explicar essa predileção?

Penso que o fato de admirar Agostinho esteja relacionado aos anos de seminário. Recordo que ainda no seminário li alguns livros sobre o pensamento de Agostinho. Mais tarde li As Confissões e percebi o veio poético do filósofo da patrística.  As Confissões é um dos livros mais belos que já li em minha vida. É considerada como uma das obras mais importantes da história. A disposição confessional do texto provoca uma forte propensão contemplativa e especulativa. Agostinho naquela obra conseguiu derramar de forma lírica a paixão que nutria pelo seu Deus. Como um daqueles antigos salmistas bíblicos, Agostinho declama em suas confissões:

"Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu, lá fora, a procurar-Vos! Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes. Estáveis comigo e eu não estava Convosco! Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria, se não existisse em Vós. Porém, chamastes-me, com uma voz tão forte, que rompestes a minha Surdez! Brilhastes, cintilastes, e logo afugentastes a minha cegueira! Exalastes Perfume: respirei-o, a plenos pulmões, suspirando por Vós. Saboreei-Vos e, agora, tenho fome e sede de Vós. Tocastes-me e ardi, no desejo da Vossa Paz".

O que gera interesse em Agostinho é como ele podia viver bem com o seu Deus. A sua maior busca era a sabedoria. Desde a leitura de Hortensius, de Cícero, o filósofo de Hipona empreendeu uma busca apaixonada. Ele assim afirma acerca do livro de Cícero: "Ele [o livro] mudou o alvo das minhas afeições e encaminhou para Vós, Senhor, as minhas preces, transformando as minhas aspirações e desejos".

Dessa busca a qual Agostinho empreendeu grande parte de sua vida, sai a sua famosa formulação: "Criaste-nos para vós, Senhor, e nossa alma não repousa enquanto não descansar em vós". Agostinho era um homem de argúcia inquieta. Sua conversão não possui o nível de dramaticidade da conversão de Paulo. Segundo as suas confissões, ela se deu por uma leitura de um texto de Romanos. Tal leitura abriu os seus olhos para a vida dissoluta que levava. E a partir dali ele viveu para amarrar a sua existência aos preceitos dos textos bíblicos.

O que me faz admirar Agostinho, como naquela pergunta feita por ele: "O que amo em Ti quando digo que te amo?" Fico a me perguntar, já que o cristianismo é, para mim, um processo imperioso de coerção pela linguagem e pela conjuntura de dominação do legado romano. Se o cristianismo não tivesse se tornado a religião oficial do Império Romano, será que ele ainda existiria? Religião em si é mera linguagem fugindo, assim, de qualquer método experimental.

Admiro Agostinho pela sua devoção. Acredito na autenticidade de sua paixão. A sua divindade é dubitável, sua paixão, não. "Quando Agostinho afirma: "Concedei-me o que amo, porque estou inebriado de amor", está justamente desejando aquilo para qual ele existiu, que é a paixão pela sua paixão. Quando Agostinho diz: "Qual criatura existe que não exija a vossa existência?", faz uma afirmação que se baseia em sua credulidade. Étienne Gilson no seu extraordinário livro Introdução ao pensamento de Santo Agostinho (que comprei em maio deste ano), diz que o problema metafísico é problema apenas para os outros filósofos. Não para Agostinho. Para o filósofo, a existência de Deus é tão certa quanto 7+3=10. Assim, primeiro vem a fé, depois os argumentos racionais. "Creio para depois entender". Analisando Paulo e Agostinho, fico com Agostinho. Sua pena era altamente poética. Paulo era um judeu etnocêntrico que levou "o sonho" do seu povo para "os confins da terra" - e o pior é que foi bem sucedido.

O filósofo em sua autenticidade funda, dessa forma, uma filosofia da fé. Pois nada escapa às perscrutações de suas intenções em Deus.

Já Nietzsche é daquelas paixões viscerais. O cínico. O Díogenes moderno que aponta o nível de cegueira dos homens vivendo à plena luz. Se Agostinho possui paixão, Nietzsche possui sarcasmo e um martelo para fazer em cacos as verdades construídas e cristalizadas na história. Verdades que se arrogam à função de instrutora dos homens. Verdades que compelem para o enfraquecimento dos homens; que os afasta de uma vida autêntica.

