sexta-feira, maio 30, 2008

Carta escrita em 27/01/2004

Olá, minha doce querida!

Estou com as minha defesas assaltadas neste momento. Toda minha serenidade me aflige no centro de gravitação da alma. Uma impaciência descabida e “enxerida” me esbofeteia sem escrúpulos. Desejo vê-la. Essa distância é atroz e faz crescer dentro da gente algumas nuvens desconhecidas. Uma morrinha arrebenta a encharcar a nossa paciência. Preciso vê-la, porque você é o meu sol, a luz que exorcizará esse negrume denso que me envolve.
Lá fora sopra um vento morno. Choveu a manhã inteira. O regato que contemplo à distância transbordou e inundou a várzea. O estrídulo de grilos e o coaxar de sapos se faz ouvir. Nuvens de insetos brotam, fervilham das gretas das paredes velhas. O canavial recém nascido é sacudido por um vento tímido. Um peru imperializa o quintal com o seu glu-glu-glu. Os perus sempre me chamam a atenção pela postura arrogante. Sinto prazer em admirar as aves da minha avó. Um pontozinho insignificante – um trabalhador braçal – arenga com a enxada no meio dos seixos e raízes molhados. Possivelmente os pensamentos dele são alimentados pela esperança. Não sei quem é o homenzinho que gasta a sua energia no trabalho rude.
Olho pela janela acanhada do meu avô um sítio, ou melhor, dizendo, um povoado que um dia foi denominado Engenho Cacimba. Foi nesse lugar rústico que eu nasci. Foi daí que eu fui chamado à vida. Parece que até hoje ainda a estou procurando. É um trabalho meticuloso. Temos que nos vestir com sobriedade, esperança, resistência, fé, amor, disciplina. Ás vezes desespero. Noutras ocasiões sinto o desejo de pular do muro alto que se ergue à minha frente e acabar com os sortilégios de uma existência tacanha. O que é a vida? Pergunta que se bem pensada, silencia-nos. O silêncio é algo que nos desloca, incomoda. O Engenho Cacimba é uma choça povoada por matutos. Já foi um lugar próspero. Lembro-me quando os caminhões aportavam em busca de álcool e açúcar. Matérias que traziam prosperidade à gente do lugar e alimentava a sede e a gula do Brasil. Hoje não se tem mais engenhos por essas brenhas. As usinas açucareiras monopolizaram o negócio. Ainda se pode ver a torre, a chaminé que um dia cuspiu fumaça no céu do Nordeste. Hoje temos apenas cinzas do que já foi. Não nasci propriamente no engenho, mas numa localidade que geograficamente era chamada de Engenho Cacimba. Sou um cacimbense. Talvez seja por isso, que preservo essa personalidade circunspeta, de bicho acuado, malfadado. O meu mundo de dentro está como o mundo de fora: nublado.
Tem chovido com veemência por essas paragens. No dia em que cheguei em Vitória de Santo Antão fui recepcionado por uma chuva que me molhou os conceitos e a alma. Nesta madrugada a chuva caiu rija. Nestas condições os açudes sangram, os ribeiros envergam o seu curso para as várzeas; os lugares baixos são alagados. O sertanejo acostumado ao calor escaldante e esfolador das plantações deifica o céu. Os santos são sugestionados. Mitos e superstições são evocados. Histórias antigas de outros invernos são mencionados.
Para onde eu olho vejo o verde saindo de sua câmara. É belo o show da vida! Pareço que estou voando para longe por tudo o que vivo, sou, pretendo ser neste momento. Queria tê-la perto de mim. A Pastoral de Beethoven é doce, esvoaçante, amiga de lembranças, nave que impele ao mundo dos sonhos. Sinto como o jovem Werther do romance de Goethe. Será que um dia essa carta será lembrada por alguém? Se dá isso, Liana: quando alguém fica famoso fazem um diagnóstico na infância do indivíduo. Um papel antigo com uma escrita turva, ordinária, sem sentido certo, tem um valor inenarrável. O que você acha que aconteceria se eu tivesse em minhas mãos uma carta de Machado de Assis nunca antes vista, escrita para a sua mulher Carolina, no período do namoro deles? Já pensou na preciosidade? Começo a pensar que o tempo dá valor às coisas, sugere opiniões, acata fatos, subscreve sentenças. Mas eu não sei se um dia serei famoso. Daí não saber se a minha caligrafia afetada e o meu estilo deficiente causará impressão em alguém. A vida é uma incógnita. Vida medonha. Vida bela.
Esses dias na casa dos meus avôs têm sido maravilhosos. As lembranças da minha infância sempre causam impressões misteriosas. Os trovões que ouço na abertura das “Criaturas de Prometeu” de Beethoven falam disso. É sempre a sensação, uma retro-alimentação constante, perene, intermitente. É como seu eu andasse por reinos encantados, forrado por tufos de um material algodoado. É um reino sem fim. Todo lugar é prazeroso e por mais que ande nunca cessa o mistério e as impressões colhidas nesse mundo encantado.
Minha avó está na cozinha a preparar o almoço. Esse sempre foi o seu trabalho – para mim – extenuante. Desde os dezenove anos gastando-se na beira do fogo. Vai manhã, vem tarde e ela com sua paciência pachorrenta e inalterável. Sempre com o mesmo temperamento. Nunca a vi alterada por qualquer fato buliçoso. Desconfio que ela seja uma santa.
Meu avó é um tipo primitivo, modelo dos antigos senhores de engenho. Patriarca. Sempre com os beiços enrugados. Numa sisudez de assustar os anjos. A casa dos meus avós maternos é um asilo de traumas e medos enlatados em conserva. Os filhos têm um respeito – medo – encabulador do pai, meu avô. Ele os criou em regime de servidão. Surras sobejas, trabalho duro e rude foi a alimentação vitaminada que eles receberam com fartura. Hoje ele está com setenta e nove anos, mas ainda preserva os traços severos do patriarcalismo castrante e antigo. Um olhar dele ainda arrepia os cabelos da alma dos filhos.
Quando eu era pequeno passei muitos sustos com ele. Um rabo de olhos congelava-me as ações, paralisava-me o coração, emudecia a minha loquacidade, mofavam os movimentos ágeis e libertários de minha infância. Vejo isso sendo reproduzido nos meus primos.
Já caminhei bastante por essas terras que abrigou, gravou, tatuou os passos de minha infância. Os pés de côcos altearam-se; as jaqueiras envelheceram; as distâncias se tornaram pequenas; as casas reduziram o tamanho; muitos mistérios foram revelados; e alguns enigmas permaneceram mudos, trancafiados, silenciosos e inacessíveis. Um dia pretendo trazê-la aqui. Agora tenho mais fotos. Quando chegar aí conversaremos mais a respeito do que tratei aqui e de algumas impressões que foram cosidas no meu espírito e se aninharam nos galhos da minha alma. São fenômenos estranhos, alheios, impressões mastigadas e que vão para o túmulo coma a gente. São aquelas coisas captadas pelos radares da nossa sensibilidade e que se enrolam, engrolam, no torno, no cerne do nosso ser e trabalham à semelhança da natureza o que somos. É por isso que gosto de ler autobiografias. Todavia, os melhores livros que leio são as feições, os sorrisos, a seriedade, as contrariedades, a sovinice, a faceirice, os olhos, o andar – o ser humano. Isso acrescenta conhecimento do que sou: sou humano – sou duro, sou de ferro, sou orgulhoso, ignorante, nocivo a mim mesmo e aos outros, amante da vida, odiento aos conceitos contrários, preconceituoso, guardo mistério no desconhecido cavernoso de mim mesmo.
Tenho um volume de Graciliano Ramos à minha frente – Infância. Esse é um livro que tem acrescentado sensibilidade e apuro ao lado desconhecido de mim mesmo. Estou mudando. Talvez mudando para melhor. É o dia a dia que diz quem somos. É para o alto que se cresce.
Perdoe-me por expô-la a esses fiapos desenxabidos e desencontrados. Às vezes tenho surtos de falador. Perdoe-me pelas linhas chochas, apequenadas, toscas. A única coisa que se é que algo muito positivo vai acontecer este ano! Impressão mal cozinhada?
Viajarei dia 05 de fevereiro – quinta. Chegarei no sábado, 7 de fevereiro. Creio que antes disso ligarei para você. Um abraço e um cheiro.

