sexta-feira, dezembro 28, 2018

"Maria Bonita - sexo, violência e mulheres no cangaço", de Adriana Negreiros

Maria Gomes de Oliveira ou, simplesmente, Maria Bonita
Terminei a leitura de Maria Bonita - sexo, violência e mulheres no cangaço, de Adriana Negreiros. Desde o primeiro instante em que me deparei com o livro, surgiu a vontade de lê-lo. A capa, visualmente chamativa, é o primeiro detalhe que chama a atenção. A Editora Objetiva caprichou no acabamento.  O visual remete à estética nordestina. 

Adriana Negreiros é jornalista. Já frequentou a redação dos principais jornais e revistas do país. É casada com o renomado historiador Lira Neto, que escreveu, entre outros, Padre Cícero e a badalada biografia de Vargas. Maria Bonita - sexo, violência e mulheres no cangaço é o seu livro de estreia. Seu texto é bastante atraente. Possui uma fluência agradável, talvez aprendida no jornalismo. Para escrever Maria Bonita, Adriana precisou viajar pelo sertão nordestino, principalmente, pelo interior de Sergipe, Bahia, Alagoas, Ceará e Pernambuco, espaços geográficos por onde Lampião, Maria Bonita e os seus cabras realizaram suas estratégicas andanças. Ouviu depoimentos. Conversou com estudiosos regionais que se debruçam para estudar o cangaço, principalmente, o casal mais famosos da história do movimento - Lampião e Maria Bonita.

A proposta do livro é apresentar a figura icônica de Maria Gomes de Oliveira, mais conhecida por Maria Bonita. Na verdade, como é explicado pela autora, o nome Maria Bonita só passou a vigorar após a sua morte. Em vida, Maria foi conhecida como Maria de Déa. Déa era a sua mãe. Embora traga Maria Bonita no título, a obra põe em evidência aspectos do cangaço, alguns já conhecidos. O nome Maria bonita é nome de grife, de restaurantes, de ruas etc. Nem sempre foi assim.

Em um momento da história em que as mulheres eram obrigadas a suportarem a violência e os caprichos do seus companheiros, Maria Gomes deixou o seu marido, ainda bastante jovem, e foi se juntar com Virgulino, cognominado Lampião, que já gozava de certa fama no sertão. À época, isso gerou falatórios e especulações. Maria seria uma das mais de cinquenta mulheres que andariam com os cangaceiros pela agreste caatinga. Mesmo em um ambiente rústico, uma vida regrada e nua de confortos, Maria conseguiu estabelecer uma bela parceria com o famoso "capitão". Era imensamente vaidosa. Em fotografias de época, sempre se mostra com objetos vistosos e joias belas e caras para o momento e o local onde viveu.

Embora, o livro se proponha a falar de Maria Bonita, faz enormes incursões por outros temas. Apresenta outras personagens. Como era a vida humilde dos sertanejos. Há um destacado espaço para apontar como as mulheres eram tratadas. Algumas eram estupradas sumariamente. Tanto as mulheres mais velhas quanto as mais novas, dependendo da situação, passavam por violências sexuais extremas. Em um período em que as leis eram volúveis e profundamente difusas, a ética que imperava era o arbítrio da força. Desse modo, tanto as volantes, grupos oficiais formados por soldados e por aqueles que se alistavam voluntariamente para caçar os cangaceiros, quanto os grupos de cangaceiros, praticavam atrocidades contra as mulheres. 

Aqueles que fossem coiteiros, como eram denominados aqueles que escondiam ou ajudavam os cangaceiros, tinham uma frágil sorte. Se fossem descobertos pelas volantes, sofreriam as agruras da violência. Mas, se delatassem os cangaceiros, também seriam vitimados pelas atrocidades e inclemências dos cangaceiros. 

Adriana também busca mostrar o lado descontraído da vida dos cangaceiros: as danças que promoviam, a preparação dos alimentos do grupo, demonstrando assim um lado leve e humano do grupo de Lampião. 

Mas é o aspecto violência que fica em evidência. As mortes aconteciam com requintes de profunda impiedade. Cortar a cabeça era a mera consequência de outros fatos antes praticados. Cortes de orelhas, de línguas; castrações com facas; bailes nus, como eram chamadas as festas em que os cangaceiros obrigavam os participantes a se despirem e dançarem a noite toda. Um exemplo típico de violência aconteceu quando da morte de Maria Bonita. Segundo Adriana Negreiros, Maria ainda estava viva. Fazia pedidos aos soldados da volante. Fazia referências à filha que tinha para criar. Os soldados sem qualquer gesto de comiseração, deceparam-lhe a cabeça com um golpe de facão. O corpo ficou inerme, derreado para deleite dos urubus que visitariam mais tarde a Grota de Anjico, lugar onde os cangaceiros foram surpreendidos e mortos. Como se não bastasse tamanha truculência, enfiaram um pedaço de pau na vagina de Maria. 
Adriana Negreiros

Após a morte, as cabeças foram expostas na prefeitura de Piranhas, município de Alagoas. As cabeças tumefatas, com sorrisos sombrios e deformados, alimentaram a curiosidade de moradores e visitantes. Era uma exposição macabra, fruto do estado brasileiro. As cabeças de Lampião e Maria foram enviadas para Salvador a fim de serem estudadas no Instituto Nina Rodrigues, o famoso estudioso dos caracteres raciais e físicos como determinantes do comportamento criminoso. A suposta área do conhecimento praticado no Instituto era chamada de frenologia, que buscava o caráter e as funções intelectuais humanas, baseando-se na conformação do crânio. 

A obra é imensamente agradável. Não traz informações novas. O cangaço tem sido estudado por vários historiadores. Todavia, o livro de Adriana possui uma perspectiva nova, que é colocar em evidência a situação da mulher em um movimento dominado pelo patriarcado. Uma das boas leituras do ano!

Um trecho do livro pode ser encontrado aqui

quarta-feira, dezembro 19, 2018

Algumas anotações sobre "Usina", de José Lins do Rego

Usina foi o quinto livro escrito por José Lins do Rego. Anterior a este, o escritor paraibano escrevera - Menino de Engenho, Doidinho, Bangue e o Moleque Ricardo. Após a escrita dos cinco livros, uma espécie de "pentateuco do autor", José Lins os denominou de "ciclo da cana de açúcar". Há nesses livros fortes elementos memorialísticos, assinalações do que é a prosa do grande escritor. Os cinco livros possuem características próprias, mas podem ser sistematizados.

Os três primeiros possuem um eixo comum, ou seja, procuram contar a história de Carlos de Melo: (1) sua chegada ao Engenho Santa Rosa; a descoberta do mundo imenso que constituía a propriedade; o desabrochar da infância em um espaço edênico; o desabrochar precoce da sexualidade; o banho no rio Paraíba. Tudo ali transparece de forma nostálgica. As memórias são edulcoradas por um lamento implícito da felicidade que se perdeu. (2) a ida para o orfanato em Itabaiana; as dificuldades advindas da vida coletiva; a austeridade do professor. Em Doidinho, escutamos ecos de O Ateneu, de Raul Pompeia. (3) Nota-se um Carlos de Melo adulto e inábil para a administração do Engenho Santa Rosa. Sua falta de tino para conduzir a propriedade, faz com que o patrimônio seja quase solapado. 

No quarto volume - "O moleque Ricardo" - nota-se a saída do mundo agrário para a atmosfera suburbana. Há um forte engajamento por parte de José Lins. O moleque Ricardo possui um aspecto panfletário importante, pois a denúncia social se situa nas condições do operariado em Recife. Nesta cidade, assiste-se à luta cotidiana de homens e mulheres comuns pela sobrevivência. As condições adversas. A moradia ultrajante. O emprego escasso. A problematização a respeito da criminalidade. A força opressora do Estado, que consolida a sua existência para proteger a propriedade dos meios de produção dos ricos. Ricardo é exilado para Fernando de Noronha, simplesmente, por ter participado de uma manifestação. 

Em Usina, encontra-se uma conjuntura diferente. O livro é dividido em duas partes: (1) A primeira parte coloca no plano central a história de Ricardo em Fernando de Noronha. Na ilha, percebe-se a sua saudade de casa. O envolvimento homoafetivo. A solidão em um mundo assolado por fortes ventos e pela lembrança. (2) Na segunda parte (e mais extensa), o narrador onisciente foca a atenção sobre a Usina Bom Jesus, que um dia fora o Engenho Santa Rosa. Ricardo volta para os seus. Emprega-se em uma venda esconde-se atrás de um balcão, até ser assassinado. Ele retira-se da narrativa como coadjuvante. 

Na segunda parte, o Dr. Juca, filho de José Paulino, tio de Carlos de Melo, é quem toma a dianteira. Nota-se, a partir de três personagens, pelos menos três elementos definidores das mudanças econômicas e sociais que se dão com a derrocada dos banguês, o surgimento das usinas e a falência das oligarquias do açúcar.

