domingo, junho 29, 2014

Entrevista - Domenico De Masi (O Brasil como alternativa!)


Há alguns dias atrás estive em Gramado e Canela, cidades famosas e bem procuradas pelos turistas, na Serra Gaúcha. No Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, ganhei um exemplar da "ordinária" Revista Época, da Editora Globo. Não é preciso especular muito para perceber o viés ideológico desse veículo semanal que busca informar (sic.) o brasileiro médio. Ao folhear a revista, nas quase duas horas de viagem pela Serra, fui me impacientando com os colunistas da revista. Chega a níveis insuportáveis o mau-caratismo dos articulistas. Tudo aquilo que tenha o nome ou a resplandecência dos nomes da esquerda é "satanizado" e tratado com imensa verve irônica. Mas, em meio àquele lodoçal de más intenções, eu encontrei uma deliciosa e curiosa entrevista com o sociólogo Domenico de Masi, que conheci por algumas entrevistas que vi há algum tempo. A entrevista servia para divulgar e expor o conteúdo do seu novo livro denominado O futuro chegou, de De Masi, que acabei comprando na 18a. Feira do Livro de Gramado, que estava acontecendo quando cheguei à cidade. Grata surpresa! Curioso um sociólogo, pensador, enxergar no Brasil a possibilidade para a construção de uma nova sociedade - ou pelo menos que o mundo aprenda com o país. Abaixo, a entrevista!

Os brasileiros, de um tempo para cá, passaram a ver sociologia em tudo – até no rolezinho dos adolescentes. Talvez seja uma característica do país. “Enquanto na França prevaleceram os filósofos, na Inglaterra os economistas, na Espanha os escritores, na Alemanha os músicos, no Brasil prevaleceram os sociólogos e os antropológos”, diz o italiano Domenico De Masi, de 75 anos. “Tanto que vocês elegeram um sociólogo para presidente.” De Masi, que também é sociólogo, é um profundo conhecedor do Brasil. Mergulhou nas obras de autores fundamentais para a compreensão do país, como Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e Sérgio Buarque de Holanda. A admiração pelo Brasil está presente em seu novo livro, O futuro chegou – Modelos de vida para uma sociedade desorientada 

ÉPOCA – Entre os autores brasileiros que o senhor leu, qual deles mais o impressionou?
Domenico De Masi – O Brasil tem a sorte de ter tido no passado e ter no presente intelectuais de alto nível, que projetaram a identidade e enalteceram os valores brasileiros, ganhando respeito em todo o mundo. Enquanto na França prevaleceram os filósofos, na Inglaterra os economistas, na Espanha os escritores, na Alemanha os músicos, no Brasil prevaleceram os sociólogos e os antropólogos. O Brasil é o único país do mundo que teve um grande sociólogo na Presidência da República – e por duas vezes. Por isso, e por seu imenso patrimônio cultural, espero que sejam os intelectuais brasileiros a guiar a elaboração de um modelo de desenvolvimento mundial necessário para vencer a desorientação de nossa sociedade e dar uma dimensão unificada e global para as diversas regiões da Terra. Li e me apaixonei pelo pensamento de muitos intelectuais brasileiros, mas dois deles me enriqueceram de modo particular: Darcy Ribeiro, que não tive tempo de conhecer, mas de quem li toda a imensa obra; e Oscar Niemeyer, com quem tive uma profunda amizade. Ambos deram uma contribuição criativa inestimável para impor ao mundo a excelência original do modelo brasileiro.
 
ÉPOCA – O senhor afirma que o Brasil é rico materialmente e rico de esperança, por isso tem algo a ensinar ao mundo. E as sociedades que eliminaram a miséria, como o Japão, o Canadá e os países escandinavos? Não seriam eles os melhores exemplos?
 
De Masi – Japão, Canadá e os países escandinavos têm muito a ensinar nos aspectos econômicos e sociais para ajudar na construção do novo modelo que o mundo precisa. Mas não se vive só de pão e bem-estar não é sinônimo de consumo. A felicidade de um povo e a excelência de seu modelo de vida não dependem apenas da riqueza. Os japoneses têm um PIB per capita de US$ 46 mil, mas se suicidam com tamanha frequência que, em 2007, o governo japonês sentiu a necessidade de publicar um Livro Branco antissuicídio. O Butão tem um PIB per capita de apenas US$ 2.400. Mas adota o índice de Felicidade Interna Bruta (FIB), que contempla a qualidade do ar, a saúde dos cidadãos, o ecossistema, a educação, o desenvolvimento de comunidades locais e a riqueza das relações sociais. Com base no PIB, esse pequeno Estado é um dos mais pobres da Ásia. Se levarmos em conta o FIB, passa ao primeiro lugar no continente e oitavo no mundo.