Vitória de Santo Antão – PE, 27 de janeiro de 2004.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

sexta-feira, maio 23, 2008

Mundo líquido

Tudo renovas com o teu bafo;
Desenhas novas formas, paisagens;
Tales afirmou num passado distante
Que tu eras o um;
A unidade vital, a que tudo davas vida;
Fazias e desfazias.
Olhou para o mundo azul, verde,
Ardósia, cristalino, incolor e
te inseriu no seu sistema.
Fez nascer o pensamento especulativo.
Analiso o resultado do teu trabalho.
Os gramados estão verdes,
As paisagens estão multicolores.
A desolação foi completamente assolada.
Já não se têm os dias quentes,
As tardes de secura pegajosa.
Árvores se alegram;
As pastagens tornam à vida.
O seco, gretado, crepitado
É transformado num imenso mar verde.
A poeira encarnada foi vencida.
Tudo por causa de ti.
As poças se ajuntam.
A vida ali brota.
A fecundidade mora em tua ação.
Habito num mundo líquido.
Sou uma consciência imersa
Num oceano caudaloso de água.
Meu mundo é aquoso.
Meu corpo é um córrego.
Minhas emoções nascem em
Meio à água.
E eu me impressiono com o teu
Potencial de vida.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

Data: domingo, 2 de dezembro de 2007, 16:08:52.

quarta-feira, maio 14, 2008

Comentário sobre o filme O Perfume – a história de um assassino

O filme O Perfume – a história de um assassino, do diretor Peter Tykwer, lançado em 2006, baseado na obra homônima de Patrick Süskind, é com certeza instigante sobre vários aspectos. Jean Baptiste Grenouille pode ser considerado uma espécie de anti-herói no filme. O filme induz o telespectador a inocentá-lo, apesar das mortes das mulheres promovidas pela paixão ensandecida. O personagem principal encenado pelo ator Bem Whishaw nos remete à aventura medieval da alquimia em busca da pedra filosofal, do elemento mágico, que permitiria alcançar uma condição impossível para as realidades humanas. A procura de “aprisionamento do cheiro das coisas” é justamente a orientação que o guia. Como um alquimista dos odores, ele faz experiências que levará a resultados cada vez mais profundos e atordoantes.