Nietzsche foi um inimigo implacável do cristianismo. Ele até admitia Cristo. Para ele, Cristo foi o único cristão. O evangelho segundo Cristo, viveu enquanto Cristo esteve vivo. O resto é invenção dos apóstolos, principalmente, por Paulo, o ressentido.

Para Nietzsche, as verdades são mais perigosas do que as mentiras. Elas fazem mal porque engendram convicções. E estas são as piores inimigas da imaginação para que nos tornemos aquilo que realmente somos. As verdades nos desviam de nós mesmos. Fazem com que vivamos um projeto alheio, que não é um projeto construído para a nossa própria existência. Tanto a verdade quanto a mentira são criações humanas. Para Nietzsche não há problemas puramente espirituais. Todas as possibilidades do existir estão no corpo. E verdade é tudo aquilo que vivi, vivo e viverei. Daí a necessidade, de formulamos um projeto que transforme a nossa existência em um grande poema.

É grande para Nietzsche todo aquele ser que dá vasão aos seus instintos, que experimenta a criação de si mesmo. Ou seja, o homem é algo que pode ser criado e re-inventado a todo instante. Tudo é movimento. Tudo flui. Cristalizar o tempo é amesquinhar a própria existência.

Quando analiso dois filósofos da envergadura de Nietzsche e Agostinho, enxergo as palavras de cada um deles dentro de mim. Agostinho preconiza aquilo que fui sendo; já Nietzsche é o momento atual, a força que me impele, que me chama a aceitar a vida como um presente que dou a mim mesmo.



segunda-feira, agosto 20, 2012

É mais fácil acreditar naquilo que achamos que é a verdade

Carl Sagan foi um dos sujeitos que mais contribuíram com a ciência no século XX. Apesar de ter morrido no ano de 1996, a influência de Sagan permanece viva. Ele contribuiu efetivamente com o avanço do conhecimento científico e inspirou pessoas em todo mundo a buscarem o conhecimento e a fugirem da ignorância que apenas aprisiona e promove cadeias. Atualmente, estou lendo o seu estupendo livro O mundo assombrado pelos demônios e tenho tomado grandes "sustos". Falo em "sustos", pois o livro nos coloca situações a fim que percebamos o quanto estamos cercados por falácias de todos tipos que existem como verdades insofismáveis. A leitura tem sido lenta por causa dos vários compromissos diários, mas todas as vezes que tenho a oportunidade de lê-lo, bafeja sobre mim uma sensação de prazer profundo.

Por exemplo, hoje lendo o capítulo 12 do livro acima mencionado ("A arte de refinada de detectar mentiras"), encontrei uma afirmação extraída do livro Novum Organum (livro que tenho) (1620) do filósofo Francis Bacon. Nesta afirmação, Bacon, inventor do método experimental e do empirismo,  enfatiza o quanto a nossa percepção é falível e o quanto somos influenciados pelos nossos afetos. Belíssima a afirmação do filósofo:

A compreensão humana não é um exame desinteressado, mas recebe infusões da vontade e dos afetos; disso se originam ciência que podem ser chamadas "ciências conforme a nossa vontade". Pois um homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. Assim, ele rejeita coisas difíceis pela impaciência de pesquisar; coisas sensatas, porque diminuem a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por supertição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; coisas que são comumente aceitas, por deferência à opinião do vulgo. Em suma, inúmeras são as maneiras, e às vezes imperceptíveis, pelas quais os afetos colorem e contaminam o entendimento.

Abaixo, um maravilho poema do Drummond para adensar ainda mais o tema:

Verdade

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade.
Porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades,
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
Carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

quinta-feira, agosto 16, 2012

"O dragão na minha garagem" e como isso explica a religião

A clareza de certa alusão que Carl Sagan faz em um dos capítulos do livro O mundo assombrado pelos demônios me chamou a atenção. Faz lembrar o argumento de Bertrand Russell sobre a existência do Bule Celestial ou Bule Voador. Tanto o argumento de Sagan quanto do inglês Bertrand Russel colocam em xeque o principal eixo no qual as religiões estão assentadas - o da existência de seres invisíveis e extraordinários que comandam os destinos do homem. Se somente o religioso diz ver aquilo que é o objeto de sua fé, tal argumento não assemelharia ao argumento do Bule celestial ou de o dragão na garagem de Carl Sagan? Simplesmente fantástico!

