quarta-feira, outubro 29, 2008

Impressões solares

Uma luz incandescente doura o horizonte.
Cria um ponto referencial alaranjado.
Um réquiem.
A beleza mesclada à morte.
Nuvens como gases ensangüentadas giram,
Enfeitam, tentam por ataduras no
Astro magnificente.
Os momentos são decisivos.
Uma laranja avermelhado, ourífero,
Habitado pela dor encarnada do silêncio.
As formas “deformadas” pela luz carmesim.
O horizonte com os montículos
Distantes completamente tomados
Pela fumaça rala, acinzentado,
Com uma coroa vermelha a lhe vestir
Toda a extensão.
A luz desapareceu e ficaram os fragmentos,
Os pedaços tênues
Das cinzas escarlates.
É o prelúdio da morte.
O ritual da vida natural,
Dos processos naturais;
Em outra parte, em outro lugar,
Os vívidos raios encherão de vida
Os seres, as coisas, para morrer outra vez –
Seria o eterno retorno da natureza?
Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: 01 de julho de 2008.

sexta-feira, outubro 24, 2008

Melancolia

Uma corrente fria de vento

Atravessa a minha alma.

Sinto-me triste.

É uma tristeza tristemente delicada.

Tristeza sem recatos.

Sensação recatada.

O peso de mil toneladas comprime

O meu peito.

Asfixia-me com sua presença tórrida.

Desabo qual monstro ao chão.

Estou triste.

A tristeza ri de mim.

Solta impropérios sufocantes.

Amarra-me.

Lança-me sobre estacas de medo

E desengano.

A manhã está fria.

Não quero contatos.

Palavras não me serão receptivas.

O que sinto me é escusado.

De uma coisa eu sei:

Dói, como dói!


Carlos Antônio Maximino de Albuquerque

Data: terça-feira, 24 de junho de 2008, 08:57:16.

sexta-feira, outubro 17, 2008

Altares domésticos

Em princípio, isto é uma simples crônica. Mas pode ser transformada numa densa tese universitária. Estou lhes falando de altares – coisa meio arcaica, mas estou falando também de nossa alucinada cultura eletrônica. Vou me referir ao rádio e à televisão, que foram durante muito tempo o altar em torno do qual a família se congregava. O altar é uma exigência simbólica dos humanos. Estão dentro e fora das igrejas. Remetem para uma idéia de dentro e para cima. As pirâmides são uma espécie de altar. O altar é um diálogo com o imponderável. As pirâmides são enormes altares ao ar livre. No México, nos dias de finados, num dos cômodos da casa, ergue-se um altar coberto de frutas e comidas para os mortos familiares.
Quando era menino, as casas de classe média e burguesas tinham uma sala de visitas. Esse ambiente ficava fechado, só era aberto quando vinham tios e conhecidos especiais. Receber uma visita era um ritual. E nas paredes haviam retratos de parentes mortos, com aqueles bigodes, chapéus, aquelas poses e olhares nos espiando da eternidade. Os mais ricos tinham retratos solenemente pintados a óleo. Aquela sala especial era o recinto sagrado da família. Havia silêncio ali até os móveis ritualizavam reverência.
Com o amesquinhamento moderno do espaço doméstico, as salas de visitas foram se extinguindo. De repente, apareceu um visitante que veio para ficar: o rádio. Ele também falava conosco, trazia notícias de longe. Mas com seu surgimento, houve um deslocamento simbólico. O rádio foi posto na sala de jantar, no meio da vida, entronizado num móvel especial. A família unida em torno da mesa, numa santa ceia profana, assistia piamente às lagrimosas novelas na hora do almoço e do jantar. Embora cada membro da família pudesse ter também seu programa preferido, o rádio estava ali com sua força cêntrica, era um altar em torno do qual até vizinhos vinham se reunir.
Com o surgimento da televisão, houve apenas uma substituição de objeto. Uma troca metonímica. Mas altar continua congregando. Dizia-se, no entanto, que a família já não mais conversava, não mais externava seus conflitos na terapia de grupo que era o almoço e o jantar. Ficavam todos ajoelhados diante dessa deusa terrível. Deu-se, então, que com o crescimento econômico e com a fragmentação crescente da família, o altar se moveu. Cada membro da família passou a ter uma tevê em seu quarto, um altar próprio para os seus ritos. Dizem que isto incrementou a desagregação familiar.
Aí surgiu o computador. Pensava-se que fosse simplesmente competir com a máquina de escrever e com as canetas mata-borrões. Mas, surpreendentemente, surgiu a internet e a questão do altar tornou-se bem complexa. Poder-se-ia dizer também que a internet virou uma espécie de janela, de plano de fuga, de túnel por onde se escapa e se viaja, rompendo os muros do próprio lar. Mas, essencialmente, o computador e a internet são um novo altar. Muito mais pessoal do que os anteriores e instalado em diversos cômodos da casa. Teria ocorrido, então, uma descentralização do rito. Não mais a sala de visitas que só se abria em ocasiões especiais, não o mais a família (e vizinhos) na sala em torno do rádio ou da tevê. Agora, cada um na sua (ou seu altar).
Mas a coisa, semiologicamente, radicalizou-se ainda mais. O computador e a televisão se fundiram, se casaram. E mais: apareceu um terceiro elemento inovador: o celular que é o mesmo tempo telefone, computador, MP3 (antigo toca-disco) e televisão. Com a vantagem de ser móvel, que se leva para o avião, para o piquenique, para a praia, enfim, um “duplo” indispensável, a segunda natureza do ser humano.
Nesta perplexidade de crentes-descreventes estamos. Redes invisíveis nos unem planetariamente. A igreja está em nossas mãos, é portátil, está em todas as partes e em lugar nenhum. Pensamos freqüentá-la, mas ela é que nos freqüenta, já que o “o meio é a mensagem”.
Há uns 40 anos, Drummond fez um estranho e premonitório poema, Ao Deus Kom Unik Assão, que lembro no final dessa crônica, mas que deveria ter epígrafe na tese sobre os “altares da pós-modernidade”, que algum leitor escreverá. No final, vendo o paradoxo em que a sociedade da comunicação se metera, ele indagava que nos salvaria da “inkomunikhassão”.