ÉPOCA – Em que o Brasil pode contribuir?
 
De Masi – O Brasil tem um PIB que o coloca na sexta posição no mundo (segundo dados de 2012 do Banco Mundial, o Brasil tem o sétimo PIB mundial), e, com seus US$ 12,6 mil de PIB per capita, pode se orgulhar de ter preciosos recursos econômicos, cada vez mais escassos no resto do mundo e cada vez menos desprezíveis na construção do novo modo de vida. Penso na copiosa mistura de raças aliada ao baixo índice de racismo, no sincretismo cultural, no amor pelo corpo, na sensualidade, na cordialidade, na musicalidade, na propensão do brasileiro a assimilar as contribuições dos estrangeiros, na hospitalidade, na alegria, na espontaneidade, na abertura ao novo e ao diferente, na tendência a encarar a realidade com um pensamento positivo, na capacidade de considerar fluidas as fronteiras entre o sagrado e o profano, o formal e o informal, o público e o privado, o emocional e o racional. A todos esses elementos positivos já presentes, hoje devemos acrescentar dois: o aumento da consciência dos grandes desafios a ser enfrentados e superados dentro do país – corrupção, violência, desigualdade, deficits educacionais –, e a percepção, agora clara, de ser um país de ponta, diferente e positivo, capaz de propor, mesmo no exterior, com orgulho, sua própria maneira de ser.
 
"Quando o novo modelo surgir,
o brasileiro terá orgulho
de seus ancestrais índios"
 
ÉPOCA – Qual foi seu objetivo ao identificar 15 modelos de sociedade? Os modelos certamente nos ajudam a entender o passado. Compreendê-los ajuda a melhorar o futuro?
 
De Masi – Cada sociedade formou a base de um modelo existente. A Idade Média cristã foi estruturada na pregação de Cristo e na doutrina elaborada pelos padres da Igreja do Oriente e do Ocidente. A sociedade muçulmana nasceu e se desenvolveu seguindo o padrão ditado por Maomé e pelos califas que lhe sucederam. A sociedade dos Estados Unidos se fundou com base num modelo que gradualmente influenciaria todo o Ocidente e que se inspirou em ideias protestantes, iluministas e puritanas. O modelo liberal que triunfou no século XIX e que ainda afeta nossa economia e nossa política é derivado do pensamento de John Locke, Adam Smith, Alexis de Tocqueville e outros. A sociedade soviética tentou a construção do modelo concebido por Marx, Engels e Lenin. Nenhum modelo de vida passado ou presente é capaz de tornar felizes os homens que os adotaram. Mas temos o dever de abordar a plenitude da vida, melhorando os modelos que não nos satisfazem. Não estou convencido que o bem-estar econômico seja uma meta coletiva que deva ser encampada pelo Estado, enquanto a felicidade deva ser uma meta pessoal que cabe apenas ao indivíduo atingir. Creio, no entanto, que o indivíduo não possa se aproximar da felicidade plena se o contexto social em que ele vive é violento, injusto, anárquico, desnorteado, negativo, predatório. Assim, cabe ao Estado garantir as condições essenciais para todo cidadão cultivar a própria felicidade.
 
ÉPOCA – Entre os modelos em que o senhor dividiu a humanidade, alguns produzem muito mais pobreza. Outros produzem muito mais abundância. Isso já não indica uma clara superioridade de alguns modelos em relação a outros?
 
De Masi – Os modelos japonês e protestante produziram mais riqueza, mas os modelos clássico e católico produziram mais humanismo. O modelo dos Estados Unidos produziu mais guerras que o do Brasil, que por sua vez é mais dinâmico e positivo que o modelo de italianos e franceses. Os modelos politeístas são menos intransigentes que os monoteístas. Todos os 15 modelos analisados apresentam qualidades e defeitos. Nenhum sozinho basta para orientar o homem pós-industrial, portador de necessidades inéditas em relação àquelas das gerações que o precederam.

ÉPOCA – O senhor sugere que a humanidade deveria abraçar um novo modelo. Mas não seria mais simples copiar ou melhorar o que já existe?
 