(1) Dr. Juca - como afirmado, Juca é filho de José Paulino. Por meio de uma associação com os parentes, tornou-se chefe do clã e condutor dos negócios da Bom Jesus. Os familiares confiam a ele a presidência da Usina. Os negócios galopam em atmosfera de lucros e otimismo. Há comentários elogiosos às suas habilidades administrativas.  Juca não mede os gastos. Financia a vida das amantes. É um dissipador nos bordéis famosos e requintados do Recife. Em uma época em que os automóveis eram um luxo, o impulsivo usineiro compra um carro por uma soma vultosa. A saca de açúcar é vendido por 60 contos, uma preço que gera uma confiança exagerada nos empreendimentos futuros. Juca decide modernizar a usina. Entra em associação com os "americanos". Busca um financiamento que, somente poderia ser realizado, caso houvesse garantias exatas. Os parentes devem colocar suas propriedades no investimento. Uma vez que a Bom Jesus não corresponda, as propriedades seriam confiscadas. Juca é a imprevidência. Não atua por cálculos exatos, medidos. Para existir em um meio competitivo é necessário atentar para os movimentos da história e realizar planejamentos corretos, acertados.

(2) Dr. Luís - é o dono da São Félix. Ele é o antípoda do Dr. Juca. Luís é a frugalidade. É a prudência. O passo medido. O cálculo. É a intuição que sabe o momento certo de agir. Sua usina é grande. É um leão à espreita da presa. A Bom Jesus não conseguiu resistir diante dos seus assédios. Luís é um homem de família. Não é um dissipador. Os seus filhos brincam à sombra das árvores. Sua esposa está ao seu lado. Luís representa a virtude do capital. É um sujeito de fé (constrói igrejas), mas sabe ser duro com o povo quando necessário. Luís não gasta tempo com elementos que não sejam propiciadores de vantagens. Ele fica à distância assistindo aos estertores da Bom Jesus. Contempla-lhe a agonia. A luta diária. A resistência mole, improfícua. Luís representa a face monopolista do capital. A morte dos engenhos e o surgimento das usinas, fez surgir uma lógica: os mais fortes devoram os mais fracos. A São Félix era o empreendimento cheio de energia e Dr. Luís era o seu timoneiro. A Bom Jesus não resistiu e sucumbiu.

(3) Dona Domdom - é a esposa de Juca. Domdom é altruísta, generosa. É abnegada. Sua preocupação é fazer o bem. Há virtudes imensas em seu coração. Ela está sempre disposta a ajudar aqueles que precisem de auxílio. Sua grande preocupação é o bem-estar das filhas. Ela representa o lado humano e social do mundo capitalista. Vem à sua memória em muitas passagens da obra, a vida humilde que tivera antes de morar em um palacete na capital paraibana, antes de experimentar os requintes de uma vida aristocrática propiciada pelos lucros da usina. É ela quem busca ajudar os moradores humildes da Bom Jesus. Fornece remédio. Intervém junto ao marido em favor das pessoas humildes. À medida que a ganância ganha proporções e o império da cana vai tomando todos os locais do antigo engenho, os moradores ficam sem ter onde plantar; sem ter as águas do rio para pescar.  Domdom observa esse fato com reprovação. 

Em Usina, Zé Lins monta um painel da derrocada de uma estrutura produtiva e as mudanças advindas dessa metamorfose. A estrutura semi-feudal mudou com a chegada das usinas. Juca, por exemplo, buscava substituir 30 funcionários por apenas um que apertasse um botão. Ou seja, há uma reflexão do escritor sobre a mecanização do campo. Os trabalhadores não qualificados, que outrora vendiam a sua força braçal de trabalho, passam a não ter mais ocupação. Com o fim da República Velha, e o esmagamento da economia agrária que havia no país, é necessário pensar em industrializar o país. Há um fluxo de trabalhadores emigrando do campo para a cidade. É o que se dá, por exemplo, com Ricardo. Sem morada, sem trabalho, sem perspectivas de melhores dias, levas de nordestinos saem do campo e buscam os centros urbanos.

Como já apontado em uma reflexão já feita aqui, o transbordamento do rio Paraíba, expulsando o senhor de engenho (Dr. Juca) e sua esposa (Dona Domdom), funciona como um mito de fundação ou de renascimento. É conhecida a história bíblica do dilúvio. Segundo a Bíblia, esse se deu para que "um momento novo" se fizesse sobre a terra. A maldade humana havia alcançado níveis alarmantes. O dilúvio era a possibilidade de renovação da terra com todos os seus animais. Os dilúvios funcionam como um rito de passagem. Em "O Guarani", José de Alencar também se utiliza desse artifício para demonstrar a fundação do Brasil. José Lins do Rego, pelo contrário, deseja mostrar como se dá a passagem para um novo tempo na vida dos engenhos. O espaço paradisíaco dos engenhos foi substituído pela dureza, pela insensibilidade da máquina. Toda a generosidade existente; o humanismo foi substituído pela inquebrantável ganância dos novos proprietários que mudaram o modelo de produção, de um incipiente agrarismo por meio dos banguês, para o produtivo movimento da mecanização por meio das usinas. O senhor de engenho era dono da propriedade e de tudo que nela havia. Com as usinas, instalou-se a indiferença, a frieza e "coisificação" do homem, da paisagem e da terra.


quinta-feira, dezembro 13, 2018

Canal Meteoro e o vídeo sobre o Olavo

Vídeo bastante esclarecedor sobre "as pirações" do Olavo. Melhor fala: 'Olavo é um monte de esterco, gravitado por moscas tontas que buscam se alimentar do chorume que sai da massa fecal'.


quinta-feira, dezembro 06, 2018

Olavo não tem razão...

Abaixo, link para um vídeo bastante esclarecedor do jornalista Breno Altman.

O objetivo do vídeo é formar um perfil crítico de Olavo Carvalho. O paulista Olavo de Carvalho, fartamente conhecido como ideólogo da direita brasileira, é um sujeito controverso. Com relação a isso é importante dizer que os pensamentos de um sujeito qualquer estão próximos daquilo que ele pratica. A práxis é uma extensão das ideias. Sendo assim, é preciso conhecer de onde surgiu essa caricata personagem das ideias brasileiras. 

É justamente pelo fato de o capitalismo passar por uma das suas costumeiras crises - não somente aqui, mas em outras regiões do mundo - que Olavo passou a ter visibilidade. A crise política é oriunda da crise do capital que, por sua vez, leva às demais crises. A crise política é uma crise para a adequação dos interesses do capital. A vitória de Bolsonaro significa dizer que uma perspectiva de sociedade ganhou.

Olavo sempre foi visto como uma figura bizarra pelos locais por onde passou. É um homem de fixidez, de obsessões, de exageros; de uma linguagem carregada, que busca diminuir o oponente, até que ele seja transformado em ridicularia. Procura aglutinar temas variados com teorias conspiracionistas, fundadas no autoritarismo, no conservadorismo estreito, com fortes doses de certo entendimento radical da moral judaico-cristã. Ou seja, diz-se cristão, mas não de um cristianismo iluminado, generoso, caridoso. Ele abraça uma concepção raivosa, inquisidora, radical sobre a vida e sobre os costumes. 

Sua fixação em "malhar" a esquerda, que para ele é o grande demônio do mundo, deve ser considerado. Em seus devaneios conspiracionistas, as instituições brasileiras - sejam públicas ou privadas - estão contaminadas pelo comunismo. E ele possui uma face perversa, invisível, silenciosa, que se infiltra na vida social, deturpando aquilo que foi herdado dos antigos - leia-se do conservadorismo ocidental, firmado nos ensinamentos morais da Igreja. Essa ameaça se chama marxismo cultural. Analisando o Youtube, observa-se a quantidade de páginas que buscam explicar essa suposta categoria criado por Olavo de Carvalho - e ridicularizada na Academia. As ciências sociais não reconhecem o marxismo cultural. Para ele, o marxismo cultural é uma estratégia idealizada por Gramsci e pelos teóricos de Frankfurt, que busca destruir os valores consolidados - a família, o namoro, a forma como as mulheres se vestem; os valores do cristianismo (entenda-se certo cristianismo); para pregar pedofilia; uma explosão da ideia de homossexualismo ou qualquer tema que envolva minorias e busquem relativizar aquilo que está consolidado - como os valores não mudassem de uma época para outra. Ou seja, como se percebe há uma fixação por temas morais. 

Essas ideias formam a coluna dorsal do bolsonarismo e que encontrou expressão em um movimento irracionalista. Olavo se tornou uma sumidade pelo fato de vivermos em um momento quer requer certa compreensão. Olavo de Carvalho jamais teria plateia em um país como a Inglaterra, como a Suécia ou Canadá, mas teve por aqui. Pelo fato de a classe média brasileira que possui mais dinheiro ser muito ignorante. Por possuir uma cultura humana geral bastante baixa; por não apreciar a arte em suas variadas manifestações. Por não ter adquirido uma admiração pela capacidade humana de criar coisas bonitas, que forte valor simbólico. É disso nisso que reside a grandeza das manifestações culturais. Fixamo-nos em temas banais. Não adquirimos a capacidade crítica para refutar teses absurdas; aquilo que possui comprovado valor científico, que é digno da exatificação da lógica e do bom senso.