Por Affonso Romano Sant'Anna

SANT’ANNA, Affonso Romano de, Altares Domésticos, Correio Braziliense, Brasília, 23 Mar. 2008. Caderno C. p. 8.


Data: segunda-feira, 7 de abril de 2008.

sexta-feira, outubro 10, 2008

A minha alma está cheia de poesia

Quero me lançar em direção ao vazio espiral

No deserto que formou-se em mim.

“As velhas palavras mortas sujaram a minha alma,

por isso quero lavá-la com as águas do silêncio.

Eu desconfio do sentido e das vozes dos homens

Ditos normais – são normais demais!

Deixemos a normalidade tão fingida deles e corramos

Na direção do outonal extremo da nossa alma.

Lá não se fala palavras normais, porque a normalidade

Cristaliza os movimentos que formamos com a poesia.

Poesia é movimento silencioso.

Movimento e combinação de sentidos

Inauditos.

Desconfio das poesias paradas.

As poesias não são verões parados e abafados.

São primaveras coloridas e cheia de musicalidade.

Gosto do que não dizem justamente por ser algo que busco

Compreender com a minha liberdade poética.

Eu sou mais que sou. Sou a outra metade afastada de mim.

Porque é justamente diante do insondável que buscamos

Compreensão para o não-entendido.

A minha história é mais que voz. Ela é o filtro indicador

Das horas nuas da vida.

Palavras desencontradas brotam de dentro de mim neste

Momento.

Parece saírem de uma cascata caudalosa que se precipita

Nas pedras da vida.

É como o magma que emerge do ventre da terra

Terrificantemente pastoso, mas que vira pedra quando enfrenta

A realidade climática externa.

O viajor da história me faz ter espasmos diante dessa

incógnita chamada vida.

Apenas reflexão... nada mais.


Por Carlos Antônio M. Albuquerque

Data: 27/12/2003 14:59:15, sábado.

sábado, outubro 04, 2008

Na noite fria.

Em fuga na noite fria.
Céu de negras nuvens,
De estranhos tormentos.
O que és ò grande ser, imagem misteriosa,
Figura vaporosa, de crista formosa?
Valha-me a interrogação.
Recusem-se a me atender.
O enigma me trará alimento.
Ensaio algumas falas que talvez ouses responder.
Deixemos a vida escrever estes versos níveos.
Brancos porque são feitos pela esperança.
A lua vai alta no céu taciturno.
As árvores balouçam lá fora, como bandeiras em lanças.
O recital de tragédias e contentos.
A firmeza que reverte o placar adverso.
A fímbria que colore os hortos das montanhas.
A inocência que me faz ri de saudade
Dos teus sorrisos-versos.
Um muro se ergue entre nós, `o figura perene.
No leito de lágrimas tento exprimir e lembrar
O que de ti descende.
O muro é alto, ingalgável, mas quero transpô-lo.
Porque quero revesti nosso amor d’ouro.
Choupos com flores alvíssimas.
Noite com cantochões,
Certeza perene e, talvez, fremente em dois corações.


Por Carlos Antonio M. Albuqueque.
Data: 12/06/2003 19:39:25, quinta-feira.