As habilidades de Jean Baptiste o transformam num indivíduo especial, como assim é dito ao iniciar o filme. Grenouille nasce em meio à imundície, numa feira nauseabunda da França do século XVIII (1738); nasce filho de uma peixeira, que tinha a intenção de matá-lo. É filho da gente pobre. Verifica-se neste aspecto a preocupação em descortinar o território francês com um Realismo que provoca repulsa. São cenas indigestas para apresentar a situação histórica que envolvia Jean Baptiste. A maioria dos transeuntes mal-cheirosos contrastam com alguns privilegiados da nobreza. A obra retrata uma França anterior à Revolução (1789). Uma sociedade fétida, de injustiças, roubos e extorsões. O personagem desenvolve atividades rudes, fatigantes, capazes de fazer com que o corpo morra muito cedo. Todavia, não se dá assim com Jean Baptiste, que parece ter uma alma que alimenta o corpo. O seu aspecto físico franzino não é um fator de impedimento para gestar as suas intenções obstinadas.

O Realismo da obra tem por finalidade impressionar e instilar “um tipo de recepção”, construindo uma tese que levará a um desfecho surpreendente nas cenas finais do filme. Afinal, fica-se com a impressão de que Grenouille é uma espécie de indígete, um homem divinizado. O receptor da obra passa a ser também advogado do personagem à semelhança do que acontece na praça publica, numa das cenas finais do filme. Os algozes que o matariam o inocentam e sucumbem ao poder do seu feitiço terrível.

Desde muito pequeno, Jean Baptiste dá mostras de uma sensibilidade incomum. Aprendeu a executar as suas experiências pelo olfato. Essa capacidade o faz apreender o mundo. Aprendeu que a natureza é um receptáculo de odores. Que ela abriga o imponderável, o misterioso. A fragrância dos elementos e das coisas são o espírito e a imaterialidade dessas mesmas coisas. Guy de Maupassant no conto Carta de um Louco cita Montesquieu e diz que “um órgão a mais ou menos em nossa máquina teria feito de nós uma outra inteligência”[1]. O grande contista afirma neste mesmo texto que as impressões limitadas do homem é a causa principal de certa forma de ser e perceber o mundo. Diz ele: “Se tivéssemos, portanto, alguns órgãos a menos, ignoraríamos coisas admiráveis e singulares, mas, se tivéssemos alguns a mais, descobriríamos em torno de nós uma infinidade de outras coisas que nunca suspeitaremos por falta de meios de constatá-las”[2]. O Perfume é a exatificação dessa percepção. Jean Baptiste possui a sensorialidade olfativa desenvolvida ao extremo. Ele é capaz de captar todas as fragrâncias do mundo, do universo e aí reside o seu poder de encantamento. Todavia, é incapaz de ter a “sensibiliade” que imporá limites às suas intenções mais macabras. As leis humanas são incapazes de puni-lo, de pará-lo. Ele vive apenas para a sua paixão, para o seu sonho de poder. Como no Fausto de Goethe, ele quer levar a cabo a possibilidade de um experiência ilimitada. Grenouille encarna as palavras de Fausto: “Natureza infinita, como poderei agarrá-la? / Onde estão as suas tetas, fonte de toda a vida [...] / por quem meu coração vazio anseia”[3]. A sinestesia que envolve o personagem é uma ponte que liga a alma do mundo material à singular capacidade de ordenar e enxergar os elementos interiores da subjetividade.

Um aspecto onírico perpassa a obra fílmica, pois o personagem vive quando quer viver e “morre” (desaparece) quando assim o quer. Este aspecto é imensamente simbólico, pois carrega em si um credo estético que sugestiona o vago, o misterioso, o ilógico, num tipo de expressão indireta, numa evocação encantatória da realidade[4]. A existência de Grenouille é uma fantasia do inconsciente. A estesia resultante da obra é de silêncio, de encantamento, de absurdo, uma quimera que mexe com os aspectos mais profundos da irracionalidade. Um senso de estupefação e uma pergunta surgem: “O que era aquela criatura?”

Esta obsessão por lidar com o intangível, com o mágico, com o inusitado remete à Escola Simbolista. O filme mais sugere e evoca o simbólico, do que atribui nomes a realidades e objetos, como designou o poeta maldito Mallarmé quando se posicionou acerca dessa Escola Simbolista[5]. Rimbaud outro poeta simbolista francês diz que a mensagem simbolista deve rebentar “de excessos abomináveis e imencionáveis”[6]. O Perfume exala esse artifício. Os elementos da fuga se tornam numa impressionante urdidura para fazer chocar ao telespectador. Ao final do filme, tem-se a idéia de que se saiu de um sonho, porque afinal o sonho não pertence às realidades desse mundo. A conseqüência da experiência é a sublimação, pois como diz o simbolista brasileiro Cruz e Sousa: “Toda a alma numa cárcere anda presa,/ Soluçando nas trevas, entre as grades/ Do calabouço olhando imensidades,/ Mares, estrelas, tardes, natureza”[7].