Isso explica o sucesso de uma figura de Olavo de Carvalho. Qualquer sujeito com uma inteligência mediana, que consegue discernir ideias - por mais que não concorde com elas - é capaz de perceber a natureza deletéria das ideias de Olavo de Carvalho. Seus fãs, geralmente, tratam-no com máxima devoção, como se ele fosse uma deidade. Costumam proferir: "Olavo tinha razão!". Pois, "razão" é justamente o que o Olavo não tem. Ele tem "achismos"; teses criadas por métodos dialéticos maliciosos, com a finalidade de enxovalhar quem quer que seja, principalmente os "diabos" vermelhos da esquerda, que criaram uma organização infernal chamada Foro de São Paulo. Pode-se afirmar que ele se utiliza de estratégias sofistas para debater ideias; que cria as falácias do homem de palha para gerar confusão.

A erística utilizada por ele também cria entendimentos estranhos, pois possui pouca nobreza civilizatória. Enfim, entendo que Olavo de Carvalho é um "mal" que tem feito milhares de seres influenciáveis; que buscam que discursos maliciosos se encaixem em seus preconceitos e ódios velados, serem cooptados por suas ideias revanchistas, conspiratórias, de nefelibatas.

Vejamos o vídeo do Breno Altman:

AQUI

terça-feira, novembro 27, 2018

A razão anti-intelectual

"Os conservadores estão de fato promovendo a organização da ignorância como se fosse uma emancipação democrática. É preciso reconhecer com humildade que estamos sendo derrotados neste jogo e mudar de postura para escapar da armadilha anti-intelectualista do populismo.


Nós, os progressistas, cultivamos o gosto pela sofisticação política e estética e, a cada rodada de conversação com nossos pares, nos diferenciamos mais, ficando mais requintados e com um repertório mais amplo. A cada rodada, tornamo-nos também mais estranhos e mais apartados das pessoas comuns.


Esse afastamento, que se acelerou com a polarização, permitiu aos conservadores nos apresentar como uma elite malévola que quer inculcar nas pessoas comuns valores alienígenas de defesa da diversidade e dos direitos humanos.

Precisamos abandonar essa disposição de falar apenas com quem se parece conosco e nos engajar com as pessoas comuns. Conversar, não converter. O verdadeiro desafio não é educar, mas se deixar educar.

Isso, por si só, pode dar a medida das prioridades e da gradação de que tanto carecemos se queremos transformar a sociedade, num sentido político e não apenas nos tornar mais puros, num sentido moral".

É assim que o professor Pablo Ortellado termina o artigo que tem por título "A armadilha do anti-intelectualismo", publicado na Folha de São Paulo. Organizar a ignorância, a mística e a paranoia como movimentos democráticos, faz parte de uma campanha mundial. Aqui no Brasil ela se consolidou com a eleição de Jair  Bolsonaro. O presidente eleito por si só não possui qualquer relação com o conhecimento, com a razão ou com a estética. Seu esporte mesmo é a bravata. A linguagem saturada por clichês que fazem apologia da violência e da insensatez bem ao gosto do homem comum. Ele ver comunistas como o eu lírico da música do Tihuana ver gnomos.

E nesse sentido é importante apontar uma ojeriza à racionalidade ou a qualquer coisa que nos aponte isso. Para perceber como isso se espraia num horizonte sombrio é só atentar para a forma como alguns ministros que vão compor o novo governo (sic.) foram escolhidos. Segundo os principais jornais do país, dois deles foram indicados por Olavo de Carvalho, uma espécie de Rasputin tropical. Enquanto o Rasputin original fazia predições mediúnicas e arrebatadoras para a família Romanov, Olavo se transformou no guru da família Bolsonaro. Sua verbalização sempre aponta para conspirações e está encharcada de arroubos infundados.  O atual movimento de consolidação hegemônica da extrema-deireita revela um surto anti-liberal e anti-iluminista. Há um ódio explícito a tudo que se diga racional, que será logo apontado como marxista, como comunista ou como gayzista. 

Os valores herdados pelo iluminismo - os direitos humanos, respeito às individualidades e às diferenças, a democracia, a separação dos poderes do Estado - são tidos como ameaçadores, pois há uma exaltação ao obscurantismo, uma ideia fixa que nos lança no fosso do irracionalismo. 

Vejamos aonde isso vai nos levar. 

terça-feira, novembro 20, 2018

O moleque Ricardo de José Lins do Rego - algumas impressões

Li há alguns dias o quarto livro do Ciclo da cana de açúcar - O moleque Ricardo. Meu objetivo é fazer a releitura dos cinco livros. Iniciei esta semana Usina, o quinto e último da série - e o maior deles. O moleque Ricardo é uma espécie de digressão dentro do Ciclo. José Lins foca a sua lupa sobre a vida do "moleque da bagaceira", Ricardo. Nos três primeiros livros, Carlos de Melo é o centro da trama. Em Menino de Engenho, vislumbra-se a vida bucólica e repleta de descobertas do neto de José Paulino, o maioral do Engenho Santa Rosa. Em Doidinho, a experiência do engenho muda para a escola em Itabaiana. O engenho aparece como relâmpagos no espaço da memória do jovem Carlos. Em Bangüe, Carlos de Melo volta da Faculdade de Direito do Recife para tomar conta do Santa Rosa, após a morte do avô. Sua fraqueza e inabilidade, colocam-no em posição delicada na administração da propriedade rural. Se levarmos em conta somente os três primeiros livros, Bangüe é o retrato mais poderoso desenhado pela pena do escritor paraibano. 

Em O moleque Ricardo, a narrativa não tem mais curso na vida rural. Dos livros do ciclo é o que mais se engaja numa perspectiva política. A história acontece em Recife. Migra da Paraíba para Pernambuco. Talvez, as impressões tenham sido colhidas por José Lins no período em que estudou Direito na capital pernambucana. José Lins deixa entender que a história de O moleque Ricardo é anterior ao que se dá em Bangüe. Nos acontecimentos políticos que sacodem a narrativa, nota-se a presença de Carlos de Melo. Ricardo e Carlos de Melo se encontram. Miram-se e mantêm uma posição equidistante. Ricardo, o morador de subúrbio; e Carlos de Melo, o herdeiro do senhor de engenho, mas que se dispõe no envolvimento da luta política como um intelectual que tomava causa.

A vida de José Lins enquanto estudante de Direito foi marcada pela estroinice. Todavia, suas viagens pela cidade, fê-lo observar a vida marginal que se brutalizava e resistia às margens do rio Capibaribe; ou nos inúmeros mangues que existem na cidade. Ali a vida dos "homens caranguejos", como chamaria mais tarde Chico Sciense, desenvolver-se-ia com toda luta e resistência em meio à lama e o caos.

O livro é marcado por essas dores, por esses cheiros; pela desejo veemente de contornar a miséria. Ricardo passa a morar em um subúrbio. Trabalha na padaria de um português - Seu Alexandre. Alcança certa tranquilidade com o seu trabalho. Consegue fazer economias. Administrar com destreza o pouco que ganhava na padaria. Aos poucos ele começa a perceber um fluxo, um movimento de contestação. Ricardo saído do Engenho Santa Rosa à procura de melhores condições de vida, percebe que a cidade é o espaço da liberdade. Todavia, é uma liberdade repleta de limites. Na grande propriedade rural "tudo" é do senhor de engenho - animais, terras, homens, árvores etc. Na cidade, há a crença de que há uma liberdade, mas há uma asfixia social baseada no lucro e na propriedade privada dos meios de produção, que transforma tudo em mercadoria. Ricardo era o negro, filho de Mãe Avelina. Descendente de escravos, representa a segmentação da sociedade brasileira. 

O livro escrito em 1935, denunciava a formação social brasileira. Após da decadência da grande propriedade rural e do fim da escravidão, para onde fora o negro? Qual é o seu destino? O que se esperava dele? As palavras as palavras finais do livro denunciam justamente "a apartação social" vivida pelo negro numa sociedade de classes. Ricardo estava sendo levado com os seus companheiros para Fernando de Noronha. Havia participado de uma manifestação e o Estado usava da força para abafar qualquer insurgência social. “[...] Que fizeram eles? Ninguém sabe não! Mataram? Roubaram? Queriam de comer, queriam vestir, queriam viver. E as mulheres? E os meninos? Também chorariam de fome". 

É  o livro de maior ressonância social de José Lins do Rego. Atende bem ao momento histórico em que se vivia - efervescência no cangaço, consolidação de uma burguesia nacional; decadência do agrarismo, principalmente com o café na região Sudeste e a cana de açúcar na região Nordeste; o movimento integralista brasileiro; a tentativa frustrada de um levante comunista. O governo Vargas que recrudesceria em violência, levando ao golpe de estado em 1937. No meio desses eventos, está o negro e sua luta. 

É curioso notar que José Lins cria dois mundos: o mundo da cidade com sua latejante desigualdade e o mundo bom e idílico do engenho. O engenho, a vida rural, como uma espécie de Éden que se perdeu. Alinha-se com o pensamento daquele que foi o preceptor de José Lins do Rego, o pernambucano Gilberto Freyre, que voltara dos Estados Unidos na década anterior e apadrinhara o escritor paraibano. Freyre procurou formar uma sociologia brasileira. Revelar a identidade nacional. Todavia, ao fazer isso, entendeu que o presente deformara o passado. Há uma "saudade implícita" pelo sobrado da Casa Grande na literatura de José Lins do Rêgo, talvez uma aspecto colhido da obra de Freyre. Vale lembrar que Casa Grande & Senzala havia sido escrito em 1933. O moleque Ricardo é de 1935.

