domingo, maio 25, 2014

Uma reflexão...



"Caminhante, não existem caminhos. Os caminhos se fazem ao caminhar". 
Rubem Alves

É curioso como o tempo nos leva a aceitar determinadas coisas - e a rechaçar outras. Torná-las menos palatáveis.   Eventos que mereçam atenção, projeção de perspectiva. Vivi por quase uma década metido com a religião. Converti-me à fé protestante no final de 1999. Conheci pessoas. Fui a cultos. Direcionei minhas preces ao céu para ter um melancólico silêncio. O cicio perdeu-se no espaço. Caiu da altura para a qual eu o direcionei. E o meu grito é apenas um eco represado dentro de mim.
                Estudei para ser clérigo. Li bastante. Debati com os meus iguais. Enchi-me de romantismo. Realizei prédicas. Instei a tantos quantos achei pelo meu caminho. Quis revelar o fantástico mundo ideal da religião. Descortinar a “salvação” – afinal, vivemos em um mundo de perdidos (aqueles que ainda não aceitaram “a salvação”) e os eleitos remidos (aqueles que foram visitados pela “salvação” e aceitaram-na). Tornei-me “chato” para com alguns que não quiseram dar ouvidos àquilo que eu dizia. Tentava empurrar o meu “entendimento” de garganta abaixo gerando, consequentemente, sequelas indesejáveis nos outros. Quando estamos convictos de algo, não respeitamos as singularidades. E por isso que Nietzsche disse certa vez que “existem determinados pressupostos, certas credulidades, que são demoníacas”. Ou seja, elas fazem mal, pois são mesquinhas, aviltadoras, inquisidoras, geradoras de vítimas por não conseguirem lidar com a diferença.
                Entendem que o mundo está cindido em duas cores: o verde e o roxo, hipoteticamente. Colocam óculos que determinam uma única visão; um víeis preconceituoso e reducionista.  Então se o bem é representado pelo verde, todas as demais cores são nocivas por não serem verdes. Se o roxo é a cor da virtude, tudo aquilo que não tenha essa semelhança, torna-se sem graça e é tratado sem deferência. É daí que brotam os conflitos religiosos.
                O tempo em que vivi em meio ao nicho religioso conheci pessoas de todos os calibres – mansos, eufóricos, fingidos, solidários, gananciosos, arrogantes etc. Toda fauna humana encontradiça em qualquer lugar do planeta.  Minhas leituras, minhas reflexões, fizeram-me refletir sobre determinados fenômenos:

(1) A fé é um fenômeno humano: inquestionavelmente a fé é um fenômeno pertencente apenas ao mundo humano. Se os cavalos tivessem uma fé, os deuses dessa fé teriam uma fisionomia equina. O ser humano criou a religião como uma tentativa de lidar com alguns medos, receios e eventos trágicos que estão longe do seu controle. Fico a pensar no homem da pré-história. Os fenômenos naturais eram eventos não controláveis. Não se pode mandar no sol; na água da chuva; nas estações dos anos. Esse mesmo homem quando sentia a necessidade de buscar aquilo que lhe era necessário para a subsistência, dependia necessariamente dos “humores” da natureza. Por não possuir a previsibilidade científica que atualmente nos é banal, esse mesmo homem precisava invocar um poder capaz de subjugar as forças da natureza.  Ao olhar para o céu numa noite escura, os nossos antepassados deveriam morrer de pavor por perceber um mistério intangível escondido atrás de cada sinal luminoso que brilhava no céu. Afinal, se tudo está aqui e eu não tenho controle sobre isso, existe alguém que possui. Como diz Marcelo Gleiser: “os céus eram vistos como manuscritos sagrados”. E nos “manuscritos” estão escritos os mistérios recônditos de sinais milenares, redigidos por forças inumanas que coordenam o destino de todos os seres. Avançamos enquanto civilização humana. Mudamos a forma como lidamos com a matéria. Subjugamos determinados fenômenos que no passado eram impensáveis. Mas trouxemos conosco, apesar de tudo, determinadas compreensões que são atemporais. E talvez nisso achemos a resposta na assertiva de Pascal: “Esses espaços infinitos nos apavoram”. De certo. O medo da morte, das tragédias, das doenças, da ausência de pessoas queridas, leva-nos a criar uma força que nos acalente, que nos erga de nossas dores, de nossos terrores que nos atormentam. Nesse sentido, a religião constrói um muro em torno de nós para nos trazer consolo. Como diz Rubem Alves: “A religião é um dique construído contra o caos”. Se ela fosse extirpada do planeta muitos indivíduos ficariam loucos, matariam a si mesmos, por se negarem a aceitar tal fato, pois a religião é um fenômeno unicamente dos seres humanos. Nossa existência Planeta Terra é algo imensamente recente. Não vivemos nem uma décima parte daquilo que os dinossauros, por exemplo, viveram no planeta. Mas temos a presunção de formular julgamentos e sistemas que ultimam todas as coisas; que torna toda a realidade explicável pela teoria da lacuna. Deus, por isso, torna-se a “causação” de todo evento; a resposta justificável a todo movimento, força ou circunstância do cosmos. Enquanto estivermos neste planeta, enquanto tivermos a consciência de que estamos conscientes seremos animados por tal diligência.