A experiência estética do filme é de algo diáfano. A música poderosa que soa suavemente ao final da obra infunde uma impressão de leveza. A fragrância do filme nos atinge, por conta da pessoa poderosa e misteriosa de Jean Baptiste Grenouille, que é mais que um homem – é uma alma celeste, divina, que se elevou para as imensidades, despregando-se das fealdades do mundo dos homens.

FONTES CONSULTADAS

BERMAN, Marshall, Tudo o que é sólido desmancha no ar, Companhia das Letras: São Paulo, 2007.

COUTINHO, Afrânio, Introdução à Literatura no Brasil, Editora Bertrand Brasil S.A. – 15ª. Edição: Rio de Janeiro, 1990.

MAUPASSANT, Guy, Contos Fantásticos – O Horla e outras histórias, L&PM Editores, Porto Alegre, 2005.

MILLER, Henry, Rimbaud por ele mesmo, Martin Claret, in Rimbaud – um estudo, A hora dos assassinos, São Paulo [s.d].

NICOLA, José de, Literatura Brasileira – das origens aos nossos dias, Editora Scipione, São Paulo, 1998.

[1] MAUPASSANT, Guy, Contos Fantásticos – O Horla e outras histórias, L&PM Editores, Porto Alegre, 2005, p. 53.
[2] Idem, 57.
[3] BERMAN, Marshall, Tudo o que é sólido desmancha no ar, Companhia das Letras: São Paulo, 2007, p.55.
[4] COUTINHO, Afrânio, Introdução à Literatura no Brasil, Editora Bertrand Brasil S.A. – 15ª. Edição: Rio de Janeiro, 1990, p. 213.
[5] Idem, p. 213.
[6] MILLER, Henry, Rimbaud por ele mesmo, Martin Claret, in Rimbaud – um estudo, A hora dos assassinos, São Paulo [s.d], p. 18.
[7] NICOLA, José de, Literatura Brasileira – das origens aos nossos dias, Editora Scipione, São Paulo, 1998, p. 218.

domingo, maio 11, 2008

Pensamento livre sobre o homem

A presença da espécie humana no planeta terra é deveras recente. O homem foi forjado, com relação à origem do Universo, nos últimos segundos do estágio formativo. Denomino estágio formativo àqueles momentos cruciais que deram condições para que surgisse o homo sapiens.
A se julgar por essa exigüidade, o potencial pensante do homem determinou a dominação do planeta. É irônico e interessante que uma das últimas espécies a entrar em cena no palco da criação viesse a dominar todas as demais realidades naturais. O que é inquietante com relação a isso é que um destino nefasto, luctífero, se aproxima com bastante velocidade da realidade humana. Pode ser avaliada como certa a destruição do homem. Essa afirmação é forte e, portanto, para muitos, constitui-se como inaceitável. A vaidade e o orgulho humanos não admite algo com essas implicações.
A Bíblia hebraica possui algumas metáforas que chamam a atenção. Quando caminho por entre os homens, sinto-me como um daqueles profetas. Seria arrogância pensar assim? Prossigamos. O que me distingue com certeza daqueles profetas tão apaixonados é que não tenho voz para gritar. Melhor seria andar com uma lanterna como o fez Diógenes buscando um homem sensato em plena luz do dia. Os profetas eram homens comuns chamados para anunciar a vontade divina. As intervenções dos profetas eram sempre ornadas de complexidade, pois eles vaticinavam a vontade divina, mas quase sempre presenciavam o povo caminhando na direção contrária às suas anunciações. O destino do povo era agônico.
Se houvesse uma mudança no comportamento, a triste realidade impositiva teria uma outra “história”; se a conduta fosse renitente, não haveria outra saída senão o desterro. Jeremias, por exemplo, padeceu desses sofrimentos. Anunciou a escravidão inextricável: se o povo não repensasse os passos da caminhada na direção da desobediência o resultado seria a escravidão. As palavras do profeta foram descartadas. Não houve qualquer adesão. Jeremias sentia o que via e lamentava profundamente o destino infausto do povo.
Analisando essa metáfora bíblica é inegável que aqui não seja visto um paradigma bastante contundente: a extinção do homem é certa se um fenômeno reflexivo não se apoderar das mentalidades e fizer surgir um novo “modelo de mundo”. Utilizo o termo “extinção” em sentido lato. O modelo de organização social construído pelo homem consagra a desigualdade. Filosoficamente existe um conceito de liberdade, mas empiricamente esta não possui qualquer concretude em termos reais. Que modelo deve ser construído? Como a equidade deve ser tornar uma possibilidade e não apenas uma utopia? A resposta a estas perguntas constitui-se um grande desafio.
Analiso o destino da humanidade que fulmina a natureza, incinera florestas, ocupa todos os espaços do planeta de forma predatória; que construiu um modelo perverso e imoral, numa sociedade que privilegia alguns e consagra os demais a um estado crônico de miséria. Ando como Jeremias.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

domingo, maio 04, 2008

Comentário ao livro "O que é religião" de Rubem Alves

Rubem A. Alves, O que é religião?(São Paulo: Edições Loyola, 2002).