A escrita de José Lins do Rego continua, como nos livros anteriores, correndo fácil. Nesse sentido, é um escritor plácido e agradável como as águas do rio Paraíba, tão presente em O menino de engenho. Não há empolações. Rebuscamentos. Exageros. José Lins transmite suas impressões como se estivesse numa conversa com os amigos. Bebemos cada palavra. Sentimos o sabor da linguagem. Percebemos as nuances simples da fala das personagens. E seguimos, atentando para casa paisagem.

terça-feira, novembro 13, 2018

A Reforma, o evangelicalismo brasileiro e as eleições

Os protestantes constituem uma massa complexa. É um grande tecido com cores variadas. No dia 31 de outubro passado, os países com tradição protestante, comemoraram 501 anos da Reforma. O dia da Reforma é comemorado neste dia pelo fato de o monge agostiniano Martinho Lutero ter pregado as suas 95 teses na Catedral de Wintenberg, na Alemanha. Começava a partir dali um outro movimento dentro da cristandade.

A Reforma foi um movimento antagônico à Igreja Católica e Apostólica Romana. Durante mais de mil anos, a Igreja Católica exerceu a primazia sobre a cristandade europeia. Havia acontecido o Cisma do Oriente, em 1054. Naquele episódio a Igreja Católica passou pela sua primeira grande divisão, dando origem à Igreja Ortodoxa ou Igreja do Oriente. 

O fato ocorrido em 1517, seguia a tendência modernizadora que ocorria na Europa. Havia um questionamento ao poder quase que absoluto da Igreja Romana. A vida desregrada de suas principais figuras gerava críticas. O aspecto soberbo do clero. A grandiloquência da vida e os casos de corrupção geravam escândalos. O Protestantismo era manifestação religiosa certa para o espírito da época. Experimentavam-se os primeiros ventos de um novo modo de produção - o capitalismo. Havia uma nova razão científica, o racionalismo. Aos poucos, a estrutura pesada da Igreja Romana foi sendo vista como um entrave às mudanças. 

A fé Reformada se assentava em cinco pontos, conhecido também como os Cinco Solas - sola fide (somente a fé); sola scriptura (somente a escritura); solus Christus (somente Cristo); sola gratia (somente a graça); e soli Deo gloria (glória somente a Deus). Cada "sola" abrigava um ensinamento teológico profundo, que destoava dos ensinamentos do catolicismo. Por exemplo, no primeiro apresentado da lista ("sola fide"), trazia a doutrina da salvação pela fé, extraída de Romanos 1.17. Foi a leitura desse versículo, que deu a Lutero a certeza de que não era necessário nenhum sacrifício a mais para se alcançar a salvação. Ter fé na obra de Cristo era suficiente para ter uma vida cristã saudável. A justificação foi realizada, pois o amor de Deus e a obra (unicamente de Deus), por intermédio da morte de Cristo, é o suficiente para a vida plena. Não há necessidades de intercessão de santos, da obra espiritual da Igreja ou qualquer outro sacrifício. 

No "sola scriptura", havia uma importância profunda pelo fato de a Bíblia, no catolicismo, ser lida apenas pelos padres e pelas autoridades da Igreja. A partir da Reforma, os cristãos passaram a examinar as Escrituras (o Velho e o Novo Testamentos). Durante o período hegemônico do catolicismo, a Bíblia ficava escondida nos mosteiros. A interpretação era filtrada. A Reforma colocou a Bíblia nas mãos do povo. A invenção de Gutenberg também auxiliou esse fato, pois os livros passaram a ser produzidos em escala.  O primeiro livro por Gutenberg foi justamente as Escrituras. Para os protestantes, ela era a única palavra inspirada por Deus. Ela mesma era a sua intérprete. Ela dava testemunho de si, não havendo necessidade de entremeios. 

Para aqueles sujeitos que foram responsáveis pela Reforma, havia uma preocupação profunda com a defesa do Evangelho. Levava-se em conta aquela fala de Paulo: "Ai de mim se não pregar o Evangelho". (1 Co 9.16). 

Curiosamente, após quinhentos anos, as igrejas que surgiram da Reforma perderam a relevância. Na Europa, o protestantismo não passa pelos seus melhores dias. Nos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, a fé de origem protestante enfrenta um fenômeno complexo: 

(1) Possui quantidade, mas não possui a qualidade desejada pelos reformadores - os últimos censos realizados no Brasil, mostram claramente o crescimento vertiginoso do número dos ditos protestantes. Todavia, a fé protestante experimentada por aqui vive uma espécie de esquizofrenia.  O movimento protestante teve a sua origem na Europa. Foi para os Estados Unidos e acabou ganhando o mundo. Ou seja, a fé protestante vivida por aqui está numa terceira fase (sem mencionar a divisões já surgidas dentro do protestantismo brasileiro). Junto com o protestantismo estadunidense veio a teologia de mercado, também conhecida como teologia da prosperidade. A teologia da prosperidade é a racionalidade do neoliberalismo aplicada ao fenômeno religioso. Ou seja, a fé evangélica, conforme entendida pelos reformadores, pautada nos ensinamentos de Cristo, perdeu a centralidade. O que vale mesmo é a preocupação com aquilo que a fé pode proporcionar. A fé não possui qualquer relevância social. É muito conhecida história a seguinte história: certo dia, alguém que se convertera chegou para Lutero e perguntou:

- Lutero, eu era sapateiro antes de me converter. Agora que sou convertido, como eu devo viver?" O monge agostiniano respondeu:
- Vai para o trabalho e faz o melhor sapato que conseguir.

Esta história serve para ilustrar o quanto a teologia da prosperidade é esvaziada de relevância social transformadora. O centralismo do ganho sobrepõe-se sobre a práxis cristã ensinada por Cristo.

(2) Estrutura-se na conformação do dogma, e não na dinâmica viva dos ensinamentos de Cristo - há inúmeras passagens nos evangelhos em que notamos a dinâmica viva do ensinamento de Cristo e a conformação com o dogma, com a tradição que, com o tempo, transforma-se em um evento sagrado. Jesus em vários momentos chamou a atenção dos religiosos do seu tempo. Para ele, os religiosos haviam perdido a referência fundamental da fé, que é a vida humana. Um exemplo se deu quando Cristo falou para os fariseus "que o homem não foi feito por causa do sábado; mas, o sábado, sim, foi feito por causa do homem". As necessidades, as dores, os dilemas humanos estão acima do dogma. Os fariseus tinham o sábado como um dogma cujo mandamento não poderia ser violado. Caso, alguém caísse em um buraco em dia de sábado, deveria ficar lá até o outro dia para que o mandamento não fosse suplantado. Jesus inverte essa compreensão. A vida estava em primeiro lugar em relação ao mandamento. Nota-se a igreja protestante atuando bem próxima da compreensão dos fariseus. Para ela, o moralismo da interpretação do dogma está acima das necessidades de cada de ser humano.

(3)  Conforma-se em conservar estruturas, ao invés de desafiar aquilo que é velho - existe uma razão no evangelicalismo, que o impele a não desafiar as estruturas de injustiça do mundo. Há um conformismo com as estruturas de opressão. Do ponto de vista político, a fé protestante coloca-se do lado do opressor e não do oprimido. Fazer trabalho social para muitas igrejas é distribuir sopa em hospital ou debaixo da ponte. Essas são ações imediatas e necessárias. Todavia, não se questiona o que leva as pessoas a estarem debaixo da ponte ou morando em calçadas úmidas. A fé protestante furta-se da defesa dos direitos humanos. Para ela, como foi afirmado por alguém, o importante é defender "os humanos direitos". Ela acaba por escolher um lado. Cristo afirmou certa vez que não veio para os sãos, mas, sim, para aqueles estavam doentes. Sua mensagem era transgressora, pois relativizava o poder religioso estabelecido à época.

(4) O fundamentalismo impede que os evangélicos sejam relevantes para a sociedade - o fundamentalismo religioso dos protestantes impede qualquer possibilidade de relativização. Ela se veste de uma compreensão absoluta, inegociável, eterna, imutável para além da história. Nas temáticas mais variadas, o que importa é a compreensão dogmática sobre o assunto. O fundamentalismo trabalha com a ideia de culpa e medo. Não seguir os ditames impostos pela linguagem religiosa, faz com que o crente se enxergue como um ser digno de condenação. Trata-se de um mundo em que a linguagem exerce uma coerção psicológica para que tudo seja medido. Tudo aquilo que esteja fora do padrão cultural estabelecido como aceitável é um assunto tabu, proibido, tido como pecaminoso. De onde surgiram tais mandamentos? Como se estrutura, qual a origem dessa linguagem dogmática? Muitas das compreensões sobre os padrões morais - o papel da mulher, como deve ser a relação, o namoro; a figura da homoafetividade; o modelo ético - são extraídos da cultura judaica. Dogmatizam-se os preceitos culturais, dando-lhes feições divinas, absolutas. O fundamentalismo, desse modo, acaba por alimentar a intolerância, pois não consegue dialogar com quaisquer outras manifestações religiosas. Há uma exigência, uma luta pela consolidação hegemônica visão protestante. A linguagem fundamentalista é totalizadora, pois não permite relativizações. Ela, simplesmente, impõe sem que haja tempo para dúvidas.