(2) A espiritualidade está em todo canto: Já que a religião é fenômeno intrínseco ao ser humano; adorno de sua existência, pois desde os tempos ancestrais carregamos tão grande intuição, não podemos negar a espiritualidade. Todavia, não podemos confundir espiritualidade com o fenômeno religioso. A espiritualidade é aroma colhida pela alma, resultante da estética da natureza. Existe, inegavelmente, uma estética na natureza e uma capacidade humana para criar. Agimos assim por sermos seres complexos e que trazemos à existência a beleza. Escrevemos poesias, livros; pintamos belos quadros; compomos músicas encharcadas de delicadeza; construímos determinados objetos que trazem satisfação aos olhos; ouvimos determinados sons que nos emulam o interior; ou simplesmente enxergamos determinados espaços, eventos ou situações produzidas que trazem efeitos incríveis sobre os nossos sentidos.  Assim, a espiritualidade independe de forças religiosas. Ser espiritual é poder fruir um poema; uma voz delicada que faz balançar o nosso coração; uma poesia que nos aquece o interior; a visão de uma planície ou colina que faz erguer a admiração, enchendo os nossos lábios de contentamento e um riso sempiterno. Sou daqueles que acreditam que a espiritualidade está em toda parte e, pode até mesmo, estar dentro do nicho religioso. Todavia, ela não está reservada apenas ao nicho; ela não é fruto privativo de determinadas pessoas. Espiritualidade é sensibilidade. É por isso que Alberto Caieiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, diz em seu lindo e espiritual O guardador de rebanhos:

(...) Não acredito em Deus porque nunca o vi
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta adentro

Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e o sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol

(...) Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos...
E não nos dará mais nada, porque dar-nos mais
Seria tirar-nos mais.

(3) Está em determinado igreja (seita) não me torna uma pessoa necessariamente melhor: Não sinto inveja ou qualquer manifestação de pesar por não estar em uma comunidade, assim como aqueles que estão presos e circunscritos em determinadas geografias religiosas. Em muitas situações as patologias de determinado grupo, ou seja, a psicologia social do grupo é instilada nos membros daquele grupo. Isso acontece com muitas agremiações políticas e outros ajuntamentos humanos. Num dado sentido, está no grupo legitima ou consolida as minhas crenças, pois ali estão pessoas que coadunam com a minha visão de mundo. Assim, dependendo do modo como eu me relaciono com os códigos expressos neste ajuntamento, a transposição desses códigos para o mundo material, para a vida real, pode me tornar em um sujeito limitado e encerrado em meus preconceitos.