Rubem Alves nasceu em Boa Esperança, MG, em 1933. É psicanalista, bacharel em teologia pelo Seminário Presbiteriano de Campinas, mestre em teologia pelo Union Theological Seminary em New York, doutor em Filosofia pelo Princeton Theological Seminary, Princeton.
O autor nesta obra busca dá uma definição, apontar caminhos – sejam eles filosóficos, antropológicos, sociológicos – para o que é religião. A religião que fascina o homem, que são os sonhos de amor do homem com o homem, como assim menciona o autor citando Feuerbach.

O autor inicia a sua obra explicando o fenômeno religioso na contemporaneidade. Afirma que a religião não perdeu seu poder em nossos dias. Embora se viva num tempo muito especial da história, apesar do advento de técnicas revolucionárias da ciência, do aprimoramento industrial, do desenvolvimento de métodos econômicos, verifica-se que o fascínio da religião tem permanecido como em todas as eras e gerações humanos. Ele se instala como um fenômeno subjacente, vinculado ao ser humano, posto que o homem é em si um ser religioso.

A consciência do religioso é como uma teia que se expande e amarra os elos relacionais do existir humano. Negar o sentimento do religioso seria negar o próprio sentido que toma norteios e se torna uma cartilha que inscreve as respostas que dão segurança à vida do homem. Rubem Alves diz que não se liquida a religião com abstinência dos atos sacramentais e a ausência dos lugares sagrados, da mesma forma que o desejo sexual não se elimina com os votos de castidade. Ou seja, mesmo negando ou omitindo a visibilização do religioso nos altares de fora – templos, catedrais, imagens... símbolos – a presença do religioso nos altares da alma é que dá condução à construção para o que existe como objeto externo. Deste modo, “é quando a dor bate à porta e se esgotam os recursos da técnica”, segundo Rubem Alves, “que nas pessoas acordam os videntes, os exorcistas, os mágicos, os curadores, os benzedores, os sacerdotes, os profetas e poetas, aquele que reza e suplica, sem saber direito a quem...”.

É justamente nas horas de indômitas certezas, de existência vacilante, de crise vocacional, de resoluções vencidas que o sentimento religioso se instala como fator mais arraigadamente sisudo na alma humana. Lidar com o religioso, segundo Rubem Alves, não seria lidar simploriamente com idéias primitivas, de uma civilização atrasada ou de uma sociedade com propensões animistas. O religioso extrapola o fetiche. A existência do fetiche é apenas uma objetização do sentimento abstrato que pervaga no interior do ser humano. Os homens erguem catedrais porque dentro de si possuem gritos, sussurros, incompreensões, expectativas e todas elas em um momento ou outro são abraçadas pelo mistério. Daí, a necessidade de se construir um símbolo para a materialização ou visibilização do ser sagrado que primeiramente nasceu no centro da alma como projeção das respostas que são feitas do lado de fora do ser humano.

Enquanto os animais conservam apenas um instinto de preservação e instinto, os homens pelo contrário, a partir da imaginação, construíram ou têm o poder de manipular o mundo para darem a forma que bem entenderem. Tudo isso é feito por uma teia simbólica cujo princípio é entender e decodificar a realidade. Os homens construíram estradas, plantaram jardins, fizeram bandeiras e deram um significado a cada uma delas; os homens laboraram na construção de intricados mecanismos e deram nomes a essas invenções. Assim, o homem tem o poder de manipular a realidade por meio da construção de símbolos que determinam o sentido do mundo. Essa transformação ou leitura própria do mundo é que se pode chamar de cultura. Ou seja, cultura seria o nome que se dá às coisas e o modo de como se interpreta a realidade. Cultura é o modo de vida de um povo, o ambiente que um grupo de seres humanos, ocupando um território comum. A cultura se cria na forma de idéias, instituições, linguagem, instrumentos, serviços e sentimentos.

Para Rubem Alves, “a religião nasce com o poder que os homens têm de dar nomes às coisas, fazendo uma discriminação entre coisas de importância secundária e coisas nas quais seu destino, sua vida e sua morte se dependuram”. Assim, entende-se que a religião seria propriamente um fenômeno da cultura de cada povo. Afinal, quantos são os povos, tantas são as religiões. Não há uma explicação para o fenômeno da religião, porque pode se detectar que cada cultura tem os seus próprios rituais – desde as mais primitivas e simples às mais complexas.