Abaixo, trecho extraído do livro O mundo assombrado pelos demônios, de Carl Sagan.

"Suponhamos (estou seguindo uma abordagem de terapia de grupo proposta pelo psicólogo Richard Franklin) que eu lhe faça seriamente essa afirmação. Com certeza você iria querer verificá-la, ver por si mesmo. São inumeráveis as histórias de dragões no decorrer dos séculos, mas não há evidências reais. Que oportunidade!
– Mostre-me – você diz. 
Eu o levo até a minha garagem. Você olha para dentro e vê uma escada de mão, latas de tinta vazias, um velho triciclo, mas nada de dragão.
– Onde está o dragão? - você pergunta.
– Oh, está ali – respondo, acenando vagamente. – Esqueci de lhe dizer que é um dragão invisível. Você propõe espalhar farinha no chão da garagem para tornar visíveis as pegadas do dragão.
– Boa idéia – digo eu –, mas esse dragão flutua no ar. 
Então você quer usar um sensor infravermelho para detectar o fogo invisível.
– Boa idéia, mas o fogo invisível é também desprovido de calor.
Você quer borrifar o dragão com tinta para tomá-lo visível.
– Boa idéia, só que é um dragão incorpóreo e a tinta não vai aderir.
E assim por diante. Eu me oponho a todo teste físico que você propõe com uma explicação especial de por que não vai funcionar. Ora, qual é a diferença entre um dragão invisível, incorpóreo, flutuante, que cospe fogo atérmico, e um dragão inexistente? Se não há como refutar a minha afirmação, se nenhum experimento

concebível vale contra ela, o que significa dizer que o meu dragão existe? A sua incapacidade de invalidar a minha hipótese não é absolutamente a mesma coisa que provar a veracidade dela. Alegações que não podem ser testadas, afirmações imunes a refutações não possuem caráter verídico, seja qual for o valor que possam ter por nos inspirar ou estimular nosso sentimento de admiração. O que estou pedindo a você é tão-somente que, em face da ausência de evidências, acredite na minha palavra. A única coisa que você realmente descobriu com a minha insistência de que há um dragão na
minha garagem é que algo estranho está se passando na minha mente. Você se perguntaria, já que nenhum teste físico se aplica, o que me fez acreditar nisso. A possibilidade de que foi sonho ou alucinação passaria certamente pela sua cabeça. Mas, nesse caso, por que eu levo a história tão a sério? Talvez eu precise de ajuda. Pelo menos, talvez eu tenha subestimado seriamente a falibilidade humana. Apesar de nenhum dos testes ter funcionado, imagine que você queira ser escrupulosamente
liberal. Você não rejeita de imediato a noção de que há um dragão que cospe fogo na minha garagem.
Apenas deixa a idéia cozinhando em banho-maria. As evidências presentes são fortemente contrárias a ela, mas, se surgirem novos dados, você está pronto a examiná-los para ver se são convincentes. Decerto não é correto de minha parte ficar ofendido por não acreditarem em mim; ou criticá-lo por ser chato e sem imaginação – só porque você apresentou o veredicto escocês de “não comprovado”.
Imagine que as coisas tivessem acontecido de outra maneira. O dragão é invisível, certo, mas aparecem pegadas na farinha enquanto você observa. O seu detector infravermelho lê dados fora da
escala. A tinta borrifada revela um espinhaço denteado oscilando à sua frente. Por mais cético que você pudesse ser a respeito da existência dos dragões – ainda mais dragões invisíveis –, teria de reconhecer que existe alguma coisa no ar, e que de forma preliminar ela é compatível com um dragão invisível que cospe fogo pelas ventas.