Sobre este ponto, as eleições presidenciais deste ano provaram isso de forma inquestionável. A figura do candidato vencedor, Jair Bolsonaro, era controversa. Ele é o típico indivíduo fundamentalista. Sua intolerância ou brutalização em torno de certas temáticas, explicitavam o quanto ele não estava/está disposto ao diálogo. Sua defesa da violência contra aqueles tidos como vagabundos ou, simplesmente, direcionados às mulheres, deixava qualquer pessoa com um senso de justiça, completamente estarrecido. Pois, boa parte dos cristãos evangélicos, escolherem essa figura caricata e insensível. Em nome de quem ou do quê? Dos bons costumes, da família tradicional e de um ódio ao diferente.

quinta-feira, novembro 01, 2018

Um comentário...

Curiosamente, as reportagens que são feitas nunca colocam a fala de alguém que se opõe à suposta quebra da previdência. Observem. Só há falas afirmando que a previdência está em colapso. É como se o trabalhador fosse o responsável pelo rombo nas contas públicas. Não há a explicação, por exemplo, sobre onde está localizada e o que é a previdência e como ela é sustentada. A previdência é apenas umas das pernas da Seguridade Social, que compreende a assistência social, a saúde e a previdência social. Quando os constituintes de 88 criaram a Seguridade Social, pensaram sobre ela iria se manter. Então, entraram os seguintes personagens: o trabalhador contribui com parcela do salário (INSS); os empregadores pagam o CSLL (imposto sobre o lucro) e o imposto sobre a folha; e toda a sociedade com a COFINS (imposto embutido sobre tudo o que se adquire). Então o que acontece? O governo maquia as contas. Em primeiro, lugar há uma separação. 

A previdência é colocada de lado, transparecendo o seu peso para o equilíbrio das contas públicas. Por que eles não falam que as contas da saúde estão quebradas ou da assistência - pelo menos por enquanto? Pelo simples fato de que os valores da previdência não podem ser canalizados para outros setores. São gastos vinculados, condicionados. Eles não podem desviar para pagar, por exemplo, os juros da dívida pública. Paulo Guedes disse que o Brasil reconstrói uma Europa todos os anos com os juros da dívida. Ele é um grande hipócrita, pois, ele, como banqueiro, lucra justamente disso. Assim, o governo quando vai fazer a conta, utiliza apenas a arrecadação do INSS. Ou seja, o que é arrecadado da contribuição dos trabalhadores. Desse jeito, a conta não fecha mesmo. E outra, o governo adora fazer desonerações para as grandes empresas. Em grande sentido, atualmente, somente os trabalhadores mantêm a previdência. 

A desculpa para a reforma nos moldes que eles querem fazer é rasgar o preceito constitucional da solidariedade. Atualmente, ela é mantida a assim. Quem trabalha, paga para aqueles que já estão aposentados. Mas, chegará o dia em que nos aposentaremos e aí as gerações mais novas contribuirão para que as aposentadorias sejam mantidas. A Manu, o Bernardo, o Miguel serão os responsáveis pelas nossas aposentadorias, se tudo se mantiver como está. O que o novo governo que fazer é acabar com este princípio. Primeiro, quer tirar das empresas o imposto sobre a folha e desobrigá-las a qualquer tipo de contribuição. O governo vai chegar para cada um e falar: "Queridão, você quer se aposentar?. Então faz uma capitalização". O trabalhador vai retrucar: "Mas eu ganho pouco. Como eu vou pagar?" O governo vai responder: "Paga o que você pode". Ou seja, a capitalização vai ser injetada em um banco e o banco vai transformar em papel e aplicar no mercado financeiro para gerar lucro". No fundo, há uma grande mentira por parte do governo para tirar dos empresários qualquer compromisso e, dele mesmo, qualquer despesa com o trabalhador. O fundo público vai ser revertido para pagar os papéis dos juros da dívida.

domingo, outubro 28, 2018

Caetano Veloso entrevista Roger Waters

Uma baita aula sobre como ser resistente em um mundo em que as corporações colocam o interesse financeiro acima das necessidades humanas. Duas figuras necessárias à manutenção da sensatez, da generosidade e da racionalidade humanas.



Entrevista realizada pela Mídia Ninja


A melhor arma

Provoquemos o mundo com a poesia.



Uma resposta pelo Facebook

... não é numa rede social que vamos estabelecer um diálogo construtivo. Eventos são fatos, mas, é a interpretação que damos a eles que cria o sentido de como enxergamos o mundo. Interpretamos o fato com os óculos que temos. Os óculos com os quais você "enxerga" o mundo é repleto de intenções. Ou seja, as cores são programadas para adequarem o fato e não o contrário. A perspectiva de Cristo, no meu modo (talvez pobre) de enxergar não aponta para eventos fechados, dogmatizados. A teologia de Cristo é viva. Ela é caminhante, "pois quão formosos são os pés daqueles que levam a boa nova". A minha visão é estabelecida pelo amor, pela tolerância, pela inclusão. Jesus pergunta: "Onde estão aqueles que te acusam?" "Ninguém te condenou?" A mulher respondeu: "Ninguém, Senhor!" Ao que ele responde com os lábios repletos de amor: "Tão menos eu te condeno". Acredito que não exista ensinamento maior do que esse. O dogmatismo estéril - que você chama de "valores criados" - autorizava o apedrejamento da mulher. O adultério era digno de morte, assim, talvez, como o aborto ou qualquer uma dessas causas elencadas pelo fundamentalismo religioso. 

Jesus apenas diz: "Tão menos eu te condeno". Jesus era amigo dos pecadores, dos beberrões, dos glutões; dos párias, dos errados, dos tortos, dos esquerdistas, dos que se desandaram pela vida, dos medrosos, daqueles que perderam a fé; mas possuía palavras duras, grávidas de contundência contra os dogmatizantes, contra aqueles que primeiro pintam os óculos, para depois enxergarem o fato. Ele mesmo diz: "vocês não entram, nem deixam entrar aqueles que gostariam de fazê-lo" (Mt. 23.13). "Ipso facto", entendo que a perspectiva da aceitação não crítica de um projeto que flerta com o ódio, com o autoritarismo, não se aproxima do verdadeiro evangelho de Cristo. Paulo diz que "devemos fugir de toda forma de mal". Como cidadão, você tem o direito a pensar o que bem entende, mas, acredito que o amor abnegado de Cristo, a riqueza e a singeleza dos ensinamentos de Jesus, estejam bem longe de alguém que diz: "Não te estupro, porque você não merece". Ou que afirma, quando perguntado sobre se um filho seu namoraria uma negra: "Não preciso conversar sobre isso. Eu eduquei muito bem os meus filhos". Ou que afirma que "é necessário matar uns 30 mil para consertar este país". Ou: "Sou preconceituoso, sim, com muito orgulho". Observe imensas incoerências. Fala-se descontextualizadamente em aborto, mas se fala em matar 30 mil. Ou ainda em um comício no Acre: "É preciso metralhar essas petralhada toda". Não me fale em "discordância", quando há aprovação disso, pois só posso entender que há cores estranhas naquilo que você enxerga. Um grande abraço, meu querido!

segunda-feira, outubro 22, 2018

FHC e o medo de ousar

Fernando Henrique Cardoso, no auge dos seus 87 anos, é uma figura curiosa. Hoje, parece perceber que não alcançou aquilo que sempre pretendeu: ser um intelectual da cepa de um Florestan Fernandes, Caio Prado Jr. ou Darcy Ribeiro. Ao invés disso, tornou-se um "senhor" duro, meio orgulhoso e que não consegue fazer uma mea culpa pelas opções políticas que realizou. 

Líder de um dos principais partidos da política brasileira - o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira, que flerta com a social democracia somente na sigla) - percebeu que sua relevância política vai se obumbrando à medida que os efeitos do tempo chegam para ele. FHC, também como é conhecido, poderia ter um pouco de dignidade, de coragem para ousar nesse momento em que o país atravessa uma das suas crises, apontando para um futuro questionável e incerto. 

Lendo um dos seus artigos, no qual podemos perceber uma forte recusa em admitir o óbvio, fiquei meio penalizado com a sua arrogância, tudo para manter a postura de alguém que não se dobra diante da sua contraparte, o PT. Seu grande desejo era ser um Lula. Melhor: ter a grandeza de um Florestan Fernandes, segundo contam, seu orientador e mestre, e a penetração popular de que goza Lula. No seu artigo, cujo título é O futuro político do Brasil, escrito no El Pais, o "sociólogo de Higienópolis", como lhe alcunha Paulo Henrique Amorim, em dado momento do texto, diz algo que me estarreceu. Tentando fazer uma análise de conjuntura, mas negando as obviedades do momento ou tentando eufemizar por meio de uma retórica de isento, FHC diz sobre a ascensão da candidatura Bolsonaro: "Não se trata da volta ao fascismo: a história, no caso, não se repete. Trata-se de outras formas de pensamento e ação não democráticas".