Diz Rubem Alves que a partir desta leitura da realidade, o homem dá vários significados à morte; a vida passa a ser encarada com os seus diversos matizes de acordo com a construção simbólica ou com o sentido de crença de cada indivíduo – o ateu diz não acreditar na existência de Deus e busca viver como se Deus não fosse uma realidade para ele. Já o crente em Deus, guia as ações da sua vida a partir desse sentido de crença. É essa construção simbólica que direcionou milhares de monges para mosteiros na Idade Média. O símbolo condiciona a vida. Ou seja, “com os símbolos sagrados o homem exorciza o medo e constrói diques contra o caos”.

A religião surge como um encantamento. Ela abriga em si o mistério. A religião por ser uma construção simbólica, lida com poderes ideais. Não existe objetividade na religião, segundo Rubem Alves. Com o advento dos poderes científicos, a religião foi sacudida, trepidada, balançada. A ciência lida com a presença. A religião com a ausência. Na ciência, para que algo seja real e verdadeiro é preciso que seja percebido e visto. O que não é visto não é real, posto que o pensamento tem que se materializar como presença e visto como verdade. Os raciocínios devem ser experimentados.

O materialismo da ciência engoliu o abstracionismo da religião nos últimos séculos. A religião pouco a pouco foi sendo periferizada. Todavia, o “exílio do sagrado” não significou um completo abandono da religião. No ser humano ou fora da capacidade da ciência existem alguns fatores que estão cobertos com o lençol do mistério. Existem realidades que não são objetos estudáveis da ciência – a alma, a morte., etc. Estas realidades não são verificáveis ou quantificáveis e exercem um fascínio misterioso sobre o ser humano.

Rubem Alves também se vale do sociólogo francês Émile Durkheim para afirmar que a religião funciona como uma reguladora social. A ausência da religião instauraria um processo de completa anomia na sociedade. Para Durkheim, todas as religiões seriam verdadeiras. É por causa da capacidade de imaginar do homem que a religião veste o real com o sagrado. Não existem comunidades que eximam em suas estruturas o sentimento pelo religioso. A religião pode se transformar, para Durkheim, mas nunca desaparecerá como fenômeno humano. Para ele a religião se dá como fenômeno dinâmico. Deuses nascem e deuses morrem, deuses aparecem como projeção das necessidades que os homens têm para formar seres ou coisas ideais. Os deuses são necessários, pois se transformam em guias para a humanidade.

Já para Karl Marx a religião não surge como consciência autônoma fora do homem. Não existe uma estrutura chamada religião fora do homem – “não é a consciência que determina a vida; é a vida que determina a consciência”. A religião em Marx é desnecessária porque ela, simplesmente, não existe. Ela não merece qualquer tipo de consideração. A religião surge apenas como um produto da alienação (“a religião é o ópio do povo”). A religião seria uma necessidade do homem oprimido para da cor a uma existência sem cheiro e sem brilho. Ela seria consciência não-consciente no individuo, “porque é o homem que faz a religião; e não a religião que faz o homem”.

De acordo com a concepção marxista, exterminando as agruras da existência humana, a necessidade do religioso teria fim. Os sentimentos e as inclinações que se dão na vida variam de uma classe para outra. Dependendo da classe onde o individuo humano estar há uma influência no seu modo de se vestir, na sua forma de pensar, no seu gosto musical, na sua qualidade alimentícia, nas supertições e crenças, na forma como se encara a vida e a morte. Em suma, nestes aspectos Marx observava que a consciência estabelecida pela ordem de classe determinava a vida. A consciência varia de classe para classe. Assim a religião também toma forma de classe para classe.