Agora outro roteiro: vamos supor que não seja apenas eu. Vamos supor que vários conhecidos seus, inclusive pessoas que você tem certeza de que não se conhecem, lhe dizem que há dragões nas suas garagens – mas, em todos os casos, a evidência é enlouquecedoramente impalpável. Todos nós admitimos nossa perturbação quando ficamos tomados por uma convicção tão estranha e tão mal sustentada pela evidência física. Nenhum de nós é lunático. Especulamos sobre o que isso significaria, caso dragões invisíveis estivessem realmente se escondendo nas garagens em todo o mundo, e nós, humanos, só agora estivéssemos percebendo. Eu gostaria que não fosse verdade, acredite. Mas talvez todos aqueles antigos mitos europeus e chineses sobre dragões não fossem mitos afinal... 

Motivo de satisfação, algumas pegadas compatíveis com o tamanho de um dragão são agora noticiadas. Mas elas nunca surgem quando um cético está observando. Outra explicação se apresenta:
sob exame cuidadoso, parece claro que podem ter sido simuladas. Outro crente nos dragões aparece com um dedo queimado e atribui a queimadura a uma rara manifestação física do sopro ardente do animal. Porém, mais uma vez, existem outras possibilidades. Sabemos que há várias maneiras de queimar os dedos além do sopro de dragões invisíveis. Essa “evidência” – por mais importante que seja para os defensores da existência do dragão – está longe de ser convincente. De novo, a única abordagem sensata é rejeitar em princípio a hipótese do dragão, manter-se receptivo a futuros dados físicos e perguntar-se qual poderia ser a razão para tantas pessoas aparentemente normais e sensatas
partilharem a mesma delusão estranha.

A mágica requer cooperação tácita entre o público e o mágico um abandono do ceticismo, ou o que é às vezes descrito como a suspensão voluntária da descrença. Segue-se imediatamente que, para compreender a mágica, para expor o truque, devemos parar de colaborar".

[SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios - a ciência vista como uma vela no escuro. Ed. Companhia das Letras. São Paulo, 2006, pp. 198 a 200. ]

quarta-feira, agosto 15, 2012

Uma noite com Piazzolla e Villa-Lobos

Ontem, após mais de cinco anos, fui a um concerto sinfônico. O Teatro Nacional fica a uns 30 quilômetros da minha casa. Como os concertos acontecem às terças-feiras e eu trabalhava o dia todo, ficava cansado em demasia para aguentar duas horas de atenção. Mas como houve uma pequena mudança no meu horário, na terça-feira, eu saio do trabalho às 16 horas. E deicidi, de uma vez por todas, comparecer ao Teatro Nacional para assitir ao concerto com a Orquestra do Teatro Nacional Claudio Santoro. A noite foi ótima. Saí de lá cheio de sensações latinas.

O maestro Claudio Cohen, como informou no início, anda numas investidas "regionais", trazendo nomes da música latino-americana. Ontem, por exemplo, estavam presentes Villa-Lobos e Piazzola. Entusiasmei-me quando vi que no programa teria As quatro estações e La muerte del Angel do grande compositor argentino e as Bachianas de número 4 e 7 do nosso Villa. 

A interpretação da Bachiana número 4 me emocionou. Assistir a um concerto ao vivo nos faz perceber determinadas nuanças sonoras que uma música ouvida em casa não nos dar. Eis aí a necessidade de ir aos concertos. Ao vivo, a música do Villa ganha em tragicidade, em morbidez e em beleza. Villa foi um artista genial - mas fujamos dos clichês. São notórias as cores e o cheiro do Brasil em cada nota. A ária e prelúdio da Bachiana número 4 me soaram como algo que eu nunca havia escutado. Muito belo. Cohen e a sua orquestra estavam numa noite de delicadezas excessivas.

Logo em seguida, sacou As quatro estações do mestre Pizzola - uma música ragasdamente emotiva, cheio de movimentos sublimes e um espírito assombrado por uma tristeza e uma melancolia lancinantes. Minha esposa riu de satisfação com aquilo. Disse que era lindíssima. Para La muerte del angel, o pianista chileno Roberto Bravo foi convidado. Bravo mostrou técnica e desempenho satisfatórios. Gostei. Em dado momento, segundo a minha esposa, houve um pequeno desencontro entre a orquestra e o pianista. Mas, que mesmo assim, não lançou para baixo a beleza soprada em forma de notas musicais. 