Fiz sinal de incredulidade ao ler isto. Certamente, a capacidade analítica do potentado intelectual deve ter atingido níveis apoteóticos. Como assim? Há uma incongruência em seu pensamento. A afirmação não fecha; o raciocínio escorrega, decanta, aproximando-se daquelas pérolas extraídas das redações de vestibular. O fascismo, caro sociólogo, é antidemocrático. A história, de fato, não se repete, mas as implicações da síntese dialética continuam reverberando. O fascismo certamente não se repetirá como aconteceu na Alemanha ou na Itália, que são casos estritos de representação do movimento. Todavia, o fascismo possui uma filosofia da história. Ele é um filhote degenerado do capitalismo monopolista e concentrador ou de qualquer outro movimento que flerte com o autoritarismo e tenha, como preocupação, a supressão das individualidades. O fascismo possui uma direção, uma estética; uma linguagem, uma psicologia, um modus operandis. Vez ou outra, ele aparece com força, principalmente em momentos em que o capitalismo concentrador vislumbra o perigo do caos social.

Se as afirmações do candidato do PSL - e o que ele representa -  não são fascistas, o que são essas "formas de pensamento"? Elas caminham para qual direção? Elas estão pautadas nos direitos humanos? Respeitam as bases do estado democrático? Ontem, 21/10/2018, Bolsonaro afirmou em ato na Avenida Paulista, que os seus inimigos políticos (no caso "os vermelhos", metonímia que representa, principalmente, os petistas) serão varridos do mapa. Esta é uma clara manifestação fascista, a saber, a eliminação do diferente; a prisão, a perseguição, pois o fascismo não admite oposição. 

Vez ou outra, escutamos a sua fala "gelada", "mofada", pela falta de entusiasmo ou pela incapacidade ousar. Posa de "democrata", mas não reúne os seus para uma verbalização contundente. Acredito que o ato mais sublime para ele, neste momento, no auge de sua quase nonagenária situação, fosse um grito, um aceno claro, perceptível, objetivo, contra essa clara tendência fascista que toma o país. Isso lhe daria dignidade e redimiria o seu passado de escolhas políticas contra o país. 


sábado, outubro 20, 2018

Os absolutos relativos

Por que sou cristão? Ora, porque nasci no Ocidente, pois, se tivesse nascido na Ásia, no Oriente ou numa tribo indígena, teria uma outra "tatuagem" na alma. Conclusão: não me venha falar de absolutos. O absoluto de sua religião é relativo diante dos outros absolutos, que também são relativos. Como diria Nietzsche: tudo é interpretação, inclusive o seu absoluto. 


terça-feira, outubro 16, 2018

O fascismo e os “homens bons” - Por Mauro Iasi

Abaixo, uma bela reflexão do professor Mauro Iasi.  Uma bela análise de conjuntura!

“Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.
Os outros de mim,
Fingindo desconhecer a imagem,
Deixaram-me, a sós, perplexo,
Com meu súbito reflexo.”

O Espelho – Mia Couto

Desde 2004 não voto no PT e me coloquei como oposição de esquerda a seus governos. No segundo turno entre Dilma e Aécio em 2014 votei nulo e não me arrependo dessa posição, inclusive pelo cenário que se desdobrou após o pleito e a vitória da petista. O que haveria de diferente neste segundo turno?


Em todas as outras oportunidades víamos um discurso que afirmava que era necessário garantir o governo petista diante do retrocesso que significaria apostar no PSDB e em sua declarada política privatista e pró-mercado, sua política externa entreguista e sua rendição aos ditames do capital financeiro. Sempre argumentamos que, ainda que houvessem diferenças importantes entre as propostas de governo de petistas e tucanos, havia uma campo de consenso no que dizia respeito a aspectos como a reforma do Estado, a política de superávits primários, a submissão à lei de responsabilidade fiscal, a lógica de parcerias publico privadas, o abandono da reforma agrária diante da prioridade ao agronegócio, a forma de governabilidade via concessões e negociatas e tantos outros.

Hoje acreditamos que a situação é qualitativamente diferente quando nos confrontamos com a extrema direita. Hoje defendemos um voto “crítico” em Fernando Haddad. Não se trata de programas de governo, ainda que uma breve análise do que está proposto pelas candidaturas seja mais que o suficiente para alertar sobre os graves perigos que a vitória do candidato do PSL representa. É muito mais do que isso. Não alimentamos ilusões sobre o caráter do programa petista e sabemos que sua inclinação ao centro e à centro direita será um fato certo, até mesmo pela chantagem entorno dos termos da chamada governabilidade.

Ocorre que o fracasso dos governos de conciliação de classe e a total falta de estabilidade do governo usurpador que se seguiu ao golpe institucional, parlamentar e midiático de 2016, gestou as condições para o fortalecimento da alternativa de extrema direita. Tal fato foi profundamente facilitado pelo braço jurídico do golpe e pela condenação sem provas do ex-presidente Lula que teria, muito provavelmente, ganho estas eleições.

A desarticulação do PT e a impossibilidade da direita golpista encontrar uma alternativa viável do ponto de vista eleitoral abriu o espaço para que a alternativa reacionária se apresentasse como possibilidade de governo. Programaticamente aponta para o que tem se chamado de “ultraliberalismo”, mas que, parodiando Lênin, poderíamos chamar de “ultrabobagens” que nem mesmo os mais neoliberais com ainda alguma capacidade de intelecção acreditam ser viáveis.  Isto é, coisas como realizar a total privatização dos serviços oferecidos pelo Estado, implementar uma simplificação grosseira do imposto de renda com porcentagens iguais diante de uma realidade de profunda desigualdade de rendimentos e rendas da população, levar a cabo o desmonte das universidades federais do ensino público gratuito, dotar o famigerado movimento “escola sem partido” de retaguarda legal para operar uma cruzada de perseguições políticas e obscurantismo no sistema educacional, eliminar todos aos “ativismos” (sabemos o que isso significa) e acabar com o 13 salário e do adicional de férias, entre outras sandices.

O verdadeiro sentido da extrema direita é outro. Acirrar as contradições para vender a alternativa da ordem imposta violentamente, seja pela interferência direta das forças armadas, seja através do controle da ordem institucional, legislativa e judiciária. O problema é que o acirramento é fundamental para ganhar as eleições, mas impossível para manter condições mínimas de governabilidade, daí a alternativa da força.

A história nos ensina que os verdadeiros planos aparecem depois da solução de força, como vimos na clara diferença entre os projetos da Aliança Liberal de Vargas em 1929, que falava da “vocação agrária do Brasil” e as prioridades do Estado Novo depois de 1937; da pregação moralista e anticorrupção das forças golpistas de 1964 e o entreguismo corrupto da ditadura por décadas.

Podemos ver esse processo mesmo nos clássicos casos do nazi-fascismo europeu, quando a retórica nacionalista e a crítica ao grande capital se transformou na aliança prática do capital financeiro e monopolista com o nazismo e o fascismo. É ridículo mas necessário lembrar que o fascismo e o nazismo foram projetos da extrema direita. Se seguirem o “raciocínio” que se tem feito esses dias, é capaz dos reacionários do futuro afirmarem que o Bolsonaro era de centro, pois eu partido se autodenomina “social e liberal”.

A extrema direita é um instrumento do grande capital que lança mão da barbárie para salvar sua civilização diante do risco da democracia. Seu método, como já discutíamos em outra oportunidade, é a estigmatização do inimigo, a manipulação dos valores da Nação, da família, da moral, do perigo comunista, deslocando a responsabilidade pela crise e seus efeitos para os ombros de seus adversários. Por isso, não nos espanta que a mentira seja a principal arma política daqueles que defendem os interesses de uma minoria e precisam do apoio das massas para suas aventuras. Não foi o Facebook nem o WhatsApp que criou o fenômeno. Ainda que esses dispositivos sejam veículos eficientes da mentira e das falsificações, a “propaganda” é reconhecidamente um instrumento do fascismo, pois a verdade os destrói como a luz aos vampiros.

Mas, por que devemos combater a extrema direita? Não é uma doutrina política como outra qualquer que devemos respeitar no sagrado debate de ideias e o direito ao divergente? Não acredito nisso, pelo simples fato que não há diálogo com aqueles que negam o diálogo e optam pela manipulação, a mentira, a manobra grosseira e pregam nossa eliminação física. Não devemos ser tolerantes contra a intolerância e o obscurantismo.

A extrema direita desperta na sociedade forças reacionárias que ameaçam a integridade física e moral da maioria da população. Não estão simplesmente apresentando suas propostas e disputando uma eleição, estão operando um golpe. Já passa de 50 o número de atentados notificados em que apoiadores de Bolsonaro constrangeram, ameaçaram ou agrediram ou mataram pessoas, como foi o caso do mestre Moa do Katendê, assassinado com doze facadas covardemente pelas costas na Bahia. Outro caso alarmante foi o da menina que teve uma suástica gravada a canivete em sua pele no Rio Grande do Sul.  Essas agressões dão corpo a uma escalada de violência política à qual poderíamos somar tantos outros casos como o assassinato de Marielle Franco, de Jorginho Guajajara e muitas outras lideranças indígenas ainda este ano.

Consolidou-se uma postura entre parte da população de que a resposta a ser dada ao PT (seja pelo que de fato fez e pelo que a ele se atribui através de diversas e inverossímeis alegações) é votar em Bolsonaro. Desta maneira, o deputado aparece como a forma vazia de conteúdo que recolhe o antipetismo e o transforma em alternativa política. O problema é que se a forma se presta perfeitamente a tal função, de modo algum esta candidatura é vazia de conteúdo e sua substância real fica obliterada pelo antipetismo.