Religião é uma forma de alienar o ser humano. Explica-se na obra de Rubem Alves o verdadeiro sentido que Marx usa do termo “alienação”. O termo alienação não é posto como é bem compreendido pelo vulgo. Não se trata de um sentimento que torna o individuo “idiotado”. Em Marx, alienar é “transferir para outrem o domínio de; tornar alheio; alhear; desviar, afastar”. A religião surge como alheamento na consciência do individuo. Ou seja, o individuo alienado é aquele que teve o seu desejo violado pelo desejo de outrem. A religião processa o seu poder neste ponto, embora ela mesma não possua nenhum poder intrínseco, posto que ela “ilumina com ilusões que consolam os fracos e legitimações que consolidam os fortes”. Ainda para Marx, a religião é um analgésico ineficaz dado pelos fortes para adormecer a vontade dos fracos. Marx dizia que em nome de uma entidade superior, argumentos são silenciados. Quem contesta o que é superior e arbitrário? “A religião é nada mais que o sol ilusório que gira em torno do homem, na medida em que ele não gira em torno de si mesmo” (Marx).
Já em Feuerbach a religião aparece como um sonho da mente humana. A religião surge como projeção do sonho, que se deriva da voz do desejo. O desejo existe no interior do ser que é, mas que tem de se adequar ao que se coloca como realidade. A realidade é a negação do desejo. O desejo fala da própria essência do homem. Deste modo “as verdades” mentirosas devem ser abolidas para que o desejo no ser humano torne-se verdadeiramente consumado. E nisto é que Feuerbach afirma que “a religião é o solene desvelar dos tesouros ocultos do homem, a revelação dos seus pensamentos mais íntimos, a confissão pública dos seus segredos”.
A afirmação de Feuerbach remete a religião ao próprio homem, porque para ele falar de Deus é falar do próprio homem. Ter consciência de Deus é ter consciência de si mesmo. Deus no homem surge como uma imagem refletida na parede do ser, porque Deus varia no homem, de ser para ser. Existem várias consciências de Deus no homem, quantos são os homens, tantos são o número de projeções de Deus. Deus se relativiza no ser. Deus, assim, é criado pelo desejo humano. Decodificando as características ou a personalidade de Deus para uma determinada pessoa, descobre-se os desejos desta pessoa. Deus é subjetividade. O ser determina a imagem em sua objetividade e transforma-se em objeto perante a imagem, e, a imagem, por sua vez, toma forma de sujeito.
A realidade última da religião não estaria inclinada para fatores eminentemente metafísicos. A religião encerra-se aqui na contingência do mundo humano. Não existem fenômenos do lado de lá, puramente espirituais. Lidar com o sagrado, seria em outros termos, lidar com a antropologia. Religião é antropologia. O homem é próprio ser divinizado. A necessidade de uma divindade para o homem fala dos próprios anseios humanos. A religião é um sonho que o individuo religioso não compreende. Para Feuerbach, a partir do momento que se interpreta o sonho, a necessidade de Deus e da religião deixa de existir.
Outra perspectiva abordada por Rubem Alves diz respeito à visão da religião como uma força propulsara dos oprimidos. Deus, na concepção dessa visão, surgiria como a razão ou a base de toda utopia. Segundo o autor, os profetas contestam a ordem presente, vociferam contra o status quo, segurador da ordem social, regulador das esperanças dos mais fracos. A base contestatória dos profetas está no presente, mas o anúncio da esperança (utopia) do Reino de Deus está no futuro. Para o autor a religião, seria um objeto que teria duas faces relacionais: (1) “Para iluminar”, “libertar”, “para dar coragem”, “para fazer voar”; ou (2) “para cegar”, “paralisar”, “atemorizar”, “escravizar”. A religião funcionária de modo paradoxal. Ou sendo para os fracos e não sendo para os poderosos; ou sendo para os poderosos e não sendo para os fracos.
Com o advento da “ciência histórica”, tornou-se possível compreender de modo crítico as interpretações suscitadas pelos poderosos. A linguagem mono-focal dos poderosos foi interpretada com uma premissa inteiramente nova. A base era: “o que Antônio fala acerca de Pedro contém mais informações acerca de Antônio do que de Pedro”. Entendeu-se, assim, que “aquilo que os opressores denunciavam nos oprimidos não é a verdade dos oprimidos, mas o que os opressores temem”. As versões oficiais são sempre o fruto da pertubabilidade dos poderosos. Os movimentos messiânicos tidos por marginais são assim denominados pelos poderosos por causa do poder. Para revestir de não santo os movimentos que “fogem da ordem”, é preciso evocar o dogma do absoluto. Assim, a maneira como se interpreta a vida está diretamente “condicionada pela textura social da vida”. Não se contesta o absoluto (Deus). Lidar com o absoluto é absolutamente lidar com a eternidade.
O discurso religioso é, antes de tudo, o discurso da força – dominadores sobre os oprimidos. Os sonhos dos dominados não se enraízam no chão do presente, mas se projetam para uma possibilidade futura. Os pensamentos religiosos são utópicos. Para Rubem Alves, os textos escatológicos (Apocalipse) são utopia. Ou seja, dimensiona-se para o futuro aquilo que não é no presente, todavia existe no ser como esperança concretizável.
É por causa da consciência oprimida do indivíduo que se faz fermentar o contentamento dos sonhos religiosos. É por isso, que os pobres e oprimidos se sentem mais à vontade junto aos “curandeiros”, dos “mágicos”, dos “milagreiros”, que são pretensos prognosticadores, vendedores de esperança. Eles sempre apontam para o futuro com palavras que entusiasmam e geram esperança.