A última obra da noite foi a Bachiana número 7. Ao meu modo de ver, a Bachiana número 7 deveria ter vindo antes da 4 ou as duas obras do Villa deveriam ter sido executadas em sequência. Deixar uma obra como a número 7 para o final, não foi positivo. Já passava das dez horas da noite quando o concerto acabou. O público parecia cansado e a orquestra com aquele afã de final de festa.  Mas tudo bem! Na próxima terça-feira voltaremos àquela sala de produção de beleza. Será que com mais compositores "regionais" segundo Cohen? 

Oxalá!

domingo, agosto 12, 2012

100 anos de Jorge Amado

Na última sexta-feira, dia 10 de agosto, o Brasil comemorou cem anos do nascimento de Jorge Amado, um dos autores mais populares da história do país - senão pela literatura que produziu, talvez pelo fato de muitos de seus livros terem sido transformados em novelas globais ou de emissoras já extintas, como é o caso da TV Manchete.

Daquele "quarteto fantástico" do regionalismo do Nordeste - Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Jorge Amado - Amado foi o que eu menos li. Se não estou enganado, li apenas um livro dele - A morte e a morte de Quincas Berro d'Água, livro cuja enredo fantástico tive acesso quando estava no antigo segundo grau. Isso foi lá pelos anos 90. De lá para cá, fiz projeto para voltar a ler o autor baiano, mas ainda não o fiz - infelizmente.

Jorge Amado possui um protagonismo e uma militância política relevante na história do século XX no Brasil. Viveu em uma época do engajamento de ideias. Frequentou as fileiras do PCB durante muito tempo - ele e seu amigo Graciliano Ramos. Esteve exilado em países europeus e da América Latina por causa de sua militância comunista - algo impensado nos dias de hoje, numa época em que o escritor não tem a necessidade de ser engajado. 

Já faz certo tempo que tenciono ler Nos subterrâneos da liberdade. Já peguei os três tomos e abandonei o projeto. O livro foi escrito em meados da década de 50 e conta os problemas do Estado fascista erguido por Getúlio Vargas. Sempre quis lê-lo para fazer uma comparação com Memórias do Carcére, de Graciliano Ramos. Tenho o livro aqui, em meu computador, mas leitura de três volumes maciços não é nada fácil. O que me interessa em Jorge Amado é a sua primeira fase: a fase voltada para a crítica social - Jubiabá, Cacau, Suor, etc. A sua segunda fase é mais picaresca e mais voltada para a sensualidade - Gabriela, cravo e canela, Dona Flor e seus dois maridos, Tieta etc.

Fiz uma pequena investigação em minha biblioteca e encontrei alguns livros de o autor de Os pastores da noite. Ei-los: A morte e a morte de Quincas Berro d'Água, Tocaia Grande, Mar Morto, Jubiabá, Os pastores da noite e Cacau - seis no total. Comecemos por eles!

P.S. Milton Ribeiro escreveu uma ótima matéria pela ocasião da data de aniversário para o Sul21.

sábado, agosto 11, 2012

Los Olvidados ("Os esquecidos"), de Luis Buñuel

Vi hoje à tarde, o filme de Luis Buñuel Los Olvidados (em português "Os esquecidos"), de 1950. É o primeiro que vejo do cineasta espanhol. As frases iniciais da obra servem como epígrafe e aviso: "As grandes cidades modernas,  Nova Iorque, Paris, Londres escondem, sob sua riqueza, lares miseráveis onde crianças sub-nutridas, sem saúde, sem escola, estão sentenciadas ao crime. A Sociedade tenta achar uma solução, mas o sucesso deste esforço é muito limitado. Só num futuro próximo poderão ser reivindicados os direitos da criança e do adolescente". É como se a voz que narra as cenas iniciais nos lançasse em um enredo naturalista e não polpasse nenhum dos personagens. A crueza das cenas se mescla à pobreza excessiva.

