domingo, outubro 14, 2018

Cristo denunciou a indiferença, a presunção ressentida e o ódio dos religiosos

Sempre fui um admirador dos grandes sujeitos que foram modelos para a humanidade. Que refletiram como podemos nos tornar humanos mais responsáveis e conhecedores daquilo que somos. Por isso, admiro Sócrates, Confúncio, Buda, Gandhi, Nietzsche, Martin Luther King, São Francisco de Assis, Rubem Alves, Jesus Cristo. 

Cristo, por exemplo, é para mim a quintessência desse mergulho, desse desafio, dessa jornada à procura de uma humanidade que considere o outro. Cristo estabelece uma nova justiça, uma nova ética, uma nova filosofia fundamentada no amor. Ao lermos os quatro evangelhos, não encontramos sistematização de uma doutrina; a dogmática encapsuladora e reducionista dos cristãos atuais. Cristo sempre fugiu dos modelos prontos, criminalizadores, presunçosos, que colocam a aparência acima da essência. Sua única preocupação era: o "eu" só pode está pacificado com o Deus, se ele levar em conta o "tu".

Há inúmeras passagens em que o encontramos ao lado de pessoas que eram tidas como proscritos sociais - prostitutas, cobradores de impostos, glutões, beberrões. Sua fala desmontava os ressentimentos, as compreensões estúpidas de uma religiosidade pouco produtiva, que pouco considerava o ser humano em sua integridade, em sua dignidade. O ódio é o alimento do arrogante, daquele que está cheio de si, que deposita no coração o preconceito separador, assassino.

As eleições deste ano têm me ajudado a consolidar um entendimento: mais Cristo e menos religiosidade. Em determinada passagem do livro de Mateus, Cristo diz algo que acende uma alerta em mim: a mesa de Cristo é mais ampla, larga e inclusiva do que a mesa proposta pela religiosidade obtusa e preconceituosa. Ao ouvir a confissão de fé de um centurião romano, um pária religioso, que não fazia parte da "igreja institucionalizada", conforme o entendimento dos judeus, encontramos uma preciosa lição. "Digo-vos que muitos virão Ocidente e do Oriente e do e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus". (Mateus. 8.11). Ele estava explicando o quanto a sua presença tirava dos religiosos judeus a primazia do monopólio da fé.

Sempre que encontramos Cristo em um embate nos evangelhos é por causa da religião que ajuda na reprodução do status quo. A fé oficial é cristalizadora, pouco dada ao questionamento, pouco dada à indignação. Não entende que "o homem não foi feito por causa do sábado, mas que o sábado foi feito por causa do homem" (Marcos 2.27). Que o homem e suas necessidades (sejam elas materiais ou existenciais) estão acima de quaisquer realidades.


Há um outro episódio curioso no livro de João, que mostra a impetuosidade de Pedro. Naquele episódio, o famoso apóstolo entedia que a violência, a truculência, a irracionalidade, resolveriam o problema. Os soldados se aproximavam para prender Jesus. Pedro, que representava o voluntarismo, usou a espada afoitamente e cortou a orelha de Malco, um dos auxiliares do sumo sacerdote. Jesus profere a seguinte frase, que encontramos em Mateus: "Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão". (Mt 26.47-56; Jo 18.1-11). Jesus é amoroso e sábio até mesmo nas situações extremas. Para Jesus, soldado romano bom, não era soldado romano morto. Jesus não era um belicista. Sua revolução acontecia/acontece primeiramente no coração. Os olhos são o espelho da alma.  Os que têm fome e sede de justiça serão saciados, pelo fato de o reino de Deus acontecer primeiro como uma força que modifica o olhar, o coração e a caminhada. 

 A violência está do lado do ressentido e este nunca foi o lugar de Cristo. No episódio em que Cristo fala que "o homem não foi feito por causa do sábado", vemos que os líderes religiosos mais ilustres da época, os fariseus, "conspiravam contra ele, sobre como lhe tirariam a vida". (Mateus 12.14). A justiça sempre será perseguida. A bondade, em alguns momentos, será tida como medida antiquada. O amor não é uma força sempre aquecida. Ele pode esfriar. Ser tido como um gesto desnecessário, piegas. 

Gandhi costumava dizer que se os homens lessem o Sermão do Monte, o mundo seria um lugar diferente. Pois é justamente nesses poucos capítulos do Novo Testamento, que encontramos o a contracultura, a práxis evangélica transformadora. Abaixo, seguem algumas excertos da "verdadeira" mensagem cristã. 

"E Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte, e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos;
E, abrindo a sua boca, os ensinava, dizendo:
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus;
Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados;
Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra;
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos;
Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia;
Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus;
Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus;
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus;
Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa".


Mateus 5:1-11


"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.
Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;
Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?
Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus".


Mateus 5:38-48

"A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz;
Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!"


Mateus 6:22,23

"Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?
Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus.
Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons.
Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo.
Portanto, pelos seus frutos os conhecereis".


Mateus 7:16-20
Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;
E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;
E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.
Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;
Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?
Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.

Mateus 5:38-48


Diante de tantos discursos confusos, encharcados de indiferença, não consigo entender como uma pessoa que se diz cristã, comungue com um discurso de ódio e violência, leia as passagens acima e não faça uma leitura de sua fé. Fé não deve ser entendida como penduricalho eclesiástico, como mera participação em um grupo que pouco contribui para uma relevância social. É pouco frutífera essa disposição conservadora, cristalizada em costumes. A teologia de Cristo era viva, irradiava das necessidades diárias daqueles que se encontravam com Ele. 

A escolha pela realidade duvidosa, por aquilo que assume uma feição de duplicidade, não é cristã. Jesus disse que não se pode servir a dois senhores (Mateus 6.24). Paulo escrevendo aos cristãos em Tessalônica, aconselhou: "Fugi de toda aparência do mal". (1 Tessalonicenses 5.22). Por isso, é-me estranho alguém que se diga cristã, fazer a opção por um discurso destoante da mensagem de Cristo. O amar a Deus só faz sentido, quando se ama o próximo. Ou seja, alguém que olha o céu, necessariamente, precisa voltar o olhar para a terra e assumir uma posição ao lado da paz e da justiça. 

Os judeus esqueceram essa mensagem. Passaram a viver uma religiosidade inócua, que mira o vazio, sem prestar atenção no seu semelhante. Diante de muitos cristãos que se deixam seduzir por um discurso de ódio e indiferença, a minha observação é de que Cristo está correto, e eles, equivocados. 

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