(4) A psicologia da fé: a religião é um fenômeno lingüístico, que por sua vez se torna em consciência para aquele que crer. A linguagem é um instrumento de mediação entre o homem e o mundo. É por meio dos signos criados pelo homem ao longo de sua história que esse mesmo homem encontra sentido para as coisas que estão no mundo. Por não contemplarmos a realidade face a face, precisamos de algo que sirva de veículo simbólico que porte as intenções determinadas naquilo que criamos. Para isso utilizamos a linguagem que, também, é um fenômeno complexo no mundo humano. E nesse sentido, determinada linguagem nos conduz a determinadas interpretações. É justamente na interpretação que apreendemos o símbolo que ressignifica o mundo. Ou seja, o mundo e as minhas emoções se abraçam nessa interpretação. E a partir daí que crio minhas preferências e determinado ponto de vista sobre determinado fenômeno, pois interpreto o fenômeno e esse fenômeno ganha carne em minhas emoções, mas isso não se dá diretamente. Acontece por meio de uma interpretação que é inculcada em minha consciência, criando uma estruturação, uma segurança em meu mundo interior. Falar é sempre revelar algo o qual eu já experimentei pela interpretação daquilo que fui, senti, vivenciei. O mundo que defendo é aquele que gira em torno dos meus valores e crenças internalizados. Eu freqüento as coisas e as coisas me freqüentam. Reproduzo e sou reproduzido. Julio Cabrera, filósofo da Universidade de Brasília, em seu livro A ética e suas negações diz que “Se os deuses e demônios da nossa sobrevivência nos aparecem como independentes, é porque nós mesmos lhes demos independência”. Ou seja, a linguagem quando naturalizada tende a não ser questionada. É assim que se explica a psicologia da fé. Chama-se a isso de conversão. Converter-se é mudar o referencial interpretativo. É, por isso, que Paulo, o criador dos “esquemas dogmatizantes”, um dos sujeitos mais habilidosos da história da Igreja, vai dizer que o sujeito que se “converteu” se fez “nova criatura”; que tudo se fez novo e as coisas velhas já passaram.  Pois ele sabia que essa conversão é um processo de reestruturação e reconstrução dos esquemas interpretativos que sustentam determinados valores dos indivíduos. A conversão gera crise por revelar ao sujeito um conjunto terrível de axiomas que levam, quase sempre, o sujeito à crise. Após passar por uma catarse, o sujeito se apresenta a esse novo mundo com uma nova linguagem; com uma nova forma de portar-se; de se relacionar com o mundo, pois os seus referenciais mudaram também. Na verdade, o que muda é a linguagem e seus valores implícitos que acabam por se coadunarem com as emoções do converso. As mudanças ocorrem como fenômeno, primeiramente, emocional e psicológico. Logo em seguida, essa mudança ocorre no modo como articulamos a sociedade e a história. E por isso, que se mata em nome da religião – e que se morre também -, pois se mudou o modo de relação com o mundo. Explica-se ainda o porquê das orações. Quando o crédulo ora, não significa que sua prece está sendo ouvida; representa meramente o fato de que criamos a expectativa de que alguém está a nos ouvir. Essa consciência gera um conforto, um consolo capaz de nos fazer serenar todos os desmazelos existenciais. O que muda não é o mundo ou a história, mas a minha forma de me relacionar com o mundo e com a história. O sujeito crer pelo fato de ser apresentado a ele um panorama trágico e caótico. Após esse abalo, o sujeito “aceita” os novos códigos, a nova cosmovisão, os novos valores que devem servir de óculos para que ele veja o mundo. Paulo quando escreve aos romanos chama esse evento de metanoia (no grego), que significa “mudança de um determinado tipo de racionalidade ou forma de pensar”.  Assim, ao assumir o discurso da fé, estou “agasalhando” em minha interioridade um conjunto de lentes interpretativas que trabalharão em mim os seus efeitos, gerando um novo tipo de consciência sobre os eventos da materialidade. É com esse aparato que passo a julgar o que é bom e o que é mal; o que é pecado e o que é virtude.