O filme se passa na Cidade do México. Em um meio infesto, crianças e adolescentes revolvem-se na miséria e a única saída é o delito. A obra parece não ter uma personagem central. Todas as persongens possuem uma relevância crucial. É como se cada uma delas estivessem amarradas a um eixo central de onde emana a história. E esse eixo central é o drama social da pobreza. A mãe que tem a missão diária de alimentar os filhos. O ex-detento (Jaibo) que sai da colônia correcional e forma um grupo de contraventores que nos faz lembrar os" druguinhos" de Laranja Mecânica, que seria gravado mais tarde por Kubrick. A luta constante para conseguir algo para comer. O vício do pai alcóolatra. O cego que anseia pela justiça cega do Estado.Os vendedores ambulantes no grito diário para vender as suas mercadorias.

Outro aspecto curioso são as gotas surrealistas que surgem na obra. Durante muito tempo, Buñuel foi influenciado por Salvador Dali e levou essas influências para as películas que produziu. Em Los Olvidados o sonho da personagem Pedro é eminentemente surrealista. A trascendentalização e os aspectos simbólicos do jogo de imagens realça essa influência de Luis Buñuel.

O certo é que Buñuel, que foi morar na Cidade do México em 1946, deve ter se impressionado com a realidade da capital mexicana. Daí deve ter surgido a necessidade de produzir um filme que abordasse esse lapso social, nos quais as crianças e adolescentes são as grandes vítimas. Essa triste realidades, passadas seis décadas, continua a mesma em muitos centros urbanos ao redor do planeta. Buñuel coloca-se aqui como um crítico contudente. Certamente, muitos militantes da esquerda devem ter se apropriado da temática do filme para ensejar debates. Os esquecidos não seriam apenas aqueles que se encontravam na capital mexicana, em um país pobre da América Latina, mas, sobretudo, em qualquer lugar do mundo.

Excelente filme. Se não estou enganado, ainda possuo alguns outros filmes de Buñuel: O anjo exterminador, A bela da tarde, O discreto charme da burguesia etc. Não lembro de outros. Procuremos e assistamos.

sexta-feira, agosto 10, 2012

Reflexões natalícias III - o tempo como grande artífice

O astrofísico brasileiro Marcelo Gleiser diz algo belíssimo em seu livro  O fim da terra e do céu sobre o tempo. Segundo ele, "um mundo sem movimento é um mundo triste, fadado a jamais se reinventar. O tempo é a ausência de perfeição". Ou seja, o tempo nos lança em um dinamismo, em uma ciranda; em um cipoal de movimento e é a consciência do tempo o artífice que nos molda. Para ele, a eternidade é a ausência do movimento. Agostinho afirmou certa vez que "a eternidade é o eterno presente". O estático. A ausência de movimento; de um fluxo dinâmico que atualize e se posicione entre o que passou e o que será.

Quando penso sobre o tempo, penso em coisas admiráveis - ainda evocando Santo Agostinho. Ao contrário da expectativa de Agostinho que viveu boa parte da vida pensando na eternidade, penso na terra, penso na dialética da história, que me trouxe até à casa dos 33 anos. Há 33 anos eu nasci, num dia de quinta-feira como este, às 11:15 hs da manhã, no Engenho Cacimba, município de Vitória de Santo Antão, Pernambuco. Quando pensava em minha idade há algum tempo atrás, achava o momento natalício um grande martírio. Curei-me disso. Hoje, aos 33 anos, aceito a vida, aceito o fatum como diria Nietzsche. Tudo se movimenta. É a razão por que estamos aqui. Abraçar o destino. A vida. Assumi-la. Não esquivar-se dela. Aceitar cada movimento como se este fosse uma escola multifacetada - que ora mostra um pântano, mas em outros momentos nos apresenta um belo jardim.