De Masi – É necessário estabelecer o modelo capaz de assegurar a maior felicidade possível para a sociedade pós-industrial. Sem esse modelo, não sabemos qual meta buscar nem como aproveitar os recursos que nos permitam chegar lá. Uma vez elaborado o modelo ideal de futuro, caberá a cada comunidade melhorar o modelo defeituoso que adota atualmente, a fim de aproximá-lo do ideal. Cada modelo atual ou do passado, sendo o resultado de um longo projeto, uma longa reflexão e testes, tem algo bom que deve ser incorporado ao novo modelo. Até agora, um “poder forte”, como Roma, a Inglaterra ou os Estados Unidos, elaborava um modelo e todos os países colonizados eram obrigados a adotá-lo. Hoje, temos as condições tecnológicas e sociais que permitem a concepção do novo modelo, assim como ocorre com as informações nas redes sociais e na Wikipédia.
>> Daniel Goleman: "A tecnologia degrada nossa concentração"

ÉPOCA – O senhor diz que o novo modelo incorporará valores dos antigos índios brasileiros. Como é essa ideia?

De Masi – Na metade do século XIX, a cidade mais industrializada do mundo era Manchester (na Inglaterra), onde apenas 6% dos trabalhadores estavam empregados. Nas atuais fábricas pós-industriais, um terço dos trabalhadores desenvolve atividades criativas. Os outros dois terços estão engajados em atividades executivas do tipo física ou intelectual, destinadas a ser absorvidas por computadores e robôs. Num futuro bem próximo, como previu (o economista britânico John Maynard) Keynes no fim dos anos 1930, só haverá trabalho criativo, enquanto a maioria dos trabalhadores não terá de trabalhar mais que 15 horas por semana. Em grande parte do mundo, a relação entre tempo e vida será muito similar àquela dos índios, centrada em atividades rituais e estéticas. Quando o novo modo de vida for desenhado e incorporar também esses valores, os brasileiros ficarão orgulhosos dos ancestrais indígenas de que hoje se envergonham. E nada impedirá nossos netos de somar os benefícios do ócio criativo, do senso estético e da sabedoria indígena aos benefícios da ciência e da tecnologia pós-industrial.

terça-feira, junho 24, 2014

Ponto de vista!

Lendo o texto abaixo eu pude perceber e refletir um pouco mais sobre o quanto não existe isenção naquilo que é trabalhado pelos figurões da publicidade e do jornalismo nativo mal intencionado. Olho de soslaio para a Copa. Fujo dessa histeria que foi construída em torno do mundial. Todavia, o brasileiro em geral oscila entre a euforia e uma visão depreciativa do seu país. Tal "complexo negativo" é uma consequência do nosso processo de formação. Se analisarmos a nossa constituição, perceberemos que a nossa identidade enquanto sociedade foi formada por uma lógica exploratória. A nossa colonização não aconteceu com o propósito de que formássemos uma coesão em torno de projetos, intenções, sonhos e esperanças. Fomos explorados, expropriados daquilo de que melhor possuíamos. Deve ser levando em conta ainda que uma elite patrimonialista e analfabeta sempre se utilizou do Estado para fins próprios. Essa elite sempre buscou viver "uma Idade Média", ou seja, sempre buscou "feudalizar" as relações históricas e tirar vantagens disso. E ela ainda está aí! Os barões da mídia vêm daquelas antigas famílias que sempre viram esse país como uma "ilha" atrasada para as suas maracutaias, como trabalha tão bem o cineasta Glauber Rocha no seu raivoso "Terra em Transe". Essa mesma elite tira proveitos do poder de alcance que as informações têm em nosso momento histórico, para inventar factoides e tirar vantagens políticas. Analise-se o nome das famílias que são detentoras do meios de comunicação e pode se perceber que elas se ligam aos antigos coronéis da Colônia. Ultimamente, a grande moda foi, desde julho do ano passado, quando começaram as manifestações, que "murcharam" justamente por não ter um projeto, uma pauta política, falar mal do país. Já se aprendeu historicamente que revolução não se faz sem um projeto de coesão, sem uma operação sistemática de ideias com uma finalidade explícita. Apenas um ajuntamento de pessoas atomizadas não gera mudanças, caindo consequentemente na anarquia como vimos. Pois, a mídia tem explorado ao máximo esse episódio, pois com isso ela alcança três objetivos: (1) enfraquecer o governo da Dilma Rousseff e do PT. Deve ser ressaltado que a esquerdopatia e o antipetismo atual são justamente resultado desse trabalho. (2) cria uma imagem negativa do Brasil para o mundo, confirmando sua tese histórica de que somos "um povinho incivilizado"; e que aqui só temos Carnaval e Futebol. (3) sua militância resulta em lucros e em uma sociedade que não toma consciência de si e, com isso, a hegemonia dela fica preservada. Nesses dias de Copa, já passei pelos aeroportos de Brasília, Congonhas, Porto Alegre e Guarulhos e não vi o caos propalado pelos "cavaleiros do apocalipse". Pelo contrário, vi muitos estrangeiros admirados - coreanos, argelinos, equatorianos, nicaraguenses, etc. É terrível quando não nos conhecemos. Isso acaba fazendo com que não nos valorizemos. Quando isso se dá, tornamo-nos alvos fáceis para sermos cooptados politicamente e filosoficamente. Um país capaz de desligar a TV e ligar sua atenção na programação da sua história, tem tudo para promover mudanças consideráveis. Afinal, como diz a música da Nação Zumbi: "A revolução não vai passar na TV". Isso não traria solução a todos os nossos problemas, mas nos daria paz para construirmos uma sociedade diferente. Abaixo, um belo texto"