No último capítulo do livro, Rubem Alves faz a “Aposta”. Para ele, esta aposta é um arriscar-se. É, simplesmente, “dar uma chance para a religião”. Ele mesmo diz: “Teremos de ouvir a voz da religião, ainda que ela esteja mais próxima da poesia que da ciência”. Para ele, o objetivismo frio da ciência não possui todas as respostas. A ciência “empalhou”, “imobilizou” o vôo do sagrado. A ciência é fria e míope em seus conceitos. Ela “nos coloca num mundo glacial e mecânico, matematicamente preciso e tecnicamente manipulável, mas vazio de significações humanas e indiferente ao nosso amor”.
O autor diz que bem gostaria que os deuses existissem. Só assim a vida ganharia certezas e exorcizaria as dúvidas e os estalos da alma. A vida teria sentido se assim fosse. Mas por não o ser, o sentido da vida é “experimentado emocionalmente”. É apenas sentimento. Esse sentimento é experimentado como intensificação da vontade de viver a ponto de dar coragem para morrer, se necessário for, por aquelas coisas que dão à vida o seu sentido. O sentido da vida se debruça, para Rubem Alves, diante do mistério. É como afirmou Pascal certa vez: “O silêncio desses espaços infinitos me apavora”. Ao passo que a vida é mistério, a morte mostra-se como um abismo cuja a sociedade é tragada para a sua escuridade. A morte é a inimiga dos homens. Ela se mostra insensível com qualquer que seja o individuo. Todos serão abraçados pelos seus braços frios e pela suas mãos pegajosas.
Para Rubem Alves, religião tem o poder de transformar a morte em irmã. Assim, “livres para morrer, os homens estão livres para viver”. Mas, o que acontece é que na concepção de Rubem Alves, Deus é apenas uma esperança. Não é algo que é concretamente, mas pode ser. Deus é objeto da “magia da imaginação”. O direcionamento mais correto que quiser experimentar Deus , de acordo com o autor, seria se aventurar. Seria, mesmo na inexatidão da certeza, crer. Seria o salto no escuro de Kierkegaard. Seria a possibilidade de total entrega ao incompreensível, ao inimaginável, só possível pela fé. Ele não tem certeza acerca da existência de Deus. “Não sei”. Mas ele gostaria que a esperança que o tomava se concretizasse em certeza e o objeto (Deus) se transformasse em verdade.
Esta posição pode ser considerada como um meio vacilante de se questionar a validade da fé. A posição em que Rubem Alves se coloca pode ser colocada como neutra. Ele quer crer, mas não tem certeza naquilo que crer. Cheira a irracionalismo – embora a fé não esteja dentro das categorias racionalizáveis. Embora eu concorde com a assertiva de Kierkegaard em “Temor e tremor”, "O paradoxo da fé não pode reduzir-se a nenhum raciocínio, porque a fé começa precisamente onde acaba a razão". Ou no dizer de Pascal: “A distância infinita que há entre a certeza do que se aventura, e a incerteza do que se ganhará, iguala o bem finito, que certamente se expõe, ao infinito, que é incerto”.
O fato é que a posição de Rubem Alves embora belamente poética e estética, não é bíblica. Deus não pode ser provado objetivamente, mas se eu creio não devo ter sentimentos ambíguos em relação a Ele. Seria como se pulasse do avião sem se verificar se o pára-quedas está funcionando. Fica-se a mercê do não ou do funcionamento do pára-quedas. O individuo que assim se expusesse estaria, na verdade, se aventurando, posto que ele não sabe se o pára-quedas vai ou não funcionar.
Em Kant e em Hegel, a existência de Deus passou a ser um problema para epistemologia. Em Kierkegaard, passou-se a verificar que todo sistema construído e absolutizado é merecidamente identificável com o ser. O ser é vasto, amplo e a subjetividade é quem diz o que deve se ser para o ser. Kierkegaard se aventurava pela fé para acreditar que Deus existe.
Paulo disse no seu discurso para os filósofos em Atenas que Deus “de um só fez toda raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós”(At 17.26,27). Segundo a Palavra inspirada, homem foi criado com propensões para buscar a Deus, mesmo que tateando. As religiões são os “tateamentos”, as apalpadelas no escuro dados pelo homem em busca de algo que o coração deseja. O coração humano grita inconscientemente por Deus (não O deseja no sentido de querer relacionar-se com Deus, mas porque dentro do ser a ausência grita pela presença) sem o homem o saber, e, por isso, existe uma exteriorização, uma construção visibilizável do elemento religioso. Constrói-se fora para se ver, o que o coração deseja dentro.
É interessante notar que os povos primitivos compreenderam isso de uma maneira involuntária. Ao se observar as comunidades primitivas, verifica-se que o pendor para o infinito sempre existiu. Os antropólogos têm detectado que nunca existiu uma sociedade organizada que não houvesse a icononização de Deus. Por mais bizarros e personificados pelo natural, o senso de Deus, o criador do infinito, sempre existiu. O homem é isso: síntese de finito com infinito. Entende-se daí, os conflitos e os mistérios gerados e criados que ocorrem sucessivamente na existência atribulada do homem.
Os gritos, os símbolos, os mistérios, as dúvidas, as utopias e as certezas existem, porque dentro da alma humana existe a eternidade. Existe o caos que busca equilíbrio diante do infinito. “Finito que diante do infinito se aniquila, torna-se um puro nada”, no dizer de Pascal. A obra de Rubem Alves é importante no sentido de nos informar a temática do religioso de acordo com várias escolas do pensamento humano. Isso apenas serve para comprovar a tese do feitiço humano perante religioso.
Outras obras utilizadas:

AGOSTINHO, Santo, As Confissões – Os pensadores, Nova Cultural, 2000.

PASCAL, Blaise, Os imortais do pensamento humano vol.6, Ed. Universidade de São Paulo, Goiânia, 1.981.

KIERKEGAARD, Sören, Os pensadores, Diário de um sedutor; Temor e tremor; o desespero humano, traduções de Carlos Grifo, Maria José marinho, Adolfo Casais Monteiro – São Paulo, Abril Cultural, 1979.


Por Carlos Antônio M. Albuquerque