Passamos a ser no tempo. Sofremos no tempo. Choramos no tempo. Despedimo-nos de nossos entes e amigos no tempo. Mas amamos, sobretudo, no tempo. Rimos no tempo. Ou seja, a vida brota, floresce e morre no tempo. Eis o campo de batalha. O combate. Zaratustra, o herói nietzscheano afirma algo extraordinário sobre isso:

Tudo vai, tudo volta; a roda da vida gira sem cessar. Tudo morre; tudo volta  a florescer; correm eternamente as estações da vida. Tudo se destrói, tudo se reconstrói, eternamente se edifica a mesma casa da existência. Tudo se desagrega, tudo se saúda outra vez; o anel da vida conserva-se eternamente leal a si mesmo. A todos os momentos a vida principia; ao redor de cada aqui, gira a bola acolá. O centro está em toda parte. O caminho da eternidade é tortuoso. 

Sigamos no fluxo rumo aos 34, pois é o tempo que define o ritmo da nossa existência. É ele que nos conecta com a percepção de tudo aquilo que existe cosmologicamente. Tudo flui. E fecho com Glaiser: "A cada batida de nossos corações, incontáveis insetos saem de seus ovos enquanto incontáveis outros morrem, ondas quebram em todas as praias do planeta e galáxias se distanciam um pouco mais, e estrelas espalhadas pelo Universo nascem e morrem". E eu serei sendo enquanto no tempo estiver.

segunda-feira, agosto 06, 2012

Excertos extraídos do livro "O mundo assombrado pelos demônios", de Carl Sagan


Algumas afirmações de Carl Sagan que me chamaram a atenção da leitura que estou fazendo no livro O mundo assombrado pelos demônios:

[Na ciência] "Conclusões falsas são tiradas todo o tempo, mas elas constituem tentativas. As hipóteses sãos formuladas de modo a poderem ser refutadas" (...) 

A pseudociência é exatamente o oposto. As hipóteses sãos formuladas de modo a se tornar invulneráveis a qualquer experimento que ofereça um perspectiva de refutação, para que em princípio possam ser invalidadas. Os profissionais são defensivos e cautelosos. Faz-se oposição ao escrutínio cético. Quando a hipótese pseudocientífica não consegue entusiasmar os cientistas, deduz-se que há conspiração para eliminá-la". (p. 39) - (o destaque é meu por ter me chamado a atenção)

"Os seres humanos podem ansiar pela certeza absoluta; podem aspirar a alcançá-la; podem fingir, como fazem os partidários de certas religiões, que a atingiram. Mas a história da ciência - de longe o mais bem-sucedido conhecimento acessível aos humanos - ensina que o máximo que podemos esperar é um aperfeiçoamento sucessivo de nosso entendimento, um aprendizado por meio de nossos erros, uma abordagem assintótica do Unieverso, mas com a condição de que a certeza absoluta sempre nos escapará". (p. 46)

"Essa é uma das razões pelas quais as religiões organizadas não me inspiram confiança. Que líderes dos principais credos reconhecem que suas crenças talvez sejam incompletas ou errôneas, e criam institutos para revelar possíveis deficiências doutrinárias? Além do teste da vida cotidiana, quem verifica sistematicamente as circunstâncias em que os ensinamentos religiosos tradicionais talvez já não se apliquem? (É conecebível que as doutrinas e a ética que podem ter funcionado muito bem nos tempos patriarcais, patrísticos ou medievais sejam totalmente inválidas no mundo bastante diferente que habitamos hoje.) Que sermões examinam imparcialmente a hipótese de Deus? Que prêmios os céticos religiosos ganham das religiões estabelecidas - ou, nesse aspecto, que recompensas os céticos sociais e econômicos recebem da sociedade em que vivem?"

"A ciência, observa Ann Druyan, está sempre nos sussurrando ao ouvido: "Lembre-se, você é novo nisso. Pode estar equivocado. Já errou antes". Apesar de todo o discurso da humildade, mostrem-me algo comparável na religião. Acredita-se que as Escrituras sejam de inspiração divina - uma expressão com muitos significados. Mas e se forem simplesmente criadas por seres humanos falíveis? Os milagres são comprovados, mas e se forem, ao contrário, uma mistura de charlatanismo, estado de consciência desconhecidos, percepções errôneas de fenômenos naturais e doença mental? Nenhuma religião contemporânea e nenhum credo da Nova Era me parecem levar realmente em consideração a grandiosidade, a magnificência, a sutileza e a complexidade do Universo revelado pela ciência. (pp. 54,55).