Entre as milhares de pessoas que votaram no primeiro turno é possível que existam fascistas convictos, reacionários de todo tipo e conservadores, mas a grande maioria escolheu alguém para derrotar o PT. Caso retirássemos este fator, restaria uma trupe de pessoas muito estúpidas que acreditam que a terra é plana, que o Francis Fukuyama é comunista e que Rogers Waters, do Pink Floyd, nunca prestou atenção nas letras que ele mesmo escreveu. O problema é que estas pessoas, supostamente boas, estão acalentando a ilusão de que o mais importante é derrotar o PT, de que o maluco do Bolsonaro não fará tanto estrago como seus antecessores. O vice Mourão seria um militar simplório e racista que gosta de seu neto que está a cada dia mais branco e que prometeu acabar com o 13o salário, mas que não vai fazer isso. As “pessoas boas” só estão preocupadas em salvar a família tradicional, morrem de medo de jovens do mesmo sexo que passeiam de mãos dadas pela rua, mas ninguém vai sair nas ruas matando homossexuais a golpes de barra de ferro, ou queimar índios, ou estuprar mulheres, ou ligar fios desencapados nos testículos de ninguém, pendurar pessoas no “pau de arara”, espanca-las e depois de deixa-las nuas, cobertas de sangue e fezes, para em seguida trazer seus filhos de quatro anos para presenciar a cena. Ninguém vai pegar um jovem, tortura-lo, amarrar sua boca no escapamento de um Jipe e arrastá-lo pelo pátio do quartel. Ninguém enfiaria um rato na vagina de ninguém. Ninguém vai assassinar opositores, esquartejá-los e queimar os restos nos fornos de uma usina de açúcar no Rio de Janeiro. Pessoas boas preferem não pensar nisso.

Mas tudo isso aconteceu de verdade (o contrário do fake news é uma coisa chamada história) e já está acontecendo quer as “pessoas boas” queiram ou não. De alguma forma, elas são cumplices da barbárie. São elas que estão colocando a arma na mão dos assassinos, são elas que colocam as pedras nas mãos dos fanáticos que apedrejam meninas saindo dos cultos afros, são elas que estão dando a chave do cofre para as quadrilhas que as assaltarão. São elas que estão assinando um contrato no qual acreditam que há apenas uma clausula: impedir que o PT volte a governar.

Não. Bolsonaro não é maluco. Nem seu vice, um milico simplório. Nem seus asseclas, que não passam de profissionais bem remunerados para fazer uma “campanha eleitoral”. São políticos de extrema direita, alguns com claras características fascistas, que estão tentando encobrir suas pegadas e seus crimes, desde 1964 e o golpe, as torturas e a longa noite que se abateu sobre o Brasil, mas também suas falcatruas presentes, seu apoio inconteste ao governo do usurpador Temer e seus ataques aos trabalhadores e sua responsabilidade direta pela destruição do país. Não são anjos vindos do céus com a missão de derrotar o PT, como dizem alguns pastores coniventes e parceiros da farsa, em nome da fé, da família e do fim da corrupção. São, em poucas palavras, pessoas más que habitam os bastidores do terror e da barbárie, com negócios e interesses escusos.

Em 2015, quando essas forças iam as ruas pedir o afastamento da então presidente Dilma, ao fazer uma análise de conjuntura, eu dizia que com esses setores não poderia haver diálogo possível. Fui envolvido numa manipulação grosseira de minha fala para me apresentar como aquele que queria fuzilar “todos os conservadores” por conta de uma citação descontextualizada de poema de Brecht. Fui caluniado, perseguido, ameaçado, processado, ironicamente por aqueles que defendem e praticam o extermínio e os fuzilamentos. Mas o que o poeta alemão externava em seu poema, usando a imagem do fuzilamento, dizia respeito à responsabilidade daqueles que ajudaram o fascismo a chegar ao poder e que, depois da catástrofe, se diziam inocentes pois o fizeram na mais boa das intenções, porque, afinal, eram pessoas boas.

Na Alemanha de Weimar também haviam pessoas boas que só queriam um país grande e forte. Estavam descontentes com a crise, a inflação e o desemprego. Tinham críticas aos governos democráticos, muitas delas bastante pertinentes. Queriam defender a família, queriam uma raça pura, bonita e forte. Por isso votaram em massa pelos nazistas e os elegeram em 1932. Continuaram os apoiando quando em 1933 Hitler eliminou toda a oposição ao seu governo. Por isso, também, aceitaram quando apareceu a proposta de esterilizar pobres e pessoas com comportamento antissocial hereditário, assim como matar aqueles que tinham uma vida indigna de ser vivida. Estavam alegres e confiantes como as boas pessoas que eram… até que começaram a levar as crianças com problemas mentais para eventualmente serem mortas no projeto Aktion 4 (até 1945 foram mais de 5 mil crianças), e terem seus cérebros destinados à pesquisa de um prestigioso doutor (ele também uma boa pessoa) Depois foram os judeus, os ciganos, os homossexuais, os comunistas que passaram a ser levados para o extermínio nas câmaras de gás e nos fornos crematórios dos campos de concentração. Mas tudo isso para eliminar o crime, a corrupção e afastar o mundo perigo do comunismo. No final das contas, entretanto, foram os comunistas que ajudaram a salvar o mundo dos nazistas. Os homens de bem ficaram, compreensivelmente confusos. Será que estávamos do lado errado, pensavam em meio às cidades em ruinas e às bombas que caiam sobre suas cabeças, enquanto corriam para se livrar de todo símbolo que os pudessem associar ao mundo que ruía à sua volta.

Será possível que as pessoas de bem estivessem entre aqueles corpos esqueléticos jogados em valas comuns e cobertos de cal? Será que as crianças assassinadas não eram… pessoas boas? Seriam mesmo os judeus os culpados de tudo? Seriam os comunistas realmente nossos inimigos? Assim divagavam as pessoas que se achavam boas e apoiaram a barbárie fascista, mas toda e qualquer dúvida desaparecia quando confrontavam suas vítimas, porque seu lugar era entre os carrascos.

Então vamos combinar uma coisa: vote em que quiser. Se você é um fascista convicto, vote nos assassinos e torturadores, pois acredito mesmo que eles o representam. Mas, se você acredita que é uma pessoa boa, não diga depois que não sabia. O sangue de homens e mulheres de bem, gente simples e corajosa – Moas e Marielles e tantos outros – o sangue dessas pessoas já está caindo e tingindo o solo de nosso país de vermelho, jovens são agredidos no meio da rua e têm sua carne marcada com a suástica nazista. Você que se acha uma pessoa de bem e um cristão e votou no candidato da extrema direita já está com sangue nas mãos e nenhuma água ou esquecimento será capaz de limpar suas mãos e sua consciência desses crimes cometidos em seu nome.

Ainda temos uma chance de evitar uma catástrofe que já é reconhecida e temida por todos os órgãos de imprensa sérios do planeta. Você quer ser lembrado por ter ajudado a derrotar as forças do mal (e depois ajudar a organizar a oposição ao governo do PT) ou por ter dado seu apoio a um governo que será catastrófico do ponto de vista econômico, social, cultural e civilizatório? No futuro, quando você que não escutou todos os alertas, tentar negar sua responsabilidade, repetindo como um mantra que é uma pessoa boa, olhando para o espelho verá, inconfundível, os traços dos assassinos, o olho brutal da maldade e o horror de todas as vítimas consumindo suas pretensões de ingenuidade. Só podemos garantir uma coisa: nós estaremos lá, como estivemos no passado, todos os dias, para que você e ninguém jamais esqueça.

Daqui

segunda-feira, outubro 15, 2018

Não diga para mim "feliz dia dos professores", se você aprova um projeto que aniquila a educação e o papel dos professores

Uma das frases mais contundentes de Paulo Freire, entre as tantas proferidas pela boniteza de sua sabedoria, é a de que a "educação é um ato político". Hoje, dia 15 de outubro, é comemorado o dia do professor. É uma data que possui um sabor adstringente; que chega a por um travo, um leve e perceptível sabor amargo na boca. 

(1) Ser professor é uma das mais nobres profissões. Quando afirmo isso, não quero patinar em um lugar comum. Afirmo uma obviedade pela verdade que a afirmação encerra. O destino de um país, necessariamente, passa pelo nível dos professores que possui. Eles são um dos principais contribuidores à formação das novas gerações. Possuem uma importância política, econômica e cultural. Um professor mal preparado deixa marcas profundas em seus alunos; mas, o contrário, também é verdade: um professor sábio, rico em carisma e sensibilidade é capaz de despertar os mais necessários sentimentos que tornam um sujeito responsável e crédulo no ser humano. Em sociedades amadurecidas, os professores possuem um lugar de destaque. São respeitados; bem remunerados. Tidos como heróis. 