"Parte do que dizem de nós não está sob nosso controle. Mas é possível trabalhar a imagem do país no nível da influência e da reputação. Como fazem pessoas e marcas. O Brasil é uma marca. Que nós, os donos dela, temos tratado muito mal. Imagine o dono de um produto que vibra mais quando falam mal do seu produto do que quando falam bem dele. Esses somos nós".


quinta-feira, junho 12, 2014

Opinião - uma pensata sobre o hoje


Certa vez, li um adágio do poeta inglês T.S. Eliot que dizia mais ou menos assim: "Numa terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária é que parece que está fugindo". Parece bobo, reativo, "do contra" afirmar isso, mas não simpatizo em nada com essa histeria a respeito da Copa do Mundo. Em muito, a minha visão pessimista, que acredito ser ciorânica (de Cioran, filósofo romeno), permite-me manter a prudência e lucidez necessárias, tirando os meus pés de convicções moles e agradáveis como algodão doce. 

A ostentação, o delírio enfronhado em desejos de triunfos epidérmicos, transforma o país em um ninho de ingenuidades. É bom que agreguemos à nossa rotina mais esta anestesia para que não façamos uma reflexão sobre nossa condição, sobre a nossa história. O Governo diz cinicamente que esta será "a Copa das Copas". O meu espírito marxista da contradição me conduz à seguinte pergunta: "Para quem?" Tenho convicção de que esta Copa trará satisfações, mas não será para mim, nem para tantos milhões de brasileiros. 

Ela trará satisfação para a FIFA, que sairá daqui com alguns milhões no bolso; será positivo para as empresas que compraram os direitos de transmissão; para as sociedades esportivas, que se locupletarão com cifras estratoféricas; para as corporações que se aproveitarão para inocular as suas presas sedentas na "carne suculenta" dos lucros por causa da quantidade de espectadores (consumidores passivos). 

O Brasil gastou mais de oito bilhões com a preparação da Copa. Vimos os estádios (os templos) sendo construídos do dia para noite. Tal fato me deixou com a impressão de que eu não estava no Brasil. Fomos rápidos. Céleres ao extremo. A coisa ganhou contornos ex nihilo. Mas quando causas mais nobres são debatidas, notamos uma exarcebante dificuldade para materialização dessa mesmas causas. Uma tenativa de debate para construção de escolas, casas populares, estradas, hospitais, infra-estrutura em cidades caóticas, a coisa se arrasta de forma langorosa. Uma lei com o objetivo de combater a corrupção; os vícios do Judiciário; não vêm à tona com tanta facilidade. Terrível. 

O Brasil é o país das incoerências. Dos mandos e desmandos. Dos patrimonialismos indecentes. Das sedimentações escandalosas. Por isso, e em decorrência disso, quero andar na direção contrária. Quero firmar um pacto com a indiferença. Essa é a minha postura política. Respeito aqueles que estão entusiasmados. Contudo, já vi e percebi muitas injustiças, desatinos, espertezas, vilezas, para continuar com um otimismo ingênuo, como se estivesse numa terra onde emana bom senso, justiça e honestidade. O futebol representa diante disso tudo uma injeção de morfina a fim de amenizar os arranhões provocados pela batalha que é viver em um país como o Brasil.