(5) Antropologia da fé: para a fé (aqui me refiro à cristã), o homem possui uma antropologia, que é a antropologia da queda. O homem é um ser imperfeito desde o evento do jardim do éden. A maldade que existe no homem não está condicionada a priori por eventos históricos ou sociais. O mal no homem não é um fenômeno que passa a morar nele em decorrência da materialidade como apregoa, por exemplo, Karl Marx. O mal no homem está ligado a um problema ontológico.  Em decorrência disso, só existe uma forma de “reformar” o mundo, aceitando ao Cristo da fé, ao dogma da conversão, que é uma docilização, um funcionalismo operante. Os homens conversos não pertencem a esse mundo. São de outro plano. Como diz Agostinho em suas Confissões: “Criaste-nos para ti e nossa alma vive inquieta enquanto não repousa em ti” (não sei se está correta a frase, já que estou citando de cabeça). Em sentido kieekergaardiano, existir perante Deus é estar destinado à culpa, pois a nossa ontologicidade é maculada. Deus é o sempre santo; e, nós, os seres partidos e finitos. O único remédio é a conversão, ou seja, a mudança matricial da forma de ler e enxergar o mundo. É na vida que se decide a morte, pois aquilo que escolhemos ser, será – peremptoriamente.
                Escolhi escrever essas palavras, pelo fato de hoje ouvir que determinada pessoa mudou o seu comportamento para comigo por eu ter feito algumas afirmações que feriu a sua fé. O sujeito freqüenta uma determinada igreja evangélica – portanto, portadora de determinada linguagem. Segundo ele, eu por ter estudado teologia e ter um conhecimento relativo sobre os fenômenos ditos “sacros” , serei cobrado com contundência no dia do juízo, corroborando com aquilo que está escrito em uma das cartas bíblicas – se não me engano, a carta de Tiago. Eu poderia escrever – algo que talvez eu faça qualquer dia desses – sobre o significado “sagrado” da bíblia, que para mim é um livro humano que narra os eventos religiosos e a compreensão de um povo sobre determinados pressupostos de sua experiência de fé.
                Quero deixar bem claro que sou uma pessoa religiosa – não no sentido ordinário o qual estamos acostumados. Para mim a espiritualidade é um fenômeno capaz de me tornar livre, mais compreensivo, compassivo, sendo entendedor que o outro para ser bom, não precisa aceitar a minha fé. Crença é um fenômeno pessoal. Não devo cindir com as pessoas somente pelo fato delas não crerem naquilo que creio. Não devo ser tão presunçoso a esse ponto. Como diz Rubem Alves, “o Deus dos protestantes é o Deus da causalidade inflexível”. E quando notamos tais coisas, apenas achega-se a nós certeza de que somos seres curiosos. E como dizia Nietzsche mais ou menos com essas palavras: “Criamos o in-criado e acabamos sendo dominados pela nossa própria criação”.  

sábado, maio 24, 2014

Um comentário...

Existem alguns apontamentos que poderiam ser feitos sobre esse fato: (1) "o assunto Petrobrás" é controverso e paradoxal. Veio à baila pelo fato de o PSDB ter "cavado" uma CPI tentando sujar a imagem da Dilma. Ou seja, a jogada é marqueteira, trambiqueira e eleitoreira. Pousar de paladino defensor das empresas públicas brasileiras nunca esteve na agenda da oposição. É só lembrar a "dilapidação pública" realizada pelo FHC. O assunto do lucro da Petrobrás é de longe o problema. Uma pergunta surge: quem lucra, de fato? Os acionistas, ora, pois! Muitos deles, com certeza, ligados à própria oposição. (2) Uma análise macro-estrutural da sociedade brasileira nos leva a entender que vivemos um momento perigoso. Os tempos são nebulosos. Vivemos uma imensa onda conservadora, talvez, gerada pela inabilidade do PT - ou simplesmente, pelo fato de o sistema capitalista viver de ondas cíclicas de crises. Quando Lula estava no poder, a maior parte dos brasileiros experimentou um crescimento significativo nos salários e no acesso aos bens de consumo. Todavia, como dizia o velho Marx esse "caminho virtuoso" não é eterno dentro do capitalismo. O mundo inteiro passa por uma crise. 

A crise não ficou em 2008 - apenas. O envidamento de forças em 2008, aconteceu unicamente para salvar os bancos e as grandes corporações do descalabro. Salvaram os bancos à custa de alguém. E no Brasil não é/foi diferente. O problema não é a Dilma. É o momento em que vivemos. A onda conservadora é resultado justamente de um conjunto de fatores: estrangulamento financeiro, serviços públicos precários, alta no custo de vida e a "visibilização" de gastos vultosos para sediar uma Copa do Mundo, um silêncio crônico do governo que parece ser conivente com esse estado de coisas. Tachar o PT como partido de corruptos, de trambiqueiros, de petralhas, como tenho visto por aí não é atacar o problema. É olhar apenas para as causas aparentes. A onda antipetista se sustenta em "nacos" de fatos epidérmicos. A propaganda do Governo (eu não vi), talvez tenha por finalidade dirimir o estrago na imagem da Dilma, provocada pelo bombardeio da mídia. É mais que natural esse tipo de reação. Todavia, existe um fato que é maior do que simplesmente aquilo que vemos: o PT é um partido relevante para a história nacional. Ele é uma das materializações de forças antagônicas que conseguimos produzir contra o colonialismo da metrópole. O PT é uma das forças que deu um rumo dialético diferente à história do Brasil. E contra a dialética da história não existem moralismos.