(2) Por sua vez, o momento político que vivemos reserva enormes dificuldades para os professores. Há uma hostilidade contra os professores. O famigerado Escola sem partido traz uma agenda policialesca contra os professores. Debater criticamente qualquer assunto, demonstrando os pontos de vista sobre determinado assunto, pode ser entendido como "doutrinação". Um exemplo se deu com meu irmão, professor de história de determinada escola. Ele resolveu trabalhar O atlas da violência, divulgado este ano pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Neste documento oficial, produzido por pesquisadores do Brasil inteiro, que trabalharam com informações empíricas, fica constatado que os negros são as principais vítimas da violência - entre tantas outras violências existentes contra mulheres, gays, índios etc. Que nascer negro no Brasil - e numa periferia - já condena qualquer sujeito potencialmente a um fatalidade - viver menos. Uma mãe, também professora (sic.) de escola pública, foi até a direção da escola denunciar o tipo "de doutrinação esquerdista" que ele estava fazendo. Uma verdadeira lavagem cerebral contra o seu filho. A escola o demitiu. 

Neste período eleitoral, muitos professores votarão em Bolsonaro, atestando uma completa falta de sintonia com a responsabilidade docente. O plano de governo do candidato do PSL para a educação traz uma série de propostas genéricas e vazias de conteúdo. É importante denunciar que se trata de um retrocesso. Por exemplo, a construção de uma escola militar em cada capital do país, como se isso melhorasse por si mesmo a qualidade da educação no Brasil; ou incentivar a educação à distância ainda na educação básica, algo proibido pela atual LDB. Segundo o plano de governo do candidato do PSL, o estado brasileiro gasta imensamente com ensino superior. Por isso, é necessário reverter esses investimentos. Ou seja, o que se busca é colocar o país numa "idade média pedagógica". 

O que se nota no plano de governo do candidato que lidera as pesquisas até agora é que há uma tentativa de monitorar a educação e os professores. O objetivo é cercear os professores, extraindo a possibilidade de qualquer conteúdo crítico da educação escolar. Com isso, agravar-se-á ainda mais o problema da educação nacional. O país precisa abandonar uma educação voltada para o decoreba e estabelecer um currículo em que disciplinas como história, arte, filosofia, sociologia, literatura, sejam valorizadas a fim de propiciar uma intersecção com as outras disciplinas - matemática, português, química etc - para permitir que os alunos agucem a capacidade analítica. A perspectiva bolsonarística é mediocremente empobrecedora por não levar em conta a problemática da educação pública. 

Quando Paulo Freire dizia que "a educação é ato político", ele apontava que a educação é feita por sujeitos ativos; por pessoas que se reconhecem como sujeitos históricos, pois não existe uma educação neutra. Em sua intencionalidade, ela ajuda a elucidar, permitindo que se construa uma alternativa crítica e criadora; ou aquela perspectiva que apenas aceita, que se resigna diante das estruturas opressoras do mundo, sem fomentar nos sujeitos aprendentes uma generosidade humanizadora. 

Por isso, não diga para mim "feliz dia dos professores", se você aprova um projeto que aniquila a educação e o papel dos professores. Isso apenas revela incoerência. Não se ajuda a construir uma sociedade solidária com projetos autoritários e excludentes. 


domingo, outubro 14, 2018

Cristo denunciou a indiferença, a presunção ressentida e o ódio dos religiosos

Sempre fui um admirador dos grandes sujeitos que foram modelos para a humanidade. Que refletiram como podemos nos tornar humanos mais responsáveis e conhecedores daquilo que somos. Por isso, admiro Sócrates, Confúncio, Buda, Gandhi, Nietzsche, Martin Luther King, São Francisco de Assis, Rubem Alves, Jesus Cristo. 

Cristo, por exemplo, é para mim a quintessência desse mergulho, desse desafio, dessa jornada à procura de uma humanidade que considere o outro. Cristo estabelece uma nova justiça, uma nova ética, uma nova filosofia fundamentada no amor. Ao lermos os quatro evangelhos, não encontramos sistematização de uma doutrina; a dogmática encapsuladora e reducionista dos cristãos atuais. Cristo sempre fugiu dos modelos prontos, criminalizadores, presunçosos, que colocam a aparência acima da essência. Sua única preocupação era: o "eu" só pode está pacificado com o Deus, se ele levar em conta o "tu".

Há inúmeras passagens em que o encontramos ao lado de pessoas que eram tidas como proscritos sociais - prostitutas, cobradores de impostos, glutões, beberrões. Sua fala desmontava os ressentimentos, as compreensões estúpidas de uma religiosidade pouco produtiva, que pouco considerava o ser humano em sua integridade, em sua dignidade. O ódio é o alimento do arrogante, daquele que está cheio de si, que deposita no coração o preconceito separador, assassino.

As eleições deste ano têm me ajudado a consolidar um entendimento: mais Cristo e menos religiosidade. Em determinada passagem do livro de Mateus, Cristo diz algo que acende uma alerta em mim: a mesa de Cristo é mais ampla, larga e inclusiva do que a mesa proposta pela religiosidade obtusa e preconceituosa. Ao ouvir a confissão de fé de um centurião romano, um pária religioso, que não fazia parte da "igreja institucionalizada", conforme o entendimento dos judeus, encontramos uma preciosa lição. "Digo-vos que muitos virão Ocidente e do Oriente e do e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus". (Mateus. 8.11). Ele estava explicando o quanto a sua presença tirava dos religiosos judeus a primazia do monopólio da fé.

Sempre que encontramos Cristo em um embate nos evangelhos é por causa da religião que ajuda na reprodução do status quo. A fé oficial é cristalizadora, pouco dada ao questionamento, pouco dada à indignação. Não entende que "o homem não foi feito por causa do sábado, mas que o sábado foi feito por causa do homem" (Marcos 2.27). Que o homem e suas necessidades (sejam elas materiais ou existenciais) estão acima de quaisquer realidades.


Há um outro episódio curioso no livro de João, que mostra a impetuosidade de Pedro. Naquele episódio, o famoso apóstolo entedia que a violência, a truculência, a irracionalidade, resolveriam o problema. Os soldados se aproximavam para prender Jesus. Pedro, que representava o voluntarismo, usou a espada afoitamente e cortou a orelha de Malco, um dos auxiliares do sumo sacerdote. Jesus profere a seguinte frase, que encontramos em Mateus: "Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão". (Mt 26.47-56; Jo 18.1-11). Jesus é amoroso e sábio até mesmo nas situações extremas. Para Jesus, soldado romano bom, não era soldado romano morto. Jesus não era um belicista. Sua revolução acontecia/acontece primeiramente no coração. Os olhos são o espelho da alma.  Os que têm fome e sede de justiça serão saciados, pelo fato de o reino de Deus acontecer primeiro como uma força que modifica o olhar, o coração e a caminhada. 

 A violência está do lado do ressentido e este nunca foi o lugar de Cristo. No episódio em que Cristo fala que "o homem não foi feito por causa do sábado", vemos que os líderes religiosos mais ilustres da época, os fariseus, "conspiravam contra ele, sobre como lhe tirariam a vida". (Mateus 12.14). A justiça sempre será perseguida. A bondade, em alguns momentos, será tida como medida antiquada. O amor não é uma força sempre aquecida. Ele pode esfriar. Ser tido como um gesto desnecessário, piegas. 

Gandhi costumava dizer que se os homens lessem o Sermão do Monte, o mundo seria um lugar diferente. Pois é justamente nesses poucos capítulos do Novo Testamento, que encontramos o a contracultura, a práxis evangélica transformadora. Abaixo, seguem algumas excertos da "verdadeira" mensagem cristã. 

"E Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte, e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos;
E, abrindo a sua boca, os ensinava, dizendo:
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus;
Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados;
Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra;
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos;
Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia;
Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus;
Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus;
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus;
Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa".


Mateus 5:1-11


"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.
Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;
Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?
Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus".


Mateus 5:38-48

"A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz;
Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!"


Mateus 6:22,23

"Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?
Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus.
Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons.
Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo.
Portanto, pelos seus frutos os conhecereis".


Mateus 7:16-20
Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.
Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;
Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?
Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.

Mateus 5:38-48


Diante de tantos discursos confusos, encharcados de indiferença, não consigo entender como uma pessoa que se diz cristã, comungue com um discurso de ódio e violência, leia as passagens acima e não faça uma leitura de sua fé. Fé não deve ser entendida como penduricalho eclesiástico, como mera participação em um grupo que pouco contribui para uma relevância social. É pouco frutífera essa disposição conservadora, cristalizada em costumes. A teologia de Cristo era viva, irradiava das necessidades diárias daqueles que se encontravam com Ele. 

A escolha pela realidade duvidosa, por aquilo que assume uma feição de duplicidade, não é cristã. Jesus disse que não se pode servir a dois senhores (Mateus 6.24). Paulo escrevendo aos cristãos em Tessalônica, aconselhou: "Fugi de toda aparência do mal". (1 Tessalonicenses 5.22). Por isso, é-me estranho alguém que se diga cristã, fazer a opção por um discurso destoante da mensagem de Cristo. O amar a Deus só faz sentido, quando se ama o próximo. Ou seja, alguém que olha o céu, necessariamente, precisa voltar o olhar para a terra e assumir uma posição ao lado da paz e da justiça. 

Os judeus esqueceram essa mensagem. Passaram a viver uma religiosidade inócua, que mira o vazio, sem prestar atenção no seu semelhante. Diante de muitos cristãos que se deixam seduzir por um discurso de ódio e indiferença, a minha observação é de que Cristo está correto, e eles, equivocados.